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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE JUSSARA
LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUÊS/ INGLÊS E RESPECTIVAS SUAS
LITERATURAS
SUNAMITA COSTA DE PAULA
UM PASSEIO PELA NARRATIVA
“A HORA DA ESTRELA” DE CLARICE LISPECTOR
JUSSARA-GO
2012
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Sunamita Costa de Paula
UM PASSEIO PELA NARRATIVA
“A HORA DA ESTRELA” DE CLARICE LISPECTOR
Monografia apresentada ao curso de Letras para fins de
obtenção do título de Graduada em Letras
Português/Inglês e respectivas Literaturas, da
Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária
de Jussara, sob a orientação do professor Ms. Evandro
Rosa de Araújo.
JUSSARA – GO
2012
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Dedico ao meu querido marido e amado esposo, Arley Dário, companheiro de todas as
horas, pessoa com quem eu posso contar em todos os momentos da minha vida, pessoa que
não mediu esforços para que pudesse terminar meu curso, me proporcionando condições para
isso, pessoa que esteve comigo em todas as etapas. A ele todo meu carinho e dedicação.
Aos meus filhos Eduarda Estefany e Paulo Gabriel que ainda crianças
compreenderam as minhas ausências, às vezes tendo que ficar com as tias não querendo, mas
confiantes no meu objetivo, a vocês, meus amores, todo meu amor e dedicação.
Dedico também ao meu professor Evandro Rosa de Araújo com toda gratidão.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus.
Senhor tu és minha rocha, fortaleza que alicerças os meus projetos. Obrigada, Senhor
meu Deus por estar ao meu lado sempre.
Ao professor Evandro Rosa de Araújo.
A você Evandro que é um exemplo de professor, dizer-lhe muito obrigado é muito
pouco diante do que você merece, pois você não é somente um profissional exercendo sua
função, é muito mais. É companheiro, amigo, e quando precisei estava sempre disposto a
sanar minhas dúvidas, e mostrar o caminho certo, além de ser carinhoso e carismático. A você
meu professor mais querido da UEG, o meu muito obrigado.
Ao meu esposo.
A você meu amor que me levou carinhosamente em todas as orientações, o meu muito
obrigado.
Aos meus colegas.
Chegamos ao final de mais um ano cheio de momentos difíceis que ficaram na
memória de cada um, os momentos que passamos juntos.
E a todos que de uma forma ou outra contribuíram para que meus estudos fossem
possíveis, o meu muito obrigado.
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Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu
mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
Clarice Lispector
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RESUMO: A obra “A hora da Estrela” de Clarice Lispector traz em suas entrelinhas a
história de uma nordestina que é submetida a condições de extrema miséria; sai do interior do
nordeste com destino ao Rio de Janeiro, visando novas perspectivas de vida. Isso possibilita a
reflexão acerca da condição humana, principalmente das ações diante das pessoas, porém o
que mais chama atenção na obra é a forma como ocorre à narrativa, em que propositalmente a
autora utiliza um narrador-personagem, retratando assim a classe feminina de sua época. Com
isso, o objetivo do presente trabalho é compreender os recursos usados pela escritora na
composição do texto e explicar seus princípios lógicos e narrativos, com característica
marcante do movimento literário vivido por Clarice Lispector. Para tanto, será utilizado
material teórico de autores como Massaud Moisés, Afrânio Coutinho e Clenir Belezi que
tratam do assunto sob diferentes aspectos estilísticos. Serão usados também, autores que
tratam da personagem de Lispector. Assim será possível a análise das características,
motivações e desenvolvimento do método de escrita da autora na construção da personagem
nordestina Macabéa.
PALAVRAS-CHAVE: Personagem. Macabéa. Análise. Clarice Lispector.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 OS ASPECTOS PERTINENTES DO ROMANCE
CONTEMPORÂNEO
1.1 Características e manifestações históricas da terceira geração
modernista brasileira
1.2 A literatura produzida por Lispector
1.3 Contribuições de Clarice Lispector para o novo romance
CAPÍTULO 2 REFLEXÕES SOBRE A PERSONAGEM NO ROMANCE
2.1 O narrador personagem de “A hora da estrela”
2.2 Personagem fragmentada de Clarice Lispector
CAPÍTULO 3 O UNIVERSO E AS FACES DE MACABÉA
3.1 Quem é Macabéa?
3.2 As fases de Macabéa
3.3 Macabéa e a modernidade
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
A Literatura é uma das artes mais complexas. Seu instrumento, a palavra, gera
possibilidades infinitas de expressão, porque permite várias flexões e sentidos. E o romance
que ora estudado leva a uma destas propostas instigantes da natureza e psicologia humana. A
relação interativa entre o ser humano e o seu tempo produz inúmeras consequências, uma
delas é que, periodicamente, as tendências artísticas se transformam. Isso acontece porque,
como se sabe, a arte expressa ideias, estado de espírito e tanto um como outro estão sujeitos a
interferências externas.
Cada período literário vem acompanhado de conceitos históricos, filosóficos e
psicológicos. A obra que se refere neste trabalho, garante um caminho para a integração do
leitor com a literatura moderna. Como arte da escrita, a literatura é dentre todas as
possibilidades de leitura, a mais prazerosa. Assim sendo, destaca-se o romance “A hora da
estrela” de Clarice Lispector, um romance exemplar na revelação do drama que pulsa sob o
cotidiano.
Ao organizar o conteúdo procurou-se estabelecer um eixo em torno do qual reúnem-se
teóricos renomados, como Afrânio Coutinho, Clenir Belezi e Massaud Moises, dentre outros
que permitiram uma pesquisa com estrutura de importantes constatações.
De maneira geral, o foco principal deste trabalho é um passeio pela narrativa “A hora
da estrela”, romance escrito por Clarice Lispector. No primeiro capítulo abordaram-se os
aspectos pertinentes do Romance Contemporâneo, o qual traz como tema principal a vida
humana que passa a ocupar o primeiro plano nas narrativas do momento; e à observação da
vida sertaneja dentro das características e manifestações históricas da terceira geração
modernista brasileira.
