II SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES INTERÉTNICAS GT 5 – Estudos culturais e a pesquisa em suas múltiplas possibilidades MULHER E OBJETO: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS POR ENTRE CULTURAS Hider Araujo de Oliveira Nadja Karla de Oliveira MULHER E OBJETO: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS POR ENTRE CULTURAS Hider Araujo de Oliveira1 [email protected] Nadja Karla de Oliveira2 [email protected] RESUMO: O presente trabalho visa focar os vários olhares acerca da representatividade da mulher ao longo dos anos, em/por diferentes culturas. Coloca pólos distintos em relação à figura feminina e explana que, cada vez mais, fica ainda mais tênue a linha que coloca a mulher como o sexo frágil da que a tem como um símbolo de força e raça. Para tanto, dentre outras coisas, será analisado o contexto de produção da letra Mulheres de Atenas, de Chico Buarque de Holanda, paralelamente com duas obras clássicas: A Odisséia, de Homero e Lisístrata, de Aristófanes com isso verificar o fato de a mulher ser vista como um objeto exclusivamente sexual, e ainda submissa a uma sociedade dita patriarcal, paralelo à força que esta está possuindo com o passar do tempo, tendo como exemplo a figura da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff. 1 Graduando do curso de Letras Português da Universidade Federal de Sergipe 2 Graduanda do curso de Letras Português da Universidade Federal de Sergipe. PALAVRAS-CHAVE: Mulher, cultura, objeto sexual. INTRODUÇÃO Este artigo irá propor uma análise a respeito do papel da mulher na sociedade e o que pensa esta em relação àquela. Será feito um recorte mais especificado na visão masculina em face da feminina: o que faz com que a mulher seja vista como objeto sexual? Por que sua forte identificação com os afazeres domésticos, matriarcais e, de certa forma, conjugais? Ao passo que será abordado esse lado submisso, também se levará em conta o processo evolutivo social que a mulher vem adquirindo ao longo dos anos. Em meio a muitas denotações negativas intrínsecas ao universo feminino, não se pode deixar de dar atenção às inúmeras conquistas da mulher, como posições hierárquicas importantes no mercado de trabalho. Tal tema foi escolhido para se discutir o motivo de a mulher ser uma criatura coadjuvante, “sombra em relação à figura do homem”. O tempo passou, muita coisa evoluiu, muitos conceitos foram formados e desconstruídos, mas a mulher, mesmo com todo um avanço mundial, ainda possui uma carga muita submissa, muito fraca e dependente, e mesmo tendo realizado muitas conquistas, estas parecem ter sido omitidas em todo o contexto histórico. Talvez os ideais machistas tentem ocultar a grande importância da mulher na história, ou até mesmo deixá-la presa a um mundo que gira em torno de pensamentos seletivos entre homem e mulher. Este trabalho tem o cunho de informar a importância da mulher para toda a sociedade e elucidar preconceitos em relação ao mundo feminino, assim como esclarecer estes foram construídos. Além disso, a proposta deste artigo é fazer com que haja uma ligação entre a cultura do passado e a do presente, e o que há de convergente e divergente entre essas comparações. Para tanto, serão utilizadas obras clássicas, como Lisístrata e Odisseia, respectivamente de Aristófanes e Homero, além da música Mulheres de Atenas, de autoria de Chico Buarque de Hollanda e Augusto Boal. Juntamente com isso, será falado sobre submissão feminina, em contraste com o surgimento da mulher moderna, aquela que pode e deve ocupar cargos ditos masculinos, cargos de comando, elevados na sociedade, como se nota na figura que administra o Brasil, a presidente Dilma Rousseff. MULHER: ALVO DE VIOLÊNCIA Um dos índices mais crescentes de violência hoje no mundo é contra a mulher. Segundo o IBGE, a cada quinze segundos, uma mulher sofre algum tipo de violência no Brasil. E para piorar, na grande maioria das vezes, o agressor é o próprio companheiro. Muitas vezes, o homem vê na mulher uma presa fácil, incapaz de demonstrar uma defesa contra ele. Situações diversas não justificáveis fazem com que cada dia mais a mulher seja vítima da violência, seja ela de que natureza for. Quando a violência é a norma, torna-se