CAPACIDADE FUNCIONAL DOS IDOSOS COM CUIDADORES ADSCRITOS NA
ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
Oliveria FMRL1
Barbosa KTF1
Sá LR1
Vieira AVOF2
Brito GEG3
1 – Acadêmicas de Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem na Universidade Federal da
Paraíba. Bolsistas de Iniciação Científica
2 – Enfermeira. Especialista em Saúde da Família
3 – Fisioterapeuta. Docente da Universidade Federal da Paraíba
Objetivo: caracterizar a capacidade funcional dos idosos adscritos à estratégia “Saúde
da Família” (ESF), que possuem cuidador familiar. Método:estudo quantitativo,
transversal, realizado entre idosos cadastrados no Sistema de Informação da Atenção
Básica (SIAB), compondo 401 sujeitos acima dos 60 anos, cadastrados em Unidades de
Saúde da Família (USF) sorteadas, com escores superiores à 13 (analfabetos) e à 17
(alfabetizados) no Mini-exame do Estado Mental (MEEM). A coleta de dados foi
realizada através de entrevista domiciliar e os dados analisados no software Epi-Info
3.5. A pesquisa foi aprovada conforme normas do Comitê de Ética do Hospital
Universitário Lauro Wanderley da UFPB recebendo parecer favorável com o Protocolo
nº 356/10. Resultados: dos 401 entrevistados, 77 (19,2%) declararam possuir cuidador
domiciliar. A maioria percebeu o próprio estado de saúde como regular (50,6%) ou
ruim/muito ruim (39,0%). Com relação as atividades de vida diária (AVDs), verificouse que 63,6% as realizavam de forma independente, no entanto, o banho (13,0%), vestirse (11,7%) e o uso do banheiro (5,2%) foram as que apresentaram maior
comprometimento. Conclusão: concluiu-se que há necessidade de atenção especial à
saúde e funcionalidade do idoso que depende de cuidador familiar. Torna-se necessário
detectar e acompanhar precocemente as incapacidades já instaladas, bem como prevenir
ou retardar o rápido desenvolvimento de novas.
Descritores: idoso; cuidadores; saúde da família.
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional, decorrente da melhoria da atenção à saúde e
redução das taxas de natalidade e mortalidade, é um fenômeno de amplitude mundial
proporcionando importantes mudanças demográficas e sociais. A Organização mundial
de saúde (OMS) prevê que, em 2025, existirão 1,2 bilhões de pessoas com mais de 60
anos, sendo que as pessoas com 80 anos ou mais constituem o segmento populacional
que mais cresce. Nos países em desenvolvimento o envelhecimento passa ocorrer com
enorme velocidade, onde pesquisas apontam que em 2020 no Brasil existirão 30,8
milhões de idosos, compondo cerca de 14,2% da população brasileira¹.
Esta alteração na estrutura etária ocasiona também importantes mudanças no
perfil epidemiológico da população, com alterações relevantes nos indicadores de
morbimortalidade. É inegável que o prolongamento da vida representa um fator
positivo, visto que um maior número de pessoas sobrevive devido às melhorias
conseguidas na saúde e no nível de qualidade de vida contemporâneo.
No entanto, a literatura especializada evidencia que o envelhecimento está
diretamente relacionado ao acúmulo de doenças, em especial as crônico-degenerativas.23
Neste contexto, uma considerável parcela de idosos desenvolve comprometimento da
sua capacidade funcional, consequente do acúmulo destes agravos que podem, muitas
vezes, levar a quadros de dependência. Esta relação pode ainda comprometer a
autonomia do idoso, exigindo cuidados permanentes para suprir suas limitações
funcionais. 4-6
Assim, o envelhecimento populacional torna o cuidado à saúde dos idosos um
importante foco de atenção. Neste sentido, deve-se considerar que o rápido aumento da
expectativa de vida representa um importante indicador de saúde, mas também traz
consigo a perspectiva de acometimentos advindos com o avanço da idade, tais como
diminuição das capacidades funcionais que culminam por exigir cuidados constantes,
medicações de uso contínuo, além de exames periódicos e, portanto, grande demanda
por cuidados e serviços de saúde. 7-8
O termo capacidade funcional está relacionado ao grau de capacidade do
indivíduo para realizar as atividades de vida diária (AVDs), bem como atividades
instrumentais de vida diária (AIVDs). As AVDs se referem ao autocuidado que envolve
atividades como alimentar-se, locomover-se, tomar banho, vestir-se, dentre outras,
enquanto as AIVDs se relacionam as atividades mais complexas que permitem, por
exemplo, fazer compras, cozinhar, lidar com as finanças e etc.
