II SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES
E RELAÇÕES INTERÉTNICAS
GT 5 – Estudos culturais e a pesquisa em suas múltiplas
possibilidades
MULHER E OBJETO: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
POR ENTRE CULTURAS
Hider Araujo de Oliveira
Nadja Karla de Oliveira
MULHER E OBJETO: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
POR ENTRE CULTURAS
Hider Araujo de Oliveira1
[email protected]
Nadja Karla de Oliveira2
[email protected]
RESUMO:
O presente trabalho visa focar os vários olhares acerca da representatividade da mulher
ao longo dos anos, em/por diferentes culturas. Coloca pólos distintos em relação à
figura feminina e explana que, cada vez mais, fica ainda mais tênue a linha que coloca a
mulher como o sexo frágil da que a tem como um símbolo de força e raça. Para tanto,
dentre outras coisas, será analisado o contexto de produção da letra Mulheres de Atenas,
de Chico Buarque de Holanda, paralelamente com duas obras clássicas: A Odisséia, de
Homero e Lisístrata, de Aristófanes com isso verificar o fato de a mulher ser vista como
um objeto exclusivamente sexual, e ainda submissa a uma sociedade dita patriarcal,
paralelo à força que esta está possuindo com o passar do tempo, tendo como exemplo a
figura da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff.
1 Graduando do curso de Letras Português da Universidade Federal de Sergipe
2 Graduanda do curso de Letras Português da Universidade Federal de Sergipe.
PALAVRAS-CHAVE: Mulher, cultura, objeto sexual.
INTRODUÇÃO
Este artigo irá propor uma análise a respeito do papel da mulher na sociedade e o
que pensa esta em relação àquela. Será feito um recorte mais especificado na visão
masculina em face da feminina: o que faz com que a mulher seja vista como objeto
sexual? Por que sua forte identificação com os afazeres domésticos, matriarcais e, de
certa forma, conjugais? Ao passo que será abordado esse lado submisso, também se
levará em conta o processo evolutivo social que a mulher vem adquirindo ao longo dos
anos. Em meio a muitas denotações negativas intrínsecas ao universo feminino, não se
pode deixar de dar atenção às inúmeras conquistas da mulher, como posições
hierárquicas importantes no mercado de trabalho.
Tal tema foi escolhido para se discutir o motivo de a mulher ser uma criatura
coadjuvante, “sombra em relação à figura do homem”. O tempo passou, muita coisa
evoluiu, muitos conceitos foram formados e desconstruídos, mas a mulher, mesmo com
todo um avanço mundial, ainda possui uma carga muita submissa, muito fraca e
dependente, e mesmo tendo realizado muitas conquistas, estas parecem ter sido omitidas
em todo o contexto histórico. Talvez os ideais machistas tentem ocultar a grande
importância da mulher na história, ou até mesmo deixá-la presa a um mundo que gira
em torno de pensamentos seletivos entre homem e mulher.
Este trabalho tem o cunho de informar a importância da mulher para toda a
sociedade e elucidar preconceitos em relação ao mundo feminino, assim como
esclarecer estes foram construídos. Além disso, a proposta deste artigo é fazer com que
haja uma ligação entre a cultura do passado e a do presente, e o que há de convergente e
divergente entre essas comparações. Para tanto, serão utilizadas obras clássicas, como
Lisístrata e Odisseia, respectivamente de Aristófanes e Homero, além da música
Mulheres de Atenas, de autoria de Chico Buarque de Hollanda e Augusto Boal.
Juntamente com isso, será falado sobre submissão feminina, em contraste com o
surgimento da mulher moderna, aquela que pode e deve ocupar cargos ditos masculinos,
cargos de comando, elevados na sociedade, como se nota na figura que administra o
Brasil, a presidente Dilma Rousseff.
MULHER: ALVO DE VIOLÊNCIA
Um dos índices mais crescentes de violência hoje no mundo é contra a mulher.
Segundo o IBGE, a cada quinze segundos, uma mulher sofre algum tipo de violência no
Brasil. E para piorar, na grande maioria das vezes, o agressor é o próprio companheiro.
Muitas vezes, o homem vê na mulher uma presa fácil, incapaz de demonstrar uma
defesa contra ele. Situações diversas não justificáveis fazem com que cada dia mais a
mulher seja vítima da violência, seja ela de que natureza for.
