2 “Essa forma de pensar faz com que nos consideremos menos como uma fundação e mais como uma organização que trabalha com nossos parceiros para fomentar a mudança social”. AVINA INFORME ANUAL 2004 AVINA INFORME ANUAL 2004 3 14 AVINA INFORME ANUAL 2004 “Sinto-me também animado, porque o processo de relexão que acompanhou este trabalho proporcionou para a AVINA uma visão clara ...”. AVINA INFORME ANUAL 2004 15 AVINA INFORME ANUAL 2004 Uma rede global de “agricultura permanente” “O que a permacultura procura objetivamente é a libertação, libertação da escassez”, diz André Soares, diretor do Instituto de Permacultura e Eco-vilas (IPEC) do Brasil. “Permacultura é também a base da sustentabilidade e quando adquirimos seus conhecimentos jamais voltamos atrás. Não existe outra forma de viver, quando se vive sustentavelmente”, prossegue esse veterano do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, agora um líder-parceiro da AVINA. “Viver livre da escassez” é um pensamento incontestável no Brasil, onde uma quinta parte da população vive em estado de pobreza. A “sustentabilidade” é, da mesma forma, inquestionável num país onde os camponeses pobres acreditam que podem utilizar sem comedimento a água, o solo e a madeira para sobreviver no dia-a-dia, e onde os fazendeiros ricos estão invadindo as florestas úmidas e os pântanos, para transformá-los em fazendas e sítios de cultivo da soja. “O Brasil é um dos grandes exportadores de alimentos do mundo”, observa André. “Somos um dos principais exportadores de soja, suco de laranja, café, carne bovina e de muitos outros alimentos. Exportamos para pagar nossas dívidas. Na verdade, estamos pagando nossas dívidas à causa da exportação da superfície do nosso solo, nossa futura fonte de alimentos”. A palavra permacultura tem tantas definições quanto adeptos: de “agricultura permanente” (ou mesmo “cultura permanente”) até significados mais amplos como “metodologia holística de cultivo da terra e da cultura humana”. Trata-se de “um esforço para integrar várias disciplinas, entre as quais estão a biologia, a ecologia, a geografia, a agricultura, as tecnologias apropriadas, a horticultura e a construção comu- O que parece ser um matagal descuidado é, na verdade, um jardim florescente nas proximidades de Brasília. Ali são aplicados os princípios da permacultura, uma orientação agrícola a serviço do homem e do planeta. 27 28 AVINA RELATÓRIO ANUAL 2004 Uma vista dos cerrados, a planície alta e semi-árida que cobre aproximadamente 20% do Brasil e que é pouco conhecida fora de suas fronteiras. nitária. A permacultura não cuida de frangos, de árvores ou de habitação, mas, sim, de como os frangos e as árvores se relacionam, de forma que possamos alimentar os frangos a partir do que as árvores produzem, para todos vivermos melhor. O futuro depende da educação, de envolver as crianças, os jovens e os adultos; de chegar até eles e moldar novos líderes”, defende André. Em 1998, André fundou o IPEC como parte da grande rede continental denominada Permacultura América Latina (PAL), com o objetivo de implantar modelos de sustentabilidade adequados à realidade rural e social do Brasil. Esses modelos se transformaram em “eco-universidades”, e André e a PAL desejam criar pelo menos cinco unidades, uma para cada um dos principais ecossistemas do Brasil. A eco-universidade localizada nas proximidades de Pirenópolis, Goiás (nos arredores de Brasília), tem como foco o cerrado, a planície alta e semi-árida semelhante aos pampas, que cobre aproximadamente 20% do território brasileiro. Desse local se propagam cursos para toda a América Latina e o mundo. O centro é afiliado às universidades de Massachussets (norteamericana), de Oxford e de Cambridge (inglesas), bem como a algumas universidades australianas. Os estudantes vêm de todos os lugares, inclusive da Etiópia, da Palestina e do Haiti, como ocorreu recentemente. A maioria dos cursos dura 90 dias, para respeitar o tempo dos vistos expedidos pelo governo brasileiro, e incorporam questões como o certificado internacional de permacultura, o projeto de povoados assentados nas noções de permacultura (eco-vilas), a construção de casas de adobe, a reciclagem de águas residuais, a energia solar, a desidratação de alimentos, e o cultivo e preparo de alimentos orgânicos. Alguns estudantes passam a noite ao ar livre, acampando em suas próprias barracas de campanha e sacos para dormir. Os estudantes que obtêm desconto trazem seus próprios pratos e copos (não descartáveis). Todos têm de trazer botas de trabalho. “Queremos que afundem seus pés na lama”, diz André. E a todos é solicitado que não tragam animais domésticos, insetos ou mal-humor. Há moradias para os estudantes que se inscrevem para períodos mais longos. O Centro do Cerrado é o eixo da educação. Outra eco-universidade, nas proximidades de Manaus, cobre o ecossistema amazônico onde Carlos Miller, um veterano líder-parceiro da AVINA e agora nosso representante para a região Norte do Brasil, liderou uma iniciativa de permacultura. Dessa forma, a AVINA não somente auxilia no financiamento do IPEC como, por intermédio dos conhecimentos e da experiência AVINA RELATÓRIO ANUAL 2004 R ecentemente, André demonstrou satisfação e ao mesmo tempo surpresa quando oficiais das Forças Armadas brasileiras se apresentaram nas eco-universidades do IPEC de Pirenópolis e de Manaus para estudar permacultura, com especial interesse na construção de casas de adobe feitas com lajotas de argila e sacos plásticos cheios de terra. O IPEC e a PAL esperam abrir, em 2005, uma eco-universidade no Haiti (o exército brasileiro já se encontra nesse país em missão de paz e reconstrução). O Haiti é um país que precisa desesperadamente da permacultura. Cerca de 80% da sua população vivem sob condições de extrema pobreza e 70% sobrevivem da agricultura, muitos em pequenos lotes de terra. Em alguns lugares o solo se encontra tão erodido que foi transformado em pedra pura, enquanto as florestas vão sendo destruídas para produzir carvão para cozinhar. “O IPEC desempenha um papel central no desenvolvimento das comunidades locais, capacitando as pessoas, criando possibilidades de renda e revertendo a propensão ao êxodo rural”, 29 conta André. “Há pouco recebemos o prêmio Casa Cláudia, concedido àqueles que trabalharam com uma arquitetura favorável ao desenvolvimento social e capaz de produzir modelos de referência para o futuro do urbanismo brasileiro”. As casas de adobe serão úteis para o Haiti, bem como para um exército que instale seus alojamentos temporários ali: “É muito grande o custo para construir estruturas convencionais bem guarnecidas; se forem utilizadas estruturas abandonadas, a falta de segurança será um problema. A construção com tijolos de adobe é uma solução perfeita”, diz André, acrescentando que seria inédito observar oficiais do exército carregando os pesados sacos de terra. “A moradia é o maior problema da América do Sul”, afirma. “Somente no Brasil há um déficit de 4,8 milhões de casas. É impossível que a indústria da construção possa resolver essa demanda com êxito. Nossos modelos facilitam uma perspectiva de auto-ajuda diante da crise, pois ensinamos as pessoas a utilizar materiais locais para construir uma casa cômoda a um preço justo”. Imagem detalhada da técnica de construção com sacos de barro que ajudou o IPEC a ganhar o prêmio nacional Casa Cláudia, concedido à arquitetura de relevância social pela criação de modelos de referência para o futuro do urbanismo brasileiro. 30 AVINA RELATÓRIO ANUAL 2004 “O que realmente pretende a permacultura é a libertação – libertação da escassez”, diz André Soares, diretor do Instituto de Permacultura e Ecovilas (IPEC) do Brasil. Ali Raul ensina os estudantes como projetar uma eco-vila. M ark Hillmann é um brasileiro de 28 anos, ex-aluno de André que o considera “um excelente apresentador de técnicas e conceitos”. Agora Mark é gerente de projetos e de pesquisa na Fazenda La Pacífica, que ocupa uma vasta área numa região semi-árida no ocidente da Costa Rica. O governo local construiu um enorme canal para levar água das montanhas centrais até a região e esse canal atravessa La Pacífica. Dessa forma, a fazenda tem água suficiente para manter uma plantação de arroz e cultivar tilápias, peixe de água fria que se alimenta principalmente de vegetais. No entanto, à medida que cresce o número de fazendeiros, a quantidade de água disponível diminui. Mark está trabalhando para tirar o máximo proveito possível da água e do ciclo completo de produção. Mark estudou Agronomia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul; posteriormente, estudou Administração e, mais tarde, obteve um mestrado em Economia Agrícola. “Comecei a me interessar por permacultura quando estudava a melhor maneira de reduzir custos, porque a agricultura convencional não é sustentável e nem eficaz do ponto de vista econômico”, diz Mark. “Existe uma grande dependência de contribuições externas, principalmente de energia”. “Eu andava procurando novas alternativas para integrar as questões administrativas com os sistemas ecológicos de produção. No Brasil não existem muitas oportunidades de trabalho nesse campo. Através da Internet, descobri várias iniciativas na Costa Rica, país que tem tradição de desenvolvimento sustentável. Aqui encontrei projetos de agricultura sustentável ou alternativa, com uma perspectiva mais comercial do que no Brasil, onde a agricultura sustentável é, no melhor dos casos, uma agricultura de subsistência. Aqui encontrei comunidades indígenas que estão produzindo de forma orgânica para a exportação. “Na La Pacífica estou interessado em conferir se a minha experiência em administração e sistemas alternativos de produção é aplicável numa ‘fazenda capitalista’ ou se os princípios da permacultura podem ser aplicados em larga escala e transformar uma fazenda convencional em uma que desenvolva práticas sustentáveis. “Aqui temos produção de tilápia, cultivo de arroz de maneira convencional e orgânica. Para que a produção de tilápia seja economicamente rentável – ou seja, para que o peixe alcance rapidamente o tamanho desejado – é necessária uma grande quantidade de alimento que não se consegue com os padrões orgânicos. “Na agricultura tradicional, o alimento dos animais vem de fora. Na permacultura, os animais fazem parte de um circuito fechado. Aqui cultivamos tilápia nos arrozais; esses peixes se alimentam de algas e de outros microorganismos do solo e daqueles que proliferam ao redor das raízes do arroz. Nessa etapa não é necessário muita água. Porém, na etapa posterior se aumenta o nível da água e se colhe o arroz; em seguida, se drena a água e, quando ela começa a diminuir, os peixes tratam de fugir e se amontoam através de canais de escape. “Cada sistema de permacultura é diferente. É questão de se conhecer o ecossistema local e adaptá-lo aos sistemas de produção. A permacultura exige uma grande sensibilidade em relação aos ecossistemas locais. “Existem projetos semelhantes em outras partes do mundo, em lugares onde se trabalha com o arroz e a piscicultura. Entretanto, muitas deles se inclinam a ser sistemas de subsistência. Eu desejo aplicar a permacultura em grande escala e contribuir para o desenvolvimento sustentável”. AVINA RELATÓRIO ANUAL 2004 de Carlos, colabora com assessoramento e contatos. Outros centros eco-universitários cobrem os pampas mais frios e úmidos próximos à fronteira com o Uruguai, um ecossistema mais bem conhecido na Argentina. Existem planos para um centro costeiro na região pobre e árida do nordeste brasileiro e outro no Pantanal, a mais extensa região do mundo com essa característica. As eco-universidades se fundamentam em duas premissas concretas, modernas e globais, diz André: “Na necessidade humana de aprender a viver de maneira sustentável para sobreviver às atuais tendências de mudanças climáticas, ao crescimento demográfico, à perda dos ambientes naturais e às desigualdades sociais; e, também, no fato de que nosso sistema atual de educação não foi concebido para produzir líderes capazes de enfrentar o desafio da sustentabilidade”. “Em conseqüência, vivemos com uma inveterada falta de visão, tanto local como globalmente”. A visão da permacultura é ecológica e política dentro destes três princípios: cuidar da terra, cuidar dos seus habitantes e dividir os excedentes com justiça. ■ 31 Os estudantes vêm de quase todas as partes do mundo, recentemente até da Etiópia, Palestina e Haiti, às “eco-universidades” de permacultura, para aprender como transformar terras áridas em terras de cultivo produtivas e sustentáveis. Os estudantes constroem uma casa com um grande rolo de plástico cheio de barro. É esse o tipo de estrutura interessada pelo exército brasileiro porque permite edificar rapidamente habitações fortes e baratas. DIREÇÅO Marta Escotet EDIÇÃO Luzia Rodrigues e Geraldinho Vieira REDAÇÃO Lloyd Timberlake FOTOGRAFIA Christopher Pillitz Julio Monteghirfo/Eureka Comunicación (página 11) DIAGRAMAÇÃO Mike Kenny/Anita Wright para uma companhia especializada em comunicacão e temas relacionados à responsabilidade social corporativa. IMPRESSÃO Impresso no Reino Unido por Beacon Press mediante uso de sua tecnologia ecológica pureprint®. As tintas para a impressão foram elaboradas com óleos vegetais e nem nas fotografias e no seu processamento foram utilizados materiais químicos. 95% dos solventes de limpeza são reciclados para uso posterior, e 88% dos refugos produzidos na elaboração deste relatório serão reciclados. A energia elétrica que utilizamos é gerada através de fontes renováveis. Beacon Press é uma empresa Carbon Neutral® e tem a certificação ISO 14001 e EMAS. Além disso, Beacon recebeu o Prêmio da Rainha para o Desenvolvimento Sustentável. Impresso em papel Mega Matt que contém 50% de fibras recicláveis. ©AVINA Foundation AVINA e o logo da AVINA são marcas da AVINA Foundation. Todos os direitos reservados.