2
Caso Alemanha vs. Itália
(Grécia intervindo)
A imunidade de jurisdição do Estado e as
violações aos Direitos Humanos
Cristal Augustus Carneiro Ribeiro
João Marcos Braga de Melo
Lígia Tomás de Melo
1. Introdução1
Em 23 de dezembro de 2008, a Alemanha, Estado-membro da
Organização das Nações Unidas (ONU), recorreu à Corte Internacional de Justiça (CIJ) (doravante: Corte)2 alegando que a Itália,
também Estado-membro, estaria ferindo a sua imunidade de jurisdição3, ao julgar o Estado alemão em suas cortes civis por violações aos Direitos Humanos ocorridas durante a Segunda Guerra
Mundial. Primeiramente, é necessário esclarecer um conceito
jurídico central neste caso: a jurisdição. Jurisdição é a capacidade e a obrigação do Estado de realizar o Direito, ou seja, aplicá-lo em casos concretos a fim de “administrar a justiça aos que a
solicitaram” (CARNEIRO, 1989, p. 3; COSTA JÚNIOR, 1997). Já a
imunidade de jurisdição é um dos conceitos mais importantes do
Direito Internacional e, em linhas gerais, impede que um Estado
Agradecemos ao Prof. George Rodrigo Bandeira Galindo, da Faculdade de Direito da
UnB, por seu auxílio na revisão deste artigo.
1
2
A Corte Internacional de Justiça (CIJ) é um dos principais órgãos da Organização das
Nações Unidas (ONU), e encontra-se sediada em Haia, nos Países Baixos. A Corte possui duas missões: decidir, tendo como guia o Direito Internacional, disputas jurídicas
entre Estados (sendo necessário que estes tenham aceitado, sob certas condições, a
jurisdição da Corte) e opinar sobre questões jurídicas referentes a órgãos autorizados
das Nações Unidas (conforme artigo 65 do Estatuto da Corte). Em sua primeira missão,
julga casos contenciosos referentes aos conflitos entre Estados, e, na segunda, emite
pareceres consultivos com a sua opinião, despida de imperatividade, sobre as questões
levantadas pelos órgãos permitidos. Para maiores informações sobre a Corte, acesse
http://www.icj-cij.org/court/index.php?p1=1.
3
O conceito de Imunidade de Jurisdição do Estado será melhor explicado na seção 3.1
deste artigo.
47
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
48
soberano não pode ser julgado por cortes civis estrangeiras. Desde então, o caso Alemanha vs. Itália se encontra na pauta da Corte
e está em julgamento4.
O caso é de extrema importância para a sociedade internacional5 porque trata de dois assuntos fundamentais que não raro se
chocam: soberania e Direitos Humanos. O respeito à imunidade
soberana dos Estados é valorizado nas Relações Internacionais
desde a formação dos Estados Nacionais modernos, para evitar
tanto que um país interfira nos assuntos de outro quanto os possíveis conflitos decorrentes destas interferências (MOSER, 2008).
Já a grande valorização dos Direitos Humanos surgiu no século
XX, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial quando deixaram de ser pensados como direitos de um indivíduo específico e
tornaram-se direitos referentes à humanidade (FILHO, 1997). Devido às enormes atrocidades cometidas nesse período, houve um
grande movimento tanto da incipiente opinião pública internacional quanto de chefes de Estado para que se fizesse algo que evitasse
novas tragédias e, então, a concepção de que os Direitos Humanos
deveriam ser um guia das relações internacionais ganhou força, a
fim de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que
por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade” (ONU, 1945).
O papel do Direito Internacional Público (DIP)6 é justamente
guiar, tanto os Estados e os Organismos Internacionais como os
indivíduos, nas suas relações entre si no âmbito internacional, de
acordo com certos princípios, como os citados acima. Contudo,
conciliá-los pode ser trabalhoso; no caso Alemanha versus Itália,
por exemplo, a Itália desrespeita a soberania alemã com o pretexto
de defender os Direitos Humanos. A Alemanha, por sua vez, zela
pela sua imunidade de jurisdição, com o argumento de que a Itália
está violando um dos princípios do Direito Internacional Público.
A Corte Internacional de Justiça determinará qual princípio deverá
prevalecer neste caso, influenciando, consequentemente, decisões
de casos futuros que englobem esse mesmo impasse.
2. Os fatos
2.1. Fatos e contexto
Durante a Segunda Guerra Mundial, dois grupos de combate se formaram: os Aliados, liderados pela Inglaterra e pelos Estados Unidos da América; e o Eixo, composto pela Alemanha, Itália, Japão e
seus aliados (HOBSBAWN, 1994). Contudo, quando a Itália começara a ser derrotada em seguidas batalhas pelos exércitos aliados, o
Caso Alemanha vs. Itália
rei italiano demitiu Mussolini, o então primeiro-ministro da Itália e
grande aliado de Hitler. Essa mudança no governo italiano significou também uma mudança de posição na guerra: a Itália juntou-se
aos Aliados, em 9 de setembro de 1943, mas não sem grandes prejuízos. No mesmo mês, a Itália fora invadida pelos exércitos alemães
(GILBERT, 1991).
Durante a ocupação, que durou de setembro de 1943 até maio
de 1945, houve enormes desrespeitos aos Direitos Humanos dos
cidadãos italianos. Tais violações ocorreram de diferentes formas,
e aqueles que tiveram os seus direitos violados nessas situações foram categorizados em três grupos. O primeiro era constituído por
homens jovens italianos que foram deportados para a Alemanha
a fim de trabalhar em regime forçado. O segundo era formado por
membros das forças armadas italianas que foram considerados
prisioneiros de guerra e também realizaram trabalho forçado (CIJ,
2008). O terceiro grupo era constituído, em geral, por vítimas dos
massacres alemães, a fim de controlar focos de resistência, nos últimos meses da guerra (CIJ, 2008).
Dentre as violações cometidas pelo Estado alemão, destacaram-se a deportação, o enorme número de inocentes mortos, muitas vezes de forma brutal, e o trabalho forçado. Inúmeras pessoas,
tanto civis quanto militares, foram retiradas forçosamente da Itália
4
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Jurisdictional Immunities of the State (Germany
v. Italy: Greece intervening). Application Instituting Proceedings (2008), caso pendente.
5
Bull (2002) faz a distinção entre sistema e sociedade internacional. O primeiro termo
se refere a “quando dois ou mais Estados têm suficiente contato entre si, com suficiente
impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até
certo ponto, como partes de um todo” (BULL, 2002, p. 15). Já sobre o segundo, Bull diz
que a sociedade internacional existe “quando um grupo de Estados, conscientes de certos valores e interesses comuns, formam uma sociedade, no sentido de se considerarem
ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de
instituições comuns” (BULL, 2002, p.19).
6
Mello (2001, p. 67) define Direito Internacional Público como “o conjunto de normas
que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional. Tais
pessoas internacionais são as seguintes: Estados, organizações internacionais, o homem, etc.”, as quais Shaw (2008) complementa com empresas públicas, empresas privadas, organizações não-governamentais e organizações regionais. Shaw (2008) também
coloca as fontes do DIP, que, de acordo com o artigo 38(1) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, são: convenções internacionais, os costumes, os princípios gerais do
Direito e a jurisprudência. Shaw (2008) diz que o Direito Internacional Público pode ser
“geral, em que, nesse caso, as regras envolvem todos os Estados (ou dependendo da natureza da regra), ou regional, em que um grupo de Estados unidos geograficamente ou
ideologicamente podem reconhecer regras especiais aplicadas somente a eles” (SHAW,
2008, p. 170, tradução nossa). O mesmo autor ainda chama atenção para o cuidado de
não se confundir as regras do Direito Internacional com a diplomacia e a moralidade.
49
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
50
e enviadas para a Alemanha. Quando lá chegavam, eram obrigadas
a trabalhar em indústrias alemãs e submetidas a um regime similar
à escravidão, em condições subumanas e com uma elevadíssima
carga horária, sem nenhuma liberdade. Ainda, os exércitos alemães realizaram vários massacres de civis, como já dito anteriormente, para eliminar qualquer tipo de resistência (CIJ, 2011d). Muitos anos depois do término da guerra e, após uma normalização da
situação na Itália, as vítimas dos maus tratos ocorridos durante a
invasão alemã de 1943 (e, principalmente, seus herdeiros) começaram a buscar indenização e reparo na justiça italiana pelos danos
sofridos (CIJ, 2008).
O ponto crítico da situação se deu com o caso Ferrini 7, cujos
procedimentos começaram em 1998 (CIJ, 2008, p.4). Neste caso específico, a vítima havia sido deportada para a Alemanha, durante
o período de invasão, para realizar trabalho forçado na indústria
de armamentos daquele país. Em 11 de março de 2004, a Corte di
Cassazione 8, a Suprema Corte italiana, declarou possuir a jurisdição necessária para julgar o Estado alemão; a partir de então, as
portas foram abertas para que cada vez mais italianos buscassem
na justiça reparos por parte do governo alemão. Desde 2004, mais
de 250 pessoas introduziram ações civis contra a Alemanha, ações
que se encontram pendentes em 24 cortes regionais e duas cortes
de apelação (CIJ, 2008).
Desde os primeiros casos apresentados, a Alemanha encontrava-se descontente com a justiça italiana. Seu principal motivo seria
que a Itália havia ferido a sua soberania ao julgá-la em suas cortes
civis, o que vai contra o princípio de imunidade de jurisdição do
Estado. A Alemanha, inclusive, já havia reconhecido o seu débito
com as vítimas da ocupação durante a Segunda Guerra Mundial e
fez com a Itália o Acordo de 1961, comprometendo-se a fazer reparações aos cidadãos que foram prejudicados, mas considerou inaceitável a atitude da justiça italiana (CIJ, 2010c).