Quando a violência é a norma, torna-se muito mais difícil para a
esposa espancada tomar os passos para terminar o casamento do
que para uma mulher habituada a condições mais plácidas. Uma vez
que a violência é coisa até certo ponto aceita em todas as camadas
da nossa sociedade, a decisão de terminar um casamento por causa
do comportamento violento do marido é relativa, e também difícil.
(LANGLEY; LEVY, 1980, p. 146)
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006), é de total amparo
às mulheres agredidas. Surgiu quando uma senhora de nome homônimo à Lei foi
agredida pelo marido, tento como consequência a paraplegia. Tal Lei foi um avanço nas
conquistas femininas, porém o número de mulheres que denunciam seus agressores
ainda não é satisfatório, visto que o percentual de violência contra a mulher ainda é
muito crescente.
Muitas mulheres ficam presas ao seu domicílio e, consequentemente aos seus
maridos violentos, pelo fato de não terem um respaldo por parte da família, da Justiça,
de pessoas próximas em geral. Além do mais, a falta de uma fonte de renda própria
privam-nas da liberdade pacífica. Algumas mulheres não saem de casa por não terem
como se sustentar e nem para onde ir. Outras pensam muito nos filhos e temem a
educação destes longe de seus pais. Preferem sofrer agressões, mas que tenha ao seu
lado o seu cônjuge, que querendo ou não, é um símbolo, padronizadamente falando, de
força, poder e segurança. Vivem aprisionadas ao cárcere domiciliar, com a certeza de
uma nova agressão, com a esperança ilusória de uma mudança por parte do
companheiro e com o medo da liberdade, pelo fato de possíveis represálias por parte do
agressor. Mulheres que trabalham pesado em casa e tem como infeliz retorno a grande
hostilidade, privadas de carinho, afeto, amor, respeito, companheirismo e, acima de
tudo, reconhecimento por uma vida dedicada ao lar, ao marido, aos filhos, e muitas
vezes, aos trabalhos extras.
MULHER X OBJETO SEXUAL
Uma grande interrogação que paira sobre muitas mentes é a seguinte: por que a
mulher é vista como um objeto sexual? De onde surgiu a associação da figura feminina
com o lado do desejo carnal? Talvez, para esta pergunta, chegue-se à conclusão que a
resposta está explícita desde que o mundo é mundo. O fato de as mulheres, sob a visão
pura e simplesmente machista, terem que ser sempre focadas nos afazeres domésticos e,
por conseguinte, submissas aos seus maridos, faz com que elas não ampliem o seu
mundo, não consiga ir além das fronteiras “caseiras”, “filiais”, “conjugais”. Não é
preciso muita pesquisa nem vasto conhecimento para se saber que em muitas culturas,
inclusive, de certa forma, a nossa, o patriarcalismo ainda reina, soberano ou não.
O patriarcalismo é uma das estruturas sobre as quais se assentam todas as
sociedades contemporâneas. Caracteriza-se pela autoridade, imposta
institucionalmente, do homem sobre a mulher e filhos no âmbito familiar.
Para que essa autoridade possa ser exercida, é necessário que o
patriarcalismo permeie toda a organização da sociedade, da produção e do
consumo à política, à legislação e à cultura. (CASTELLS, 1999, p. 169)
Tendo como exemplo a cultura indígena, onde o homem é quem sai à caça de
alimentos, enquanto a mulher fica tomando conta de suas ocas e consequentemente dos
seus filhos, fica ainda mais claro o papel que a mulher assumiu ao longo dos tempos na
sociedade. E onde é que entra relação mulher e sexo? Simples: ao sair para fazer os
ditos “serviços masculinos”, o homem chega a casa e procura receber todo o carinho e
aconchego que a correria do dia não lhe proporcionou. Deseja ter uma mulher que lhe
traga tudo que o satisfaça, incluindo sexo. Quer chegar e ter uma mulher afetiva e com
todos os caprichos necessários para um desestresse. Isso vai desde o primeiro encontro,
como mostra a citação abaixo:
Há, certamente, na percepção imediata Sam todo homem tem de uma mulher
por ocasião do primeiro encontro, uma interrogação sexual: ela me atrai
sexualmente? É uma parceira sexual possível ou eventual? Como será que
reage quando faz amor? E assim por diante. (FALCONNET;
LEFAUCHEUR, 1977, p. 79)
Certamente, a mulher moderna não agrada ao homem do século XXI, pois ela
agora pensa como sujeito individual, ou seja, a partir da sua ótica, não é mais aquele ser
que reproduz o já dito e fala o que o ”seu homem” gostaria de ouvir. A mulher já não é
um ser personificado, regrado a padrões masculinos, não fica em casa com a comida
pronta, as roupas passadas, cuidando apenas do lar e à espera do chefe da casa para
poder servir incontestavelmente apenas como simples objeto de uso, no qual tem que
ser perfeita. Em vista disso, acaba sendo desmistificado o conceito de mulher
estereotipada de acordo com a ideologia masculina.
