Análise do logo da Casa do Pão de Queijo Artur Ivo Regaço dos Santos Unicamp, 2012 Introdução A Casa do Pão de Queijo, empresa brasileira que popularizou o pão de queijo no Brasil, hoje conta com mais de 450 lojas e está presente nos shoppings, rodoviárias e aeroportos de cidades de toda a região do Brasil (QUEIJO, 2012). O seu logo foi baseado na mãe do criador da empresa, Dona Arthêmia, mineira e ótima cozinheira (QUEIJO, 2012). Mas até onde a mulher do logo é Dona Arthêmia? O que faz essa senhora oferecendo o que está preparando para quem a vê? Como isso atrai os olhares e dá fome? Uma análise sobre o estereótipo da avó no Brasil e como isso é utilizado pela Casa do Pão de Queijo, além de uma análise sobre os diferentes elementos do logo que contribuem para uma boa imagem da marca. Palavras-chave: logo, Casa do Pão de Queijo, avó, estereótipo, linguagem corporal. O estereótipo dá avó A avó brasileira é um estereótipo que mistura o da avó européia com a africana: aquela avó de cabelos brancos que costura e passa o dia em casa da Europa com aquela avó experiente e sábia além de ótima cozinheira da África. No que se refere ao estereótipo usarei as palavras de Schaff para melhor explicar: “o indivíduo percebe o mundo e o capta intelectualmente através de ‘óculos sociais’” (p.223, 1974). Essas palavras resumem bem a criação do estereótipo da avó no Brasil, os indivíduos a criaram misturando diferentes estereótipos para a criação de um próprio em que a viram como o real, entretanto ela não é o real, mas sim um “real fabricado” (BLIKSTEIN, 2006). Este estereótipo é perceptível numa obra de Monteiro Lobato de 1931, com a figura de dona Benta: “Numa casinha branca, lá no sítio do Picapau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos. Chama-se dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz, segue seu caminho pensando: - Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto” (LOBATO, 1993 p.07) A visão que se tem da avó passa inclusive pela pena, ela é uma senhora triste e solitária, ideia que Lobato desconstrói logo depois. Mas a relação entre avó e neto está presente inclusive naqueles que nunca conheceram suas avós, todos tem uma ideia parecida da figura da avó (LEITE, 2004). O estereótipo passa a ser real como um estereótipo, ele vira o referente (BLIKSTEIN, 2006), e a realidade da pessoa, sendo como seja a avó ela projeta esta visão do estereótipo em suas próprias avós (LEITE, 2004). Quando Dona Arthêmia aparece representada no logo da empresa ela evoca aquela avó sábia, simpática e caseira que cozinha muito bem, a mesma que aparece Na obra de Lobato (2003) e que foi construída pelos óculos socias citados por Schaff (1974). A vovó cozinheira O principal caso que quero explicar é o da avó cozinheira, a parte mais explorada do logo da Casa do Pão de Queijo. Dona Arthêmia é aquela avó interiorana, simples e caseira, um tipo de idosa, mesmo que estereotipada, comum no interior do Brasil (LEITE, 2004). Esse tipo de estereótipo presume que a avó gosta das tarefas domésticas e as executa muito bem, segundo Leite (2004) as tarefas domésticas são legitimações sociais do papel delas na sociedade. As gerações posteriores têm como hábito aprender e tentar aprender as tarefas domésticas com suas mães e vós. A cozinha é uma das tarefas mais marcantes e que mais cabem à vó na família, gerando grande prestígio para comidas intituladas “comidas de vó”. Esse prestígio é demonstrado nos logos de diversas empresas do ramo alimentício (Figuras de 1 a 3). Essa avó que cozinha bem está presente também no logo da Casa do Pão de Queijo e cria a atmosfera da casa e comida de vó com a representação de Dona Arthêmia. Figura 1: Logo da Vovó Palmirinha (PALMIRINHA, 2012) Figura 2: Logo da Comida da Vó (VIEIRA, 2012) Figura 3: Logo do livro de receitas Nhá Benta (MENK, 2012) O logo Figura 4: Logo Casa do Pão de Queijo (QUEIJO, 2012) O logo (Figura 4) é basicamente um desenho de uma senhora idosa preparando uma receita, ela usa avental e óculos, e oferece o que está fazendo para quem estiver olhando, ao fundo um preenchimento mais claro e do lado escrito o nome da marca: “Casa do Pão de Queijo”. O logo é uma representação de Dona Arthêmia, mãe do criador da empresa. Ele é uma representação de algo concreto que tem relação com o produto, segundo Murphy e Rowe (1988) esse tipo de logo é muito eficiente, pois liga a imagem já estereotipada da avó que cozinha bem ao produto, dando inclusive relação afetivas com o cliente. O modo como é construído a imagem da senhora também influencia, ela é construída por um entrelaçamento de duas cores: o branco e o verde. Essas duas cores juntas