Para a Itália, o Estado alemão faltou com sua obrigação de indenização dos danos às vítimas dos crimes cometidos na Segunda
Guerra, e as medidas tomadas até então nesse sentido foram consideradas insuficientes, principalmente porque não cobriram muitas
das categorias de vítimas (CIJ, 2009). Ainda, de acordo com a justiça italiana, nenhuma infração foi cometida com relação à soberania alemã, já que, de acordo com o Direito Internacional, um Estado responsável por violações de direitos fundamentais9 não possui
direito à imunidade nos casos em que, se garantida, a imunidade
fará com que o Estado não responda às consequências legais de
seus atos (CIJ, 2009).
Caso Alemanha vs. Itália
Com o crescente número de ações contra o seu Estado após
o caso Ferrini, a Alemanha se viu obrigada a tomar uma medida,
e resolveu por seguir o que consta na Convenção Europeia para a
Solução Pacífica de Controvérsias, de 1957, da qual é parte, e cujo
artigo 1º diz:
Artigo 1º
As Altas Partes Contratantes devem submeter ao julgamento da Corte
Internacional de Justiça todas as disputas internacionais legais que
possam surgir entre elas, incluindo, em particular, aquelas referentes a
a. A interpretação de um tratado;
b. Qualquer questão de Direito Internacional;
c. A existência de qualquer fator que, se estabelecido, constituirá
uma infração em uma obrigação internacional;
d. A natureza ou extensão da reparação a ser feita pela infração em
uma obrigação internacional (tradução nossa).
Em 23 de dezembro de 2008, então, a Alemanha recorreu à Corte
Internacional de Justiça, a fim de garantir o seu direito de imunidade de jurisdição perante as cortes italianas. Diante desta situação, a Itália declarou que respeita a atitude alemã, e alegou ainda
que “uma determinação da Corte sobre a imunidade de jurisdição
será de grande ajuda para esclarecer um tópico tão complexo” (CIJ,
2008, p. 4, tradução nossa). O caso foi aceito para julgamento, com
base no artigo 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que
coincide com o artigo 1º da Convenção Europeia para a Solução
7
O caso Ferrini será explicado mais detalhadamente na seção 3.3.
8
Tribunal de Cassação.
Existem duas correntes principais para determinação dos direitos fundamentais. A
primeira classifica-os pela sua positividade, ou seja, direitos fundamentais são aqueles
declarados como tais pela Constituição de um Estado. Dimitri e Martins (2008) declaram que a finalidade principal dos direitos fundamentais é ser um instrumento legal
para limitar a ação do Estado, e classificam-nos em três categorias: direitos de pretensão de resistência à intervenção estatal, pelos quais o indivíduo pode limitar a ação do
Estado na vida privada; direitos sociais, que permitem ao sujeito exigir alguma ação por
parte do Estado; direitos políticos, que garantem a participação na vida política do Estado; e, além destas três categorias principais, cita os direitos coletivos, como o direito
de associação e os “direitos difusos” (direito ao meio ambiente, direito de solidariedade,
etc.). Já Filho (1997) classifica os direitos fundamentais como aqueles que possuem um
conteúdo relevante e necessário ao bem-estar dos indivíduos. Para ele, os direitos fundamentais são aqueles que garantem uma convivência digna, livre e igual de todas as
pessoas, sofrendo pequenas variações de Estado para Estado. Ele os separa em três gerações: as liberdades individuais (direitos civis e políticos), os direitos sociais (créditos
do indivíduo em relação à coletividade), os direitos humanos (direitos do homem como
cidadão do mundo), e ainda sugere para uma quarta geração os direitos à democracia,
à informação e ao pluralismo. Para mais informações, ver seção 3.2.
9
51
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
Pacífica de Controvérsias, citado acima, estabelecendo a competência da Corte e os possíveis objetos de sua jurisdição.
52
2.2. Alemanha; a petição e demais alegações
A petição de reclamação alemã contra a Itália é baseada em uma série de medidas tomadas pelo governo italiano referentes à quebra
de imunidade jurisdicional do Estado alemão. Segundo a petição,
o governo italiano tem desrespeitado princípios fundamentais de
Direito Internacional Público que contribuem para a convivência
pacífica entre os Estados, ao julgar a República alemã em suas cortes (CIJ, 2008). Outra crítica reiterada na petição são medidas restritivas aplicadas em um território de propriedade alemã, Villa Vigoni,
usado para fins não comerciais10 e de intercâmbio cultural entre os
dois países, desrespeitando, assim, duplamente a imunidade jurisdicional alemã, ao submeter a Alemanha a júri italiano e ao aplicar
as medidas restritivas sobre propriedade alemã.
Diante da jurisprudência11 da Itália de quebra de imunidade
jurisdicional alemã, o governo alemão apresenta como contraponto a suposta renúncia italiana aos direitos de indenização seus e
dos seus cidadãos, expressa no Tratado de Paz de 1947, artigo 77(4):
Sem prejuízo a este e outros dispositivos, em favor da Itália de seus
cidadãos e dos Poderes ocupando a Alemanha, a Itália renuncia em
seu favor e dos de todos seus cidadão todas as reclamações contra a
Alemanha e cidadãos alemães que estejam em vigor em 8 de Maio de
1945, exceto aquelas que surgiram em contratos e outras obrigações
em vigor e Direitos adquiridos antes de primeiro de Setembro de
1939. Esta renúncia deve incluir débitos e todas reclamações intergovernamentais a respeito de acordos celebrados no curso da guerra
e todas as reclamações por perdas ou danos que surjam durante a
guerra. (TRATADO DE PAZ, 1947, tradução nossa).
Segundo o entendimento alemão, por meio dos mecanismos expressos no Tratado, quitaram-se todas as espécies de dívidas geradas pela guerra e também pelas formas de desrespeito aos Direitos
Humanos dos cidadãos italianos, que poderiam ser cobradas do
governo alemão. Desta forma, o argumento de ato reiterado não
tem respaldo, uma vez que houve a renúncia dos direitos à indenização por parte da Itália.
Há ainda em vigor uma questão levantada pela jurisprudência italiana de que o tratado celebrado bilateralmente entre Itália
e Alemanha em 1961 criava uma nova situação, pois comprovava
a existência de uma falta de indenização reiterada a certos grupos
Caso Alemanha vs. Itália
de cidadãos italianos, uma vez que indenizava o governo italiano
por problemas econômicos e de propriedade gerados no período de invasão germânica. Da mesma forma, a criação em 2000 da
instituição Lembrança, Responsabilidade e Futuro12 comprovaria
uma falta do governo alemão para com alguns cidadãos italianos
excluídos da indenização até o presente momento, pois delega direitos indenizatórios a certas categorias de cidadãos e exclui outras.
Perante tais argumentos, a defesa alemã afirma que a situação de
indenização, como dito acima, foi inteiramente resolvida pelo Tratado de Paz de 1947. Sendo assim, tanto os Tratados celebrados em
1961 quanto a criação da instituição Lembrança, Responsabilidade
e Futuro são atos de boa vontade alemã e objetivaram pôr um fim
nas disputas legais sobre compensação nos casos individuais, portanto, não tem valor jurídico para comprovar uma nova situação,
como afirma a jurisprudência italiana.
53
2.2.1. A apresentação do pedido reconvencional italiano
Em 22 de dezembro de 2009, a Itália apresentou perante a Corte seu
pedido de reconvenção13 ante o pedido original alemão. O objetivo
do pedido era
Pedir à Corte para afirmar que a Alemanha tem violado suas obrigações em prover reparação efetiva de vítimas italianas de crimes
nazistas e que a Alemanha pare com sua conduta errada e assuma
sua responsabilidade internacional por tal conduta (CIJ, 2009, p. 20,
tradução nossa).
O argumento apresentado era que a Alemanha teria deixado em
aberto a reparação dos cidadãos italianos e pedia análise não aos
fatos ocorridos na Segunda Guerra, pois nenhum país os nega, mas
sim aos acordos firmados entre Alemanha e Itália em 1961, bem
como a criação da instituição Lembrança, Responsabilidade e Futu-
10
Atos não-comerciais de um Estado são classificados como de jure imperii e que, portanto, são cobertos por imunidade jurisdicional. (SOARES, 1987, p.35; VOIYAKIS, 2003,
p.315; CAPLAN, 2003, p.743). Essa distinção será melhor abordada posteriormente.
11
Por definição, jurisprudência refere-se ao conjunto das soluções dadas pelos tribunais às questões de Direito (SANTOS, 2001, p.137).(ICISS, 2001, p. VII, tradução nossa).
12
Fundação que indeniza vítimas do III Reich submetidas a trabalho forçado. Disponível em <http://www.stiftung-evz.de/eng/>. Acesso em 19 nov. 2011.
Ação judicial em que um réu ou o seu defensor demanda o autor, por obrigação análoga ou relativa àquela por que é demandado, e perante o mesmo tribunal. (SANTOS,
2001, p.208)
13
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
54
ro, em 2000. Segundo o entendimento italiano, os fatos ocorridos na
ocupação alemã teriam desencadeado os direitos dos cidadãos à indenização que desde então não teria sido realizada pela Alemanha.
