2 Caso Alemanha vs. Itália (Grécia intervindo) A imunidade de jurisdição do Estado e as violações aos Direitos Humanos Cristal Augustus Carneiro Ribeiro João Marcos Braga de Melo Lígia Tomás de Melo 1. Introdução1 Em 23 de dezembro de 2008, a Alemanha, Estado-membro da Organização das Nações Unidas (ONU), recorreu à Corte Internacional de Justiça (CIJ) (doravante: Corte)2 alegando que a Itália, também Estado-membro, estaria ferindo a sua imunidade de jurisdição3, ao julgar o Estado alemão em suas cortes civis por violações aos Direitos Humanos ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial. Primeiramente, é necessário esclarecer um conceito jurídico central neste caso: a jurisdição. Jurisdição é a capacidade e a obrigação do Estado de realizar o Direito, ou seja, aplicá-lo em casos concretos a fim de “administrar a justiça aos que a solicitaram” (CARNEIRO, 1989, p. 3; COSTA JÚNIOR, 1997). Já a imunidade de jurisdição é um dos conceitos mais importantes do Direito Internacional e, em linhas gerais, impede que um Estado Agradecemos ao Prof. George Rodrigo Bandeira Galindo, da Faculdade de Direito da UnB, por seu auxílio na revisão deste artigo. 1 2 A Corte Internacional de Justiça (CIJ) é um dos principais órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU), e encontra-se sediada em Haia, nos Países Baixos. A Corte possui duas missões: decidir, tendo como guia o Direito Internacional, disputas jurídicas entre Estados (sendo necessário que estes tenham aceitado, sob certas condições, a jurisdição da Corte) e opinar sobre questões jurídicas referentes a órgãos autorizados das Nações Unidas (conforme artigo 65 do Estatuto da Corte). Em sua primeira missão, julga casos contenciosos referentes aos conflitos entre Estados, e, na segunda, emite pareceres consultivos com a sua opinião, despida de imperatividade, sobre as questões levantadas pelos órgãos permitidos. Para maiores informações sobre a Corte, acesse http://www.icj-cij.org/court/index.php?p1=1. 3 O conceito de Imunidade de Jurisdição do Estado será melhor explicado na seção 3.1 deste artigo. 47 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 48 soberano não pode ser julgado por cortes civis estrangeiras. Desde então, o caso Alemanha vs. Itália se encontra na pauta da Corte e está em julgamento4. O caso é de extrema importância para a sociedade internacional5 porque trata de dois assuntos fundamentais que não raro se chocam: soberania e Direitos Humanos. O respeito à imunidade soberana dos Estados é valorizado nas Relações Internacionais desde a formação dos Estados Nacionais modernos, para evitar tanto que um país interfira nos assuntos de outro quanto os possíveis conflitos decorrentes destas interferências (MOSER, 2008). Já a grande valorização dos Direitos Humanos surgiu no século XX, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial quando deixaram de ser pensados como direitos de um indivíduo específico e tornaram-se direitos referentes à humanidade (FILHO, 1997). Devido às enormes atrocidades cometidas nesse período, houve um grande movimento tanto da incipiente opinião pública internacional quanto de chefes de Estado para que se fizesse algo que evitasse novas tragédias e, então, a concepção de que os Direitos Humanos deveriam ser um guia das relações internacionais ganhou força, a fim de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade” (ONU, 1945). O papel do Direito Internacional Público (DIP)6 é justamente guiar, tanto os Estados e os Organismos Internacionais como os indivíduos, nas suas relações entre si no âmbito internacional, de acordo com certos princípios, como os citados acima. Contudo, conciliá-los pode ser trabalhoso; no caso Alemanha versus Itália, por exemplo, a Itália desrespeita a soberania alemã com o pretexto de defender os Direitos Humanos. A Alemanha, por sua vez, zela pela sua imunidade de jurisdição, com o argumento de que a Itália está violando um dos princípios do Direito Internacional Público. A Corte Internacional de Justiça determinará qual princípio deverá prevalecer neste caso, influenciando, consequentemente, decisões de casos futuros que englobem esse mesmo impasse. 2. Os fatos 2.1. Fatos e contexto Durante a Segunda Guerra Mundial, dois grupos de combate se formaram: os Aliados, liderados pela Inglaterra e pelos Estados Unidos da América; e o Eixo, composto pela Alemanha, Itália, Japão e seus aliados (HOBSBAWN, 1994). Contudo, quando a Itália começara a ser derrotada em seguidas batalhas pelos exércitos aliados, o Caso Alemanha vs. Itália rei italiano demitiu Mussolini, o então primeiro-ministro da Itália e grande aliado de Hitler. Essa mudança no governo italiano significou também uma mudança de posição na guerra: a Itália juntou-se aos Aliados, em 9 de setembro de 1943, mas não sem grandes prejuízos. No mesmo mês, a Itália fora invadida pelos exércitos alemães (GILBERT, 1991). Durante a ocupação, que durou de setembro de 1943 até maio de 1945, houve enormes desrespeitos aos Direitos Humanos dos cidadãos italianos. Tais violações ocorreram de diferentes formas, e aqueles que tiveram os seus direitos violados nessas situações foram categorizados em três grupos. O primeiro era constituído por homens jovens italianos que foram deportados para a Alemanha a fim de trabalhar em regime forçado. O segundo era formado por membros das forças armadas italianas que foram considerados prisioneiros de guerra e também realizaram trabalho forçado (CIJ, 2008). O terceiro grupo era constituído, em geral, por vítimas dos massacres alemães, a fim de controlar focos de resistência, nos últimos meses da guerra (CIJ, 2008). Dentre as violações cometidas pelo Estado alemão, destacaram-se a deportação, o enorme número de inocentes mortos, muitas vezes de forma brutal, e o trabalho forçado. Inúmeras pessoas, tanto civis quanto militares, foram retiradas forçosamente da Itália 4 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Jurisdictional Immunities of the State (Germany v. Italy: Greece intervening). Application Instituting Proceedings (2008), caso pendente. 5 Bull (2002) faz a distinção entre sistema e sociedade internacional. O primeiro termo se refere a “quando dois ou mais Estados têm suficiente contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo” (BULL, 2002, p. 15). Já sobre o segundo, Bull diz que a sociedade internacional existe “quando um grupo de Estados, conscientes de certos valores e interesses comuns, formam uma sociedade, no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns” (BULL, 2002, p.19). 6 Mello (2001, p. 67) define Direito Internacional Público como “o conjunto de normas que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional. Tais pessoas internacionais são as seguintes: Estados, organizações internacionais, o homem, etc.”, as quais Shaw (2008) complementa com empresas públicas, empresas privadas, organizações não-governamentais e organizações regionais. Shaw (2008) também coloca as fontes do DIP, que, de acordo com o artigo 38(1) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, são: convenções internacionais, os costumes, os princípios gerais do Direito e a jurisprudência. Shaw (2008) diz que o Direito Internacional Público pode ser “geral, em que, nesse caso, as regras envolvem todos os Estados (ou dependendo da natureza da regra), ou regional, em que um grupo de Estados unidos geograficamente ou ideologicamente podem reconhecer regras especiais aplicadas somente a eles” (SHAW, 2008, p. 170, tradução nossa). O mesmo autor ainda chama atenção para o cuidado de não se confundir as regras do Direito Internacional com a diplomacia e a moralidade. 49 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 50 e enviadas para a Alemanha. Quando lá chegavam, eram obrigadas a trabalhar em indústrias alemãs e submetidas a um regime similar à escravidão, em condições subumanas e com uma elevadíssima carga horária, sem nenhuma liberdade. Ainda, os exércitos alemães realizaram vários massacres de civis, como já dito anteriormente, para eliminar qualquer tipo de resistência (CIJ, 2011d). Muitos anos depois do término da guerra e, após uma normalização da situação na Itália, as vítimas dos maus tratos ocorridos durante a invasão alemã de 1943 (e, principalmente, seus herdeiros) começaram a buscar indenização e reparo na justiça italiana pelos danos sofridos (CIJ, 2008). O ponto crítico da situação se deu com o caso Ferrini 7, cujos procedimentos começaram em 1998 (CIJ, 2008, p.4). Neste caso específico, a vítima havia sido deportada para a Alemanha, durante o período de invasão, para realizar trabalho forçado na indústria de armamentos daquele país. Em 11 de março de 2004, a Corte di Cassazione 8, a Suprema Corte italiana, declarou possuir a jurisdição necessária para julgar o Estado alemão; a partir de então, as portas foram abertas para que cada vez mais italianos buscassem na justiça reparos por parte do governo alemão. Desde 2004, mais de 250 pessoas introduziram ações civis contra a Alemanha, ações que se encontram pendentes em 24 cortes regionais e duas cortes de apelação (CIJ, 2008). Desde os primeiros casos apresentados, a Alemanha encontrava-se descontente com a justiça italiana. Seu principal motivo seria que a Itália havia ferido a sua soberania ao julgá-la em suas cortes civis, o que vai contra o princípio de imunidade de jurisdição do Estado. A Alemanha, inclusive, já havia reconhecido o seu débito com as vítimas da ocupação durante a Segunda Guerra Mundial e fez com a Itália o Acordo