muito mais difícil para a esposa espancada tomar os passos para terminar o casamento do que para uma mulher habituada a condições mais plácidas. Uma vez que a violência é coisa até certo ponto aceita em todas as camadas da nossa sociedade, a decisão de terminar um casamento por causa do comportamento violento do marido é relativa, e também difícil. (LANGLEY; LEVY, 1980, p. 146) A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006), é de total amparo às mulheres agredidas. Surgiu quando uma senhora de nome homônimo à Lei foi agredida pelo marido, tento como consequência a paraplegia. Tal Lei foi um avanço nas conquistas femininas, porém o número de mulheres que denunciam seus agressores ainda não é satisfatório, visto que o percentual de violência contra a mulher ainda é muito crescente. Muitas mulheres ficam presas ao seu domicílio e, consequentemente aos seus maridos violentos, pelo fato de não terem um respaldo por parte da família, da Justiça, de pessoas próximas em geral. Além do mais, a falta de uma fonte de renda própria privam-nas da liberdade pacífica. Algumas mulheres não saem de casa por não terem como se sustentar e nem para onde ir. Outras pensam muito nos filhos e temem a educação destes longe de seus pais. Preferem sofrer agressões, mas que tenha ao seu lado o seu cônjuge, que querendo ou não, é um símbolo, padronizadamente falando, de força, poder e segurança. Vivem aprisionadas ao cárcere domiciliar, com a certeza de uma nova agressão, com a esperança ilusória de uma mudança por parte do companheiro e com o medo da liberdade, pelo fato de possíveis represálias por parte do agressor. Mulheres que trabalham pesado em casa e tem como infeliz retorno a grande hostilidade, privadas de carinho, afeto, amor, respeito, companheirismo e, acima de tudo, reconhecimento por uma vida dedicada ao lar, ao marido, aos filhos, e muitas vezes, aos trabalhos extras. MULHER X OBJETO SEXUAL Uma grande interrogação que paira sobre muitas mentes é a seguinte: por que a mulher é vista como um objeto sexual? De onde surgiu a associação da figura feminina com o lado do desejo carnal? Talvez, para esta pergunta, chegue-se à conclusão que a resposta está explícita desde que o mundo é mundo. O fato de as mulheres, sob a visão pura e simplesmente machista, terem que ser sempre focadas nos afazeres domésticos e, por conseguinte, submissas aos seus maridos, faz com que elas não ampliem o seu mundo, não consiga ir além das fronteiras “caseiras”, “filiais”, “conjugais”. Não é preciso muita pesquisa nem vasto conhecimento para se saber que em muitas culturas, inclusive, de certa forma, a nossa, o patriarcalismo ainda reina, soberano ou não. O patriarcalismo é uma das estruturas sobre as quais se assentam todas as sociedades contemporâneas. Caracteriza-se pela autoridade, imposta institucionalmente, do homem sobre a mulher e filhos no âmbito familiar. Para que essa autoridade possa ser exercida, é necessário que o patriarcalismo permeie toda a organização da sociedade, da produção e do consumo à política, à legislação e à cultura. (CASTELLS, 1999, p. 169) Tendo como exemplo a cultura indígena, onde o homem é quem sai à caça de alimentos, enquanto a mulher fica tomando conta de suas ocas e consequentemente dos seus filhos, fica ainda mais claro o papel que a mulher assumiu ao longo dos tempos na sociedade. E onde é que entra relação mulher e sexo? Simples: ao sair para fazer os ditos “serviços masculinos”, o homem chega a casa e procura receber todo o carinho e aconchego que a correria do dia não lhe proporcionou. Deseja ter uma mulher que lhe traga tudo que o satisfaça, incluindo sexo. Quer chegar e ter uma mulher afetiva e com todos os caprichos necessários para um desestresse. Isso vai desde o primeiro encontro, como mostra a citação abaixo: Há, certamente, na percepção imediata Sam todo homem tem de uma mulher por ocasião do primeiro encontro, uma interrogação sexual: ela me atrai sexualmente? É uma parceira sexual possível ou eventual? Como será que reage quando faz amor? E assim por diante. (FALCONNET; LEFAUCHEUR, 1977, p. 79) Certamente, a mulher moderna não agrada ao homem do século XXI, pois ela agora pensa como sujeito individual, ou seja, a partir da sua