Como contraponto, a Alemanha afirmou que o pedido de reconvenção italiano estaria fora da jurisdição da CIJ por não se relacionar com a reclamação original, um dos pré-requisitos para aceitação de reconvenções, e por estar fora da jurisdição temporal da
Corte, uma vez que a Itália aderiu à mesma somente em 30 de abril
de 2008; em seu regimento interno, é previsto que a Corte terá jurisdição somente em “todas as disputas posteriores à presente declaração [de aceitação da jurisdição da CIJ], em relação com situações
subsequentes a esta data” (CIJ, 2010c, p.4) – portanto, as decisões
da Corte não têm efeito retroativo. Em 6 de julho de 2010, a Corte,
com treze votos a favor e um contra, negou o pedido reconvencional italiano afirmando incompetência jurisdicional, uma vez que
tal pedido tem origens em fatos decorrentes anteriores à criação da
Convenção Europeia de 1957, e negando relação entre a reclamação de quebra de imunidade jurisdicional e o pedido.
2.3. Itália: defesa
A justificativa italiana para a quebra de imunidade jurisdicional
alemã tem fundamento em uma corrente jurisprudencial que busca aplicar no caso concreto do Direito Internacional Público um
preceito já bem discutido na doutrina: a supremacia de Direitos de
natureza jus cogens 14 sobre os demais preceitos de DIP. Esta corrente tem como expoentes os casos Princz vs. República Federativa
da Alemanha (EUA), Prefeitura de Voiotia vs. Alemanha (Grécia) e
Al-Adsani vs. Kuwait (Reino Unido) (FERNANDES, 2010) e é, principalmente, na jurisprudência grega que a Itália respaldará seus
próprios julgamentos.
Segundo entendimento da Suprema Corte italiana, a imunidade jurisdicional é um preceito costumeiro15 de DIP. Já a proibição do trabalho forçado é considerada uma das primeiras matérias de direitos básicos humanos (KERN; SOTTAS, 2003, p.44), tendo, portanto,
caráter de matéria jus cogens garantido – por isto, sua supremacia
sobre o outro direito em questão.
Na decisão do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, afirmou-se que não menos grave que os crimes cometidos é a negação
alemã de indenizá-los, como é visto em seu voto dissidente: “Um
contexto de reparação não tem uma natureza inferior aos seus fatos
geradores” (CIJ, 2010b, p.20, tradução nossa). É nesta perspectiva
que a Itália justifica sua defesa. Para a Itália, a Alemanha, uma vez
que tem uma dívida a respeito de violações de Direitos Humanos
Caso Alemanha vs. Itália
para com os cidadãos italianos, não goza de imunidade jurisdicional, pois esta omissão tem caráter de Direito superior à imunidade.
A Itália alega também que, no Tratado de Paz realizado em
1947, não houve uma renúncia geral dos seus direitos e dos seus
cidadãos. O que houve foi uma renúncia de direitos exclusivamente prescritos no Tratado, uma vez que este prevê: “sem prejuízos
as disposições em favor da Itália e dos cidadãos italianos”; ou seja,
há um mecanismo que permite a busca de futuros direitos. Os danos causados aos cidadãos italianos, quanto ao trabalho forçado e
à deportação somente puderam ser notados em um longo período posterior a 1947. Outro aspecto importante é que a Alemanha,
mesmo não tendo participado do Tratado (pois este foi acordado
somente entre Itália e Poderes Aliados), afirma veementemente
um entendimento unilateral de renúncia absoluta, negado pela
defesa italiana. Os tratados celebrados entre Alemanha e Itália em
1961, bem como a criação da instituição Lembrança, Responsabilidade e Futuro criaram uma nova situação jurídica pois, ao usar de
tais mecanismos, a Alemanha, na perspectiva italiana, abre mão
de invocar a suposta renúncia ocorrida em 1947 e demonstra que
há uma situação pendente quanto aos direitos não indenizados
dos cidadãos italianos. Estes mecanismos indenizaram cidadãos
italianos, deixando, entretanto, algumas categorias excluídas de
obterem seus direitos, como é claramente visto no voto do Juiz
Cançado Trindade:
E isto não é tudo; mais recentemente, a instituição Lembrança, Responsabilidade e Futuro, fundada na Alemanha em 2000, prevê compensação para algumas vitimas de crimes de guerra do III Reich, porém, exclui os prisioneiros de guerra trazidos da Itália dos direitos de
reparação. Os direitos destas últimas vítimas precisam ser reconhecidos (CIJ, 2010a, p.22, tradução nossa).
É também contestado pelas cortes italianas que os Tratados de
1961 e a criação da instituição Lembrança, Responsabilidade e
14
Conceito definido pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) em
seu Artigo 53 como: “norma(s) imperativa(s) de direito internacional geral aceita(s)
e reconhecida(s) pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como
norma(s) da(s) qual(is) nenhuma derrogação é permitida e que só pode(m) ser
modificada(s) por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza”.
Mais sobre o conceito será explicado na seção 3.2.
15
Conjunto de normas não escritas, originárias dos costumes tradicionais. (SANTOS,
2001, p .78).
55
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
Futuro sejam atos de boa vontade alemã; a Itália afirma que tais
mecanismos se deram por uma forte pressão social e por meio de
intensa negociação bilateral. Uma vez que o ato alemão, no entendimento italiano e do juiz Cançado Trindade, é uma reiteração de
má conduta, a Itália alegou ter jurisdição para punir a Alemanha e
exigir que fossem garantidos os direitos dos cidadãos italianos que
ainda não foram indenizados, pois tais indenizações devem ser
pagas, uma vez que a Itália não renunciou aos seus direitos. E, da
mesma forma, para a Itália, este ato pode e deve justificar a quebra
de imunidade jurisdicional do Estado alemão.
56
2.4. A intervenção da Grécia
Em janeiro de 2011, a Grécia apresentou uma petição à Corte solicitando permissão para intervir no caso. De acordo com o Estatuto da Corte, art. 62, a um Estado é permitido intervir em determinado caso se, conforme decidido pelo organismo, a decisão
do contencioso comprometer um interesse de ordem do Estado
interveniente (CIJ, 1945).
Na petição apresentada, a Grécia alega que sua intenção é
intervir somente nos aspectos procedimentais relativos aos julgamentos feitos em seu território, reforçados pela jurisprudência
italiana, sobre acontecimentos da Segunda Guerra. Segundo a
Grécia, nenhuma das partes do caso levou em consideração as implicações deste para terceiros Estados, advogando o princípio de
segurança jurídica16 (CIJ, 2011a, p.5).
O artigo 81 do regulamento da Corte define que um Estado que
tenciona intervir em um caso deve justificá-lo: (a) em termos de
um interesse jurídico próprio que seja afetado pela decisão do caso,
(b) da apresentação de objeto preciso de intervenção e (c) da jurisdição entre o Estado que tenciona intervir e as partes (CIJ, 1978).
Para a Grécia, seu interesse jurídico deriva do fato de a Alemanha
ter consentido sobre sua responsabilidade internacional17 vis-à-vis
a Grécia por todos os atos e omissões cometidos pelo Terceiro Reich entre 6 de abril de 1941, dia em que a Alemanha invadiu a Grécia,
e a rendição alemã, em maio de 1945, período em que foram cometidas atrocidades e atos desumanos contra nacionais gregos pelas
forças alemãs (CIJ, 2011a, p.7).
Em seguida, a Grécia alega dois objetos de intervenção: proteger e preservar os direitos da Grécia segundo todos os meios disponíveis, com respeito aos princípios de jurisdição e a instituição de
responsabilidade do Estado (CIJ, 2011a, p.12), e informar à Corte a
natureza dos direitos e interesses gregos que podem ser afetados
pela decisão do caso pela Corte (CIJ, 2011a, p.12). Sobre a jurisdi-
Caso Alemanha vs. Itália
ção da Corte, a Grécia reforça que não tenciona tornar-se um Estado-parte do caso, tendo sua participação nele baseada apenas no
art. 62 do Estatuto (CIJ, 2011a, p.14).
Em julho de 2011, a Corte decidiu por permitir a intervenção
grega no caso. Na Ordem de 04 de julho, a Corte levou em consideração o fato de a Suprema Corte Helênica (Areios Pagos) ter
confirmado o julgamento contra a Alemanha realizado pelo Tribunal de Primeira Instância (Protodikeio) de Livadia, no caso Distomo (cidade onde ocorreu um massacre perpetrado pelas forças
armadas alemãs durante a ocupação na Grécia), mas o ministro
da Justiça recusou tal julgamento, respeitando o art. 923 do Código
Civil Grego, relativo ao julgamento de um Estado estrangeiro (CIJ,
2011b, p. 4). Ainda sobre Distomo, o Tribunal de Apelação de Florença, na Itália, alegou que tal julgamento poderia ser executado
neste país, sob o aval da Suprema Corte Italiana (CIJ, 2011b, p.5).
A CIJ também levou em consideração o caso grego Margellos, julgado pelo Tribunal de Apelação de Atenas, em que foi respeitada a
imunidade alemã (Idem).
Nos procedimentos escritos posteriores à petição de intervenção grega, a Alemanha se posicionou contrária à intervenção,
alegando que os interesses envolvidos no caso não se relacionavam com os interesses gregos. Segundo a Alemanha, a responsabilidade do Estado alemão pelas violações de Direito Internacional
Humanitário não era o foco da disputa, que se centra no princípio
específico da imunidade de jurisdição. Já a Itália, por sua vez, mostrou-se favorável, reforçando os interesses gregos afetados pela futura decisão da Corte (CIJ, 2011b, p.7). A CIJ decidiu-se por aceitar
16
Trata-se de um princípio de todo o sistema jurídico “(...) entendido como [o] princípio da boa-fé dos administrados ou da proteção da confiança. A ele está visceralmente
ligada a exigência de maior estabilidade das situações jurídicas (...). A segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela,
ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado
de Direito” (MEIRELLES, 2004, p.97-98, apud SILVA, 2005, p.17). Em outras palavras,
trata-se de um caráter de previsibilidade das normas jurídicas, fazendo com que haja a
confiança sobre a consciência dos limites dos administradores e administrados.