A identidade cultural e literária surgia no Brasil após o período de Independência.
Sendo assim, situa-se o romance contemporâneo no Brasil, abordando sobre a vida e obra da
escritora Clarice Lispector. Esta, por sua vez, teve interesse em demonstrar, através do seu
trabalho literário, como a sociedade brasileira estivera vivendo desde então e, em
contrapartida, evidenciou-a de maneira psicológica.
O capítulo seguinte, assim como no primeiro, lida com a personagem principal do
romance, a jovem Macabéa, em que se faz uma rebuscada, uma reunião de informações sobre
a figura dramática no romance. Mostrando com isso que na história, os personagens são
julgados por suas ações dentro do romance e classificados conforme suas personalidades
adotadas. Alguns serão mais importantes, caso revelem mais sobre si e sejam constituídas por
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características psicológicas e outras já não terão muita profundidade emotiva, no que serão
destacadas apenas as qualidades e os defeitos que possuem.
O terceiro capítulo será direcionado à protagonista do romance, em especial o universo
e as faces de Macabéa: “A miséria, a orfandade, e a ausência total de afeto que fez de
Macabéa uma criatura quase nula” (OLIVEIRA, 2000, p. 363).
Parte-se da história fictícia de mais uma imigrante nordestina pobre e solitária.
Personagem criada por Clarice Lispector, Macabéa faz parte de um grupo de pessoas que,
como ela, sofre com a timidez e a ingenuidade. Embora a vida da jovem fora curta referente
às demais, nota-se que seu sofrimento nunca teve fim, enquanto teve vida. Só ao findar sua
existência terrena teve por alguns segundos a sensação de buscar em sua consciência sua
essência.
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CAPÍTULO 1 OS ASPECTOS PERTINENTES DO ROMANCE CONTEMPORÂNEO
O ser humano, desde muito cedo, investiga a si mesmo sobre a sua origem e costuma
ainda se basear nos estudos científicos em busca de respostas para as indagações projetadas
por sua mente. Talvez seja por esta razão, que surgiram os primeiros escritos romanescos, nos
quais o homem tenta expressar por meio das palavras aquilo que sente. Por esta razão,
pretende-se neste primeiro capítulo mostrar alguns dos aspectos centrais de um romance
contemporâneo, utilizando-se como fonte de estudo a obra de Clarice Lispector, “A Hora da
Estrela”.
Vê-se a potencialidade da ficção brasileira expressa na abertura de suas diferenças. O
romance foi escrito num período em que os conflitos político-ideológicos, das décadas de
1960 e 1970 foram marcados pela supressão dos direitos civis por meio de Atos
Institucionais:
O caráter regionalista perdeu espaço para o universalismo traduzido pela
tematização dos dramas humanos. A vida cotidiana passou a ocupar o
primeiro plano nas narrativas produzidas nesse momento. Ao lado de Clarice
Lispector, Guimarães Rosa trará a escrita para primeiro plano, demonstrando
a possibilidade de valorizar a elaboração do texto e o trabalho com a
linguagem como espaço de construção de mundo específico (ABAURRE,
p.483, 1996).
No cenário da literatura, as narrativas conseguiam reconstruir um mundo com
aparências regionais e com dimensões universais associadas às personagens. O regionalismo
recuperou seu lugar, a sondagem psicológica foi desenvolvida, o espaço urbano foi, também,
objeto de enfoque. E quanto “a denotação literária, cumpre lembrar o sentido pejorativo
adquirido pelo vocabulário correspondente a descrição exagerada, fantasia” (MOISÉS, 1978,
p. 91). É possível notar que a prosa foi enriquecida pelo surgimento de certos autores, que
estrearam na terceira geração do romance e, sobretudo, de contos.
Pode-se observar que a criação literária tem haver com a ingênua manifestação
imaginativa popular, o que coincide na criação de histórias fantasiosas, recheadas de
misticismos e folclores. A vontade de compor histórias foi que impulsionou os romancistas a
escrevê-las de acordo com a realidade que os cercavam. Todavia, a burguesia servia de
empecilho nas produções artísticas, o que retardou um pouco o desenvolvimento dos
romances. A narrativa do período renascentista tinha como principal prioridade a retratação da
realidade e dos problemas sociais, até então vivenciados pela sociedade.
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Segundo Massaud Moisés, as obras de Proust romperam com o tradicionalismo
inserido nos romances do século, por abordar questões existenciais e temas ligados à condição
psicológica do indivíduo:
Uma permanente improvisação conduz o romance por um aparente beco sem
saída. O resultado é uma aproximação cada vez maior com a vida, ânsia
perene do romance desde o seu nascimento. Ou, se preferir, um sequioso
desejo de ser a própria vida transfundida em Arte. E todos nós sabemos
como na vida diária de cada um, não há lógica nenhuma entre os vários
acontecimentos que compõem a trajetória individual. Só o esforço da razão,
que organiza, ordena e classifica, é capaz da unidade. A Vida, não. Observese, portanto, que à proporção que se aproxima da Vida, o romance vai
perdendo terreno e individualidade. Paradoxalmente, sua grande ambição –
ser vida- é seu mal (MOISÉS, 1978, p. 94).
A partir desta citação, percebem-se ações motivadas pela força dos acontecimentos do
dia-a-dia, sem nada planejado, porém, tudo ocorre mediante a disponibilidade emocional e
psicológica de cada personagem na forma de se vivenciar os fatos sempre com naturalidade,
buscando no cotidiano uma relação de causa e efeito como algumas teorias explicam.
Sabe-se que o Romance Moderno inicia-se no século XVIII e, com ele, uma
controvérsia em torno da decorrência que sua leitura poderia provocar. Este tem interesse em
retratar minuciosamente alguma parte da história experimentada pelo homem e opta em
mostrar aos leitores o que ocorria com a sociedade em um determinado momento histórico.