Em qualquer circunstância, pois, os homens sonham com a mesma mulher
idealmente feminina. Acima de tudo, charmosa; em seguida, doce, terna,
gentil, amorosa, dependente do homem, ainda que capaz de assumir certas
responsabilidades; sem que jamais reivindique as prerrogativas viris, sabendo
contentar-se com o seu papel de mulher para uso interno; tendo, no entanto,
qualquer coisa a dizer, de vez em quando, sobre assuntos que não os
simplesmente domésticos, nos quais se deseja, aliás, que se manifeste mais
pela intuição que pela inteligência real. (FALCONNET; LEFAUCHEUR,
1977, p. 85)
Em vista do que aqui foi colocado, até dá a entender que a mulher, até agora, não
possuiu nenhum avanço em relação a trabalho, conquistas, moralidade, entre outros.
Heloneida Studart (1986, p. 27) diz que “a mulher é o único ser racional que precisa
abonar as suas teorias com um rosto bonito ou um belo par de pernas”. É praticamente
uma luta pra demonstrar que o universo feminino não se restringe a apenas o formato do
seu corpo nem também a uma atuação sensual. Ainda de acordo com a autora:
O homem envelhece com dignidade e a mulher com insegurança. Dos objetos
da sociedade de consumo (feitos para se deteriorar depressa) ela é o que mais
cedo entra em obsolescência. O mercado pede Lolitas. Que fazer se o tempo
passa, e ela não tem nenhuma tarefa histórica, mas apenas deve agradar ao
homem? (STUDART, 1986, p. 31)
A citação acima mostra de forma explícita que a mulher, infelizmente, foi vista por
muito tempo, hoje de forma mais tímida, como um mero objeto de uso, que se torna obsoleto
com o passar do tempo. No que se fala do mundo feminino, intelectualidade e sexualidade não
andam juntas: está se sobressai em relação àquela. É inconcebível pensar que a mulher,
durante muito tempo, foi vista somente como uma procriadora, alguém que vivesse sempre à
sombra de seu parceiro, numa sociedade que criava a mulher desde o berço para se tornar
uma esposa dedicada, uma mãe zelosa, uma “rainha do lar” exemplar. Também vale ressaltar
que a mulher de antigamente não precisava sair do bem-estar da sua casa para trabalhar, não
precisava se preocupar com as contas que teriam que ser pagas, pois isso era o papel do
homem (este sempre denominado o chefe da família), e por ter que deixar o seu lar para ir
trabalhar e honrar com as suas obrigações como o homem que a sociedade concebeu, ele se
achava no direito de exigir o que queria e o que achava como ideal de mulher.
Ultimamente, a mulher sendo vista enquanto objeto sexual tem se tornado centro de
muitas discussões entre grupos feministas conservadores e pessoas com ideologias, diga-se, de
princípios de “mente aberta”. Um fato muito recente e bastante comentado foi o de um
comercial de lingerie do qual a modelo brasileira Gisele Bündchen participou. Nele, Gisele
comunicava ao seu fictício marido a notícia de que bateu o carro. A discussão gerou diante das
duas formas com que o fato foi dito. Na primeira, a modelo aparece vestida de forma
comportada e, assim, o locutor do comercial surge dizendo que esta seria a forma errada de
comunicação. Na segunda, Gisele aparece vestida simplesmente de calcinha e sutiã, a “forma
correta”, de acordo com a proposta comercial. Diante disso, como já era de se esperar, muitas
posturas de apoio e também de adversidade aos grupos conservadores. Uma pessoa que
demonstrou total repúdio à propaganda foi a ministra da Secretaria de Políticas para as
Mulheres, Iriny Lopes. A ministra considerou falta de respeito às mulheres, colocando-as como
figuras de absoluto valor sexual. Sua opinião é dada na coluna Economia & Negócio, do
jornalista Wladimir D’Andrade, do jornal Estadão
A propaganda caracteriza como correto a mulher dar uma notícia ruim
apenas de lingerie e errado estar vestida normalmente. Essa definição de
certo e errado caracteriza um sexismo atrasado e superado.