17
A maior parte das responsabilidades internacionais consiste em regras de competência e cooperação funcional, sendo a instância para tal a diplomacia e as negociações, e não um tribunal. Trata-se de um conceito existente no sistema internacional,
descentralizado, em que falta jurisdição compulsória e procedimentos de imposição
jurídica automaticamente aplicáveis, dada a anarquia do sistema. Essa noção liga-se
ao conceito de ordem e comunidade internacional; porém, dado que essas regras foram desenvolvidas no direito consuetudinário como liberdades e proibições, é difícil
definir precisamente o teor de ilegalidade envolvido na falta dessas responsabilidades
(BRONWLIE, 2008, p.507).
57
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
a intervenção alegando a similaridade dos interesses gregos aos
italianos envolvidos no caso, principalmente no tocante ao caso
Distomo, deixando claro que a decisão proferida futuramente não
terá caráter vinculante para a Grécia18.
3. Substrato jurídico
O caso Alemanha vs. Itália é mais bem esclarecido com a devida
abordagem dos princípios de Direito Internacional por trás da disputa. Esta seção tem por objetivo abordar os princípios subjacentes
à análise do caso, bem como examinar a jurisprudência correlata,
as fontes convencionais (fontes escritas) do Direito Internacional
por meio de convenções e tratados sobre imunidade jurisdicional
do Estado e as relações Alemanha-Itália.
58
3.1. O princípio de imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro
De forma sucinta, o conceito de imunidade de jurisdição do Estado
estrangeiro leva em consideração os princípios de soberania, igualdade e não interferência (SHAW, 2008, p.697), princípios que possuem uma inegável relação de complementaridade às vistas do Direito Internacional. Desse modo, para melhor entender a evolução
das doutrinas relativas à imunidade de jurisdição, faz-se necessário
um breve apanhado sobre o conceito de soberania.
Desde Westfália, o marco do nascimento dos Estados nacionais modernos, aparece a ideia de igualdade jurídica entre os Estados (SOARES, 1987, p.5). Diversos teóricos do campo de Relações
Internacionais versam sobre soberania e, ainda que algumas visões
tenham pontos divergentes, o conceito não sofre graves alterações.
Morgenthau, principal nome do realismo clássico em Relações Internacionais, define soberania como:
(...) a suprema autoridade legal de uma nação para aprovar leis e
fazê-las cumprir dentro dos limites de um certo território e, como consequência, a independência em relação à autoridade de qualquer outra
nação em igualdade com a mesma nos termos do Direito Internacional.
Daí podemos dizer que uma nação perde a sua soberania quando é colocada sob a autoridade de uma outra (...) (MORGENTHAU, 2003, p.578)
Já desde a Idade Média, cada organização feudal possuía suas próprias leis, sendo a hierarquia determinada por discriminações e
privilégios (SOARES, 1987, p.3). Em adição, a Idade Moderna, trazendo o princípio do direito divino dos reis, tornava os soberanos
absolutos, imunes à jurisdição comum (SOARES, 1987, p. 4) – isso
Caso Alemanha vs. Itália
era traduzido na máxima “the king can do no wrong” (o rei não age
errado – tradução nossa), revelando já os sinais de imunidade19
(NEHME, n.d).
Retomando os ideais teóricos, Hedley Bull, ao analisar a ordem
de uma sociedade internacional anárquica, elenca como uma das
funções do Direito Internacional ajudar a mobilizar a aceitação das
regras de coexistência e cooperação entre os Estados (BULL, 2002,
p.163) – ainda, aludindo ao pensamento do século XIX, Bull argumenta que a soberania é um atributo de todos os Estados e, seu
reconhecimento mútuo, uma regra fundamental de coexistência
no sistema (BULL, 2002, p. 46). Logo, infere-se que o conceito de
soberania constitui matéria não só de interpretação jurídica, mas
também de julgamento político (MORGENTHAU, 2003, p.580). Em
resumo, trata-se da independência política de Estados estrangeiros,
um juízo baseado no consentimento de restrições auto-impostas
em igual medida entre os Estados, dada a anarquia do sistema20
(VOIYAKIS, 2003, p.326); segundo tal princípio, um Estado deve
abster-se de julgar outro, tendo em conta a independência deste e
o ideal de reciprocidade.
Historicamente, os primeiros pensamentos acerca dos limites
da jurisdição de um Estado sublinham uma visão mais absoluta –
o primeiro período doutrinário comporta os séculos XVIII e XIX,
ditos de imunidade absoluta dos procedimentos legais domésticos de outro Estado (CAPLAN, 2003, p.743). Já com o maior envolvimento dos Estados em questões comerciais internacionais, a
partir do século XX, as imunidades estatais passam a ser relativizadas em termos da distinção entre acta jure imperii (conduta estatal de natureza governamental, coberta pela imunidade) e acta
jure gestionis (conduta estatal de natureza comercial ou privada,
destituída de imunidade – quando o Estado age por meio de uma
18
Pelo art. 62 do Estatuto, um Estado a que é permitida a intervenção não possui o status
de Estado parte no caso e, segundo o art. 94(2) do regulamento da Corte, o julgamento
é vinculante às partes. Portanto, isso exclui os Estados intervenientes de respeitarem,
compulsoriamente, a decisão da Corte no caso em que eles intervêm.
19
Em outras palavras, isso significa que, dado o direito divino dos reis, o soberano estaria acima das leis; assim, estaria imune a qualquer transgressão dessas normas pelo
simples fato de ser hierarquicamente superior a elas.
20
O sistema internacional é anárquico pelo fato de não possuir uma autoridade jurídica
acima de todos os Estados, responsável por impor leis a todos – ou seja, há uma ausência de hierarquia internacional em termos jurídicos. Assim, é importante destacar que o
termo “anarquia” se refere a essa falta de um governo supraestatal. Ademais, o conceito
é muito trabalhado em teorias de Relações Internacionais e, para muitos teóricos, como
Hedley Bull (2002), o Direito Internacional é um dos componentes do sistema responsável por exercer uma função de estabilização e ordem internacional na anarquia.
59
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
60
empresa estatal, por exemplo) (SOARES, 1987, p.35; VOIYAKIS,
2003, p.315; CAPLAN, 2003, p.743). Trata-se, portanto, de uma visão restritiva dessas imunidades.
Ainda que se observe uma tendência gradativa à relativização
do princípio de imunidade jurisdicional do Estado, ele permanece
como um dos princípios mais relevantes do Direito Internacional
geral para manter a ordem nas relações entre os Estados. Traduzido na expressão par in parem non habet judicium (CAPLAN, 2003,
p.748), ele deve refletir a independência, a igualdade e a dignidade
dos Estados (LAUTERPACHT, 1951, p. 221).
Hoje em dia, a maior parte dos Estados tende a aceitar a doutrina da imunidade restritiva (como é o caso de Alemanha e Itália21, por
exemplo) (BRÖHMER, 1997, pp.104-117) e isso se reflete em suas
legislações domésticas, pelo processo de constitucionalização das
normas internacionais (SHAW, 2008, p.707). A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos
Seus Bens22, de 2004, pode ser vista como um avanço na positivação
do princípio em questão, elencando os atos cobertos pela imunidade, bem como a definição precisa de Estado e de seus desdobramentos que devem gozar do princípio (SHAW, 2008, pp.708-9).
Ademais, no tocante à caracterização das imunidades jurisdicionais do Estado, cabe problematizar se elas fazem parte dos princípios fundamentais do Direito Internacional, oriundas da própria
estrutura da ordem jurídica internacional, ou se são uma norma de
direito consuetudinário (costumeiro), cabendo discussão sobre a
hierarquia dos direitos (CAPLAN, 2003, p.745). Uma doutrina enxerga a imunidade jurisdicional do Estado como um direito estatal
fundamental em virtude do princípio de igualdade soberana (par
in parem non habet imperium); a outra vê a imunidade jurisdicional como uma evolução de exceções à jurisdição de um Estado, por
exemplo, quando um Estado suspende o seu direito de jurisdição
adjudicatória23 como uma cortesia para facilitar as relações interestatais (CAPLAN, 2003, p. 748).
Outro questionamento sobre a aplicação da imunidade de jurisdição de um Estado advém do direito de acesso à justiça; Lauterpacht, em um ensaio de 1951 advogando a extinção da imunidade
jurisdicional do Estado absoluta, alega que, na maior parte dos casos, um pedido de imunidade consiste em uma recusa em satisfazer
o que seria um pedido legal adequado e exequível, revelando uma
escusa do Estado acionado em conceder a justiça (LAUTERPACHT,
1951, p.236). Já nessa época, portanto, revelava-se uma tendência
de abordagem restritiva à imunidade estatal, sendo um marco importante desse reconhecimento o caso Dralle vs. República da Tche-
Caso Alemanha vs. Itália
coslováquia, julgado em 1950, pela Suprema Corte da Áustria, afirmando que atos comerciais/privados (acta jure gestionis) não mais
seriam uma norma de Direito Internacional geral – e, portanto, não
seriam cobertos por imunidade (SHAW, 2008, p.701).