Os romancistas, desde então, escreviam abordando amores platônicos, duelos,
aparições de monstros, entre outros elementos de origem abstrata. Induzindo os leitores a
ideia dos finais felizes, porque lembrar a realidade os fazia sofrer. Isto acontece pelo fato de
que as pessoas principalmente crianças e adolescentes, começaram bem cedo o desejo de
mudança de qualidade de vida e de um futuro melhor.
A leitura de um romance deixa a impressão de uma linha de acontecimentos,
organizados em enredo, e de personagens que vivem estes episódios. Enredo e personagem
exprimem, ligados, os intuitos dos romances, a visão da vida que transcorre dele, os
significados e valores que o entusiasmam. E o romancista moderno se identifica à obra de arte
legítima, que especifica por meio de elementos universais que remetem à situação do homem
em determinado presente histórico. O romance moderno assume várias vertentes, pois ele tem
uma nova tendência em se preocupar com o mundo subjetivo dos protagonistas, apontando as
deficiências do meio social em sondar o seu interior, o psicológico das pessoas em si. “O
resultado é uma aproximação cada vez maior com a vida” (MOISÉS, 1978, p. 94), assim é
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fácil diferenciar o romance moderno nas obras literárias de outro período, pois ele adota um
estilo particular, que predomina a denúncia.
Desse modo o romance moderno tem a função de tratar da pretensão do homem,
abordando a sociedade e seus problemas e os romancistas, em narrar os fatos e atribuir aos
leitores às situações apontadas pelo escritor. Outro aspecto do romance moderno é a
desvinculação com a estética clássica mantendo-se num estilo independente, trazendo então,
as questões diárias da população e seu foco é o homem e sua história “o romance é recriação
do mundo, os grandes romancistas tem se mostrado sensíveis ao tema de uma sociedade em
dissolução, em decadência, pois quando tudo está a desmoronar é que se faz necessária a
tarefa do romancista” (MOISÉS, 1978, p. 97).
O romance moderno assume este papel de manifestar a angústia do homem. Na
literatura desde século, o homem não fantasia, mas coloca-se diante de si mesmo e dos outros
homens, construindo a corrente psicológica e de análise de costumes, preocupando com os
dramas de consciência, meditações sobre o destino, em busca de uma personalidade. Portanto,
aos escritores da literatura brasileira, o modernismo serviu de impulso para uma criação
literária bastante densa, livre muitas vezes para expressar faculdades interiores.
1.1 Características e manifestações históricas da Terceira Geração Modernista Brasileira
A terceira fase do modernismo no Brasil ficou distinguida também como “geração
45”, e nela são apontados os etilos da prosa e da poesia. No que diz respeito à prosa pode se
dizer que foi e propriamente um prosseguimento e um profundamento das propostas do
movimento dos romances dos anos 30, não só em seu valor regional, mas também na ala
urbana. Na introspectiva e psicológica, apresentando, porém, a ansiedade técnico-formal. Em
primeiro lugar, comparece o estilo de João Guimarães Rosa, com sua obra de contos
“Sagarana” em 1946, e no potencial intimista se destaca Clarice Lispector, seguindo com o
romance “Perto do Coração Selvagem”, no ano de 1994.
A identidade cultural e literária surgiu no Brasil após o período de independência.
Percebe-se que as pessoas vinham buscando construir ou até mesmo definir um modelo
literário para o país. Com isso, passaram a escrever obras que visavam responder às perguntas
que incomodavam a sociedade daquele período. Os autores brasileiros modernos produziam
obras voltadas para a caracterização dos espaços seja o campo, a cidade ou a floresta entre
outros.
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Durante a Revolução de 30, o modernismo começou a repercutir nas artes, o que
resultou num estilo literário assinalado por ampla variedade de contradições. É posto de lado
o estereótipo pautado por uma excelência nacionalista, e tendências muitas vezes
humorísticas. Em contrapartida os escritores assumem um estilo crítico que evidencia o drama
existencial da condição humana. Assim exemplifica Afrânio Coutinho:
Por terríveis transes passara o mundo de 1926 a 1930: o medo das crises; a
consulta inquietante aos termômetros econômicos que registram, dia a dia,
ano a ano, na França, na Inglaterra, na Alemanha, nos Estados Unidos, e
mesmo no Brasil, a febre da falta de trabalho, e são milhões de braços
paralisados e de bocas famintas; a produção em massa e seriada que não é
compensada pelo consumo nos mercados; os expansionismos nacionalistas;
a disseminação das ideologias fascista e comunista; o malogro da Liga das
Nações; a técnica devorando os homens; a depravação e o luxo ao lado do
desespero e da revolta e, por fim, o estouro de Wall Street, o crack da Bolsa
de Nova Iorque (COUTINHO, 1997, p. 37).
Os países vinham passando por momentos de transformações, todas elas pautadas em
um novo idealismo social e político. O modernismo e as suas ideias estavam repercutindo no
Brasil. E de acordo com o autor:
O Modernismo tinha cumprido longo itinerário, e entrará, inclusive, na fase
das contradições, que assinala, sempre, o final de etapa. A polêmica esgotara
argumentos, que já são repisados, e, certos grupos, são mais políticos que
literários (COUTINHO, 1997, p. 36).
Diante disso, a literatura moderna se fundamenta, a princípio, num conceito mais
político do que literário e buscava o equilíbrio entre ambas as partes. Este período literário
que tem a influência do homem p ara compor a arte no Brasil, fez com que o país assumisse
sua indenidade modificando suas formas, seu tema e sua técnica. Para isso acontecer teve que
contribuir para assumir uma ficção regionalista e psicológica. A narrativa contemporânea
ganha mais veracidade; o autoritarismo, a marginalização e o absurdo se fazem presentes no
romance.
Os poetas e escritores do estilo moderno criticavam em suas obras, as condições de
vida da população brasileira nas décadas de 30 e 40. Tem-se assim uma visão exageradamente
nacionalista, preocupada com as novas formas de linguagem no Brasil e também um desejo
pela liberdade.