Novamente, foi posto em debate a imagem que a mulher adquiriu ao longo dos anos e
que parece estar intrínseca a sua natureza. Abaixo, as oposições de Gisele Bündchen no
comercial, assim como charges a respeito da tão comentada discussão:
Fonte: O Estado de São Paulo - 2011
Fonte: Blog do Amarildo - 2011
Percebe-se na charge a supervalorização do corpo feminino, ou seja, uma
“gostosona” pode usar uma roupa íntima sensual, enquanto que uma mulher
considerada fora dos padrões estéticos da moda ou até mesmo da sociedade serve de
piada e material para ocupar a parte de entretenimento dos jornais. Deve-se ter uma
preocupação maior quando o assunto envolver a mulher como objeto do foco ou em
foco, não que as mulheres sejam seres intocáveis, mas são seres humanos que por um
período muito grande na história da humanidade tiveram o seu lugar negado perante a
sociedade, quiçá foram sempre destinadas a convirem com lugares inferiores em relação
aos homens. E contentavam-se com o papel de rainha do lar, dona-de-casa, esposa
dedicada, exemplo de mãe zelosa com a missão de educar, orientar e dar carinho aos
filhos.
MULHERES DE ATENAS: OLHAR DE HOJE ACERCA DO ONTEM
A letra Mulheres de Atenas, de autoria de Chico Buarque de Hollanda e Augusto
Boal, nos remete ao período clássico da Grécia de Homero, pois traz à tona a história
das mulheres oprimidas daquela época. Mulheres estas que viviam somente para seus
maridos e só serviam para dar à Grécia guerreiros que defendessem a pátria grega, visto
que esta presenciou vários momentos de guerra. As mulheres citadas na música em
análise são submissas, domesticadas, condicionadas a viverem apenas no âmbito do seu
lar, reduzidas a simples procriadoras e esposas dedicadas que, por conseqüência da
guerra, eram obrigadas a passar vários dias sem a companhia dos seus maridos, estes
por sua vez podiam e deviam procurar uma companhia feminina para ocupar os lugares
de suas esposas no período de viagem.
Mulheres de Atenas
Chico Buarque / Augusto Boal
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas
Quandos eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Apesar de a música demonstrar um tom antifeminista, se for analisada sob uma
única leitura, infere-se, porém, através do verbo mirar uma forma de aconselhamento,
pois numa análise mais detalhada, nota-se que a escolha desse verbo para a letra da
música não significa uma apologia à subordinação feminina diante do sexo oposto. Os
autores fazem uma referência ao livro Odisséia, do escritor grego Homero,
especificamente a Penélope, esposa de Ulisses, o protagonista do romance. Penélope
possui grande respeito ao marido, mesmo este estando em combate com Tróia. Prova
disso é que enquanto Ulisses está fora de casa, por incríveis vinte anos, sua esposa
permanece a sua espera.
A literatura evoluía, aperfeiçoava-se e seguia novos caminhos; enriquecia
seus meios de expressão com novos matizes e palavras. Mas em
compensação, continuava obstinada a nos apresentar débeis criaturas
enganadas, mulheres abandonadas, entregues à dor, esposas ávidas de
vinganças, fêmeas sedutoras, almas “sem vontade, não compreendidas”, e
encantadoras jovens “puras e sem personalidade”. (KOLLONTAI, 1980, p.
62)
Penélope foi muito cortejada por diversos cidadãos gregos, mas optou por
não querer entrar em nenhum relacionamento, ainda crente da volta de seu marido.
Diante de algumas propostas de casamento, a jovem acabou por “aceitar” uma, mas com
uma condição: só se casaria depois que bordasse a mortalha do sogro já ancião.