de 1961, comprometendo-se a fazer reparações aos cidadãos que foram prejudicados, mas considerou inaceitável a atitude da justiça italiana (CIJ, 2010c). Para a Itália, o Estado alemão faltou com sua obrigação de indenização dos danos às vítimas dos crimes cometidos na Segunda Guerra, e as medidas tomadas até então nesse sentido foram consideradas insuficientes, principalmente porque não cobriram muitas das categorias de vítimas (CIJ, 2009). Ainda, de acordo com a justiça italiana, nenhuma infração foi cometida com relação à soberania alemã, já que, de acordo com o Direito Internacional, um Estado responsável por violações de direitos fundamentais9 não possui direito à imunidade nos casos em que, se garantida, a imunidade fará com que o Estado não responda às consequências legais de seus atos (CIJ, 2009). Caso Alemanha vs. Itália Com o crescente número de ações contra o seu Estado após o caso Ferrini, a Alemanha se viu obrigada a tomar uma medida, e resolveu por seguir o que consta na Convenção Europeia para a Solução Pacífica de Controvérsias, de 1957, da qual é parte, e cujo artigo 1º diz: Artigo 1º As Altas Partes Contratantes devem submeter ao julgamento da Corte Internacional de Justiça todas as disputas internacionais legais que possam surgir entre elas, incluindo, em particular, aquelas referentes a a. A interpretação de um tratado; b. Qualquer questão de Direito Internacional; c. A existência de qualquer fator que, se estabelecido, constituirá uma infração em uma obrigação internacional; d. A natureza ou extensão da reparação a ser feita pela infração em uma obrigação internacional (tradução nossa). Em 23 de dezembro de 2008, então, a Alemanha recorreu à Corte Internacional de Justiça, a fim de garantir o seu direito de imunidade de jurisdição perante as cortes italianas. Diante desta situação, a Itália declarou que respeita a atitude alemã, e alegou ainda que “uma determinação da Corte sobre a imunidade de jurisdição será de grande ajuda para esclarecer um tópico tão complexo” (CIJ, 2008, p. 4, tradução nossa). O caso foi aceito para julgamento, com base no artigo 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que coincide com o artigo 1º da Convenção Europeia para a Solução 7 O caso Ferrini será explicado mais detalhadamente na seção 3.3. 8 Tribunal de Cassação. Existem duas correntes principais para determinação dos direitos fundamentais. A primeira classifica-os pela sua positividade, ou seja, direitos fundamentais são aqueles declarados como tais pela Constituição de um Estado. Dimitri e Martins (2008) declaram que a finalidade principal dos direitos fundamentais é ser um instrumento legal para limitar a ação do Estado, e classificam-nos em três categorias: direitos de pretensão de resistência à intervenção estatal, pelos quais o indivíduo pode limitar a ação do Estado na vida privada; direitos sociais, que permitem ao sujeito exigir alguma ação por parte do Estado; direitos políticos, que garantem a participação na vida política do Estado; e, além destas três categorias principais, cita os direitos coletivos, como o direito de associação e os “direitos difusos” (direito ao meio ambiente, direito de solidariedade, etc.). Já Filho (1997) classifica os direitos fundamentais como aqueles que possuem um conteúdo relevante e necessário ao bem-estar dos indivíduos. Para ele, os direitos fundamentais são aqueles que garantem uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas, sofrendo pequenas variações de Estado para Estado. Ele os separa em três gerações: as liberdades individuais (direitos civis e políticos), os direitos sociais (créditos do indivíduo em relação à coletividade), os direitos humanos (direitos do homem como cidadão do mundo), e ainda sugere para uma quarta geração os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo. Para mais informações, ver seção 3.2. 9 51 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 Pacífica de Controvérsias, citado acima, estabelecendo a competência da Corte e os possíveis objetos de sua jurisdição. 52 2.2. Alemanha; a petição e demais alegações A petição de reclamação alemã contra a Itália é baseada em uma série de medidas tomadas pelo governo italiano referentes à quebra de imunidade jurisdicional do Estado alemão. Segundo a petição, o governo italiano tem desrespeitado princípios fundamentais de Direito Internacional Público que contribuem para a convivência pacífica entre os Estados, ao julgar a República alemã em suas cortes (CIJ, 2008). Outra crítica reiterada na petição são medidas restritivas aplicadas em um território de propriedade alemã, Villa Vigoni, usado para fins não comerciais10 e de intercâmbio cultural entre os dois países, desrespeitando, assim, duplamente a imunidade jurisdicional alemã, ao submeter a Alemanha a júri italiano e ao aplicar as medidas restritivas sobre propriedade alemã. Diante da jurisprudência11 da Itália de quebra de imunidade jurisdicional alemã, o governo alemão apresenta como contraponto a suposta renúncia italiana aos direitos de indenização seus e dos seus cidadãos, expressa no Tratado de Paz de 1947, artigo 77(4): Sem prejuízo a este e outros dispositivos, em favor da Itália de seus cidadãos e dos Poderes ocupando a Alemanha, a Itália renuncia em seu favor e dos de todos seus cidadão todas as reclamações contra a Alemanha e cidadãos alemães que estejam em vigor em 8 de Maio de 1945, exceto aquelas que surgiram em contratos e outras obrigações em vigor e Direitos adquiridos antes de primeiro de Setembro de 1939. Esta renúncia deve incluir débitos e todas reclamações intergovernamentais a respeito de acordos celebrados no curso da guerra e todas as reclamações por perdas ou danos que surjam durante a guerra. (TRATADO DE PAZ, 1947, tradução nossa). Segundo o entendimento alemão, por meio dos mecanismos expressos no Tratado, quitaram-se todas as espécies de dívidas geradas pela guerra e também pelas formas de desrespeito aos Direitos Humanos dos cidadãos italianos, que poderiam ser cobradas do governo alemão. Desta forma, o argumento de ato reiterado não tem respaldo, uma vez que houve a renúncia dos direitos à indenização por parte da Itália. Há ainda em vigor uma questão levantada pela jurisprudência italiana de que o tratado celebrado bilateralmente entre Itália e Alemanha em 1961 criava uma nova situação, pois comprovava a existência de uma falta de indenização reiterada a certos grupos Caso Alemanha vs. Itália de cidadãos italianos, uma vez que indenizava o governo italiano por problemas econômicos e de propriedade gerados no período de invasão germânica. Da mesma forma, a criação em 2000 da instituição Lembrança, Responsabilidade e Futuro12 comprovaria uma falta do governo alemão para com alguns cidadãos italianos excluídos da indenização até o presente momento, pois delega direitos indenizatórios a certas categorias de cidadãos e exclui outras. Perante tais argumentos, a defesa alemã afirma que a situação de indenização, como dito acima, foi inteiramente resolvida pelo Tratado de Paz de 1947. Sendo assim, tanto os Tratados celebrados em 1961 quanto a criação da instituição Lembrança, Responsabilidade e Futuro são atos de boa vontade alemã e objetivaram pôr um fim nas disputas legais sobre compensação nos casos individuais, portanto, não tem valor jurídico para comprovar uma nova situação, como afirma a jurisprudência italiana. 53 2.2.1. A apresentação do pedido reconvencional italiano Em 22 de dezembro de 2009, a Itália apresentou perante a Corte seu pedido de reconvenção13 ante o pedido original alemão. O objetivo do pedido era Pedir à Corte para afirmar que a Alemanha tem violado suas obrigações em prover reparação efetiva de vítimas italianas de crimes nazistas e que a Alemanha pare com sua conduta errada e assuma sua responsabilidade internacional por tal conduta (CIJ, 2009, p. 20, tradução nossa). O argumento apresentado era que a Alemanha teria deixado em aberto a reparação dos cidadãos italianos e pedia análise não aos fatos ocorridos na Segunda Guerra, pois nenhum país os nega, mas sim aos acordos firmados entre Alemanha e Itália em 1961, bem como a criação da instituição Lembrança, Responsabilidade e Futu- 10 Atos não-comerciais de um Estado são classificados como de jure imperii e que, portanto, são cobertos por imunidade jurisdicional. (SOARES, 1987, p.35; VOIYAKIS, 2003, p.315; CAPLAN, 2003, p.743). Essa distinção será melhor abordada posteriormente. 11 Por definição, jurisprudência refere-se ao conjunto das soluções dadas pelos tribunais às questões de Direito (SANTOS, 2001, p.137).(ICISS, 2001, p. VII, tradução nossa). 12 Fundação que indeniza vítimas do III Reich submetidas a trabalho forçado. Disponível em <http://www.stiftung-evz.de/eng/>. Acesso em 19 nov. 2011. Ação judicial em que um réu ou o seu defensor demanda o autor, por obrigação análoga ou relativa àquela por que é demandado, e perante o mesmo tribunal. (SANTOS, 2001, p.208) 13 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 54 ro, em 2000. Segundo o entendimento italiano, os fatos ocorridos na ocupação alemã teriam desencadeado os direitos dos cidadãos à indenização que desde então não teria sido realizada pela Alemanha. Como contraponto, a Alemanha afirmou que o pedido de reconvenção italiano estaria fora da jurisdição da CIJ por não se relacionar com a reclamação original, um dos pré-requisitos para aceitação de reconvenções, e por estar fora da jurisdição temporal da Corte, uma vez que a Itália aderiu à mesma somente em 30 de abril de 2008; em seu regimento interno, é previsto que a Corte terá jurisdição somente em “todas as disputas posteriores à presente declaração [de aceitação da jurisdição da CIJ], em relação com situações subsequentes a esta data” (CIJ, 2010c, p.4) – portanto, as decisões da Corte não têm efeito retroativo. Em 6 de julho de 2010, a Corte, com treze votos a favor e um contra, negou o pedido reconvencional italiano afirmando incompetência jurisdicional, uma vez que tal pedido tem origens em fatos decorrentes anteriores à criação da Convenção Europeia de 1957, e negando relação entre a reclamação de quebra de imunidade jurisdicional e o pedido. 