A Terceira Geração Modernista representa na verdade um retrocesso em relação às
conquistas da Semana de 22. A volta ao passado: revalorização da rima, da métrica, do
vocabulário eruditos das referências mitológicas. Passadismo, academicismo. Introdução de
uma nova cultura internacional nas letras brasileiras. Os grandes criadores de 45, que
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retomam e fecundam as experiências desenvolvidas no país na prosa João Guimarães Rosa e
Clarice Lispector.
Os principais autores desta fase podem ser considerados uma síntese de
ambas as gerações, já que ao experimentalismo da primeira acrescentaram a
maturidade artística da segunda, unindo, também, nacionalismo e
universalismo. A sutileza do elo entre a fala e o texto transfigurador das
narrativas mitopoéticas de Guimarães Rosa, o dialogo com as fronteiras do
indizível nos romances e contos introspectivos de Clarice Lispector e a
precisão arquitetônica, substantiva, da poesia de João Cabral retomam e
fecundam as experiências modernistas desenvolvidas no país (AMARAL,
p.189, 2010).
A literatura brasileira também passa por alterações, em decorrência às manifestações
que vão surgindo. Na prosa, nos romances, nos contos, em busca de uma literatura intimista,
de sondagem psicológica, introspectiva, destaca-se Lispector. O regionalismo contrai uma
nova dimensão com Guimarães Rosa nos costumes e na fala caipira, adentrando
psicologicamente ao jagunço do Brasil central. A comunidade entre os dois autores são a
pesquisa da linguagem, por isso são chamados instrumentalistas.
1.2 A literatura produzida por Lispector
Situar o romance contemporâneo no Brasil, é o mesmo que abordar sobre a vida e obra
da escritora e seus trabalhos. Ela teve interesse em demonstrar, por meio do seu trabalho
literário, como a sociedade brasileira estivera vivendo desde então e, em contrapartida,
evidenciou-a de maneira psicológica. A autora estreou na literatura em 1943 e, ao lado de
Guimarães Rosa, delineia rumos inovadores da narrativa da terceira geração modernista.
O estilo introspectivo produzido por Clarice Lispector possibilitou o desafio de fazer
uma busca pela compreensão no romance, “A Hora da Estrela”, um exemplar na revelação do
drama que pulsa sob o cotidiano. Constitui-se como um romance, que denuncia de forma
peculiar a marginalização do país em que vive. Muito preocupada no trato para com os
anseios dos seres humanos, mesmo assim não ousava detalhar ou realizar confissões acerca da
sua vida pessoal. A obra é caracterizada por uma indagação a respeito dos verdadeiros
motivos da existência humana.
Por meio da literatura, Clarice Lispector encontrava as respostas para estas
indagações. A temática abordada consiste em mostrar aos leitores, um pouco do
sentimentalismo exagerado do qual faz parte, sempre em forma de denúncia “A classe alta me
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tem como um monstro esquisito, a média com desconfiança de que possa desequilibrá-la, a
classe baixa nunca vem a mim” (LISPECTOR, 1998, p.19).
Para tanto a narradora tem consciência de suas expressões e não se limita em
manifestar suas inquietações diante dos problemas sociais e culturais do mundo. Desta forma,
Clarice torna-se uma autora com a plenitude de discernir o comportamento do homem e seus
maus atos.
Assim, a escritora Clarice Lispector, se diferencia dos demais escritores romancistas
contemporâneos, pois ao invés de utilizar como ponto de partida para escrever suas obras, a
inteligência, se define como uma pessoa intuitiva que age segundo seus instintos. O romance
criado por Clarice é constituído por uma áurea de mistério, que às vezes confunde a ela
mesma. Suas obras possuem questionamentos e certa ambiguidade:
O principal eixo de sua obra é o questionamento do ser, o “estar no mundo”,
a pesquisa do ser humano, resultando daí o chamado romance introspectivo.
“não tem pessoas que cosem por fora? Eu coso por dentro.”, explicava a
autora seu ato de escrever, nesse eterno questionar, a obra ficcionista
apresenta uma certa ambigüidade, um jogo de antíteses entre o “eu” e o
“não-eu”, entre o ser e o não-ser, já notado de outra forma na obra de
Guimarães Rosa(TERRA, 2008, p.520).
A ucraniana tem certa preocupação como a revalorização das palavras. Como se sabe
Clarice Lispector é uma escritora que contribuiu muito com suas obras para a Literatura
Brasileira, é um dos principais nomes de uma tendência intimista da modernidade. Desta
forma, suas obras têm a característica de questionamento do ser e estar no mundo, uma
roupagem em análise do ser humano “Escrevo porque sou uma desesperada e estou cansada,
não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias”
(LISPECTOR, 1998, p. 21). Assim é possível perceber a necessidade, a paixão que a autora
tinha em escrever e o cansaço pela atuação do homem na sociedade.
1.3 Contribuições de Clarice Lispector para o novo romance
A escritora tinha apenas dois meses de idade quando veio da Ucrânia para morar no
Brasil; e já aos sete anos escrevia pequenos contos, aos nove fascinou-se por Monteiro
Lobato. Depois de mudar coma família para o Rio de Janeiro concluiu o segundo grau.
Começou a trabalhar e a construir sua carreira literária com 22 anos de idade. “Clarice
Lispector estreou na literatura brasileira com “Perto do coração selvagem”, romance que
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causou estranheza à critica, pela novidade que trazia: a rarefação do enredo, da ação”
(AMARAL, 2010, p. 193).
O pudor da autora ao escrever relaciona-se ao fato de invadir o leitor com uma
narrativa abrindo espaço ao mergulho nas profundezas do subconsciente, à sondagem do
mundo interior. Essa distinta autora mantém em suas obras uma visão subjetiva e reflexiva
sobre os aspectos da sociedade em crise, como pode ser visto no livro “A Hora da Estrela”, é
cheio de conflitos sociais do cotidiano em que o homem vive. “Pergunto-me também como é
que eu vou cair de quatro em fatos e fatos. E que de repente o figurativo me fascinou: Crio a
ação humana e estremeço” (LISPECTOR 1998 p. 22). É desta forma que Clarice escreve
retratando o homem em suas ações próprias, analisando sua consciência e inconsciência.