Acontece que durante o dia, Penélope tecia a vestimenta, porém à noite ela desfazia
todo o bordado. Eumeu, fiel companheiro de Ulisses, contou-lhe tal astúcia:
Os pretendentes alegraram-se com a proposta [casamento] – prosseguiu
Eumeu -, porque pensavam que a tarefa não seria muito demorada. Estavam
enganados. Penélope passava os dias a trabalhar com aplicação, sob os
olhares ansiosos daqueles insolentes. Mas, à noite, levantava-se e ia desfazer
o que fizera de dia. Assim, pela manhã, quando eles vinham informar-se do
avanço da obra, encontravam-na sempre no mesmo ponto. (HOMERO, 2003,
p.62)
Chico Buarque e Augusto Boal tomam Penélope como um ponto de partida para
uma explanação feminina às mulheres de hoje. Os autores vêem nas mulheres
atenienses figuras muito dependentes dos maridos, pessoas sem vontade ou com
vontade omitida. Prova disso é que uma delas esperou, pacientemente, a remota
possibilidade
de
regresso
de
seu
marido
por
exatos
vinte
anos.
Buarque e Boal trazem às mulheres de hoje toda uma história acerca da submissão das
mulheres do passado, com o intuito de dizer às contemporâneas que hoje, com todo um
Avanço ideológico, a mulher não pode ficar presa aos seus maridos, consequentemente
às tarefas domésticas.
MULHER X RELIGIÃO
Pensar em mulher e religião ao longo da historia podemos perceber nitidamente
que houve uma mudança da introdução daquela em relação à essa, mas não podemos
simplesmente apagar da memória que as mulheres trilharam um longo e árduo caminho
para conseguir um lugar, mesmo que um lugar camuflado, na religião, estamos falando
nesse caso da religião católica.
Se pararmos para pensar que toda a culpa do pecado recai sobre Eva, e esta por
sua vez é uma mulher, que sempre foi apontada como a que induziu Adão a pecar, a
comer do fruto proibido, e assim sendo foi detentora do demérito de ter feito com que o
pecado povoasse o mundo, e para castigá-los Deus os expulsou do paraíso. Por causa do
ato de Eva, as mulheres ao longo da história foram motivos de piadas e brincadeiras um
tanto quanto preconceituosas. E todas acabam sendo culpadas pelo fato de não termos a
vida eterna, e isso acompanha o sexo feminino há muito tempo perante a religião
católica.
Com o advento do cristianismo e sua propagação a igreja católica passou a
adotar o celibato como uma exigência, e para tal fim, ela precisava que a sociedade
passasse a ver a mulher como algo negativo para essa religião. E para obter êxito nessa
nova política celibatária, o catolicismo (a igreja) resgata mulheres que marcaram a
sociedade com suas atitudes negativas, mulheres como: Eva, a causadora da derrocada
do primeiro homem da existência da humanidade; Salomé, esta pediu a cabeça de São
João Batista e Dalila, que traiu a confiança de Sansão ao entrega o segredo dele, abstraise que do exposto que as mulheres eram ou são vista como as traidoras.
Por tudo isso o catolicismo não admite que os representantes do clero se casem e
nem tenham relação sexual com mulheres, já que os representantes majoritários da
igreja católica são homem, pois eles querem uma igreja “santa” e sem pecados, e para
eles (do clero) é mais vantajoso ter as mulheres como fieis de sua religião como uma
forma das mulheres estarem sempre se redimindo e pagando pertinência por mulheres
como Eva, Dalila e Salomé.
Esse quadro muda um pouco com a Virgem Maria, esta pelo fato de ser mãe do
salvador da humanidade e por tê-lo concebido sem pecados. Ela também se tornou o
exemplo de esposa dedicada e mãe perfeita, lutou e enfrentou todos por amor e devoção
ao seu filho. Através dela, a mulher pôde ser canonizada, e passar de pecadora à santa,
mas no mundo material os mais importantes dentro do cristianismo são os homens.
Enquanto que no catolicismo há a proibição do casamento dos seus
representantes (Clero), no islamismo os homens podem até casar-se com quatro
mulheres, desde que esses possam sustentá-las plenamente e que estas acreditem no
monoteísmo.
Essas mulheres da religião islâmica, durante o seu período menstrual, ficam
proibidas de orar e jejuar. Tudo isso por motivo cultural, pelo fato de considerarem a
figura feminina impura nesses dias. Também no que se diz respeito a essa religião, a
mulher fica privada de mostrar partes do seu corpo em local público, chegando ao
extremo de não poder exibir nem o seu próprio rosto, tendo que ocultá-lo através do uso
de um véu. Isso representa um domínio por parte da religião, além de demonstrar a
superioridade masculina.