ótica, não é mais aquele ser que reproduz o já dito e fala o que o ”seu homem” gostaria de ouvir. A mulher já não é um ser personificado, regrado a padrões masculinos, não fica em casa com a comida pronta, as roupas passadas, cuidando apenas do lar e à espera do chefe da casa para poder servir incontestavelmente apenas como simples objeto de uso, no qual tem que ser perfeita. Em vista disso, acaba sendo desmistificado o conceito de mulher estereotipada de acordo com a ideologia masculina. Em qualquer circunstância, pois, os homens sonham com a mesma mulher idealmente feminina. Acima de tudo, charmosa; em seguida, doce, terna, gentil, amorosa, dependente do homem, ainda que capaz de assumir certas responsabilidades; sem que jamais reivindique as prerrogativas viris, sabendo contentar-se com o seu papel de mulher para uso interno; tendo, no entanto, qualquer coisa a dizer, de vez em quando, sobre assuntos que não os simplesmente domésticos, nos quais se deseja, aliás, que se manifeste mais pela intuição que pela inteligência real. (FALCONNET; LEFAUCHEUR, 1977, p. 85) Em vista do que aqui foi colocado, até dá a entender que a mulher, até agora, não possuiu nenhum avanço em relação a trabalho, conquistas, moralidade, entre outros. Heloneida Studart (1986, p. 27) diz que “a mulher é o único ser racional que precisa abonar as suas teorias com um rosto bonito ou um belo par de pernas”. É praticamente uma luta pra demonstrar que o universo feminino não se restringe a apenas o formato do seu corpo nem também a uma atuação sensual. Ainda de acordo com a autora: O homem envelhece com dignidade e a mulher com insegurança. Dos objetos da sociedade de consumo (feitos para se deteriorar depressa) ela é o que mais cedo entra em obsolescência. O mercado pede Lolitas. Que fazer se o tempo passa, e ela não tem nenhuma tarefa histórica, mas apenas deve agradar ao homem? (STUDART, 1986, p. 31) A citação acima mostra de forma explícita que a mulher, infelizmente, foi vista por muito tempo, hoje de forma mais tímida, como um mero objeto de uso, que se torna obsoleto com o passar do tempo. No que se fala do mundo feminino, intelectualidade e sexualidade não andam juntas: está se sobressai em relação àquela. É inconcebível pensar que a mulher, durante muito tempo, foi vista somente como uma procriadora, alguém que vivesse sempre à sombra de seu parceiro, numa sociedade que criava a mulher desde o berço para se tornar uma esposa dedicada, uma mãe zelosa, uma “rainha do lar” exemplar. Também vale ressaltar que a mulher de antigamente não precisava sair do bem-estar da sua casa para trabalhar, não precisava se preocupar com as contas que teriam que ser pagas, pois isso era o papel do homem (este sempre denominado o chefe da família), e por ter que deixar o seu lar para ir trabalhar e honrar com as suas obrigações como o homem que a sociedade concebeu, ele se achava no direito de exigir o que queria e o que achava como ideal de mulher. Ultimamente, a mulher sendo vista enquanto objeto sexual tem se tornado centro de muitas discussões entre grupos feministas conservadores e pessoas com ideologias, diga-se, de princípios de “mente aberta”. Um fato muito recente e bastante comentado foi o de um comercial de lingerie do qual a modelo brasileira Gisele Bündchen participou. Nele, Gisele comunicava ao seu fictício marido a notícia de que bateu o carro. A discussão gerou diante das duas formas com que o fato foi dito. Na primeira, a modelo aparece vestida de forma comportada e, assim, o locutor do comercial surge dizendo que esta seria a forma errada de comunicação. Na segunda, Gisele aparece vestida simplesmente de calcinha e sutiã, a “forma correta”, de acordo com a proposta comercial. Diante disso, como já era de se esperar, muitas posturas de apoio e também de adversidade aos grupos conservadores. Uma pessoa que demonstrou total repúdio à propaganda foi a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes. A ministra considerou falta de respeito às mulheres, colocando-as como figuras de absoluto valor sexual. Sua opinião é dada na coluna Economia & Negócio, do jornalista Wladimir D’Andrade, do jornal Estadão A propaganda caracteriza como correto a mulher dar uma notícia ruim apenas de lingerie