É interessante ressaltar também que Clarice tem certa preocupação com a valorização
das palavras, dando-lhe uma nova roupagem, explorando os limites do significado. Desta
forma tem a preocupação ao mesmo tempo em que trabalha metáfora e aliterações.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.
Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se
antes da pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não
existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos sou eu escrevo o que estou fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que
estou escrevendo. Deus é inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é
irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a
signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio
último ou primeiro pulsar (LISPECTOR, 1998, p. 11).
Nota-se que a narradora mediante a sua composição tem um poder mágico com sua
escrita, com as palavras, levando o leitor a um laboratório de pensamento e questionamentos.
Clarice Lispector escreve no ângulo de reações modernas, utilizando a presença do período
modernista, propondo assim, uma nova expectativa ao romance brasileiro, mantendo uma
linha de escrita da atualidade e mostrando a classe social do país, utilizando suas personagens
para tratar do interior do homem para satisfazer o público leitor e a si mesmo.
A literatura de dessa escritora surpreendeu por definir-se pela busca de uma
compreensão de consciência individual. Suas narrativas tratam do momento em que um
personagem toma consciência de sua individualidade. O leitor de seus textos é desafiado,
nesse sentido, a enfrentar situações narrativas bastante complexas, apresentadas muitas vezes
sob forma de fluxo de consciência das personagens no momento em que experimentam
transformações que abalam a estrutura prosaica de suas vidas. Para tanto, ela é uma escritora
brasileira que depositou em suas obras seu estilo peculiar, mantendo o nível original do
romance moderno.
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E os humanos são tão complexos que o bem e o mal podem enredar-se no
mesmo gesto, sendo difícil mantê-los em pólos opostos. A subjetividade já
não é entendida no romance contemporâneo como substância isolada e
solitária entregue a forças exteriores. Constituindo –se através dos outros e
do mundo, o sujeito é social desde a origem, apresentando- se como
inapelável instância de decisões (SCHÜLER, 1989 p. 41).
O mundo para o narrador do romance contemporâneo é o retrato, espelho, alimento
para seu exercício de escrever. Assim, o narrador relata histórias marcantes do período vivido.
Clarice Lispector é a marca brasileira para esse período, pois consegue desenvolver as
ocorrências de um problema ou um fato em suas obras literárias, pois seu enredo é repleto dos
dilemas apresentados nessa década de revolução e evolução do homem.
Como se sabe ela é uma escritora que contribuiu muito com suas obras para a
Literatura Brasileira, é um dos principais nomes de uma tendência intimista da modernidade.
Desta forma, suas obras têm uma característica de questionamento do ser e estar no mundo,
uma roupagem em análise do ser humano, como a própria autora dizia: escrevia porque era
uma desesperada e estava cansada, se não fosse a sempre novidade que é escrever, e morreria
simbolicamente todos os dias. Assim é possível perceber a necessidade, a paixão que a autora
tinha em escrever e o cansaço pela atuação do homem na sociedade.
A Clarice encena a luta de captar o instante original, irrepitível exagerado a
amargura de permanecer ágüem do que apenas se anuncia. Não cessa o
conflito com as palavras incapaz de acolher o único por terem sido criadas
para abrigar conceitos imprecisos, amplos, de ilusória permanência. A
escritora, conduzida, com metáforas insólitas, com ousadas concretizações
(SCHÜLER, 1989 p. 55).
A escritora mantém em suas obras uma visão subjetiva e reflexiva sobre os aspectos da
sociedade em crise, como se vê no livro, “A Hora da Estrela”, é cheia de conflitos sociais do
cotidiano em que o homem vive. É desta forma que escreve retratando o homem em suas
ações próprias, analisando sua consciência e inconsciência. E assim, em seus romances e
contos, a escritora desenvolve narrativas que tratam da condição feminina, da dificuldade de
relacionamento do homem, da hipocrisia dos papeis socialmente definidos, da busca do “eu”.
A autora apresenta em sua meta literatura introspectiva uma prosa moderna que agrada
o leitor. Sua narrativa é repleta de paradoxos. A linguagem da escritora é fragmentada e
poética tanto que em alguns trechos assemelha-se a um diário pessoal.
Em algumas passagens, seu discurso apresenta semelhança a um monólogo interior,
pois a narradora conversa consigo mesma: “O mundo é fora de mim, eu sou fora de mim”
(LISPECTOR, 1998, p. 24). Já em outros trechos é compulsiva, em se tratar da moça. “Ela me
incomoda tanto que fiquei oca. Estou oca desta moça” (IDEM, 1998, p. 26), percebe-se que
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há momentos que a narradora se sente vazia em relatar sobre a vida angustiante da sua
protagonista Macabéia.
A autora tem como foco manter o estilo em denunciar a realidade mostrando ao
receptível leitor o impacto com o real, característica do período moderno. “Não é fácil
escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faixas e lascas como aços espelhados”
(LISPECTOR, 1998, p. 19). A escritora utiliza-se de palavras metafóricas para atingir a
mente, transportando assim, uma série de informações sobre o indivíduo.
Apesar de Clarice Lispector analisar o comportamento humano e depositar em suas
personagens a ação psicológica do mundo interior; ela também relaciona fatos exteriores para
dar suporte às abordagens em suas escritas. Como é sabido, o narrador modernista enfatiza o
aspecto problemático do comportamento humano, entretanto, ela utiliza-se desses gestos para
complementar sua narrativa. Deste modo, desvenda sentimentos que se escondem por trás
dessas atitudes convencionais.
Outro traço marcante em “A Hora da Estrela”, na mesma linha da sondagem psicológica é a
narradora mergulhada em si mesma: “Tenho um arrepio de medo ainda bem que o que vou
escrever já deve estar na certa de algum modo escrito em mim” (LISPECTOR, 1998, p. 20).