LISÍSTRATA: O PROTÓTIPO DA MULHER MODERNA
A comédia grega Lisístrata foi escrita em meados de 411 a.C., mas tem uma
protagonista com ideais além do seu tempo. Uma mulher que não se satisfez em viver
margeada pelos homens, em aceitar calada as imposições dos mesmos, sobretudo, não
se colocou no papel de sexo frágil.
E para acabar com as guerras que atormentavam a população grega e,
principalmente as mulheres que tinham que passar longos dias, até mesmo anos sem a
presença dos seus maridos, pois estes estavam sempre em combates, Lisístrata propõe
uma greve de sexo, e isso faz com as mulheres se unam mais e passem a enfrentar os
machista que achavam que lugar de mulher era no lar cuidando dos afazeres domésticos.
Há uma cena da peça que Lisístrata toma a Acrópole (local onde ficava todo
comando da cidade, inclusive o tesouro), e nessa passagem do texto, (ARISTÓFANES,
1977, p. 41), nota-se o preconceito do homem diante da mulher:
Comissário: E, se não me intrometo em demasia, que pretende fazer com o tesouro?
Lisístrata: Ainda não ficou claro? Vamos administrá-lo de maneira doméstica,
feminina.
Comissário: Ah, é? Comprando cebolas e batatas para os pobres?
Lisístrata: Senti no que me disse uma ironia? Só a pretensão masculina julga que
administrar um estado é mais fácil do que administrar um lar.
Torna-se evidente na fala do personagem masculino o desdenho com que ele
trata a mulher. Para aquele, o lugar que pertence única e exclusivamente à mulher é o
ambiente doméstico. Já na fala da personagem feminina fica evidente o quanto é
complicado dar conta de casa, filhos, marido, e ainda assim ser vista como uma pessoa
que pouco contribui para a sociedade. Muitos, assim como o personagem citado, não
percebem a importância da mulher para a sociedade, já que estas são as que construíram
e construirão o meio social.
Outra passagem significante da visão masculina a respeito das mulheres é a fala
do Corifeu Velho, um dos personagens da obra em análise. Este se dirige à mulher com
um tom preconceituoso, soberbo e discriminativo. Isso acontece no momento em que
todas as mulheres tomam a Acrópole, e no estopim de suas fúrias, os homens começam
a por fogo na Acrópole, tendo o objetivo de tentar fazer com as mulheres desistam do
plano de pacificar o país grego com “armas” femininas.
Fédrias, temos que suportar isso? Ou vamos interromper de uma vez por
todas com o cacarejar dessas galinhas? Uma boa vara no lombo, hein? Um
bom pau nas costas, para que não se esqueçam nunca mais de que há uma
grande diferença entre os ovos da fêmea e os do macho. (ARISTÓFANES,
1977, p. 34)
Na obra Lisístrata, observa-se o quanto os homens são reféns de seus desejos
carnais. Eles colocaram fim a uma guerra que durava décadas em nome do sexo,
enquanto que as mulheres usando o artifício da greve de sexo conseguiram se unir,
mostrar que elas tinham o direito de participar das decisões acerca do que era ou não
melhor para toda a comunidade.
O BRASIL NAS MÃOS DE UMA MULHER
Depois de toda uma história sendo governado por homens, desde o período de
colonização, o Brasil agora é presidido por uma mulher: a economista Dilma Rousseff.
Dilma tem uma longa história de luta constante envolvendo a política: foi presa e
torturada durante a Ditadura Militar, foi secretária municipal da Fazenda de Porto
Alegre, ministra da Casa Civil do governo Lula e atualmente, presidente do Brasil.
Dilma é um exemplo de mulher que venceu barreiras, enfrentou preconceitos e se
mostrou ativa diante de uma sociedade que ainda tinha receios de como seria um
governo com um controle feminino. Mostrou que a mulher é detentora de inúmeras
realizações e pode se mostrar dona de seus próprios ideais.
Em vez de perguntar por que a mulher detém tão poucas realizações de
“importância histórica”, devemos questionar os padrões que foram e estão
sendo utilizados para avaliar o que é efetivamente de significação histórica.
Se as mulheres são virtualmente invisíveis na esfera pública, então até que
ponto será significativa esta esfera? A história das mulheres precisa enfocar
também locais particulares. Em lugar de perguntar qual foi o papel das
mulheres em determinado movimento, devemos indagar que luz aquelas
atividades irradiaram sobre os papéis das mulheres; do contrário, a maioria
das mulheres são definidas como marginais à história. (HAHNER, 1981, p.