e errado estar vestida normalmente. Essa definição de certo e errado caracteriza um sexismo atrasado e superado. Novamente, foi posto em debate a imagem que a mulher adquiriu ao longo dos anos e que parece estar intrínseca a sua natureza. Abaixo, as oposições de Gisele Bündchen no comercial, assim como charges a respeito da tão comentada discussão: Fonte: O Estado de São Paulo - 2011 Fonte: Blog do Amarildo - 2011 Percebe-se na charge a supervalorização do corpo feminino, ou seja, uma “gostosona” pode usar uma roupa íntima sensual, enquanto que uma mulher considerada fora dos padrões estéticos da moda ou até mesmo da sociedade serve de piada e material para ocupar a parte de entretenimento dos jornais. Deve-se ter uma preocupação maior quando o assunto envolver a mulher como objeto do foco ou em foco, não que as mulheres sejam seres intocáveis, mas são seres humanos que por um período muito grande na história da humanidade tiveram o seu lugar negado perante a sociedade, quiçá foram sempre destinadas a convirem com lugares inferiores em relação aos homens. E contentavam-se com o papel de rainha do lar, dona-de-casa, esposa dedicada, exemplo de mãe zelosa com a missão de educar, orientar e dar carinho aos filhos. MULHERES DE ATENAS: OLHAR DE HOJE ACERCA DO ONTEM A letra Mulheres de Atenas, de autoria de Chico Buarque de Hollanda e Augusto Boal, nos remete ao período clássico da Grécia de Homero, pois traz à tona a história das mulheres oprimidas daquela época. Mulheres estas que viviam somente para seus maridos e só serviam para dar à Grécia guerreiros que defendessem a pátria grega, visto que esta presenciou vários momentos de guerra. As mulheres citadas na música em análise são submissas, domesticadas, condicionadas a viverem apenas no âmbito do seu lar, reduzidas a simples procriadoras e esposas dedicadas que, por conseqüência da guerra, eram obrigadas a passar vários dias sem a companhia dos seus maridos, estes por sua vez podiam e deviam procurar uma companhia feminina para ocupar os lugares de suas esposas no período de viagem. Mulheres de Atenas Chico Buarque / Augusto Boal Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas Quando amadas, se perfumam Se banham com leite, se arrumam Suas melenas Quando fustigadas não choram Se ajoelham, pedem, imploram Mais duras penas Cadenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas Quandos eles embarcam, soldados Elas tecem longos bordados Mil quarentenas E quando eles voltam sedentos Querem arrancar violentos Carícias plenas Obscenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas Quando eles se entopem de vinho Costumam buscar o carinho De outras falenas Mas no fim da noite, aos pedaços Quase sempre voltam pros braços De suas pequenas Helenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas Elas não têm gosto ou vontade Nem defeito nem qualidade Têm medo apenas Não têm sonhos, só têm presságios O seu homem, mares, naufrágios Lindas sirenas Morenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas As jovens viúvas marcadas E as gestantes abandonadas Não fazem cenas Vestem-se de negro, se encolhem Se conformam e se recolhem Às suas novenas Serenas Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas Apesar de a música demonstrar um tom antifeminista, se for analisada sob uma única leitura, infere-se, porém, através do verbo mirar uma forma de aconselhamento, pois numa análise mais detalhada, nota-se que a escolha desse verbo para a letra da música não significa uma apologia à subordinação feminina diante do sexo oposto. Os autores fazem uma referência ao livro Odisséia, do escritor grego Homero, especificamente a Penélope, esposa de Ulisses, o protagonista do romance. Penélope possui grande respeito ao marido, mesmo este estando em combate com Tróia. Prova disso é que enquanto Ulisses está fora de casa, por incríveis vinte anos, sua esposa permanece a sua espera. A literatura evoluía, aperfeiçoava-se e seguia novos caminhos; enriquecia seus meios de expressão com novos matizes e palavras. Mas em compensação, continuava obstinada a nos apresentar débeis criaturas enganadas, mulheres abandonadas, entregues à dor, esposas ávidas de vinganças, fêmeas sedutoras, almas “sem vontade, não