2.3. Itália: defesa A justificativa italiana para a quebra de imunidade jurisdicional alemã tem fundamento em uma corrente jurisprudencial que busca aplicar no caso concreto do Direito Internacional Público um preceito já bem discutido na doutrina: a supremacia de Direitos de natureza jus cogens 14 sobre os demais preceitos de DIP. Esta corrente tem como expoentes os casos Princz vs. República Federativa da Alemanha (EUA), Prefeitura de Voiotia vs. Alemanha (Grécia) e Al-Adsani vs. Kuwait (Reino Unido) (FERNANDES, 2010) e é, principalmente, na jurisprudência grega que a Itália respaldará seus próprios julgamentos. Segundo entendimento da Suprema Corte italiana, a imunidade jurisdicional é um preceito costumeiro15 de DIP. Já a proibição do trabalho forçado é considerada uma das primeiras matérias de direitos básicos humanos (KERN; SOTTAS, 2003, p.44), tendo, portanto, caráter de matéria jus cogens garantido – por isto, sua supremacia sobre o outro direito em questão. Na decisão do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, afirmou-se que não menos grave que os crimes cometidos é a negação alemã de indenizá-los, como é visto em seu voto dissidente: “Um contexto de reparação não tem uma natureza inferior aos seus fatos geradores” (CIJ, 2010b, p.20, tradução nossa). É nesta perspectiva que a Itália justifica sua defesa. Para a Itália, a Alemanha, uma vez que tem uma dívida a respeito de violações de Direitos Humanos Caso Alemanha vs. Itália para com os cidadãos italianos, não goza de imunidade jurisdicional, pois esta omissão tem caráter de Direito superior à imunidade. A Itália alega também que, no Tratado de Paz realizado em 1947, não houve uma renúncia geral dos seus direitos e dos seus cidadãos. O que houve foi uma renúncia de direitos exclusivamente prescritos no Tratado, uma vez que este prevê: “sem prejuízos as disposições em favor da Itália e dos cidadãos italianos”; ou seja, há um mecanismo que permite a busca de futuros direitos. Os danos causados aos cidadãos italianos, quanto ao trabalho forçado e à deportação somente puderam ser notados em um longo período posterior a 1947. Outro aspecto importante é que a Alemanha, mesmo não tendo participado do Tratado (pois este foi acordado somente entre Itália e Poderes Aliados), afirma veementemente um entendimento unilateral de renúncia absoluta, negado pela defesa italiana. Os tratados celebrados entre Alemanha e Itália em 1961, bem como a criação da instituição Lembrança, Responsabilidade e Futuro criaram uma nova situação jurídica pois, ao usar de tais mecanismos, a Alemanha, na perspectiva italiana, abre mão de invocar a suposta renúncia ocorrida em 1947 e demonstra que há uma situação pendente quanto aos direitos não indenizados dos cidadãos italianos. Estes mecanismos indenizaram cidadãos italianos, deixando, entretanto, algumas categorias excluídas de obterem seus direitos, como é claramente visto no voto do Juiz Cançado Trindade: E isto não é tudo; mais recentemente, a instituição Lembrança, Responsabilidade e Futuro, fundada na Alemanha em 2000, prevê compensação para algumas vitimas de crimes de guerra do III Reich, porém, exclui os prisioneiros de guerra trazidos da Itália dos direitos de reparação. Os direitos destas últimas vítimas precisam ser reconhecidos (CIJ, 2010a, p.22, tradução nossa). É também contestado pelas cortes italianas que os Tratados de 1961 e a criação da instituição Lembrança, Responsabilidade e 14 Conceito definido pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) em seu Artigo 53 como: “norma(s) imperativa(s) de direito internacional geral aceita(s) e reconhecida(s) pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma(s) da(s) qual(is) nenhuma derrogação é permitida e que só pode(m) ser modificada(s) por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza”. Mais sobre o conceito será explicado na seção 3.2. 15 Conjunto de normas não escritas, originárias dos costumes tradicionais. (SANTOS, 2001, p .78). 55 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 Futuro sejam atos de boa vontade alemã; a Itália afirma que tais mecanismos se deram por uma forte pressão social e por meio de intensa negociação bilateral. Uma vez que o ato alemão, no entendimento italiano e do juiz Cançado Trindade, é uma reiteração de má conduta, a Itália alegou ter jurisdição para punir a Alemanha e exigir que fossem garantidos os direitos dos cidadãos italianos que ainda não foram indenizados, pois tais indenizações devem ser pagas, uma vez que a Itália não renunciou aos seus direitos. E, da mesma forma, para a Itália, este ato pode e deve justificar a quebra de imunidade jurisdicional do Estado alemão. 56 2.4. A intervenção da Grécia Em janeiro de 2011, a Grécia apresentou uma petição à Corte solicitando permissão para intervir no caso. De acordo com o Estatuto da Corte, art. 62, a um Estado é permitido intervir em determinado caso se, conforme decidido pelo organismo, a decisão do contencioso comprometer um interesse de ordem do Estado interveniente (CIJ, 1945). Na petição apresentada, a Grécia alega que sua intenção é intervir somente nos aspectos procedimentais relativos aos julgamentos feitos em seu território, reforçados pela jurisprudência italiana, sobre acontecimentos da Segunda Guerra. Segundo a Grécia, nenhuma das partes do caso levou em consideração as implicações deste para terceiros Estados, advogando o princípio de segurança jurídica16 (CIJ, 2011a, p.5). O artigo 81 do regulamento da Corte define que um Estado que tenciona intervir em um caso deve justificá-lo: (a) em termos de um interesse jurídico próprio que seja afetado pela decisão do caso, (b) da apresentação de objeto preciso de intervenção e (c) da jurisdição entre o Estado que tenciona intervir e as partes (CIJ, 1978). Para a Grécia, seu interesse jurídico deriva do fato de a Alemanha ter consentido sobre sua responsabilidade internacional17 vis-à-vis a Grécia por todos os atos e omissões cometidos pelo Terceiro Reich entre 6 de abril de 1941, dia em que a Alemanha invadiu a Grécia, e a rendição alemã, em maio de 1945, período em que foram cometidas atrocidades e atos desumanos contra nacionais gregos pelas forças alemãs (CIJ, 2011a, p.7). Em seguida, a Grécia alega dois objetos de intervenção: proteger e preservar os direitos da Grécia segundo todos os meios disponíveis, com respeito aos princípios de jurisdição e a instituição de responsabilidade do Estado (CIJ, 2011a, p.12), e informar à Corte a natureza dos direitos e interesses gregos que podem ser afetados pela decisão do caso pela Corte (CIJ, 2011a, p.12). Sobre a jurisdi- Caso Alemanha vs. Itália ção da Corte, a Grécia reforça que não tenciona tornar-se um Estado-parte do caso, tendo sua participação nele baseada apenas no art. 62 do Estatuto (CIJ, 2011a, p.14). Em julho de 2011, a Corte decidiu por permitir a intervenção grega no caso. Na Ordem de 04 de julho, a Corte levou em consideração o fato de a Suprema Corte Helênica (Areios Pagos) ter confirmado o julgamento contra a Alemanha realizado pelo Tribunal de Primeira Instância (Protodikeio) de Livadia, no caso Distomo (cidade onde ocorreu um massacre perpetrado pelas forças armadas alemãs durante a ocupação na Grécia), mas o ministro da Justiça recusou tal julgamento, respeitando o art. 923 do Código Civil Grego, relativo ao julgamento de um Estado estrangeiro (CIJ, 2011b, p. 4). Ainda sobre Distomo, o Tribunal de Apelação de Florença, na Itália, alegou que tal julgamento poderia ser executado neste país, sob o aval da Suprema Corte Italiana (CIJ, 2011b, p.5). A CIJ também levou em consideração o caso grego Margellos, julgado pelo Tribunal de Apelação de Atenas, em que foi respeitada a imunidade alemã (Idem). Nos procedimentos escritos posteriores à petição de intervenção grega, a Alemanha se posicionou contrária à intervenção, alegando que os interesses envolvidos no caso não se relacionavam com os interesses gregos. Segundo a Alemanha, a responsabilidade do Estado alemão pelas violações de Direito Internacional Humanitário não era o foco da disputa, que se centra no princípio específico da imunidade de jurisdição. Já a Itália, por sua vez, mostrou-se favorável, reforçando os interesses gregos afetados pela futura decisão da Corte (CIJ, 2011b, p.7). A CIJ decidiu-se por aceitar 16 Trata-se de um princípio de todo o sistema jurídico “(...) entendido como [o] princípio da boa-fé dos administrados ou da proteção da confiança. A ele está visceralmente ligada a exigência de maior estabilidade das situações jurídicas (...). A segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito” (MEIRELLES, 2004, p.97-98, apud SILVA, 2005, p.17). Em outras palavras, trata-se de um caráter de previsibilidade das normas jurídicas, fazendo com que haja a confiança sobre a consciência dos limites dos administradores e administrados. 