Assim, entende-se uma gradativa evolução doutrinária do
princípio de imunidade de jurisdição do Estado, principalmente
no que toca violações de direitos humanos – em especial àqueles
direitos entendidos como jus cogens; a próxima subseção abordará
com mais detalhes essa questão.
3.2. Imunidade de jurisdição do Estado
e violações aos Direitos Humanos
A aplicação da imunidade de jurisdição, como já dito anteriormente, sofreu mudanças ao longo da história. “A imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros possuiu, durante muito tempo, um
caráter plenamente absoluto, pois era aplicada de forma análoga à
imunidade concedida à pessoa do soberano” (FERNANDES, 2010,
p.145), da qual o princípio se originou (SHAW, 2008). Dessa maneira, a imunidade seria aplicada em qualquer situação, sem exceções. Essa interpretação da imunidade jurisdicional do Estado
fundamenta a doutrina absoluta24 (FERNANDES, 2010; BRÖHMER,
1997). Na época, de acordo com Bröhmer, “o Direito Internacional
era considerado completamente dependente das vontades das nações” (1997, p.15, tradução nossa), o que Fernandes (2010) denomina “hegemonia dos Estados”. Contudo, é importante considerar
a ressalva do primeiro autor de que “a imunidade nunca foi realmente absoluta. Um Estado sempre pôde consentir com os proce-
21
As posições doutrinárias dos dois países serão melhor abordadas posteriormente
neste artigo.
22
Mesmo assim, o valor da Convenção ainda merece atenção futura, uma vez que ainda
não entrou em vigor. Mais detalhes sobre a Convenção serão expostos na subseção 2.4.
23
De acordo com o Código de Processo Civil brasileiro, a jurisdição adjudicatória ou
judicial envolve os poderes que possuem os tribunais de um Estado para julgar processos que envolvam pessoas, bens, fatos ou eventos territorial ou extraterritorialmente.
Trata-se de um princípio hoje reconhecido no Direito Internacional que se refere ao
reconhecimento da jurisdição dos tribunais, pelos Estados, como um poder soberano
e independente, possuído pelo ordenamento legal nacional (RESTATEMENT OF THE
FOREIGN RELATIONS LAW OF THE UNITED STATES, 1987, at 390-91, supra note 28, §
421 apud CAPLAN, 2003, p.746).
24
Essa doutrina teve como marco principal a decisão da Corte Suprema Americana no
caso Escuna Exchange, “na qual a sentença do Chief Justice Marshall favorece a tese
do caráter absoluto da imunidade de jurisdição, excepcionando, portanto, a França
da jurisdição das cortes norte-americanas” (FERNANDES, 2010, p.145). Essa decisão
orientou muitas outras cortes de outros países. (FERNANDES, 2010; BRÖHMER, 1997).
61
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
62
dimentos e renunciar à sua soberania” (BRÖHMER, p.16, tradução
nossa), a fim de manter boas relações com os outros Estados.
Dentre as enormes transformações ocorridas principalmente
nos âmbitos econômico e político no século XX, houve também
uma mudança no papel desempenhado pelo Estado, que passou
a “se envolver de forma cada vez mais intensa em campos antes
dominados pela ação dos particulares, levando a um número cada
vez maior de relações de caráter privado, como transações comerciais, entre os particulares e o Estado” (FERNANDES, 2010, p.146).
Bröhmer (1997) lembra que essa situação poderia ser claramente
vista na Revolução Russa, quando, com a nacionalização da economia, o Estado passou a se envolver intensamente com questões
econômicas. Começaram a surgir, então, disputas decorrentes
desses atos de natureza privada, e, nesses casos específicos, para
Fernandes (2010) a reivindicação de imunidade de jurisdição por
parte do Estado resultava quase sempre em casos injustos, até porque a imunidade de jurisdição não era condizente com a natureza
dos atos em questão. Logo, surgiram esforços para limitar a imunidade soberana, principalmente em casos de operações comerciais
(BRÖHMER, 1997), o que trouxe mudanças quanto à adoção da
doutrina absoluta.
Além dessa mudança de papel do Estado, Fernandes (2010)
ressalta a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em 1948, que trouxe a dignidade da pessoa humana como valor
fundamental que deve ser protegido, enfatizando o papel dos indivíduos em detrimento da hegemonia dos Estados, que vigorava
antes da Segunda Guerra Mundial. Nessa mesma época, a ideia do
indivíduo como sujeito do Direito Internacional ganhou enorme
aceitação, principalmente, mas não exclusivamente, pela crescente
importância dada aos Direitos Humanos (SHAW, 2008); anteriormente, no século XVIII, o indivíduo geralmente não era considerado parte do mundo jurídico internacional, e somente teria acesso a
ele através do Estado (MELLO, 2001)25. Shaw ressalta que a inserção
do indivíduo na ordem jurídica internacional, através de tratados
que lhes atribui direitos diretamente, começou a ocorrer a partir
dos Tratados de Paz de 1919, após a 1ª Guerra Mundial, quando
“foi possível que um indivíduo recorresse diretamente a uma corte
internacional” (SHAW, 2008, p. 259). Para Mello (2001), o indivíduo
deve ser considerado pessoa internacional, pelo fato de que lhes
são atribuídos direitos e deveres perante a ordem jurídica internacional, e atualmente, de acordo como autor, essa posição é compartilhada pela maior parte dos doutrinadores. Dessa maneira, é
fácil observar uma tendência à relativização da doutrina absoluta
Caso Alemanha vs. Itália
da imunidade de jurisdição do Estado, não só em atos de natureza
comercial, mas ao surgirem conflitos entre a garantia dos Direitos
Humanos e a imunidade de jurisdição. A doutrina restritiva passou
a vigorar desde então e, aos poucos, foi sendo adotada por um número considerável de Estados.
É dessas mudanças que se retoma a distinção entre atos de gestão, que seriam os atos de caráter privado (acta jure gestionis), e
atos de governo (acta jure imperii) do Estado, consagrada pela jurisprudência dos tribunais belgas e italianos que passaram a negar a
imunidade em casos de acta jure gestionis. (SHAW, 2008; FERNANDES, 2010) – distinção que é pilar da doutrina restritiva (BRÖHMER,
1997) ou relativa (FERNANDES, 2010) da imunidade de jurisdição.
Apesar de a maioria dos países hoje aderirem à doutrina relativa a
partir dessa distinção (mesmo que sua aplicação não seja uniforme
[FOX, 2004, p.2]), ainda há um impasse quanto ao critério adotado
para distinguir a natureza dos atos cometidos pelo Estado estrangeiro. Bröhmer (1997) afirma que, para as cortes alemãs, o critério
para a distinção dos atos deve ser a sua natureza efetivamente, e
não o seu propósito, mas o autor acredita que a intenção do ato
também deve ser considerada. Fernandes ainda menciona que em
certas situações “tal distinção nem sempre é suficiente para se enfrentar a complexidade da realidade, necessitando-se buscar novos
elementos” (2010, p.156). Dentre as situações citadas por Fernandes (2010), começam a surgir aquelas de naturezas diferentes das
operações comerciais previstas, como as violações a certas normas
importantes do Direito Interacional.
Tais normas são denominadas normas de jus cogens. Jus Cogens
é um conceito complicado, que ainda desperta inúmeras dúvidas,
e que já foi muito estudado. Porém, em linhas gerais, significaria
um conjunto de normas, dentro do Direito Internacional, que “seriam imperativas em razão de seu conteúdo mais relevante, mais
essencial, (...) que se impõem a todos os Estados, independente
da oposição destes” (NASSER, 2005, p. 163), conforme artigo 53 da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969). A maior
importância dessas normas não se dá pelo seu modo de produção,
mas sim pelo conteúdo expresso nelas. Devido a essa importância,
25
Essa posição ainda é adotada pelas teorias negadoras da subjetividade do indivíduo.
Para o positivismo clássico, o indivíduo é sujeito somente no direito interno, e as ordens
jurídicas interna e internacional são independentes entre si. Para a teoria do “homem-objeto”, os Estados seriam sujeitos do DIP e o homem seria apenas um objeto, como
navios e aeronaves. (MELLO, 2001, p.767-768; SHAW, 2008, p. 258). Porém, hoje, a maior
parte dos doutrinadores considera o indivíduo como sujeito do DIP.
63
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
se pressupõe uma hierarquia normativa, e a violação das normas
de jus cogens poderiam ser consideradas uma violação mais grave, e
até um crime internacional, “ensejando um regime diferenciado de
responsabilidade internacional” (NASSER, 2005, p. 163). Para as normas de jus cogens, há uma definição e um regime jurídico, mas ainda
assim a precisão do conceito e o seu conteúdo não são garantidos.
Há quem relacione o jus cogens ao constitucionalismo do Direito Internacional, contudo, essa ideia é controvertida, pois a sociedade internacional é horizontal e desprovida de poder centralizado,
além de não haver hierarquia entre as fontes do direito. Deste modo,
não há como haver realmente um direito constitucional. Porém,
64
algumas [normas] iriam adquirindo caráter constitucional devido à
sua importância para a manutenção da ordem ou pelos valores que
advogam. A possível aproximação entre jus cogens e constitucionalismo internacional não parece, portanto, absurda, mas, por aproximar o desconhecido do incerto, não aporta maiores esclarecimentos
sobre os conceitos, os efeitos e os regimes ligados a um e a outro
(NASSER, 2005, p. 169).