O déficit nas capacidades funcionais reflete-se, portanto em dependência
funcional 9-10, que pode ser entendida como a necessidade de auxílio para a realização de
atividades do seu dia a dia.9-11 Neste contexto, torna-se indispensável a presença de um
cuidador que auxilie o idoso em suas AVDs. O cuidador é definido como qualquer
pessoa adulta e capaz, membro da família ou da comunidade, cuja principal função é
prestar cuidados a alguém que por sua faixa etária ou condição física e mental é incapaz
ou dotado de limitações funcionais temporárias ou definitivas.7-4
Assim, as políticas públicas de saúde têm estimulado como prática de cuidado à
população idosa, a adoção de medidas que visem proporcionar condições de manter
estes idosos, o maior tempo possível, em seus lares e ter a família como sustentação
para a manutenção tanto física como social deste grupo fragilizado.12-13
O cuidador familiar é o membro da família que responde ao papel de cuidar de
idosos que apresentam diferentes níveis de dependência associada a incapacidades
funcionais e a doenças. Ainda envolve responder pelo idoso perante a família e a
sociedade, inclusive com implicações legais.8 As tarefas de cuidar envolvem ações
concernentes a auxiliar diretamente um idoso física e mentalmente incapacitado para
desempenhar tarefas práticas ou tarefas básicas de autocuidado.14
Destarte, o presente estudo apresenta como objetivo caracterizar a capacidade
funcional dos idosos adscritos à ESF, no município de João Pessoa, que possuem
cuidador familiar.
MÉTODO
Estudo quantitativo, transversal, realizado entre os idosos da comunidade
assistidos por USF. Faz parte do projeto de pesquisa “Avaliação Multidimensional de
Idosos Adscritos à ESF no Município de João Pessoa – PB”, desenvolvido por
integrantes do Programa de Educação pelo Trabalho – PET-Saúde da Família no ano de
2010.
A amostra teve como base para o cálculo os 59.763 sujeitos com 60 anos ou
mais cadastrados no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) nas 180 USF de
João Pessoa-PB. O tamanho amostral foi definido a partir da fórmula: n = Z2 PQ/d2,
sendo n = tamanho amostral mínimo; Z = variável reduzida; P = probabilidade de
encontrar o fenômeno estudado; Q = 1-P; d = precisão desejada. Adotou-se p = 50%,
por se tratar de uma avaliação multidimensional, e um erro de 5%. De acordo com esses
critérios, a amostra mínima prevista calculada foi de 380 sujeitos. A amostra deste
estudo foi constituída por 401 sujeitos na faixa etária acima de 60 anos.
Foram sorteados cinco dos seis bairros da cidade que possuíam USF implantadas
em maio de 2010. Após isso, foram sorteadas 18 USF e para cada uma delas, duas
microáreas de abrangência. Para cada microárea, foram selecionados de forma aleatória,
prontuários de vinte domicílios que possuíam usuários idosos.
A coleta dos dados foi realizada por meio de visita domiciliar previamente
agendada pelos Agentes Comunitários de Saúde. Foram incluídos no estudo sujeitos
com 60 anos ou mais, adscritos à USF sorteada, com escores superiores à 13
(analfabetos) e à 17 (alfabetizados) no Mini-exame do Estado Mental – MEEM 15, sem
comprometimento de fala e/ou audição que o impedissem de responder a entrevista.
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e logo
após o instrumento de coleta foi aplicado pelos entrevistadores.
Para os dados sociodemográficos e econômicos como: idade, sexo, estado civil,
escolaridade, cor e renda e dados referentes à percepção e condições do estado de saúde
utilizou-se o questionário “Brazil Old Age Schedule – BOAS”
16
e o da Pesquisa
17
Nacional por Amostra de Domicílios 2003 - PNAD 2003.
Os dados sobre a avaliação da capacidade funcional foram obtidos por meio do
Index de Katz18-
19
instrumento proposto pelo Ministério da Saúde no Manual de
Atenção Básica. O “Índex de Katz” foi elaborado por Katz e colaboradores e adaptado
para a população brasileira por Lino.