não criam uma relação de negativo e positivo, como na concepção de Dondis (2007), mas elas são ambas positivas e negativas, ora fazendo a função de preenchimento, ora de contorno; às vezes é a luz, às vezes é a sombra. A parte do fundo do desenho é em amarelo, uma forma arredondada que cria uma aura na senhora, essa aura é uma representação do sagrado na mulher. Isso remete à avó acolhedora, boa cozinheira e religiosa. Eu me arriscaria a dizer que santifica Dona Arthêmia, como uma santa trazendo alimento que preparou para sua família. A parte com o nome da empresa também tem sutilezas importantes para a compreensão do logo. Primeiro percebe-se que a fonte utilizada é bem grossa, facilitando o entendimento, a visualização e a leitura. A fonte tem poucas serifas, bem simples, característica de fontes com serifas grossas (WILLIAMS, 2005). A variação bem pequena entre o grosso e o fino também está presente, ela ajuda a dar uma fluidez maior às palavras. Uma parte interessante é o fato das letras não estarem todas do mesmo tamanho; as palavras principais começam com letra maiúscula e continuam com o tamanho de uma caixa baixa, mas as palavras “secundárias” ( que são “de” e “do” ) tem um tamanho menor, segundo Murphy e Rowe (1988) esse recurso não é muito utilizado mas é muito útil para destacar palavras chave do logo que tenham a ver com a empresa. A fonte e a disposição das palavras dão uma ideia que tem uma relação muito forte com o principal produto da loja: o pão de queijo. É possível perceber a maciez na sua tipografia além de algumas imperfeições que dão o ar do pão de queijo macio e fresquinho. Primeiro veja como a volta do “P” maiúsculo (Figura 5) é um pouco maior na ponta do que na haste, como se tivesse crescido por causa do fermento, pode-se notar a mesma impressão na letra “C” maiúscula (Figura 5) e na letra “e” minúscula (Figura 5), compare com a imagem do pão de queijo (Figura 6) e verá. Figura 5: Letras “P”, “C”, e “e” (QUEIJO, 2012) Figura 6: Pão de Queijo (CASTRO, 2012) Elementos simbólicos do logo O logo não é ele por si só, dentro dele é possível ver diversas relações com o representado e o que foi falado. No próprio desenho de Dona Arthêmia pode-se ver elementos diversos que ajudam a dar o significado que tem, e complexificam e aperfeiçoa-na como boa cozinheira, típica avó mineira. Começo pelo seu cabelo, um cabelo crespo, como é comum no Brasil. Cabelo curto, corte bem fácil e simples, muito comum em senhoras. Não requer muito tempo de cuidado e nem muitos cosméticos. Cabelo curto que ajuda nas tarefas domésticas, principalmente na cozinha, assim não precisa de toca para o cabelo, ele não pode passar pela comida e nunca sai sujo depois do preparo de algum prato. Agora seus óculos; arredondados e simples como devem ser de uma senhora simples, com vista cansada, doença que costuma começar aos 40 anos e se intensificar com o passar do tempo, ela faz com que a pessoa tenha dificuldade de ver de perto e de longe (IOC, 2012). Por isso os óculos serem tão comuns em pessoas de idade, não sendo diferente na Dona Arthêmia. Suas roupas não são bem visíveis, ela parece ter uma blusa meio aberta, ou algo enrolado no pescoço. O que é bem claro é o avental, que não poderia faltar numa cozinheira preparando o que quer que fosse, para que não suje as suas roupas. O avental tem uma característica interessante, ele ter babados nas alças; o babado é algo bem comum nas casas das avós de hoje em dia e caracteriza bem aquela mulher que passou a vida sendo dona de casa. Eu me arriscaria a dizer que o avental de Dona Arthêmia além de ter babado nas bordas e alças também é estampado com flores. O próximo elemento é a tigela com uma massa que pelo nome da empresa é possível presumir que seja de pão de queijo. A bacia é grande e está cheia, mostrando a fartura, e claro remetendo a avó que faz tudo em gigantesca quantidade para toda a família. Podese notar uma colher, que aparenta ser de pau; outro elemento bem interiorano que remete à comida gostosa e simples. Podem-se notar também duas “voltinhas” na massa, o que cria a impressão de que ela acabou de terminar de mexer e a massa está se ajeitando, o que dá uma ideia de frescor e simplicidade, diria que também mostra a grossura da massa, algo tenro, macio e saboroso. Agora o elemento mais importante do logo: A própria Dona Arthêmia, para analisá-la vou utilizar os conceitos de Pierre Weil e Roland Tompakow do livro “O Corpo Fala” (1982).1 1 No livro eles dividem o corpo humano em três partes: a águia, o leão e o boi. A águia representa a parte racional e pensante do ser humano, e ela é manifesta na cabeça (dentro do rosto é