compreendidas”, e encantadoras jovens “puras e sem personalidade”. (KOLLONTAI, 1980, p. 62) Penélope foi muito cortejada por diversos cidadãos gregos, mas optou por não querer entrar em nenhum relacionamento, ainda crente da volta de seu marido. Diante de algumas propostas de casamento, a jovem acabou por “aceitar” uma, mas com uma condição: só se casaria depois que bordasse a mortalha do sogro já ancião. Acontece que durante o dia, Penélope tecia a vestimenta, porém à noite ela desfazia todo o bordado. Eumeu, fiel companheiro de Ulisses, contou-lhe tal astúcia: Os pretendentes alegraram-se com a proposta [casamento] – prosseguiu Eumeu -, porque pensavam que a tarefa não seria muito demorada. Estavam enganados. Penélope passava os dias a trabalhar com aplicação, sob os olhares ansiosos daqueles insolentes. Mas, à noite, levantava-se e ia desfazer o que fizera de dia. Assim, pela manhã, quando eles vinham informar-se do avanço da obra, encontravam-na sempre no mesmo ponto. (HOMERO, 2003, p.62) Chico Buarque e Augusto Boal tomam Penélope como um ponto de partida para uma explanação feminina às mulheres de hoje. Os autores vêem nas mulheres atenienses figuras muito dependentes dos maridos, pessoas sem vontade ou com vontade omitida. Prova disso é que uma delas esperou, pacientemente, a remota possibilidade de regresso de seu marido por exatos vinte anos. Buarque e Boal trazem às mulheres de hoje toda uma história acerca da submissão das mulheres do passado, com o intuito de dizer às contemporâneas que hoje, com todo um Avanço ideológico, a mulher não pode ficar presa aos seus maridos, consequentemente às tarefas domésticas. MULHER X RELIGIÃO Pensar em mulher e religião ao longo da historia podemos perceber nitidamente que houve uma mudança da introdução daquela em relação à essa, mas não podemos simplesmente apagar da memória que as mulheres trilharam um longo e árduo caminho para conseguir um lugar, mesmo que um lugar camuflado, na religião, estamos falando nesse caso da religião católica. Se pararmos para pensar que toda a culpa do pecado recai sobre Eva, e esta por sua vez é uma mulher, que sempre foi apontada como a que induziu Adão a pecar, a comer do fruto proibido, e assim sendo foi detentora do demérito de ter feito com que o pecado povoasse o mundo, e para castigá-los Deus os expulsou do paraíso. Por causa do ato de Eva, as mulheres ao longo da história foram motivos de piadas e brincadeiras um tanto quanto preconceituosas. E todas acabam sendo culpadas pelo fato de não termos a vida eterna, e isso acompanha o sexo feminino há muito tempo perante a religião católica. Com o advento do cristianismo e sua propagação a igreja católica passou a adotar o celibato como uma exigência, e para tal fim, ela precisava que a sociedade passasse a ver a mulher como algo negativo para essa religião. E para obter êxito nessa nova política celibatária, o catolicismo (a igreja) resgata mulheres que marcaram a sociedade com suas atitudes negativas, mulheres como: Eva, a causadora da derrocada do primeiro homem da existência da humanidade; Salomé, esta pediu a cabeça de São João Batista e Dalila, que traiu a confiança de Sansão ao entrega o segredo dele, abstraise que do exposto que as mulheres eram ou são vista como as traidoras. Por tudo isso o catolicismo não admite que os representantes do clero se casem e nem tenham relação sexual com mulheres, já que os representantes majoritários da igreja católica são homem, pois eles querem uma igreja “santa” e sem pecados, e para eles (do clero) é mais vantajoso ter as mulheres como fieis de sua religião como uma forma das mulheres estarem sempre se redimindo e pagando pertinência por mulheres como Eva, Dalila e Salomé. Esse quadro muda um pouco com a Virgem Maria, esta pelo fato de ser mãe do salvador da humanidade e por tê-lo concebido sem pecados. Ela também se tornou o exemplo de esposa dedicada e mãe perfeita, lutou e enfrentou todos por amor e devoção ao seu filho. Através dela, a mulher pôde ser canonizada, e passar de pecadora à santa, mas no mundo material os mais importantes dentro do cristianismo são os homens. Enquanto que no catolicismo há a proibição do casamento dos seus representantes (Clero), no islamismo os homens podem