17 A maior parte das responsabilidades internacionais consiste em regras de competência e cooperação funcional, sendo a instância para tal a diplomacia e as negociações, e não um tribunal. Trata-se de um conceito existente no sistema internacional, descentralizado, em que falta jurisdição compulsória e procedimentos de imposição jurídica automaticamente aplicáveis, dada a anarquia do sistema. Essa noção liga-se ao conceito de ordem e comunidade internacional; porém, dado que essas regras foram desenvolvidas no direito consuetudinário como liberdades e proibições, é difícil definir precisamente o teor de ilegalidade envolvido na falta dessas responsabilidades (BRONWLIE, 2008, p.507). 57 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 a intervenção alegando a similaridade dos interesses gregos aos italianos envolvidos no caso, principalmente no tocante ao caso Distomo, deixando claro que a decisão proferida futuramente não terá caráter vinculante para a Grécia18. 3. Substrato jurídico O caso Alemanha vs. Itália é mais bem esclarecido com a devida abordagem dos princípios de Direito Internacional por trás da disputa. Esta seção tem por objetivo abordar os princípios subjacentes à análise do caso, bem como examinar a jurisprudência correlata, as fontes convencionais (fontes escritas) do Direito Internacional por meio de convenções e tratados sobre imunidade jurisdicional do Estado e as relações Alemanha-Itália. 58 3.1. O princípio de imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro De forma sucinta, o conceito de imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro leva em consideração os princípios de soberania, igualdade e não interferência (SHAW, 2008, p.697), princípios que possuem uma inegável relação de complementaridade às vistas do Direito Internacional. Desse modo, para melhor entender a evolução das doutrinas relativas à imunidade de jurisdição, faz-se necessário um breve apanhado sobre o conceito de soberania. Desde Westfália, o marco do nascimento dos Estados nacionais modernos, aparece a ideia de igualdade jurídica entre os Estados (SOARES, 1987, p.5). Diversos teóricos do campo de Relações Internacionais versam sobre soberania e, ainda que algumas visões tenham pontos divergentes, o conceito não sofre graves alterações. Morgenthau, principal nome do realismo clássico em Relações Internacionais, define soberania como: (...) a suprema autoridade legal de uma nação para aprovar leis e fazê-las cumprir dentro dos limites de um certo território e, como consequência, a independência em relação à autoridade de qualquer outra nação em igualdade com a mesma nos termos do Direito Internacional. Daí podemos dizer que uma nação perde a sua soberania quando é colocada sob a autoridade de uma outra (...) (MORGENTHAU, 2003, p.578) Já desde a Idade Média, cada organização feudal possuía suas próprias leis, sendo a hierarquia determinada por discriminações e privilégios (SOARES, 1987, p.3). Em adição, a Idade Moderna, trazendo o princípio do direito divino dos reis, tornava os soberanos absolutos, imunes à jurisdição comum (SOARES, 1987, p. 4) – isso Caso Alemanha vs. Itália era traduzido na máxima “the king can do no wrong” (o rei não age errado – tradução nossa), revelando já os sinais de imunidade19 (NEHME, n.d). Retomando os ideais teóricos, Hedley Bull, ao analisar a ordem de uma sociedade internacional anárquica, elenca como uma das funções do Direito Internacional ajudar a mobilizar a aceitação das regras de coexistência e cooperação entre os Estados (BULL, 2002, p.163) – ainda, aludindo ao pensamento do século XIX, Bull argumenta que a soberania é um atributo de todos os Estados e, seu reconhecimento mútuo, uma regra fundamental de coexistência no sistema (BULL, 2002, p. 46). Logo, infere-se que o conceito de soberania constitui matéria não só de interpretação jurídica, mas também de julgamento político (MORGENTHAU, 2003, p.580). Em resumo, trata-se da independência política de Estados estrangeiros, um juízo baseado no consentimento de restrições auto-impostas em igual medida entre os Estados, dada a anarquia do sistema20 (VOIYAKIS, 2003, p.326); segundo tal princípio, um Estado deve abster-se de julgar outro, tendo em conta a independência deste e o ideal de reciprocidade. Historicamente, os primeiros pensamentos acerca dos limites da jurisdição de um Estado sublinham uma visão mais absoluta – o primeiro período doutrinário comporta os séculos XVIII e XIX, ditos de imunidade absoluta dos procedimentos legais domésticos de outro Estado (CAPLAN, 2003, p.743). Já com o maior envolvimento dos Estados em questões comerciais internacionais, a partir do século XX, as imunidades estatais passam a ser relativizadas em termos da distinção entre acta jure imperii (conduta estatal de natureza governamental, coberta pela imunidade) e acta jure gestionis (conduta estatal de natureza comercial ou privada, destituída de imunidade – quando o Estado age por meio de uma 18 Pelo art. 62 do Estatuto, um Estado a que é permitida a intervenção não possui o status de Estado parte no caso e, segundo o art. 94(2) do regulamento da Corte, o julgamento é vinculante às partes. Portanto, isso exclui os Estados intervenientes de respeitarem, compulsoriamente, a decisão da Corte no caso em que eles intervêm. 19 Em outras palavras, isso significa que, dado o direito divino dos reis, o soberano estaria acima das leis; assim, estaria imune a qualquer transgressão dessas normas pelo simples fato de ser hierarquicamente superior a elas. 20 O sistema internacional é anárquico pelo fato de não possuir uma autoridade jurídica acima de todos os Estados, responsável por impor leis a todos – ou seja, há uma ausência de hierarquia internacional em termos jurídicos. Assim, é importante destacar que o termo “anarquia” se refere a essa falta de um governo supraestatal. Ademais, o conceito é muito trabalhado em teorias de Relações Internacionais e, para muitos teóricos, como Hedley Bull (2002), o Direito Internacional é um dos componentes do sistema responsável por exercer uma função de estabilização e ordem internacional na anarquia. 59 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 60 empresa estatal, por exemplo) (SOARES, 1987, p.35; VOIYAKIS, 2003, p.315; CAPLAN, 2003, p.743). Trata-se, portanto, de uma visão restritiva dessas imunidades. Ainda que se observe uma tendência gradativa à relativização do princípio de imunidade jurisdicional do Estado, ele permanece como um dos princípios mais relevantes do Direito Internacional geral para manter a ordem nas relações entre os Estados. Traduzido na expressão par in parem non habet judicium (CAPLAN, 2003, p.748), ele deve refletir a independência, a igualdade e a dignidade dos Estados (LAUTERPACHT, 1951, p. 221). Hoje em dia, a maior parte dos Estados tende a aceitar a doutrina da imunidade restritiva (como é o caso de Alemanha e Itália21, por exemplo) (BRÖHMER, 1997, pp.104-117) e isso se reflete em suas legislações domésticas, pelo processo de constitucionalização das normas internacionais (SHAW, 2008, p.707). A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens22, de 2004, pode ser vista como um avanço na positivação do princípio em questão, elencando os atos cobertos pela imunidade, bem como a definição precisa de Estado e de seus desdobramentos que devem gozar do princípio (SHAW, 2008, pp.708-9). Ademais, no tocante à caracterização das imunidades jurisdicionais do Estado, cabe problematizar se elas fazem parte dos princípios fundamentais do Direito Internacional, oriundas da própria estrutura da ordem jurídica internacional, ou se são uma norma de direito consuetudinário (costumeiro), cabendo discussão sobre a hierarquia dos direitos (CAPLAN, 2003, p.745). Uma doutrina enxerga a imunidade jurisdicional do Estado como um direito estatal fundamental em virtude do princípio de igualdade soberana (par in parem non habet imperium); a outra vê a imunidade jurisdicional como uma evolução de exceções à jurisdição de um Estado, por exemplo, quando um Estado suspende o seu direito de jurisdição adjudicatória23 como uma cortesia para facilitar as relações interestatais (CAPLAN, 2003, p. 748). Outro questionamento sobre a aplicação da imunidade de jurisdição de um Estado advém do direito de acesso à justiça; Lauterpacht, em um ensaio de 1951 advogando a extinção da imunidade jurisdicional do Estado absoluta, alega que, na maior parte dos casos, um pedido de imunidade consiste em uma recusa em satisfazer o que seria um pedido legal adequado e exequível, revelando uma escusa do Estado acionado em conceder a justiça (LAUTERPACHT, 1951, p.236). Já nessa época, portanto, revelava-se uma tendência de abordagem restritiva à imunidade estatal, sendo um marco importante desse reconhecimento o caso Dralle vs. República da Tche- Caso Alemanha vs. Itália coslováquia, julgado em 1950, pela Suprema Corte da Áustria, afirmando que atos comerciais/privados (acta jure gestionis) não mais seriam uma norma de Direito Internacional geral – e, portanto, não seriam cobertos por imunidade (SHAW, 2008, p.701). Assim, entende-se uma gradativa evolução doutrinária do princípio de imunidade de jurisdição do Estado, principalmente no que toca violações de direitos humanos – em especial àqueles direitos entendidos como jus cogens; a próxima subseção abordará com mais detalhes essa questão. 