Pode-se entender nesse caso que,de certa forma, a autora faz uma busca em seu interior
tentando abstrair e destacar dele alguma coisa para ajuntar à personagem. “Formando da
projeção do eu do Ficcionista. Entretanto, por mais imaginativo que possa ser um escritor,
forma suas personagens partindo da vida e largamente de si próprio” (MOISÉS, 1978, p. 145).
Nota-se, portanto que Clarice compõe seus personagens numa perspectiva de expor seus
sentimentos implícitos para marcar o leitor com suas narrativas.
A autora tem a perspectiva de “manter os olhos abertos” aos acontecimentos naturais da
vida do indivíduo “O narrador escolhe o ângulo de observação a distância e aproxima-se do
objeto” (SCHÜLER, 1989, p. 34), percebe-se então, que Lispector focaliza a realidade do
indivíduo para exprimir e detalhar sua ideia às semelhanças de suas criações com a realidade.
A autora conserva um olhar crítico e analítico ao mundo e suas concepções, deixando
transparecer em várias partes do texto suas frustrações diante do mundo.
Nos romance de Clarice Lispector, mais importante do que o trajeto
princípio-fim é o movimento em direção ao mistério das origens. Num
processo de temporalização que lembra reflexão de Heidegger, a origem não
deve ser buscada no passado, pois o texto a sente no momento em que do
fundo esquivo emergem serem variados, abundantes, múltiplos. Se o que
importa é o acontecimento no momento de acontecer, anula-se o cuidado de
concatenar fatos que nada explicariam e de construir síntese importante
(SCHÜLER, 1989 p. 55).
19
Seu romance introspectivo é que lhe garante esta posição entre grandes nomes da
literatura moderna, estilisticamente, está em primeiro plano dos escritores brasileiros. Desta
forma, entendido o percurso pelo qual o romance nasceu e vem sobrevivendo, torna-se
fundamental desenvolver no próximo capítulo “Reflexões Sobre a Personagem no Romance”,
visando mostrar um pouco de sua evolução que no romantismo era idealizado e
completamente controlado pelo narrador, em contraste com a personagem moderna que
rompe paradigmas que são bem delineados por Clarice Lispector.
20
CAPÍTULO 2 REFLEXÕES SOBRE A PERSONAGEM NO ROMANCE
Em “A hora da estrela”, último romance de Clarice Lispector, a escritora expõe a
história de Macabéa, uma nordestina anônima, personagem principal. E cabe aqui neste
capítulo, um esclarecimento, ou seja, uma reunião de informações sobre a personagem no
romance. Assim como o romance tradicional era constituído de forma linear o autor tinha o
modelo do começo, meio e fim, em que os personagens eram criados com caráter fabuloso,
muito longe da realidade. Com o passar do tempo o romance foi ganhando novas perspectivas
e ficando cada vez mais complexo. Para começar a compreender essa questão, é válido
entender que:
O que vem a ser personagem no romance são pessoas que vivem dramas e
situações dentro da narrativa, à imagem e semelhança do ser humano,
“representações”, “ilusões”, “sugestões”, “ficções”, “máscaras”, de onde
“personagens” (derivado da forma latina persona (m), máscara). Via de
regra, só “gente” pode ser personagem de romance (MOISÉS, 1997, p.138).
A semelhança com o real reside no registro de uma imagem flagrada num dado
momento. Como o número de personagem que no romance varia de obra para obra, porém, o
ficcionista pode livremente povoar a narrativa. Com a chegada do romance contemporâneo
outro estilo é composto para enfatizar a vida dos personagens nas narrativas, deixando a
beleza heróica do texto romântico idealizado para trás, originando um novo percurso
contemporâneo na narrativa romanesca.
Lispector alega por meio de Macabéa de “A Hora da Estrela” a exterioridade do ser. O
indivíduo se concentra em identificar as características exteriores do sujeito na sociedade em
demonstração da personalidade interior ou dos seus complexos que existem psicologicamente
em cada um que sobrevive no mundo contemporâneo.
É difícil caracterizar um caráter romanesco como sendo bom ou mal, pois o próprio ser
em situações diversas apresenta estas duas características, pensando na tomada de decisões.
Colocando esta visão nos textos, pode ter alcançado o que o público desejava em termos de
narrativas, conseguindo assim, mais realismo nas obras literárias. A partir deste momento se
cria uma situação social, mediante a interação do homem com meio no qual vive.
O público cansara-se do carácter fabuloso do romance e exigia das obras
narrativas mais verossimilhança e mais realismo. Ora a novela, que oferecia
desde há muito essas qualidades de verossimilhança e de apego ao real,
ganhou progressivamente o favor do público, alagou sensivelmente a sua
extensão (a ponto de na literatura francesa da segunda metade do século
XVII a designação de petit Roman alternar com a de novelle) e transformou-
21
se numa espécie de gênero narrativo intermediário entre o ciclópico romance
barroco e as curtas novelas do renascimento um gênero intermediário que,
do ponto de vista técnico, pode ser justamente considerado como a parte que
conduz ao romance moderno (AGUIAR E SILVA, 1973, p. 257).
O personagem contemporâneo agora percorre outros enfoques, busca retratar uma
personalidade que enquadra na vida do leitor, não sendo mais aquele modelo anterior onde a
representação partia da ideia, sonhos e fantasias. Clarice Lispector descreve em suas
narrativas as relações das pessoas como elas atuam no mundo contemporâneo.
Os autores modernos com esta nova visão compositiva trouxeram diversos modelos de
personagem para a literatura. Eles passam a ser retratados nos romances em meio às paixões e
os sentimentos. Já não se prioriza o amor platônico e os desfechos com finais felizes, mas sim
a retratação da realidade tal qual ela é.
Em alguns contextos históricos e sociológicos, o movimento artístico é valorizado por
um grupo de escritor ou até um escritor isolado, pela contravenção dos programas
prevalecentes numa coletividade, pode acontecer dever o herói se conformar com os
paradigmas aceitos e exaltados pelas maiorias da comunidade, valorizando o que a norma
social rejeita e reprime como a homossexualidade, o adultério, sadismo e a crueldade.
No novo romance o personagem deixa de ser desenhado ou planeado, para ser parte da
sociedade discriminada, um ser real, não idealizado com o qual os leitores se identifiquem e
se envolvem popularizando-o cada vez mais, cria-se um conflito interno dentro do próprio
romance, uma vez que passa a ser de grande importância a liberdade de atuação. Macabéa é
um perfil recriado da sociedade, Clarice Lispector procura associar a subversão em sua
narrativa “A Hora da Estrela”, provocando em seus leitores uma reflexão diante da vida.
Como já dito, o personagem dentro do romance contemporâneo já não é mais um herói
imaginado e nem tão pouco causa admiração nos seus leitores. Pelo contrário, ele é visto
como um transgressor dos códigos de ética e moral, e “nestas condições, o herói assume o
estatuto de anti-herói quando perspectivado e julgado segundo a óptica dos códigos sociais
majoritariamente prevalecentes” (AGUIAR e SILVA, 1973, p.145). É relevante ressaltar que
o condicionamento da figura dramática deste romance é associado neste papel.
Sendo assim, cada um dos personagens criados pelo romancista terá personalidades
diferentes entre si. “[...] dois protagonistas podem ser basicamente contrários enquanto
personagens, pouco importando que se pareçam pelo fato de origem com igual relevo no
corpo da narrativa; iguala-se pela ação, mas diferem na personalidade” (MOISÉS, 1978, p.
140).
22
Como pode ser visto na história, os personagens são julgados por suas ações dentro do
romance e classificados conforme suas personalidades adotadas. Alguns serão mais
importantes, caso revelem mais sobre si, sejam constituídas por características psicológicas e
outras já não terão muita profundidade emotiva, destacando-se apenas as qualidades e os
defeitos que possuem. Macabéa, a protagonista do romance A Hora da Estrela, é o retrato
ativo destes conceitos, pois destaca em seu papel uma personalidade perspectivamente
psicológica.
Vale salientar que quase todos os personagens têm alguma relação com seus criadores,
levando em consideração que por mais imaginativo que possa ser um autor, a forma de suas
figuras sempre partem de suas vidas ou de algum acontecimento consigo mesmo. Isso é claro
nas palavras de Massaud Moisés, quando diz que as personagens são inventadas com base em
observações e nas memórias que o romancista tem de si mesmo:
Ora, a personagem tanto mais corresponde a projeção do “eu” do romancista
quanto menos é livre para agir, vice-versa. Desse modo, entende-se que
todas as personagens se gestam no interior do romancista são-lhes
consubstanciais, mas alguns resultam da projeção do seu ‘eu “enquanto
outros decorrem da observação ou da memória relacionada com o mundo
externo (MOISÉS, 1978, p. 145).
A criação de um personagem pelo romancista abrange uma projeção, seja com base
em experiências, ou na vivência do próprio autor ou até mesmo fotografando a sociedade por
meio do discurso artista do autor. Foi isso que Clarice Lispector exemplificou, pois por meio
de sua personagem cria-se um discurso abordando um estilo que representa a corporação. O
que implica na sobreposição de valores, que levará cada personagem agir conforme
determinada motivação. A autora primeiramente realiza uma análise dos fatos que o cercam
para somente então começar a registrar em suas narrativas o que mais abstraiu da realidade.
Por um lado, pode se entender que o ficcionista consegue retirar as personagens de
dentro de si, pois, quando aplica a observação ou a lembrança, modifica tudo em matéria
própria, coligando os dados lembrados ou observados com suas mais profundas vivências. É o
caso de Macabéa de “A Hora da Estrela”, uma jovem simples que vive situações adversas,
personagem do romance modernista. Este tipo de personalidade não existe nos sonhos dos
leitores ou na imaginação dos autores, mais sim, fazendo parte das vivências cotidianas das
pessoas. Assim a exibição da figura dramática da personagem, é a fotografia do ser humano e
sua ação na sociedade no mundo contemporâneo.
Para entender as modalidades de uma personagem, é necessária uma breve análise da
construção do texto em que está inserida. Assim sendo, vale evidenciar suas principais
23
características e formas na ficção. É somente sob essa perspectiva, tentativa de deslinhamento
do espaço habitado pelas personagens, que se pode vasculhar a existência da personagem
enquanto representação de uma realidade exterior ao texto.
Neste âmbito pode-se verificar que a este ser que no papel habita e reside na realidade
das ficções, começa a esboçar-se consoante o impasse de ser uma reprodução ou invenção do
romancista. É evidente que o romancista cria pessoas que são importantes para o processo de
construção da identidade do ser humano, devido ao fato de que elas se espelham em cada um
dos personagens presentes nas obras. Assim, o artista usando seu poder de criação irá criar e
recriar o universo no qual está inserido.
É destacado pelo escritor que: ”Assim sendo, é possível verificar nesse quadro a ideia
de reprodução e invenção de seres humanos que combina-se no processo artístico, por meio
dos recursos de linguagem de que dispõe o autor” (BRAIT,2002,p.18). O autor utiliza-se da
imaginação para criar e personificar nos enredos situações que podem coincidir com a
realidade. Em “A Hora da Estrela” isso fica evidente, pois aquele contexto vivido é sem
dúvida o da modernidade. Da mesma forma em outros tempos, isso já era feito mesmo que a
narrativa fosse linear, como podem ser observadas as obras de Alencar.
José de Alencar recorre para a construção dessa personagem, e de todo o
romance, a um processo tradutor da lenda do argumento histórico, que
aponta não para o aportuguesamento do índio, para sua diluição através de
uma ótica ocidentalizada, mas, ao contrário, para o que se poderia chamar de
“tupinização” da literatura (BRAIT, 2002, p.18).
Como mostra a citação, o autor pode por meio da linguagem, dos recursos utilizados e
da caracterização dos personagens, apontar uma cultura pré-existente ou apenas reinventá-la.