Há também aqueles que consideram as normas de jus cogens como
normas de ordem pública, por serem ”inderrogáveis pela vontade
de Estados contratantes, mas a esta noção de ordem pública internacional faltariam maior clareza e definição” (Ibid., p. 169). Ainda,
surge uma confusão de termos entre com o jus cogens e as obrigações erga omnes.
As obrigações erga omnes do direito internacional seriam aquelas
que criam para toda a comunidade dos Estados, ou para cada um
destes individualmente, direitos. Assim, violada uma dessas obrigações, a comunidade ou qualquer Estado teria interesse jurídico na
reparação (Ibid., p. 170-171).
Neste conceito, surgem também os direitos erga omnes, ou seja, direitos que todos os Estados têm interesse jurídico em proteger, entre os quais Nasser (2005) cita o direito de autodeterminação dos
povos e o direito humanitário. Porém, ambos esses direitos poderiam ser exemplos de normas de jus cogens. Qual seria então a relação entre obrigações erga omnes e normas de jus cogens? De acordo com Nasser (2005), as normas de jus cogens estariam dentro de
uma categoria maior, das obrigações erga omnes. “Percebe-se assim que não basta que a proteção de um direito seja do interesse da
comunidade internacional como um todo para se elevar ao status
Caso Alemanha vs. Itália
de jus cogens” (Ibid., 172). Diante de tantas dúvidas e controvérsias,
percebe-se que, apesar de o conceito de jus cogens tratar de normas
de extrema importância, ele ainda precisa ser amadurecido.
De acordo com Bröhmer (1997), quando a ação de um Estado viola princípios de Direito Internacional, há medidas internacionais que podem ser tomadas contra esse Estado. Quando essa
ação viola as leis do próprio Estado, também há meios domésticos
previstos por essas leis que podem ser empregados. O grande problema da imunidade de jurisdição se dá então quando um Estado
viola leis de um Estado estrangeiro, cujas cortes serão pedidas para
tomar providências. Porém, se o primeiro Estado alegar imunidade,
o Estado estrangeiro não poderá fazê-lo assumir responsabilidade
legal sobre seus atos (BRÖHMER, 1997). Por essa situação, chega-se à conclusão de que um Estado pode se omitir e evitar responsabilidades ao se valer da imunidade de jurisdição. Para o mesmo
autor, essa situação se agrava em casos de morte, injúria ou danos
a propriedades de indivíduos, porque desrespeitam não só as leis
internas de um Estado, mas vão contra direitos tidos como fundamentais no Direito Internacional (matérias de jus cogens), que vêm
adquirindo cada vez mais importância e recebendo mais proteção
(BRÖHMER, 1997).
Contudo, apesar de a imunidade de jurisdição poder ser usada como instrumento para omissão de um Estado perante suas
responsabilidades, ela é importante e não pode ser simplesmente
suspensa. A imunidade jurisdicional caracteriza um Estado soberano, e a soberania, por sua vez, é o fator que mantém o equilíbrio
nas relações internacionais (SHAW, 2008) e impede uma hierarquização26. Dessa maneira, sujeitar um Estado à jurisdição de outro violaria tal equilíbrio, assim como sua autonomia, e anularia a
sua soberania, fundamental a um Estado. De qualquer maneira, o
respeito à soberania não necessariamente significa que o Estado
é livre para agir sem precisar seguir certar regras; Bröhmer (1997)
lembra que um Estado hoje precisa estar globalmente ativo a fim
de atingir os seus objetivos, de modo que seus atos têm repercussão internacional, e sua soberania não o impede de ser cobrado.
Outra regra importante, no que tange o Direito Internacional em casos de violações aos Direitos Humanos, é explicitada
por Shaw (2008). Todo indivíduo tem o direito de invocar mecanismos internacionais a fim de resolver um conflito de Direitos
Humanos, direito presente, por exemplo, na Convenção Europeia
26
Ver seção 3.1 para mais detalhes sobre a importância dada à soberania.
65
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
66
Caso Alemanha vs. Itália
de Direitos Humanos (CEDH) – mas, para tanto, o indivíduo deve
primeiro esgotar todos os meios locais de solução de seus problemas (SHAW, 2008).
De acordo com a CEDH, uma limitação no direito de acesso
à justiça (no caso, quando um Estado alega imunidade de jurisdição) não impede a essência desse direito, se satisfizer duas determinações: possuir um objetivo legítimo e devida proporcionalidade (VOYIAKIS, 2003). Entende-se que há um objetivo legítimo
quando, ao reconhecer certas limitações em sua jurisdição, o Estado possui o objetivo de cooperar com o Direito Internacional a fim
de promover boas relações com outro Estado a partir do respeito à
soberania do outro, e a imunidade de jurisdição é um princípio de
DIP (VOYIAKIS, 2003).
A proporcionalidade se dá pelo fato de que a Convenção Europeia de Direitos Humanos, assim como outros tratados, deve ser
interpretada em consonância com outras regras do Direito Internacional – entre elas, a imunidade de jurisdição. Assim, sendo o acesso
à justiça uma parte inerente da Convenção, algumas das suas limitações são consideradas igualmente inerentes (VOYIAKIS, 2003). Além
de Voyiakis (2003), as limitações do acesso à justiça devido à imunidade de jurisdição também são reconhecidas por Tomonori (s.d.),
que destaca que o direito à imunidade não viola o artigo 6(1) da
CEDH, que, em linhas gerais, determina o direito de acesso à justiça.
Diante da importância que merecem tanto os Direitos Humanos quanto a soberania de cada Estado, são complexas as situações
em que há conflitos entre esses dois. A imunidade de jurisdição é
fundamental para a manutenção de um sistema equilibrado e não-hierárquico no panorama internacional. Porém, os Direitos Humanos são direitos fundamentais para a dignidade humana, considerados primordiais nas relações internacionais por garantirem
uma condição de vida mínima necessária aos homens, e, por isso,
devem sempre ser resguardados. A fim de manter a eficácia do direito de acesso à justiça, há então a difícil tarefa de determinar em
que casos as violações aos Direitos Humanos realmente necessitam de intervenção na soberania de Estados estrangeiros.
e de Apelação, na Itália, os quais alegaram não exercer jurisdição
sobre o caso, uma vez que o requerente pedia uma indenização
contra um Estado soberano, alegando, portanto, que a Alemanha
não gozava de imunidade jurisdicional. Entretanto, foi na Suprema
Corte italiana que o caso Ferrini ganhou repercussão, uma vez que
a Corte italiana não somente o julgou como também condenou a
Republica da Alemanha a indenizar o requerente.
A sentença do caso é inovadora, pois reflete em um caso concreto o entendimento de supremacia dos Direitos Humanos como
valores universais que transcendem o interesse de nações individuais. É baseado neste pressuposto que o Tribunal de Cassação
italiano deliberou que países que são acusados de desrespeitarem
os Direitos Humanos não têm direito à imunidade jurisdicional.
Esta interpretação é reforçada pela jurisprudência grega, no caso
Prefeitura de Voiotia vs. Alemanha, em que a Grécia procura indenização por um massacre ocorrido em seu território durante a
Segunda Guerra Mundial, realizado pela Alemanha. A corte grega, neste caso, entendeu que a violação de direitos relacionados
com direitos fundamentais humanos acarreta a renúncia de todos
os benefícios e privilégios de acordo com o Direito Internacional
(BIANCHI, 2005)27.
O Tribunal de Cassação fundamentou sua sentença no caso
Ferrini afirmando que a deportação e o trabalho forçado eram universalmente proibidos desde 1907 pela Convenção da Haia28. Baseados nela, os fatos ocorridos com Luigi Ferrini são considerados
crimes mesmo antes da Primeira Guerra Mundial, realçando a gravidade do decorrido. Assim, no entendimento do tribunal, este tipo
de ação de Estado não deve ter a proteção da imunidade jurisdicional e não pode ser impedido de julgamento e condenação, uma vez
que fere os direitos previstos no artigo 6(1) da Convenção Europeia
de Direitos Humanos, que dispõe que “na determinação de seus
direitos e obrigações civis ou de qualquer acusação criminal contra
si, todos têm direito a uma audiência justa e pública num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por
lei” (CONSELHO DA EUROPA, 1950, tradução nossa).
3.3. Jurisprudência
3.3.1. Caso Ferrini
Tendo analisado os principais princípios jurídicos relativos ao caso,
a subseção a seguir objetiva examinar o principal caso conexo ao
Alemanha vs. Itália, tendo em vista sua importância para o acionamento deste. O caso Ferrini se iniciou com duas negações de provimento na primeira e segunda instância nos tribunais de Arezzo
27
Percebe-se, portanto, que o entendimento grego ainda é controverso com relação à
supremacia ou não dos direitos humanos frente ao princípio de imunidade jurisdicional do Estado; tanto nos casos Voiotis e Distomo, houve a preponderância dos direitos
humanos, enquanto que, no caso Margellos, respeitou-se a imunidade alemã (vide seção 2.4). Isso reforça a intervenção do país no caso, bem como a relação entre a jurisprudência grega e a italiana em matéria de imunidade.
28
Convenção da Haia, artigo 7.
67
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
68
É também de entendimento do Tribunal de Cassação que
este somente tem jurisdição sobre o caso devido ao ato de não
reparação alemã dos direitos lesados do requerente Luigi Ferrini.
O Tribunal entendeu que a criação do instituto Lembrança, Responsabilidade e Futuro foi um ato de compensação para as vítimas italianas (BIANCHI, 2005, p.243, tradução nossa), bem como
o Tratado de 1961, e que os dois mecanismos criam uma nova situação, pois comprovam a dívida alemã com o passado, porém, não
abrangem todos os indivíduos, como deveriam. De posse disso,
para o Tribunal, não há argumentos convincentes que justifiquem
a inadimplência alemã para com Ferrini, já que a Alemanha reconhece a existência de uma situação de lesão grave de Direitos
Humanos a ser reparada.