3.2. Imunidade de jurisdição do Estado e violações aos Direitos Humanos A aplicação da imunidade de jurisdição, como já dito anteriormente, sofreu mudanças ao longo da história. “A imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros possuiu, durante muito tempo, um caráter plenamente absoluto, pois era aplicada de forma análoga à imunidade concedida à pessoa do soberano” (FERNANDES, 2010, p.145), da qual o princípio se originou (SHAW, 2008). Dessa maneira, a imunidade seria aplicada em qualquer situação, sem exceções. Essa interpretação da imunidade jurisdicional do Estado fundamenta a doutrina absoluta24 (FERNANDES, 2010; BRÖHMER, 1997). Na época, de acordo com Bröhmer, “o Direito Internacional era considerado completamente dependente das vontades das nações” (1997, p.15, tradução nossa), o que Fernandes (2010) denomina “hegemonia dos Estados”. Contudo, é importante considerar a ressalva do primeiro autor de que “a imunidade nunca foi realmente absoluta. Um Estado sempre pôde consentir com os proce- 21 As posições doutrinárias dos dois países serão melhor abordadas posteriormente neste artigo. 22 Mesmo assim, o valor da Convenção ainda merece atenção futura, uma vez que ainda não entrou em vigor. Mais detalhes sobre a Convenção serão expostos na subseção 2.4. 23 De acordo com o Código de Processo Civil brasileiro, a jurisdição adjudicatória ou judicial envolve os poderes que possuem os tribunais de um Estado para julgar processos que envolvam pessoas, bens, fatos ou eventos territorial ou extraterritorialmente. Trata-se de um princípio hoje reconhecido no Direito Internacional que se refere ao reconhecimento da jurisdição dos tribunais, pelos Estados, como um poder soberano e independente, possuído pelo ordenamento legal nacional (RESTATEMENT OF THE FOREIGN RELATIONS LAW OF THE UNITED STATES, 1987, at 390-91, supra note 28, § 421 apud CAPLAN, 2003, p.746). 24 Essa doutrina teve como marco principal a decisão da Corte Suprema Americana no caso Escuna Exchange, “na qual a sentença do Chief Justice Marshall favorece a tese do caráter absoluto da imunidade de jurisdição, excepcionando, portanto, a França da jurisdição das cortes norte-americanas” (FERNANDES, 2010, p.145). Essa decisão orientou muitas outras cortes de outros países. (FERNANDES, 2010; BRÖHMER, 1997). 61 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 62 dimentos e renunciar à sua soberania” (BRÖHMER, p.16, tradução nossa), a fim de manter boas relações com os outros Estados. Dentre as enormes transformações ocorridas principalmente nos âmbitos econômico e político no século XX, houve também uma mudança no papel desempenhado pelo Estado, que passou a “se envolver de forma cada vez mais intensa em campos antes dominados pela ação dos particulares, levando a um número cada vez maior de relações de caráter privado, como transações comerciais, entre os particulares e o Estado” (FERNANDES, 2010, p.146). Bröhmer (1997) lembra que essa situação poderia ser claramente vista na Revolução Russa, quando, com a nacionalização da economia, o Estado passou a se envolver intensamente com questões econômicas. Começaram a surgir, então, disputas decorrentes desses atos de natureza privada, e, nesses casos específicos, para Fernandes (2010) a reivindicação de imunidade de jurisdição por parte do Estado resultava quase sempre em casos injustos, até porque a imunidade de jurisdição não era condizente com a natureza dos atos em questão. Logo, surgiram esforços para limitar a imunidade soberana, principalmente em casos de operações comerciais (BRÖHMER, 1997), o que trouxe mudanças quanto à adoção da doutrina absoluta. Além dessa mudança de papel do Estado, Fernandes (2010) ressalta a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que trouxe a dignidade da pessoa humana como valor fundamental que deve ser protegido, enfatizando o papel dos indivíduos em detrimento da hegemonia dos Estados, que vigorava antes da Segunda Guerra Mundial. Nessa mesma época, a ideia do indivíduo como sujeito do Direito Internacional ganhou enorme aceitação, principalmente, mas não exclusivamente, pela crescente importância dada aos Direitos Humanos (SHAW, 2008); anteriormente, no século XVIII, o indivíduo geralmente não era considerado parte do mundo jurídico internacional, e somente teria acesso a ele através do Estado (MELLO, 2001)25. Shaw ressalta que a inserção do indivíduo na ordem jurídica internacional, através de tratados que lhes atribui direitos diretamente, começou a ocorrer a partir dos Tratados de Paz de 1919, após a 1ª Guerra Mundial, quando “foi possível que um indivíduo recorresse diretamente a uma corte internacional” (SHAW, 2008, p. 259). Para Mello (2001), o indivíduo deve ser considerado pessoa internacional, pelo fato de que lhes são atribuídos direitos e deveres perante a ordem jurídica internacional, e atualmente, de acordo como autor, essa posição é compartilhada pela maior parte dos doutrinadores. Dessa maneira, é fácil observar uma tendência à relativização da doutrina absoluta Caso Alemanha vs. Itália da imunidade de jurisdição do Estado, não só em atos de natureza comercial, mas ao surgirem conflitos entre a garantia dos Direitos Humanos e a imunidade de jurisdição. A doutrina restritiva passou a vigorar desde então e, aos poucos, foi sendo adotada por um número considerável de Estados. É dessas mudanças que se retoma a distinção entre atos de gestão, que seriam os atos de caráter privado (acta jure gestionis), e atos de governo (acta jure imperii) do Estado, consagrada pela jurisprudência dos tribunais belgas e italianos que passaram a negar a imunidade em casos de acta jure gestionis. (SHAW, 2008; FERNANDES, 2010) – distinção que é pilar da doutrina restritiva (BRÖHMER, 1997) ou relativa (FERNANDES, 2010) da imunidade de jurisdição. Apesar de a maioria dos países hoje aderirem à doutrina relativa a partir dessa distinção (mesmo que sua aplicação não seja uniforme [FOX, 2004, p.2]), ainda há um impasse quanto ao critério adotado para distinguir a natureza dos atos cometidos pelo Estado estrangeiro. Bröhmer (1997) afirma que, para as cortes alemãs, o critério para a distinção dos atos deve ser a sua natureza efetivamente, e não o seu propósito, mas o autor acredita que a intenção do ato também deve ser considerada. Fernandes ainda menciona que em certas situações “tal distinção nem sempre é suficiente para se enfrentar a complexidade da realidade, necessitando-se buscar novos elementos” (2010, p.156). Dentre as situações citadas por Fernandes (2010), começam a surgir aquelas de naturezas diferentes das operações comerciais previstas, como as violações a certas normas importantes do Direito Interacional. Tais normas são denominadas normas de jus cogens. Jus Cogens é um conceito complicado, que ainda desperta inúmeras dúvidas, e que já foi muito estudado. Porém, em linhas gerais, significaria um conjunto de normas, dentro do Direito Internacional, que “seriam imperativas em razão de seu conteúdo mais relevante, mais essencial, (...) que se impõem a todos os Estados, independente da oposição destes” (NASSER, 2005, p. 163), conforme artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969). A maior importância dessas normas não se dá pelo seu modo de produção, mas sim pelo conteúdo expresso nelas. Devido a essa importância, 25 Essa posição ainda é adotada pelas teorias negadoras da subjetividade do indivíduo. Para o positivismo clássico, o indivíduo é sujeito somente no direito interno, e as ordens jurídicas interna e internacional são independentes entre si. Para a teoria do “homem-objeto”, os Estados seriam sujeitos do DIP e o homem seria apenas um objeto, como navios e aeronaves. (MELLO, 2001, p.767-768; SHAW, 2008, p. 258). Porém, hoje, a maior parte dos doutrinadores considera o indivíduo como sujeito do DIP. 63 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 se pressupõe uma hierarquia normativa, e a violação das normas de jus cogens poderiam ser consideradas uma violação mais grave, e até um crime internacional, “ensejando um regime diferenciado de responsabilidade internacional” (NASSER, 2005, p. 163). Para as normas de jus cogens, há uma definição e um regime jurídico, mas ainda assim a precisão do conceito e o seu conteúdo não são garantidos. Há quem relacione o jus cogens ao constitucionalismo do Direito Internacional, contudo, essa ideia é controvertida, pois a sociedade internacional é horizontal e desprovida de poder centralizado, além de não haver hierarquia entre as fontes do direito. Deste modo, não há como haver realmente um direito constitucional. Porém, 64 algumas [normas] iriam adquirindo caráter constitucional devido à sua importância para a manutenção da ordem ou pelos valores que advogam. A possível aproximação entre jus cogens e constitucionalismo internacional não parece, portanto, absurda, mas, por aproximar o desconhecido do incerto, não aporta maiores esclarecimentos sobre os conceitos, os efeitos e os regimes ligados a um e a outro (NASSER, 2005, p. 169). Há também aqueles que consideram as normas de jus cogens como normas de ordem pública, por serem ”inderrogáveis pela vontade de Estados contratantes, mas a esta noção de ordem pública internacional faltariam maior clareza e definição” (Ibid., p. 169). Ainda, surge uma confusão de termos entre com o jus cogens e as obrigações erga omnes. As obrigações erga omnes do direito internacional seriam aquelas que criam para toda a comunidade dos Estados, ou para cada um destes individualmente, direitos. Assim, violada uma dessas obrigações, a comunidade ou qualquer Estado teria interesse jurídico na reparação (Ibid., p. 170-171). Neste conceito, surgem também os direitos erga