16)
Ainda que tenha superado inúmeros obstáculos para assumir cargos de grande
relevância, Dilma Rousseff não escapa das críticas da imprensa por ser a primeira
mulher a assumir a presidência da República. Outra coisa que deve ser salientada é que
a presidente foi eleita com grande apoio do ex-presidente Lula, e por conta disso, houve
inúmeras especulações de quem realmente governaria o Brasil: se a nova presidente ou
o ex, de forma indireta, através de conselhos e orientações. Talvez se tivesse a ideia de
que uma mulher não possuísse autoridade e domínio necessários para comandar um país
do porte do Brasil. Em outras palavras, denotação de pensamento de incapacidade. Mas,
o que se tem visto é uma presidente com uma personalidade firme, capaz de ter um total
controle tal qual qualquer antecessor ao seu cargo.
Esta charge acima dá uma abertura para duas discussões: a eficiência do governo
de Dilma Rousseff e a associação à vida doméstica. A primeira, fazendo uma
contemporização, foi na época da descoberta de irregularidades, inclusive no uso de
recurso público, em alguns ministérios. Dilma sempre se mostrou uma governante a par
da situação do País e disposta a acabar com as falcatruas existentes. Seis ministros já
“caíram” no atual governo. São eles: Antônio Palocci, Alfredo Nascimento, Nelson
Jobim, Wagner Rossi, Pedro Novais e Orlando Silva. A segunda mostra que mesmo em
torno de tanta eficiência e ajustes no cenário político, Dilma ainda é muito criticada por
ser julgada inexperiente por muitos. Isso se deve, talvez, pelo fato de o Brasil ter sido
governado até então somente por homens e o novo, nesse caso Dilma, acabasse por
intimidar, causar dúvidas, incertezas de um bom governo. E ainda, como mostra a
charge acima, estão inerentes os afazeres domésticos ao trabalho externo da mulher, seja
ele qual for. No caso da presidente, o combate à corrupção é chamado de faxina, ou seja,
uma forma de remeter ao trabalho da mulher dentro de casa. De qualquer forma, Dilma
Rousseff é um exemplo de que a mulher tem total capacidade de assumir qualquer cargo
que seja, desde que esteja preparada e se sinta à vontade para executá-lo.
CONCLUSÃO
A sociedade durante muito tempo colocou a mulher em segundo plano, como
coadjuvante, como a dondoca que vivia e sobrevivia para o lar, filhos, marido, família.
Uma mulher sem vontade, sem desejos, sem participação ativa (ou qualquer que seja)
em qualquer decisão social. Sendo uma figura secundária, ela estava sempre à parte,
projetada somente a partir do homem. Uma mulher que trabalhava bastante nas tarefas
domésticas, que cuidava com afinco da sua casa, e que ainda era agredida, usada como
simples objeto sexual para simplesmente satisfazer os bel-prazeres do homem.
A mulher moderna não deixou de ser mãe, esposa, dona-de-casa, mas conciliou
vários papéis dentro da sociedade. Ela tem o direito de exercer o seu papel de cidadã,
não se mostra inferior em relação aos homens. Pode ocupar cargos que durante muito
tempo foram ocupados apenas por representantes masculinos. Hoje, possuem voz ativa,
são mais atuantes em decisões políticas, sociais e culturais. Ou seja, uma mulher capaz,
uma mulher mais mulher.
REFERÊNCIAS:
AMARILDO. O certo e o errado. Blog do Amarildo. Disponível em: <
http://amarildocharge.wordpress.com/2011/09/30/o-certo-e-o-errado/ >. Acesso em 02
out. 2011.
ARISTÓFANES. Lisístrata. Tradução de Millôr Fernandes. São Paulo: Abril, 1977.
BUARQUE, Chico, BOAL, Augusto. In: Chico Buarque – letra e música. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução de Klauss Brandini Gerhardt. 6.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (O poder da identidade, v. 2)
COIMBRA, Marcos. Publicidade de Gisele ainda em pauta. Bahia todo dia. Disponível
em: http://www.bahiatododia.com.br/index.php?artigo=6860> . Acesso em: 02 out.
2011.
D’ANDRADE, Wladimir. Propaganda com Gisele mostra sexismo atrasado, diz Iriny
Lopes.
O
Estado
de
São
Paulo.
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II SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES