JORNAL DA
associação
médica
Página 12 • Fevereiro/Março 2009
ESPE
Médicos falam sobre o dia a di
Alexandre Guzanshe
Socorrer um cidadão na rua,
acompanhar alguém agonizando
dentro da ambulância, decidir se
opera ou não um ferido à bala, optar por uma amputação, minimizar a dor física, saber que remédio
aplicar sem ter tempo para exames, escolher quem deve ser atendido primeiro, passar 24 horas em
contato com sangue e sofrimento
de pessoas que às vezes não se sabe sequer o nome. Essas são algumas “situações limite” muito conhecidas pelos profissionais que
atendem nos serviços de urgência
e emergência. Médicos relataram
ao JAMMG seu dia a dia, expondo alegrias, tristezas, angústias e
méritos de se trabalhar na fronteira entre a vida e a morte.
Uma criança de 10 anos, vítima de atropelamento, tem um
braço e as duas pernas amputadas. “Como será a vida desse menino?”, questiona a pediatra Maria Elizabeth Soares Marques, que
há 15 anos atende urgências. A
médica conta que foi construindo
uma relação muito forte com o fato de atender casos graves. “Eu já
era uma profissional experiente
quando chegou a mim esse garoto acidentado, mas ainda assim foi
muito dura a decisão pelas amputações”, lembra. A criança passou meses no hospital e saiu de lá
com próteses que ganhou para ter
como se locomover.
“Embora alguns pacientes chamem mais atenção, temos que tratar caso a caso e dar o nosso melhor”, afirma a pediatra. O melhor
foi o que ela proporcionou a uma
mãe de apenas 18 anos que chegou em desespero ao pronto-socorro, com o filho de cinco meses
no colo. O garotinho rolou e caiu
da cama sofrendo um traumatismo. A equipe da pediatria estava
de prontidão e fez um atendimento rápido. Radiografias foram
realizadas e foi constatado, para o
alívio da mãe, que o caso não era
tão grave. “Além de tratar da criança, tivemos ‘jogo de cintura’ para
acalmar a mãe. Nosso sentimento
de gratificação foi enorme ao ver
o quanto ele estava bem, brincalhão e risonho.”
Segundo a pediatra, o objetivo
do atendimento de urgência é minimizar a dor dos pacientes pro-
A pediatra Maria Elizabeth Marques comemora a recuperação do bebê de
apenas cinco meses, que sofreu um traumatismo ao cair da cama
curando atendê-los com a maior
rapidez, embora isto nem sempre
seja possível devido ao grande número de pessoas que chegam aos
serviços de urgência e emergência.
“Mesmo com o maior esforço, infelizmente, acontece de não conseguirmos salvar alguém. Isso dói,
mas é a nossa realidade.” Além dos
casos mais comuns, como por
exemplo, pacientes que sofrem
quedas, chegam casos de pessoas
que sofreram agressões diversas e
são encaminhadas para o apoio
psicológico. “Já ocorreu de atendermos crianças e, depois, termos
de denunciar às autoridades que
elas sofreram espancamento e violência sexual.” Com histórias tristes e com finais felizes ou não, a
médica se orgulha da escolha feita na época da residência médica
e afirma que pretende ficar mais
alguns anos no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS).
Sempre no limite
Também no João XXIII, outros
dois profissionais dedicam a maior
parte de seu tempo aos pacientes
graves. A cirurgiã geral Maria Aparecida Martino Ferreira e o cirurgião do trauma Guilherme Durães
Rabelo contaram ao JAMMG como é estar em situações extremas
durante 28 e 30 anos, respectivamente, e sobre o sentimento de
gratificação ao constatarem que
sua atuação foi determinante para salvar vidas.
Maria Aparecida Ferreira entrou para o serviço de urgência ainda como residente. Mesmo com
tanta experiência, ela não esconde
as angústias. “Certa vez, de madrugada, na ante-sala de politraumatizados, de onde ouvimos todos
os ‘ais’, havia um rapaz desenganado de aproximadamente 30
anos, vítima de acidente. Assistimos
à morte dele. Parei e pensei: eu escolhi isso? Não é possível alguém
em sã consciência escolher assistir
tamanho sofrimento! Ou eu fui escolhida?”, conta. A cirurgiã relembra que a equipe ficou mais de oito horas com o paciente e decidiu
em conjunto os procedimentos a
serem realizados e, depois, compartilhou a dor de perdê-lo. “Para
atuarmos bem, temos camarada-
gem, trocamos opiniões o tempo
todo. Não me sinto sozinha nas decisões. Isso é fundamental.”
Para Guilherme Durães, o estresse é muito grande. “Hoje estou preparado para tomar decisões com tranquilidade. Sofri e a
ainda sofro em função do paciente. A maioria é de pessoas pobres. Aí entra a parte humana da
coisa: um idoso sendo atropelado, uma criança que cai da laje,
acidentes de trânsito com feridos
graves e violência. Ver violência
demais assusta o médico. Não temos controle sobre isso”, desabafa. A respeito da opção de trabalhar na urgência e emergência,
Durães é enfático ao afirmar que
só fica quem gosta. “Nos acham
uns malucos. Não é nada fácil, por
exemplo, atender uma grávida de
nove meses ferida por um trator
que caiu em cima dela. Conseguimos salvar a criança, mas a
mãe morreu”, lembra.
O cirurgião do trauma conta
que às vezes bate um momento
de desespero: “Quando a lesão é
complexa demais e não vemos
saída e precisamos usar soluções
paliativas ficamos meio desesperados. Isso acontece também
quando não temos algo de imediato para fazer e a pessoa tem o
sofrimento prolongado. No entanto, sempre damos a volta por
cima para dar nosso melhor ao
paciente”. Em três décadas trabalhando sob tensão, Guilherme
Durães diz que a frieza diante dos
fatos passa a ser importante com
o tempo para que as decisões
mais difíceis sejam tomadas. Ele
admite que fora do trabalho é
ruim ser frio, mas consegue separar as coisas. “Esquecer o que
acontece lá dentro, a gente não
esquece, mas tem que isolar.”
Um dia de cada vez
O médico residente em cirurgia do trauma Marcelo Vieira Barros de Lima está apenas há dois
meses no HPS e já sente o drama
de exercer sua profissão na fronteira entre a vida e a morte. “Sinto-me muito mal, por exemplo,
quando chegam às minhas mãos
jovens que devem ter a mesma idade que eu e estão perdendo suas
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com finais