omnes, ou seja, direitos que todos os Estados têm interesse jurídico em proteger, entre os quais Nasser (2005) cita o direito de autodeterminação dos povos e o direito humanitário. Porém, ambos esses direitos poderiam ser exemplos de normas de jus cogens. Qual seria então a relação entre obrigações erga omnes e normas de jus cogens? De acordo com Nasser (2005), as normas de jus cogens estariam dentro de uma categoria maior, das obrigações erga omnes. “Percebe-se assim que não basta que a proteção de um direito seja do interesse da comunidade internacional como um todo para se elevar ao status Caso Alemanha vs. Itália de jus cogens” (Ibid., 172). Diante de tantas dúvidas e controvérsias, percebe-se que, apesar de o conceito de jus cogens tratar de normas de extrema importância, ele ainda precisa ser amadurecido. De acordo com Bröhmer (1997), quando a ação de um Estado viola princípios de Direito Internacional, há medidas internacionais que podem ser tomadas contra esse Estado. Quando essa ação viola as leis do próprio Estado, também há meios domésticos previstos por essas leis que podem ser empregados. O grande problema da imunidade de jurisdição se dá então quando um Estado viola leis de um Estado estrangeiro, cujas cortes serão pedidas para tomar providências. Porém, se o primeiro Estado alegar imunidade, o Estado estrangeiro não poderá fazê-lo assumir responsabilidade legal sobre seus atos (BRÖHMER, 1997). Por essa situação, chega-se à conclusão de que um Estado pode se omitir e evitar responsabilidades ao se valer da imunidade de jurisdição. Para o mesmo autor, essa situação se agrava em casos de morte, injúria ou danos a propriedades de indivíduos, porque desrespeitam não só as leis internas de um Estado, mas vão contra direitos tidos como fundamentais no Direito Internacional (matérias de jus cogens), que vêm adquirindo cada vez mais importância e recebendo mais proteção (BRÖHMER, 1997). Contudo, apesar de a imunidade de jurisdição poder ser usada como instrumento para omissão de um Estado perante suas responsabilidades, ela é importante e não pode ser simplesmente suspensa. A imunidade jurisdicional caracteriza um Estado soberano, e a soberania, por sua vez, é o fator que mantém o equilíbrio nas relações internacionais (SHAW, 2008) e impede uma hierarquização26. Dessa maneira, sujeitar um Estado à jurisdição de outro violaria tal equilíbrio, assim como sua autonomia, e anularia a sua soberania, fundamental a um Estado. De qualquer maneira, o respeito à soberania não necessariamente significa que o Estado é livre para agir sem precisar seguir certar regras; Bröhmer (1997) lembra que um Estado hoje precisa estar globalmente ativo a fim de atingir os seus objetivos, de modo que seus atos têm repercussão internacional, e sua soberania não o impede de ser cobrado. Outra regra importante, no que tange o Direito Internacional em casos de violações aos Direitos Humanos, é explicitada por Shaw (2008). Todo indivíduo tem o direito de invocar mecanismos internacionais a fim de resolver um conflito de Direitos Humanos, direito presente, por exemplo, na Convenção Europeia 26 Ver seção 3.1 para mais detalhes sobre a importância dada à soberania. 65 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 66 Caso Alemanha vs. Itália de Direitos Humanos (CEDH) – mas, para tanto, o indivíduo deve primeiro esgotar todos os meios locais de solução de seus problemas (SHAW, 2008). De acordo com a CEDH, uma limitação no direito de acesso à justiça (no caso, quando um Estado alega imunidade de jurisdição) não impede a essência desse direito, se satisfizer duas determinações: possuir um objetivo legítimo e devida proporcionalidade (VOYIAKIS, 2003). Entende-se que há um objetivo legítimo quando, ao reconhecer certas limitações em sua jurisdição, o Estado possui o objetivo de cooperar com o Direito Internacional a fim de promover boas relações com outro Estado a partir do respeito à soberania do outro, e a imunidade de jurisdição é um princípio de DIP (VOYIAKIS, 2003). A proporcionalidade se dá pelo fato de que a Convenção Europeia de Direitos Humanos, assim como outros tratados, deve ser interpretada em consonância com outras regras do Direito Internacional – entre elas, a imunidade de jurisdição. Assim, sendo o acesso à justiça uma parte inerente da Convenção, algumas das suas limitações são consideradas igualmente inerentes (VOYIAKIS, 2003). Além de Voyiakis (2003), as limitações do acesso à justiça devido à imunidade de jurisdição também são reconhecidas por Tomonori (s.d.), que destaca que o direito à imunidade não viola o artigo 6(1) da CEDH, que, em linhas gerais, determina o direito de acesso à justiça. Diante da importância que merecem tanto os Direitos Humanos quanto a soberania de cada Estado, são complexas as situações em que há conflitos entre esses dois. A imunidade de jurisdição é fundamental para a manutenção de um sistema equilibrado e não-hierárquico no panorama internacional. Porém, os Direitos Humanos são direitos fundamentais para a dignidade humana, considerados primordiais nas relações internacionais por garantirem uma condição de vida mínima necessária aos homens, e, por isso, devem sempre ser resguardados. A fim de manter a eficácia do direito de acesso à justiça, há então a difícil tarefa de determinar em que casos as violações aos Direitos Humanos realmente necessitam de intervenção na soberania de Estados estrangeiros. e de Apelação, na Itália, os quais alegaram não exercer jurisdição sobre o caso, uma vez que o requerente pedia uma indenização contra um Estado soberano, alegando, portanto, que a Alemanha não gozava de imunidade jurisdicional. Entretanto, foi na Suprema Corte italiana que o caso Ferrini ganhou repercussão, uma vez que a Corte italiana não somente o julgou como também condenou a Republica da Alemanha a indenizar o requerente. A sentença do caso é inovadora, pois reflete em um caso concreto o entendimento de supremacia dos Direitos Humanos como valores universais que transcendem o interesse de nações individuais. É baseado neste pressuposto que o Tribunal de Cassação italiano deliberou que países que são acusados de desrespeitarem os Direitos Humanos não têm direito à imunidade jurisdicional. Esta interpretação é reforçada pela jurisprudência grega, no caso Prefeitura de Voiotia vs. Alemanha, em que a Grécia procura indenização por um massacre ocorrido em seu território durante a Segunda Guerra Mundial, realizado pela Alemanha. A corte grega, neste caso, entendeu que a violação de direitos relacionados com direitos fundamentais humanos acarreta a renúncia de todos os benefícios e privilégios de acordo com o Direito Internacional (BIANCHI, 2005)27. O Tribunal de Cassação fundamentou sua sentença no caso Ferrini afirmando que a deportação e o trabalho forçado eram universalmente proibidos desde 1907 pela Convenção da Haia28. Baseados nela, os fatos ocorridos com Luigi Ferrini são considerados crimes mesmo antes da Primeira Guerra Mundial, realçando a gravidade do decorrido. Assim, no entendimento do tribunal, este tipo de ação de Estado não deve ter a proteção da imunidade jurisdicional e não pode ser impedido de julgamento e condenação, uma vez que fere os direitos previstos no artigo 6(1) da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que dispõe que “na determinação de seus direitos e obrigações civis ou de qualquer acusação criminal contra si, todos têm direito a uma audiência justa e pública num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei” (CONSELHO DA EUROPA, 1950, tradução nossa). 3.3. Jurisprudência 3.3.1. Caso Ferrini Tendo analisado os principais princípios jurídicos relativos ao caso, a subseção a seguir objetiva examinar o principal caso conexo ao Alemanha vs. Itália, tendo em vista sua importância para o acionamento deste. O caso Ferrini se iniciou com duas negações de provimento na primeira e segunda instância nos tribunais de Arezzo 27 Percebe-se, portanto, que o entendimento grego ainda é controverso com relação à supremacia ou não dos direitos humanos frente ao princípio de imunidade jurisdicional do Estado; tanto nos casos Voiotis e Distomo, houve a preponderância dos direitos humanos, enquanto que, no caso Margellos, respeitou-se a imunidade alemã (vide seção 2.4). Isso reforça a intervenção do país no caso, bem como a relação entre a jurisprudência grega e a italiana em matéria de imunidade. 28 Convenção da Haia, artigo 7. 67 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 68 É também de entendimento do Tribunal de Cassação que este somente tem jurisdição sobre o caso devido ao ato de não reparação alemã dos direitos lesados do requerente Luigi Ferrini. O Tribunal entendeu que a criação do instituto Lembrança, Responsabilidade e Futuro foi um ato de compensação para as vítimas italianas (BIANCHI, 2005, p.243, tradução nossa), bem como o Tratado de 1961, e que os dois mecanismos criam uma nova situação, pois comprovam a dívida alemã com o passado, porém, não abrangem todos os indivíduos, como deveriam. De posse disso, para o Tribunal, não há argumentos convincentes que justifiquem a inadimplência alemã para com Ferrini, já que a Alemanha reconhece a existência de uma situação de lesão grave de Direitos Humanos a ser reparada. Assim, com este aparato jurídico, a Suprema Corte italiana considerou-se apta para julgar e condenar a República da Alemanha pelo reconhecimento da reiteração de má conduta, de forma a obrigá-la cumprir com os seus deveres de reparação. 