Assim, com este aparato jurídico, a Suprema Corte italiana
considerou-se apta para julgar e condenar a República da Alemanha pelo reconhecimento da reiteração de má conduta, de forma a
obrigá-la cumprir com os seus deveres de reparação.
3.3.2 Observações do Juiz Antônio Augusto Cançado Trindade sobre
o pedido italiano de reconvenção no caso Alemanha vs. Itália.
O juiz Cançado Trindade foi o único a dar voto de provimento ao
pedido de reconvenção italiano, fazendo-se, por isto, necessário o
estudo de suas observações para um entendimento aprofundado
do caso. O juiz afirma a existência de dois tipos de delitos, os delitos
complexos e os momentâneos, sendo o elemento que distingue os
dois a perpetuidade no tempo, do primeiro, e a momentaneidade,
no segundo.
Segundo o seu entendimento, o caso em questão é complexo,
uma vez que tem como base não os atos contra os Direitos Humanos cometidos pela Alemanha, mas se há ou não uma dívida de reparação por parte da Alemanha, surgida pela realização dos atos,
que justificaria o pedido italiano de reconvenção.
Para o juiz, existe uma situação em aberto, pois ele acredita
que os mecanismos de indenização de 1961 e 2000 reconheceram
a dívida e se propuseram a ressarcir os cidadãos italianos, porém,
não o fizeram de forma adequada. A partir do reconhecimento da
dívida, a Alemanha, no entender do juiz, assumiu responsabilidade por todos os seus atos e, desta forma, deve indenizá-los de
forma completa.
Ainda em seu voto, o juiz alega a impossibilidade de renúncia
por parte da Itália dos Direitos Humanos de seus cidadãos, uma vez
que estes pertencem aos indivíduos e não à nação. Como afirmado:
Caso Alemanha vs. Itália
Em minha opinião, um Estado pode renunciar a demandas de seu
interesse, se quiser, mas não a direitos de seres humanos, cidadãos
ou não, que foram vítimas de atrocidades que chocaram toda a humanidade. As vítimas individuais, e não seus Estados, são titulares
dos direitos que foram violados antes do Tratado de Paz de 1947 (CIJ,
2010a, p.32, tradução nossa).
A justificativa fundamental para o provimento é baseada no entendimento de que os fatos são conexos e também que o pedido
italiano encontra-se sob a jurisdição da Corte Internacional de Justiça, na medida em que, para o juiz, a negação da Alemanha em
indenizar os cidadãos italianos é um delito complexo existente no
presente, como exposto em:
A celebração dos dois Acordos de 1961, desta vez pela Alemanha por
si mesma com a Itália, demonstra o reconhecimento que a obrigação
existia em 1961. Isto marca, em meu ponto de vista, o ponto desencadeador da nova situação contínua daquele período até o presente
(CIJ, 2010a, p.48, tradução nossa).
3.3.3. Observações dos outros juízes
A maioria da Corte entendeu que não faz parte da sua jurisdição o
pedido de reconvenção italiano, uma vez que este tem origens em
fatos decorrentes anteriores à criação da Convenção Europeia de
1957. As normas da Corte, segundo seu regulamento, impedem o
julgamento que se refere a situações conexas com fatos anteriores
à criação da Convenção Europeia como exposto em: “O artigo 27(a)
da Convenção Europeia, entretanto, exclui da aceitação de jurisdição da Corte disputas relacionadas com fatos e situações anteriores
à vigência da Convenção (CIJ, 2010b, p.1, tradução nossa)”.
No entendimento da maioria dos juízes, não há nova situação
gerada pelos mecanismos de 1961 e 2000, uma vez que a Itália não
demonstrou que estes acordos estão regidos por uma normatividade e não citou os mecanismos aos quais a Alemanha se submetia
para o cumprimento de tais acordos. E, de forma alguma, há indícios de que a Alemanha tenha criado obrigações para que sejam
ressarcidos os cidadãos italianos. Ainda que, realmente, os acordos de 1961 tenham gerado uma nova situação, eles são anteriores à criação da Convenção Europeia e, como já explicado, não se
submetem à jurisdição da Corte. Além do mais, não há fatos que
comprovem que as medidas alemãs tenham dado lugar às renúncias feitas pela Itália em 1947, interpretadas pela maioria dos juízes
como sendo absolutas.
69
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
70
3.4. Instrumentos internacionais
Percebe-se que o caso e os princípios que ele leva em conta ainda
são controversos entre as opiniões dos juízes. Por mais que haja
instrumentos positivados responsáveis pela regulação do direito
da imunidade jurisdicional do Estado, a dificuldade de universalização do princípio reside no fato de ele ainda se encontrar majoritariamente inserido no campo do direito consuetudinário, e suas
principais fontes ainda se assentarem em sistemas jurídicos nacionais e jurisprudência de tribunais domésticos (BRÖHMER, 1997, p.
138; FOX, 2004, p. 100).
Mesmo assim, a tendência é que a imunidade jurisdicional seja
regulada multilateralmente, de modo a melhor alinhar as legislações domésticas; esta subseção, portanto, busca avaliar a evolução
do direito da imunidade jurisdicional com base nos esforços de codificação do princípio, até chegar à Convenção da ONU de 2004 e as
perspectivas quanto à clareza desse ramo jurídico.
Pode-se dizer que um dos primeiros instrumentos internacionais a lidar com a imunidade estatal foi a Convenção de Bruxelas de
1926 (BRÖHMER, 1997, p.121); entretanto, o marco mais significativo veio com a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados
(ECSI, na sigla original em inglês) de 1976. Tal Convenção foi responsável por iniciar a codificação, ainda cedo, do direito da imunidade estatal, em uma época quando a doutrina restritiva ainda era
contestada – alguns de seus signatários, por exemplo, ainda aderiam à doutrina absoluta (BRÖHMER, 1997, p. 119; FOX, 2004, p.94).
Desse modo, pode-se dizer que uma das maiores contribuições da
ECSI foi influenciar os Estados a desenvolver a teoria restritiva da
imunidade (FOX, 2004, p.99).
Um avanço trazido pela ECSI, segundo especialistas, foi a distinção entre três áreas de imunidade estatal: na “área branca”, a
imunidade nunca é garantida; na “área preta”, a imunidade permanece absoluta; e, “na área cinza”, a imunidade pode ser invocada ou
não, dependendo do artigo 24 (1), que demanda uma declaração
formal do Estado sobre os limites de sua imunidade, como já citado anteriormente (CONSELHO DA EUROPA, 1972; FOX, 2004, p.
95). De acordo com o Art. 11 da ECSI, a imunidade não pode ser
invocada em casos de conduta ilícita. Da mesma forma, enquanto
a ECSI assegura a imunidade pela distinção entre imperii e gestionis, o instrumento também estipula um requerimento claro sobre
o nexo territorial de tais atos (BRÖHMER, 1997, p.121). Em outras
palavras, um Estado que exerça jurisdição sobre outro possui essa
competência pelo fato de o Estado acionado ter cometido o ato no
território do primeiro.
Caso Alemanha vs. Itália
A Alemanha ratificou a ECSI em 1990 – como a Convenção estabelece um critério de distinção imperii/gestionis, a Corte Constitucional alemã deve se adaptar a ele (BRÖHMER, 1997, pp.104-105);
complementar a essa adequação, no caso Embaixada do Irã, julgado pela mesma Corte Constitucional, confirmou-se que os Estados,
de acordo com as mesmas fontes de costume internacional, ainda
estão ligados à imunidade uma vez que os Estados possuem natureza soberana. Essa relação demanda que o direito doméstico, o direito dos Estados, deva ser utilizado somente para distinguir entre
um ato soberano ou não de um Estado estrangeiro (FOX, 2004, p.75).
Anos depois, em 1986, a Comissão de Direito Internacional
(CDI) da ONU, órgão responsável pela codificação do Direito Internacional, iniciou a preparação de um projeto de convenção multilateral mais abrangente que pudesse regular a imunidade estatal,
visto que o escopo da ECSI é claramente mais regional. O projeto
de convenção baseia-se no princípio de que nenhum Estado pode
exercer jurisdição sobre outro (art. 6), a não ser que o segundo tenha renunciado a sua imunidade (artigos 7 a 10) ou que haja exceções específicas a ela (artigos 10 a 17), como o consenso acerca
de acta jure gestionis (CDI, 1991). Com relação à conduta ilícita e
ao nexo territorial, o projeto da CDI caminha na mesma direção
da ECSI (artigo 12); entretanto, diferentemente desta, seu artigo 12
dá margem de interpretação a exceção de imunidade em caso de
reparação também por atos ilícitos de natureza imperii, e não somente gestionis (BRÖHMER, 1997, p.127).
Segundo Fox (2004, p.520), o grupo de trabalho estabelecido no
âmbito do Sexto Comitê da Assembleia Geral da ONU para discutir
o projeto da CDI considerou, em 1999, a possibilidade de uma exceção à imunidade estatal em caso de violações de direitos humanos.
Entretanto, o grupo decidiu-se por não abordar a questão no projeto,
por alegações de que assuntos relativos a direitos humanos se encaixavam no escopo do Terceiro Comitê (SoCHum; assuntos sociais,
culturais e humanitários) e também pelo receio da não conformidade com o direito internacional, tendo em vista que a discussão sobre
direitos humanos, universalmente, não é uniforme.