19
O instrumento avalia o desempenho funcional
do idoso na realização de seis atividades consideradas básicas (ABVD) (banhar-se,
vestir-se, ir ao banheiro, transferir-se, possuir continência e alimentar-se). O escore
varia de 0 à 6 pontos e quanto maior a pontuação marcada, maior a independência do
idoso. Classifica-os em independentes (6 pontos), com dependência moderada (5 à 3
pontos) e dependência severa (2 à 0 pontos). Para a associação estatística, os sujeitos
foram classificados em dois grupos: sem dependência (escore 6) e com algum grau de
dependência (escore de 0-5).
Para a investigação da presença de cuidador, o instrumento possuía a seguinte
questão dicotômica: “O Sr(a). possui um cuidador? Quer dizer, uma pessoa que o ajude
a realizar suas tarefas do dia-a-dia?”. Para a definição de cuidador familiar, foi utilizada
a seguinte pergunta dicotômica: “Esta pessoa que o ajuda é um familiar do Sr(a)?”.
Todos os entrevistadores foram previamente treinados, contemplando os
aspectos teóricos e práticos do estudo. O procedimento de calibração foi planejado de
modo a simular as condições que os entrevistadores encontrariam. O treinamento e a
calibração dos examinadores foram realizados em uma USF de João Pessoa-PB.
A pesquisa foi autorizada pela Secretária Municipal de Saúde do município de
João Pessoa e aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Lauro
Wanderley – UFPB (protocolo nº 365/10).
A entrada de dados e o controle de qualidade foram realizados utilizando-se o
programa Epi Info ™. Para a caracterização dos idosos com cuidadores familiares,
foram calculadas as frequências das variáveis sexo; faixa etária; saber ler e escrever;
coabitação, estado civil; autopercepção de saúde; total de diagnósticos autorreferidos;
diagnósticos autorreferidos: número de internações nos 6 meses que antecederam a
entrevista; número de quedas nos 12 meses que antecederam à entrevista; realização de
AVDs; e seus respectivos intervalos de confiança a 95%.
RESULTADOS
Entre os entrevistados, apenas 77 sujeitos (19,2%) declararam possuir cuidador.
Destes, 12,0% estava na faixa de 60-69 anos, 18,7% tinha 70-79 anos e 46,7% tinha 80
anos ou mais. No que se refere à capacidade funcional para a realização das seis
atividades de vida diária (AVDs) investigadas pelo índice de Katz, verificou-se que
63,6% dos idosos com cuidadores as realizavam de forma completamente independente
e,
em
contrapartida,
algumas
AVDs
apresentaram
maior
prevalência
de
comprometimento grave, tais como banho (13,0%), vestir-se (11,7%) e uso do banheiro
(5,2%), demonstrado na tabela 3.
Tabela 1 – Características para a realização das atividades de vida diária
por idosos com cuidadores- João Pessoa, 2011 - número absoluto, percentual e
intervalo de confiança 95%.
Características
N
%
IC 95%
62
80,5
69,9-88,7
5
6,5
2,1-14,5
10
13,0
6,4-22,6
Banho
Não recebe assistência
Recebe assistência no banho somente para uma parte
do corpo
Recebe assistência no banho somente para mais de
uma parte do corpo
Vestir-se
Pega as roupas e se veste sem assistência
58
75,3
64,2-84,4
10
13,0
6,4-22,6
9
11,7
5,5-21,0
68
88,3
79,0-94,5
6,5
2,1-14,5
4
5,2
1,4-12,8
69
89,6
80,6-95,4
5
6,5
2,1-14,5
3
3,9
0,8-11,0
Tem controle sobre as funções de urinar e evacuar
65
84,4
74,4-91,7
Tem acidentes ocasionais de perda de urina ou fezes
10
13,0
6,4-22,6
2
2,6
0,3-9,1
69
89,6
80,6-95,4
5
6,5
2,1-14,5
3
3,9
0,8-11,0
Pega as roupas e se veste sem assistência, exceto para
amarrar os sapatos
Recebe assistência para pegar as roupas ou para se
vestir ou permanece parcial ou totalmente despido
Banheiro
Vai ao banheiro, higieniza-se e se veste após a
eliminação sem assistência de cuidador
Recebe assistência para ir ao banheiro, higienizar-se
ou para se vestir após a eliminação. Utiliza urinol ou 5
comadre à noite
Não vai ao banheiro para urinar ou evacuar
Transferências
Deita-se e levanta-se da cama ou da cadeira sem
assistência
Deita-se e levanta-se da cama ou da cadeira com
assistência
Não sai da cama
Continência
Supervisão para controlar as fezes e urina.
Utiliza cateterismo ou é incontinente.