3.3.2 Observações do Juiz Antônio Augusto Cançado Trindade sobre o pedido italiano de reconvenção no caso Alemanha vs. Itália. O juiz Cançado Trindade foi o único a dar voto de provimento ao pedido de reconvenção italiano, fazendo-se, por isto, necessário o estudo de suas observações para um entendimento aprofundado do caso. O juiz afirma a existência de dois tipos de delitos, os delitos complexos e os momentâneos, sendo o elemento que distingue os dois a perpetuidade no tempo, do primeiro, e a momentaneidade, no segundo. Segundo o seu entendimento, o caso em questão é complexo, uma vez que tem como base não os atos contra os Direitos Humanos cometidos pela Alemanha, mas se há ou não uma dívida de reparação por parte da Alemanha, surgida pela realização dos atos, que justificaria o pedido italiano de reconvenção. Para o juiz, existe uma situação em aberto, pois ele acredita que os mecanismos de indenização de 1961 e 2000 reconheceram a dívida e se propuseram a ressarcir os cidadãos italianos, porém, não o fizeram de forma adequada. A partir do reconhecimento da dívida, a Alemanha, no entender do juiz, assumiu responsabilidade por todos os seus atos e, desta forma, deve indenizá-los de forma completa. Ainda em seu voto, o juiz alega a impossibilidade de renúncia por parte da Itália dos Direitos Humanos de seus cidadãos, uma vez que estes pertencem aos indivíduos e não à nação. Como afirmado: Caso Alemanha vs. Itália Em minha opinião, um Estado pode renunciar a demandas de seu interesse, se quiser, mas não a direitos de seres humanos, cidadãos ou não, que foram vítimas de atrocidades que chocaram toda a humanidade. As vítimas individuais, e não seus Estados, são titulares dos direitos que foram violados antes do Tratado de Paz de 1947 (CIJ, 2010a, p.32, tradução nossa). A justificativa fundamental para o provimento é baseada no entendimento de que os fatos são conexos e também que o pedido italiano encontra-se sob a jurisdição da Corte Internacional de Justiça, na medida em que, para o juiz, a negação da Alemanha em indenizar os cidadãos italianos é um delito complexo existente no presente, como exposto em: A celebração dos dois Acordos de 1961, desta vez pela Alemanha por si mesma com a Itália, demonstra o reconhecimento que a obrigação existia em 1961. Isto marca, em meu ponto de vista, o ponto desencadeador da nova situação contínua daquele período até o presente (CIJ, 2010a, p.48, tradução nossa). 3.3.3. Observações dos outros juízes A maioria da Corte entendeu que não faz parte da sua jurisdição o pedido de reconvenção italiano, uma vez que este tem origens em fatos decorrentes anteriores à criação da Convenção Europeia de 1957. As normas da Corte, segundo seu regulamento, impedem o julgamento que se refere a situações conexas com fatos anteriores à criação da Convenção Europeia como exposto em: “O artigo 27(a) da Convenção Europeia, entretanto, exclui da aceitação de jurisdição da Corte disputas relacionadas com fatos e situações anteriores à vigência da Convenção (CIJ, 2010b, p.1, tradução nossa)”. No entendimento da maioria dos juízes, não há nova situação gerada pelos mecanismos de 1961 e 2000, uma vez que a Itália não demonstrou que estes acordos estão regidos por uma normatividade e não citou os mecanismos aos quais a Alemanha se submetia para o cumprimento de tais acordos. E, de forma alguma, há indícios de que a Alemanha tenha criado obrigações para que sejam ressarcidos os cidadãos italianos. Ainda que, realmente, os acordos de 1961 tenham gerado uma nova situação, eles são anteriores à criação da Convenção Europeia e, como já explicado, não se submetem à jurisdição da Corte. Além do mais, não há fatos que comprovem que as medidas alemãs tenham dado lugar às renúncias feitas pela Itália em 1947, interpretadas pela maioria dos juízes como sendo absolutas. 69 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 70 3.4. Instrumentos internacionais Percebe-se que o caso e os princípios que ele leva em conta ainda são controversos entre as opiniões dos juízes. Por mais que haja instrumentos positivados responsáveis pela regulação do direito da imunidade jurisdicional do Estado, a dificuldade de universalização do princípio reside no fato de ele ainda se encontrar majoritariamente inserido no campo do direito consuetudinário, e suas principais fontes ainda se assentarem em sistemas jurídicos nacionais e jurisprudência de tribunais domésticos (BRÖHMER, 1997, p. 138; FOX, 2004, p. 100). Mesmo assim, a tendência é que a imunidade jurisdicional seja regulada multilateralmente, de modo a melhor alinhar as legislações domésticas; esta subseção, portanto, busca avaliar a evolução do direito da imunidade jurisdicional com base nos esforços de codificação do princípio, até chegar à Convenção da ONU de 2004 e as perspectivas quanto à clareza desse ramo jurídico. Pode-se dizer que um dos primeiros instrumentos internacionais a lidar com a imunidade estatal foi a Convenção de Bruxelas de 1926 (BRÖHMER, 1997, p.121); entretanto, o marco mais significativo veio com a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados (ECSI, na sigla original em inglês) de 1976. Tal Convenção foi responsável por iniciar a codificação, ainda cedo, do direito da imunidade estatal, em uma época quando a doutrina restritiva ainda era contestada – alguns de seus signatários, por exemplo, ainda aderiam à doutrina absoluta (BRÖHMER, 1997, p. 119; FOX, 2004, p.94). Desse modo, pode-se dizer que uma das maiores contribuições da ECSI foi influenciar os Estados a desenvolver a teoria restritiva da imunidade (FOX, 2004, p.99). Um avanço trazido pela ECSI, segundo especialistas, foi a distinção entre três áreas de imunidade estatal: na “área branca”, a imunidade nunca é garantida; na “área preta”, a imunidade permanece absoluta; e, “na área cinza”, a imunidade pode ser invocada ou não, dependendo do artigo 24 (1), que demanda uma declaração formal do Estado sobre os limites de sua imunidade, como já citado anteriormente (CONSELHO DA EUROPA, 1972; FOX, 2004, p. 95). De acordo com o Art. 11 da ECSI, a imunidade não pode ser invocada em casos de conduta ilícita. Da mesma forma, enquanto a ECSI assegura a imunidade pela distinção entre imperii e gestionis, o instrumento também estipula um requerimento claro sobre o nexo territorial de tais atos (BRÖHMER, 1997, p.121). Em outras palavras, um Estado que exerça jurisdição sobre outro possui essa competência pelo fato de o Estado acionado ter cometido o ato no território do primeiro. Caso Alemanha vs. Itália A Alemanha ratificou a ECSI em 1990 – como a Convenção estabelece um critério de distinção imperii/gestionis, a Corte Constitucional alemã deve se adaptar a ele (BRÖHMER, 1997, pp.104-105); complementar a essa adequação, no caso Embaixada do Irã, julgado pela mesma Corte Constitucional, confirmou-se que os Estados, de acordo com as mesmas fontes de costume internacional, ainda estão ligados à imunidade uma vez que os Estados possuem natureza soberana. Essa relação demanda que o direito doméstico, o direito dos Estados, deva ser utilizado somente para distinguir entre um ato soberano ou não de um Estado estrangeiro (FOX, 2004, p.75). Anos depois, em 1986, a Comissão de Direito Internacional (CDI) da ONU, órgão responsável pela codificação do Direito Internacional, iniciou a preparação de um projeto de convenção multilateral mais abrangente que pudesse regular a imunidade estatal, visto que o escopo da ECSI é claramente mais regional. O projeto de convenção baseia-se no princípio de que nenhum Estado pode exercer jurisdição sobre outro (art. 6), a não ser que o segundo tenha renunciado a sua imunidade (artigos 7 a 10) ou que haja exceções específicas a ela (artigos 10 a 17), como o consenso acerca de acta jure gestionis (CDI, 1991). Com relação à conduta ilícita e ao nexo territorial, o projeto da CDI caminha na mesma direção da ECSI (artigo 12); entretanto, diferentemente desta, seu artigo 12 dá margem de interpretação a exceção de imunidade em caso de reparação também por atos ilícitos de natureza imperii, e não somente gestionis (BRÖHMER, 1997, p.127). Segundo Fox (2004, p.520), o grupo de trabalho estabelecido no âmbito do Sexto Comitê da Assembleia Geral da ONU para discutir o projeto da CDI considerou, em 1999, a possibilidade de uma exceção à imunidade estatal em caso de violações de direitos humanos. Entretanto, o grupo decidiu-se por não abordar a questão no projeto, por alegações de que assuntos relativos a direitos humanos se encaixavam no escopo do Terceiro Comitê (SoCHum; assuntos sociais, culturais e humanitários) e também pelo receio da não conformidade com o direito internacional, tendo em vista que a discussão sobre direitos humanos, universalmente, não é uniforme. O projeto de convenção da CDI evoluiu até os comitês preparatórios, que resultaram no documento conhecido como a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e seus Bens, de 2004. A Convenção ainda não entrou em vigor, visto que depende do 30º depósito, e também não é retroativa, mas já constitui o instrumento multilateral mais moderno e abrangente sobre o assunto, baseando-se declaradamente na teoria restritiva (STEWART, 2005, p.194). Ela representa, ademais, um esforço 71 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 maior em prover uma base mais abrangente para a harmonização substancial dos sistemas jurídicos domésticos nas relações interestatais, bem como auxilia na regulação do assunto, tendo em vista que muitos Estados ainda nem contam com