manifesta nos olhos). O leão representa as emoções, os sentimentos, a parte emotiva do ser humano, o leão é manifesto no peito, toda a parte dos pulmões e coração (dentro do rosto é manifesto no nariz). O boi é representa a parte instintiva do ser humano, os desejos animais e primitivos, como a fome, o sexo e o bem estar do corpo, o boi é manifesto no tórax, do abdômen com o estômago e o intestino às genitálias (no rosto é manifesto na boca). Primeiro começarei com o rosto que está em harmonia total, o sorriso é sincero e demonstra um ar afetivo, os olhos estão entre abertos demonstrando certo cuidado e afeição. A cabeça está um pouco virada, mais uma vez demonstrando a afeição. A cabeça está toda voltada para o espectador, como se ele tivesse total atenção dela, a águia está dando importância à quem vê a imagem. O leão mostra-se orgulhoso com os ombros levantados, cheio de si, uma felicidade emotiva, clara, inclusive a bacia com a receita sendo preparada está na altura do leão, como se ela dicesse que aquilo está vindo do coração, das suas emoções. Ela demonstra todo o seu carinho naquilo que faz. As suas mãos oferecem o que fez para quem estiver ali, com todo o carinho. O boi está mais presente no conforto do que na própria comida, a senhora está totalmente feliz e confortável, ela é meio “gordinha”, feliz com o seu boi, satisfeita na comida e no conforto, (a parte sexual não é evidente) a comida deliciosa está dentro da própria senhora que oferece a delícia que nos atrai tanto ao boi quanto ao leão. Dona Arthêmia está inclinada para frente dando total atenção para o espectador, suas mãos e a sua cabeça nos oferecem sua comida e seu amor de vó para vir deliciar os quitutes da loja, mesmo sendo uma loja de comida, quem mais é visado pela Casa do Pão de Queijo é o leão, com vontade da saciar sua vontade de ter o amor de vó ao seu alcance, dentro de um delicioso e caseiro pão de queijo. Conclusão A Casa do Pão de Queijo utiliza de um estereótipo já presente no inconsciente do povo brasileiro criado a partir de lentes socias (SCHAFF, 1974), no logo ele cria uma personalidade e uma visão de Dona Arthêmia (senhora retratado no logo). O desenho é simples e de fácil memorização que contribui para o rápido entendimento da marca e fixação (MURPHY; ROWE, 1988). O logo é a representação da marca e da empresa, além de o que ela quer e como quer ser vista. A imagem da avó cozinheira cai muito bem com a imagem da empresa, e talvez seja um dos pontos fortes da empresa, todos traduzidos num só símbolo: o seu logo. “‘Uma imagem vale mil palavras’, um símbolo vale mil imagens” (DONDIS, 2007 p.94) Referências Bibliográficas BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser, ou, A fabricação da realidade. 10. ed. São Paulo, SP: Cultrix, 2006. CASTRO, Ana Carolina. 5 receitas incríveis de pão de queijo. Disponível em: <http://mdemulher.abril.com.br/blogs/anamaria-receitas/2012/07/01/5-receitasincriveis-de-pao-de-queijo/>. Acessado em 03 dez 2012. DONDIS, D. A. (Donis A.). Sintaxe da linguagem visual. 3. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2007. IOC, Instituto de Oftalmologia de Curitiba. Presbiopia - “vista cansada”. Disponível em: <http://www.ioc.med.br/especialidades/presbiopia-%E2%80%93-vista-cansada>. Acessado em 03 dez 2012. LEITE, Iolanda Lourenço. Genero, familia e representação social da velhice. Londrina, PR: EDUEL, 2004. LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. 48. ed. São Paulo, SP: Brasiliense, 1993. MENK, Sara. "O SÍTIO DO PICAPAU AMARELO" por Monteiro Lobato. Disponível em: <http://pausapraleitura.blogspot.com.br/2011/10/o-sitio-de-picapau-amarelo.html>. Acessado em 03 dez 2012. MURPHY, John; ROWE, Michael. How to design trade marks and logos. Oxford: Phaidon, 1988. PALMIRINHA, Vovó. Vovó Palmirinha. Disponível em: <http://vovopalmirinha.com.br/>. Acessado em 03 dez 2012. QUEIJO, Casa do Pão de. Site da Casa do Pão de Queijo. Disponível em: <http://www.casadopaodequeijo.com.br/>. Acesso em 03 dez 2012. SCHAFF, Adam. Linguagem e conhecimento. Coimbra: Almedina, 1974. VIEIRA, Patrícia. Comida de Vó - criação de logo e fachada. Disponível em: <http://patriciadesigngraf.blogspot.com.br/2010/05/comida-da-vo-criacao-de-logo-efachada.html>. Acessado em 03 dez 2012. WEIL, Pierre; TOMPAKOW, Roland. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não verbal. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1982. WILLIAMS, Robin. Design para quem não e designer: noções basicas de planejamento visual. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo, SP: Callis, c2005. Apêndice Figura 4: Logo da Casa do Pão de Queijo (QUEIJO, 2012)