O projeto de convenção da CDI evoluiu até os comitês preparatórios, que resultaram no documento conhecido como a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e seus Bens, de 2004. A Convenção ainda não entrou em vigor,
visto que depende do 30º depósito, e também não é retroativa, mas
já constitui o instrumento multilateral mais moderno e abrangente sobre o assunto, baseando-se declaradamente na teoria restritiva (STEWART, 2005, p.194). Ela representa, ademais, um esforço
71
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
maior em prover uma base mais abrangente para a harmonização
substancial dos sistemas jurídicos domésticos nas relações interestatais, bem como auxilia na regulação do assunto, tendo em vista
que muitos Estados ainda nem contam com legislação doméstica
voltada para a matéria da imunidade (STEWART, 2005, p.195).
O artigo 12 da Convenção de 2004 é um dos dispositivos mais relevantes para o contencioso Alemanha vs. Itália. Segundo sua redação:
72
Artigo 12
Lesões às pessoas e danos ao bens
Salvo que os Estados acordem outra coisa, nenhum Estado poderá
fazer valer a imunidade jurisdicional ante um tribunal de outro Estado, ademais competente, em um processo relativo a uma ação de
indenização pecuniária em caso de morte ou lesões de uma pessoa,
ou de dano ou perda de bens tangíveis, causados por um ato ou uma
omissão presumivelmente atribuível ao Estado, se o ato ou a omissão tenha sido produzido total ou parcialmente no território desse
outro Estado e se o autor do ato ou da omissão se encontrava no dito
território no momento do ato ou da omissão (ONU, 2004, tradução
nossa, grifos nossos).
Mesmo assim, segundo Stewart (2005), a Convenção de 2004 não
inclui nenhuma base para uma exceção abrangente de imunidade quanto a direitos humanos no geral ou mesmo normas de
jus cogens, seguindo o modelo embrionário elaborado pela CDI
(STEWART, 2005). Este âmbito, portanto, ainda continua em processo de articulação, inexistindo uma consistente codificação sobre a declinação de imunidade em casos de violações de direitos
humanos ou jus cogens (FOX, 2004, p.522-524). A jurisprudência
internacional, em especial a da Corte Internacional de Justiça e a
da Corte Europeia de Direitos Humanos, certamente leva isso em
consideração, admitindo que, da mesma forma que Estados vinculados a convenções de direitos humanos devem submeter-se a
suas normas e procedimentos, na ausência de expressas provisões
em matéria de imunidade nos mesmos instrumentos de direitos
humanos, a posição imune do Estado deve permanecer como se
encontra (FOX, 2004, p.524).
Entende-se, portanto, que a matéria de imunidade jurisdicional do Estado em caso de violações de direitos humanos ainda se
encontra em fase de estabilização no entendimento dos sujeitos
de DIP, mesmo que a questão esteja começando a ser regulada
multilateralmente29. É por este motivo que o contencioso entre
Alemanha e Itália pode representar um grande avanço na conci-
Caso Alemanha vs. Itália
liação dos dois princípios, tão necessários à boa convivência no
cenário internacional, representando uma evolução nas provisões
do Direito Internacional.
4. A confiança entre Estados por meio do Direito
No caso Alemanha versus Itália, conforme exposto, fica evidente a
importância do Direito na promoção de confiança e respeito entre
os países com a finalidade de construir uma sociedade internacional cada vez mais integrada.
O conceito de imunidade de jurisdição, como também já citado
anteriormente, é de grande relevância para o Direito Internacional.
O respeito à soberania de cada Estado é fundamental na prevenção
de conflitos e na manutenção da autonomia de cada país; a soberania é o fator determinante para a existência do Estado (MELLO,
1996). Contudo, como foi colocado por Mello (2009), a própria internacionalização do âmbito econômico, político e outros, acabou
por limitar naturalmente a soberania do Estado. Esta soberania, entretanto, deve ser autolimitada, não ultrapassando as fronteiras da
procura de um bem-comum para a sociedade internacional.
É nesse contexto que entra a necessidade de cooperação entre
os Estados em prol do Direito Internacional Público. É necessário
que todos reconheçam as suas obrigações perante a sociedade internacional e não deixem de cumpri-las. Se houver, efetivamente, o
respeito a uma norma comum a todos nas relações internacionais,
bem como o expresso reconhecimento da soberania de cada um,
o número de conflitos internacionais, ao menos no âmbito legal,
poderá ser drasticamente reduzido e os conflitos efetivos poderão
seguir pelo mesmo caminho.
Entre as obrigações que devem ser universalmente respeitadas,
destaca-se o comprometimento com os Direitos Humanos. Como
consta no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo” (ONU, 1948). Ou seja, fica claro que “os Direitos Humanos
tornaram-se uma parte fundamental do Direito Internacional e o
respeito pelos Direitos Humanos tornou-se assunto e responsabili-
29
Deve-se destacar que, além das convenções multilaterais, uma serie de tratados bilaterais, contratos ou acordos entre partes privadas existem em matéria de imunidade
jurisdicional (BRÖHMER, 1997, p.124).
73
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas – 2012
74
dade central das Relações Internacionais” (COMISSÃO INTERNACIONAL SOBRE A INTERVENÇÃO E A SOBERANIA DO ESTADO
- CIISE, 2001, p.6, tradução nossa). Através do respeito aos Direitos
Humanos, ocorre a garantia de uma vida digna para cada um dos
cidadãos do mundo; respeitá-los, então, significa contribuir para a
promoção do respeito entre pessoas.
Ainda, é interessante reconhecer a ligação contemporânea entre a soberania e os Direitos Humanos. A tendência proposta no relatório de 2011, feito pela CIISE, “A Responsabilidade de Proteger”30,
expõe bem essa relação, ainda que essa não seja o seu principal objetivo. Essa tendência possui como um de seus princípios básicos
as responsabilidades implícitas na soberania do Estado, entre estas
o compromisso de zelar pelo bem-estar dos seus cidadãos e pela
garantia dos Direitos Humanos, valendo-se de meios razoáveis e
adequados a esses objetivos. Deste modo, é possível atingir uma de
suas prioridades: a prevenção de conflitos internacionais.
Nessa situação, é fácil perceber a importância da Corte Internacional de Justiça, assim como de outros órgãos competentes do
Direito Internacional, como meio para a resolução de conflitos e,
principalmente, para a garantia de direitos. Afinal, será a decisão
da Corte acerca do caso imunidade de jurisdição do Estado (Alemanha vs. Itália: Grécia intervindo) um dos principais meios de se
determinar até onde o zelo pela soberania e a garantia de respeito aos Direitos Humanos por parte de todos deverão influenciar a
conduta de um Estado em suas relações. Além disso, será um grande avanço em esclarecer a solução para um conflito de princípios
extremamente importantes.
5. Considerações finais
De acordo com os argumentos trazidos no presente artigo, pode-se
inferir que, até o presente momento, levando em consideração a
diversidade de aplicação dos princípios elucidados pelos sistemas
jurídicos nacionais, o Direito Internacional relativo à imunidade
estatal deve ser analisado com base no direito comparado nas jurisprudências doméstica e internacional (FOX, 2004, p.77)
Como já visto, a Alemanha, no caso Embaixada do Irã, confirmou que os Estados, de acordo com as fontes de costume internacional, ainda estão ligados à imunidade uma vez que possuem
natureza soberana (FOX, 2004, p.75); quanto à Itália, pode-se dizer
que os tribunais italianos estiveram dentre os primeiros a contestar
a teoria da imunidade absoluta e adotar a teoria restritiva com base
na distinção entre imperii/gestionis (BRÖHMER, 1997, p.116-117).
Caso Alemanha vs. Itália
No caso Ministério dos Negócios Estrangeiros vs. Federici e Japão
(julgado pelo Tribunale di Roma, em 1972), ficou decidido que
de acordo com as normas reconhecidas de Direito Internacional referidas no art. 10 da Constituição Italiana, as relações surgidas por atos
soberanos exercidos por Estados (especialmente os relativos às atividades de tropas durante operações militares) podem existir somente
e diretamente entre Estados como sujeitos do DIP, mesmo quando
esses relacionamentos se referem a danos causados a indivíduos e
não a Estados (BRÖHMER, 1997, p.117, tradução nossa).
Fica claro, assim, que a disputa entre Alemanha e Itália perante a
Corte Internacional de Justiça traz à tona a discussão entre os limites do Direito Internacional e das legislações domésticas; ademais,
trata-se de um contencioso pioneiro sobre Estados e entre Estados;
a CIJ, acionada por Estados, já lidou com imunidades diplomáticas (ex.: República do Congo vs. França, petição de 2003), mas não
estatais; ainda, o princípio de imunidade jurisdicional do Estado
já foi abordado em alguns casos já citados da Corte Europeia de
Direitos Humanos, acionada por indivíduos.
Por fim, a análise desse princípio também consiste em uma
ponderação que perpassa o pano de fundo de uma das discussões
mais importantes no campo de Direito Internacional da contemporaneidade, relativa ao dilema entre a visão privilegiada dos Direitos
Humanos pelos pluralistas e o prisma positivista, mais tradicional
e estatista. Por fim, pode-se dizer que se trata de um caso chave
para a análise da evolução do pensamento em Direito e áreas conexas, como o Direito Constitucional Internacional e as Relações
Internacionais.
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30
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uma tendência na qual a ONU se engaja, por acreditá-la como imprescindível na prevenção de conflitos internacionais, que são o objeto central do relatório em questão.
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