legislação doméstica voltada para a matéria da imunidade (STEWART, 2005, p.195). O artigo 12 da Convenção de 2004 é um dos dispositivos mais relevantes para o contencioso Alemanha vs. Itália. Segundo sua redação: 72 Artigo 12 Lesões às pessoas e danos ao bens Salvo que os Estados acordem outra coisa, nenhum Estado poderá fazer valer a imunidade jurisdicional ante um tribunal de outro Estado, ademais competente, em um processo relativo a uma ação de indenização pecuniária em caso de morte ou lesões de uma pessoa, ou de dano ou perda de bens tangíveis, causados por um ato ou uma omissão presumivelmente atribuível ao Estado, se o ato ou a omissão tenha sido produzido total ou parcialmente no território desse outro Estado e se o autor do ato ou da omissão se encontrava no dito território no momento do ato ou da omissão (ONU, 2004, tradução nossa, grifos nossos). Mesmo assim, segundo Stewart (2005), a Convenção de 2004 não inclui nenhuma base para uma exceção abrangente de imunidade quanto a direitos humanos no geral ou mesmo normas de jus cogens, seguindo o modelo embrionário elaborado pela CDI (STEWART, 2005). Este âmbito, portanto, ainda continua em processo de articulação, inexistindo uma consistente codificação sobre a declinação de imunidade em casos de violações de direitos humanos ou jus cogens (FOX, 2004, p.522-524). A jurisprudência internacional, em especial a da Corte Internacional de Justiça e a da Corte Europeia de Direitos Humanos, certamente leva isso em consideração, admitindo que, da mesma forma que Estados vinculados a convenções de direitos humanos devem submeter-se a suas normas e procedimentos, na ausência de expressas provisões em matéria de imunidade nos mesmos instrumentos de direitos humanos, a posição imune do Estado deve permanecer como se encontra (FOX, 2004, p.524). Entende-se, portanto, que a matéria de imunidade jurisdicional do Estado em caso de violações de direitos humanos ainda se encontra em fase de estabilização no entendimento dos sujeitos de DIP, mesmo que a questão esteja começando a ser regulada multilateralmente29. É por este motivo que o contencioso entre Alemanha e Itália pode representar um grande avanço na conci- Caso Alemanha vs. Itália liação dos dois princípios, tão necessários à boa convivência no cenário internacional, representando uma evolução nas provisões do Direito Internacional. 4. A confiança entre Estados por meio do Direito No caso Alemanha versus Itália, conforme exposto, fica evidente a importância do Direito na promoção de confiança e respeito entre os países com a finalidade de construir uma sociedade internacional cada vez mais integrada. O conceito de imunidade de jurisdição, como também já citado anteriormente, é de grande relevância para o Direito Internacional. O respeito à soberania de cada Estado é fundamental na prevenção de conflitos e na manutenção da autonomia de cada país; a soberania é o fator determinante para a existência do Estado (MELLO, 1996). Contudo, como foi colocado por Mello (2009), a própria internacionalização do âmbito econômico, político e outros, acabou por limitar naturalmente a soberania do Estado. Esta soberania, entretanto, deve ser autolimitada, não ultrapassando as fronteiras da procura de um bem-comum para a sociedade internacional. É nesse contexto que entra a necessidade de cooperação entre os Estados em prol do Direito Internacional Público. É necessário que todos reconheçam as suas obrigações perante a sociedade internacional e não deixem de cumpri-las. Se houver, efetivamente, o respeito a uma norma comum a todos nas relações internacionais, bem como o expresso reconhecimento da soberania de cada um, o número de conflitos internacionais, ao menos no âmbito legal, poderá ser drasticamente reduzido e os conflitos efetivos poderão seguir pelo mesmo caminho. Entre as obrigações que devem ser universalmente respeitadas, destaca-se o comprometimento com os Direitos Humanos. Como consta no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (ONU, 1948). Ou seja, fica claro que “os Direitos Humanos tornaram-se uma parte fundamental do Direito Internacional e o respeito pelos Direitos Humanos tornou-se assunto e responsabili- 29 Deve-se destacar que, além das convenções multilaterais, uma serie de tratados bilaterais, contratos ou acordos entre partes privadas existem em matéria de imunidade jurisdicional (BRÖHMER, 1997, p.124). 73 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 74 dade central das Relações Internacionais” (COMISSÃO INTERNACIONAL SOBRE A INTERVENÇÃO E A SOBERANIA DO ESTADO - CIISE, 2001, p.6, tradução nossa). Através do respeito aos Direitos Humanos, ocorre a garantia de uma vida digna para cada um dos cidadãos do mundo; respeitá-los, então, significa contribuir para a promoção do respeito entre pessoas. Ainda, é interessante reconhecer a ligação contemporânea entre a soberania e os Direitos Humanos. A tendência proposta no relatório de 2011, feito pela CIISE, “A Responsabilidade de Proteger”30, expõe bem essa relação, ainda que essa não seja o seu principal objetivo. Essa tendência possui como um de seus princípios básicos as responsabilidades implícitas na soberania do Estado, entre estas o compromisso de zelar pelo bem-estar dos seus cidadãos e pela garantia dos Direitos Humanos, valendo-se de meios razoáveis e adequados a esses objetivos. Deste modo, é possível atingir uma de suas prioridades: a prevenção de conflitos internacionais. Nessa situação, é fácil perceber a importância da Corte Internacional de Justiça, assim como de outros órgãos competentes do Direito Internacional, como meio para a resolução de conflitos e, principalmente, para a garantia de direitos. Afinal, será a decisão da Corte acerca do caso imunidade de jurisdição do Estado (Alemanha vs. Itália: Grécia intervindo) um dos principais meios de se determinar até onde o zelo pela soberania e a garantia de respeito aos Direitos Humanos por parte de todos deverão influenciar a conduta de um Estado em suas relações. Além disso, será um grande avanço em esclarecer a solução para um conflito de princípios extremamente importantes. 5. Considerações finais De acordo com os argumentos trazidos no presente artigo, pode-se inferir que, até o presente momento, levando em consideração a diversidade de aplicação dos princípios elucidados pelos sistemas jurídicos nacionais, o Direito Internacional relativo à imunidade estatal deve ser analisado com base no direito comparado nas jurisprudências doméstica e internacional (FOX, 2004, p.77) Como já visto, a Alemanha, no caso Embaixada do Irã, confirmou que os Estados, de acordo com as fontes de costume internacional, ainda estão ligados à imunidade uma vez que possuem natureza soberana (FOX, 2004, p.75); quanto à Itália, pode-se dizer que os tribunais italianos estiveram dentre os primeiros a contestar a teoria da imunidade absoluta e adotar a teoria restritiva com base na distinção entre imperii/gestionis (BRÖHMER, 1997, p.116-117). Caso Alemanha vs. Itália No caso Ministério dos Negócios Estrangeiros vs. Federici e Japão (julgado pelo Tribunale di Roma, em 1972), ficou decidido que de acordo com as normas reconhecidas de Direito Internacional referidas no art. 10 da Constituição Italiana, as relações surgidas por atos soberanos exercidos por Estados (especialmente os relativos às atividades de tropas durante operações militares) podem existir somente e diretamente entre Estados como sujeitos do DIP, mesmo quando esses relacionamentos se referem a danos causados a indivíduos e não a Estados (BRÖHMER, 1997, p.117, tradução nossa). Fica claro, assim, que a disputa entre Alemanha e Itália perante a Corte Internacional de Justiça traz à tona a discussão entre os limites do Direito Internacional e das legislações domésticas; ademais, trata-se de um contencioso pioneiro sobre Estados e entre Estados; a CIJ, acionada por Estados, já lidou com imunidades diplomáticas (ex.: República do Congo vs. França, petição de 2003), mas não estatais; ainda, o princípio de imunidade jurisdicional do Estado já foi abordado em alguns casos já citados da Corte Europeia de Direitos Humanos, acionada por indivíduos. Por fim, a análise desse princípio também consiste em uma ponderação que perpassa o pano de fundo de uma das discussões mais importantes no campo de Direito Internacional da contemporaneidade, relativa ao dilema entre a visão privilegiada dos Direitos Humanos pelos pluralistas e o prisma positivista, mais tradicional e estatista. Por fim, pode-se dizer que se trata de um caso chave para a análise da evolução do pensamento em Direito e áreas conexas, como o Direito Constitucional Internacional e as Relações Internacionais. Referências Bibliográficas BIANCHI, A. Ferrini v. Federal Republic of Germany. The American Journal of International Law, vol. 99, no 1, pp. 242-248. Jan., 2005. Disponível em <http://www.jstor.org/stable/3246103>. Acesso em 11 ago. 2011. BRÖHMER, J. State immunity and the violation of human rights. Haia: M Nijhoff, 1997. 30 O princípio de responsabilidade de proteger (Responsibility to Protect; R2P), atualmente, tem posição de destaque na agenda internacional dos Direitos Humanos, e é uma tendência na qual a ONU se engaja, por acreditá-la como imprescindível na prevenção de conflitos internacionais, que são o objeto central do relatório em questão. 75 Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012 BROWNLIE, I. Principles of Public International Law. 8ª edição. 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