Alimentação
Alimenta-se sem assistência
Alimenta-se sem assistência, exceto para cortar carnes
ou passar manteiga no pão.
Recebe assistência para alimentar-se ou é alimentado
parcial ou totalmente por sonda.
DISCUSSÃO
Os dados deste estudo revelavam prevalência de 19,2% idosos com cuidadores
entre a amostra.Corroborando com a informação, pesquisa que traçou o perfil de 275
idosos selecionados adscritos na ESF do município de Belo Horizonte, obteve como
resultado um total de 24,9% de pessoas que possuíam cuidadores. 20
A prevalência de cuidador domiciliar foi menor se comparada com achados de
outras pesquisas semelhantes, como exemplo, o estudo transversal de base populacional
com 598 idosos residentes em Pelotas (RS), que demonstrou prevalência de 49,5%
cuidadores familiares.21 No entanto deve-se considerar questões específicas, ressaltando
que no presente estudo foram excluídos da amostra sujeitos com suspeita de déficit
cognitivo detectado pelo MEEM.
No que se refere à faixa etária, o estudo obteve um expressivo percentual da
amostra com idade de 80 anos ou mais, retratando 27 sujeitos (46,5%). Esta elevada
prevalência de idosos acima dos 80 anos dependentes de cuidadores é corroborada pelos
estudos
22-23
que obtiveram prevalência de idades acima de 80 anos, seguidos pelos de
faixa entre 70-79 anos e por fim dos situados entre 60-69 anos dentre os idosos que
possuíam cuidador.
Tais evidências sugerem uma predominância de cuidados domiciliares em idosos
de idade avançada, uma vez que a fragilidade é uma condição esperada nesta faixa
etária. Em decorrência da correlação entre quantidade de anos vividos e a maior
possibilidade de dependência e necessidade de cuidador, afim de suprir as incapacidades
para a realização das AVDs.
Quanto à capacidade funcional para a realização das AVDs, verificou-se que
63,6% dos idosos com cuidadores as realizavam de forma completamente independente
e, as AVDs que apresentaram maior prevalência de comprometimento grave foram:
banho (13,0%), vestir-se (11,7%) e o uso do banheiro (5,2%). Corroborando com os
dados, um estudo com que avaliou a capacidade funcional de 104 idosos em Ruy
Virmond Carnascialli, Região Norte da cidade de Londrina/PR, verificou maior
dependência para as atividades referentes ao banho (27,9%), vestir-se (24,0%), cuidado
pessoal (21,1%) e higiene (21,1%).24
Utilizando o Índice de Katz, um estudo que propôs identificar o nível de
dependência de idosos e compreender as percepções do cuidador familiar sobre os
cuidados domiciliários em Porto Alegre, verificou que as atividades que indicaram
maior dependência dentre os idosos do estudo foram as que exigem movimentação e
deslocamento (banhar-se, vestir-se, usar vaso sanitário e transferências).10 A perda
progressiva da capacidade de executar as AVDs reflete o declínio funcional apresentado
pela população idosa, bem como as necessidades de assistência de um cuidador que os
auxilie em algumas atividades da vida diária.9-10
CONCLUSÃO
O estudo contemplou o objetivo proposto inicialmente, ou seja, caracterizar o
perfil sociodemográfico, saúde autopercebida e capacidade funcional dos idosos
adscritos à ESF, no município de João Pessoa, que declararam possuir cuidador
familiar.
No que se refere à capacidade funcional para a realização das AVDs
investigadas pelo índice de Katz, verificou-se que os idosos com cuidadores as
realizavam de forma independente (63,6%), sendo que o banho (13,0%), vestir-se
(11,7%) e o uso do banheiro (5,2%) foram as atividades que apresentaram maior
prevalência de comprometimento grave.
A partir destes resultados, recomenda-se atenção por parte dos serviços de saúde,
sobretudo da atenção primária, ao idoso que depende de um cuidador familiar. Esta
abordagem deve ter a finalidade de se detectar e acompanhar precocemente as
incapacidades instaladas, assim como prevenir ou retardar o rápido desenvolvimento de
novas, reduzindo assim, os riscos e custos de assistências especializadas, tratamentos de
longo prazo e internação hospitalar, entre outras.
Deste modo, todos os profissionais de saúde da atenção básica devem realizar
medidas de prevenção, promoção e reabilitação da saúde, junto ao idoso e ao seu
cuidador a fim de propiciar autonomia e qualidade de vida.
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