até casar-se com quatro mulheres, desde que esses possam sustentá-las plenamente e que estas acreditem no monoteísmo. Essas mulheres da religião islâmica, durante o seu período menstrual, ficam proibidas de orar e jejuar. Tudo isso por motivo cultural, pelo fato de considerarem a figura feminina impura nesses dias. Também no que se diz respeito a essa religião, a mulher fica privada de mostrar partes do seu corpo em local público, chegando ao extremo de não poder exibir nem o seu próprio rosto, tendo que ocultá-lo através do uso de um véu. Isso representa um domínio por parte da religião, além de demonstrar a superioridade masculina. LISÍSTRATA: O PROTÓTIPO DA MULHER MODERNA A comédia grega Lisístrata foi escrita em meados de 411 a.C., mas tem uma protagonista com ideais além do seu tempo. Uma mulher que não se satisfez em viver margeada pelos homens, em aceitar calada as imposições dos mesmos, sobretudo, não se colocou no papel de sexo frágil. E para acabar com as guerras que atormentavam a população grega e, principalmente as mulheres que tinham que passar longos dias, até mesmo anos sem a presença dos seus maridos, pois estes estavam sempre em combates, Lisístrata propõe uma greve de sexo, e isso faz com as mulheres se unam mais e passem a enfrentar os machista que achavam que lugar de mulher era no lar cuidando dos afazeres domésticos. Há uma cena da peça que Lisístrata toma a Acrópole (local onde ficava todo comando da cidade, inclusive o tesouro), e nessa passagem do texto, (ARISTÓFANES, 1977, p. 41), nota-se o preconceito do homem diante da mulher: Comissário: E, se não me intrometo em demasia, que pretende fazer com o tesouro? Lisístrata: Ainda não ficou claro? Vamos administrá-lo de maneira doméstica, feminina. Comissário: Ah, é? Comprando cebolas e batatas para os pobres? Lisístrata: Senti no que me disse uma ironia? Só a pretensão masculina julga que administrar um estado é mais fácil do que administrar um lar. Torna-se evidente na fala do personagem masculino o desdenho com que ele trata a mulher. Para aquele, o lugar que pertence única e exclusivamente à mulher é o ambiente doméstico. Já na fala da personagem feminina fica evidente o quanto é complicado dar conta de casa, filhos, marido, e ainda assim ser vista como uma pessoa que pouco contribui para a sociedade. Muitos, assim como o personagem citado, não percebem a importância da mulher para a sociedade, já que estas são as que construíram e construirão o meio social. Outra passagem significante da visão masculina a respeito das mulheres é a fala do Corifeu Velho, um dos personagens da obra em análise. Este se dirige à mulher com um tom preconceituoso, soberbo e discriminativo. Isso acontece no momento em que todas as mulheres tomam a Acrópole, e no estopim de suas fúrias, os homens começam a por fogo na Acrópole, tendo o objetivo de tentar fazer com as mulheres desistam do plano de pacificar o país grego com “armas” femininas. Fédrias, temos que suportar isso? Ou vamos interromper de uma vez por todas com o cacarejar dessas galinhas? Uma boa vara no lombo, hein? Um bom pau nas costas, para que não se esqueçam nunca mais de que há uma grande diferença entre os ovos da fêmea e os do macho. (ARISTÓFANES, 1977, p. 34) Na obra Lisístrata, observa-se o quanto os homens são reféns de seus desejos carnais. Eles colocaram fim a uma guerra que durava décadas em nome do sexo, enquanto que as mulheres usando o artifício da greve de sexo conseguiram se unir, mostrar que elas tinham o direito de participar das decisões acerca do que era ou não melhor para toda a comunidade. O BRASIL NAS MÃOS DE UMA MULHER Depois de toda uma história sendo governado por homens, desde o período de colonização, o Brasil agora é presidido por uma mulher: a economista Dilma Rousseff. Dilma tem uma longa história de luta constante envolvendo a política: foi presa e torturada durante a Ditadura Militar, foi secretária municipal da Fazenda de Porto Alegre, ministra da Casa Civil do governo Lula e atualmente, presidente do Brasil. Dilma é um exemplo de mulher que venceu barreiras, enfrentou preconceitos e se mostrou ativa diante de uma sociedade que ainda tinha receios de como seria um governo com um controle feminino. Mostrou que a mulher é detentora de inúmeras realizações e pode se mostrar dona de seus próprios ideais. Em vez de perguntar por que a mulher detém tão poucas realizações de “importância histórica”, devemos questionar os padrões que foram e estão sendo utilizados para avaliar o que é efetivamente de significação histórica. Se as mulheres são virtualmente invisíveis na esfera pública, então até que ponto será significativa esta esfera? A história das mulheres precisa enfocar também locais particulares. Em lugar de perguntar qual foi o papel das mulheres em determinado movimento, devemos indagar que luz aquelas atividades irradiaram sobre os papéis das mulheres; do contrário, a maioria das mulheres são definidas como marginais à história. (HAHNER, 1981, p. 16) Ainda que tenha superado inúmeros obstáculos para assumir cargos de grande relevância, Dilma Rousseff não escapa das críticas da imprensa por ser a primeira mulher a assumir a presidência da República. Outra coisa que deve ser salientada é que a presidente foi eleita com grande apoio do ex-presidente Lula, e por conta disso, houve inúmeras especulações de quem realmente governaria o Brasil: se a nova presidente ou o ex, de forma indireta, através de conselhos e orientações. Talvez se tivesse a ideia de que uma mulher não possuísse autoridade e domínio necessários para comandar um país do porte do Brasil. Em outras palavras, denotação de pensamento de incapacidade. Mas, o que se tem visto é uma presidente com uma personalidade firme, capaz de ter um total controle tal qual qualquer antecessor ao seu cargo. Esta charge acima dá uma abertura para duas discussões: a eficiência do governo de Dilma Rousseff e a associação à vida doméstica. A primeira, fazendo uma contemporização, foi na época da descoberta de irregularidades, inclusive no uso de recurso público, em alguns ministérios. Dilma sempre se mostrou uma governante a par da situação do País e disposta a acabar com as falcatruas existentes. Seis ministros já “caíram” no atual governo. São eles: Antônio Palocci, Alfredo Nascimento, Nelson Jobim, Wagner Rossi, Pedro Novais e Orlando Silva. A segunda mostra que mesmo em torno de tanta eficiência e ajustes no cenário político, Dilma ainda é muito criticada por ser julgada inexperiente por muitos. Isso se deve, talvez, pelo fato de o Brasil ter sido governado até então somente por homens e o novo, nesse caso Dilma, acabasse por intimidar, causar dúvidas, incertezas de um bom governo. E ainda, como mostra a charge acima, estão inerentes os afazeres domésticos ao trabalho externo da mulher, seja ele qual for. No caso da presidente, o combate à corrupção é chamado de faxina, ou seja, uma forma de remeter ao trabalho da mulher dentro de casa. De qualquer forma, Dilma Rousseff é um exemplo de que a mulher tem total capacidade de assumir qualquer cargo que seja, desde que esteja preparada e se sinta à vontade para executá-lo. CONCLUSÃO A sociedade durante muito tempo colocou a mulher em segundo plano, como coadjuvante, como a dondoca que vivia e sobrevivia para o lar, filhos, marido, família. Uma mulher sem vontade, sem desejos, sem participação ativa (ou qualquer que seja) em qualquer decisão social. Sendo uma figura secundária, ela estava sempre à parte, projetada somente a partir do homem. Uma mulher que trabalhava bastante nas tarefas domésticas, que cuidava com afinco da sua casa, e que ainda era agredida, usada como simples objeto sexual para simplesmente satisfazer os bel-prazeres do homem. A mulher moderna não deixou de ser mãe, esposa, dona-de-casa, mas conciliou vários papéis dentro da sociedade. Ela tem o direito de exercer o seu papel de cidadã, não se mostra inferior em relação aos homens. Pode ocupar cargos que durante muito tempo foram ocupados apenas por representantes masculinos. Hoje, possuem voz ativa, são mais atuantes em decisões políticas, sociais e culturais. Ou seja, uma mulher capaz, uma mulher mais mulher. REFERÊNCIAS: AMARILDO. O certo e o errado. Blog do Amarildo. Disponível em: < http://amarildocharge.wordpress.com/2011/09/30/o-certo-e-o-errado/ >. Acesso em 02 out. 2011. ARISTÓFANES. Lisístrata. Tradução de Millôr Fernandes. São Paulo: Abril, 1977. 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