O personagem Peri, de “Iracema”, por exemplo, é plano, pois no decorrer do Romance não
sofre nenhuma modificação. É considerado o herói, por ser bonito, forte e corajoso. Para
Brait, “as personagens planas são construídas ao redor de uma única qualidade. Geralmente
são definidos em poucas palavras, estão imunes á evolução no transcorrer da narrativa”
(IDEM, 2002, p. 41). Do começo ao fim do romance a personagem plana não irá comover ou
surpreender o leitor com alguma atitude nova.
Já, Macabéa, de Clarice Lispector, se enquadra nas personagens redondas, que são
complexas e realizam ações de acordo com cada situação, o que faz o leitor desejar conhecer
os motivos que a levaram para a realização das mesmas. Muitas vezes a personagem faz parte
de um conflito muito grande de emoções, não seguindo uma projeção planejada.
24
2.1 O narrador-personagem de “A hora da estrela”
O romance é visto pela teoria literária como sendo uma narrativa bastante desafiadora,
a começar pelo fato de que Clarice introduziu um narrador-personagem na trama, por nome
“Rodrigo S.M,”, o que dá uma melhor visão dos fatos, expondo-os de forma mais objetiva e
prática.
Nas ciências literárias é conhecido como narrador-personagem aquele que conta a
história na 1ª pessoa da qual participa também como personagem, bem como tem certa
intimidade com os outros elementos da narrativa. Ao colocar um homem para narrar a
história, às vezes provoca um desconforto no leitor, em refletir tal artimanha de Clarice
Lispector. Dessa forma, o leitor é levado a ser depósito de pensamento para extrair os
componentes que a autora propõe em seu texto.
A maneira de contar do narrador-personagem é fortemente marcada por características
subjetivas e emocionais. Por um lado, essa proximidade com o mundo narrado revela
dimensões que um narrador de fora não poderia conhecer, por outro lado, essa proximidade
faz com que a narrativa seja profundamente parcial, impregnada pelo ponto de vista do
narrador.
O texto de Clarice é recoberto de comentários em que a própria autora atua. Parece
que é uma maneira de mascarar a comoção que a perturba, no percurso da narrativa, por causa
da condição humilde da nordestina. Um exemplo claro é o momento que ela traveste no autornarrador masculino, transcrito acima: “Aliás – descubro eu agora – também eu não faço a
menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser
homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas” (LISPECTOR, 1998, p. 12).
O fragmento mostra nitidamente que o narrador-personagem tem um duplo processo
narrativo desenvolvido por ele mesmo. E exemplifica bem como ele é constituído em sua
totalidade; por meio da associação entre ações e digressões metalinguísticas sobre todo o ato
de escrever.
Nesse processo de autor que se coloca como personagem e narrador, Rodrigo S. M.
percorre informando o leitor sobre a sua personagem e os conflitos que a classe feminina sofre
na sociedade. A alagoana, virgem, ignorante, Macabéa: “A datilógrafa vivia numa espécie de
atordoado nimbo, entre céu e inferno. Nunca pensara em “eu sou eu”. Acho que julgava não
ter direito, ela era um acaso. Um feto jogado na lata de lixo embrulhado em um jornal”
(LISPECTOR, 1998, p. 36).
25
Há certa ironia por parte do narrador em mostrar a pobreza, representada pela
protagonista, uma nordestina “perdida” no Rio de Janeiro; a postura do narrador em alguns
momentos é de menosprezar a Macabéa.
Pode-se perceber que a jovem Macabéa, além de ser discriminada pela própria
inventora, por ser nordestina, traz o anseio por existir. A autora consegue passar-se por um
homem, que ao mesmo tempo faz relatos de sua condição não menos subordinada que a de
sua personagem, no formato de desabafo, quase monólogo, ela conversa com o leitor e
prende-o em sua teia de afirmações e questionamentos. A narradora encerra nesta obra o
anseio das pessoas por uma existência digna, sem ser rejeitada pela sociedade.
Um fato que chama a atenção na obra é quando, Rodrigo S. M., conta a história dele
mesmo “sem falar que eu em menino me criei no nordeste”. Depois fala como outra pessoa
“Veja nordestina se olhando ao espelho e - um rufar de tambor - no espelho aparece meu rosto
cansado e barbudo” (LISPECTOR, 1998, p. 22). No perpasse da narrativa, Rodrigo e
Macabéa, às vezes se confundem “as informações sobre os personagens são poucas e não
muito elucidativas informações essas que penosamente me vem de mim para mim mesmo”
(LISPECTOR, 1993, p. 28). O leitor pode perceber que o narrador utiliza o monólogo interior
para aquecer o texto.
Isso, Donaldo Schüler explicita: “Os narradores do século XX costumam retirar-se.
Fingem-se ausentes. É e como se o romance se narrasse a si mesmo. Isso não quer dizer que o
narrador não possa retornar uma ação passada” (SCHÜLER, 1989, p.33). Essa técnica é
complexa e mexe com o psicológico dos leitores.
O que pode definir que Lispector por meio de Rodrigo, narra a vida de Macabéa
tentando mostrar as mazelas sociais, como afirma o teórico. Esses conflitos da realidade
fazem com que o romancista moderno foque em suas obras o “abuso do poder”. Nesse caso, a
personagem usa no representativo uma profunda verdade da condição e essência humana.
Então, Macabéa é a representação do real.
2.2 A personagem fragmentada de Clarice Lispector
Ao longo do monólogo metalinguístico de que se compõe “A hora da estrela”, a autora
é capaz de criar uma personagem fragmentada, acompanhando o desenvolvimento e as
mudanças sociais e culturais da humanidade, pois a literatura se desenvolveu e modificou-se,
como já foi visto no primeiro capítulo, assumindo diversas características e forma.
26
Tais atribuições nos romances de escritora em questão constituem-se como uma tarefa
necessária nos dias de hoje. Clarice tende a intensificar a realidade na obra, justamente para
que se priorize com exatidão o subjetivismo da personagem Macabéa. Fazendo-se isso, a
autora busca fazer com que o leitor perceba com maior clareza a fraqueza da personagem.
O teórico Afrânio Coutinho confirma “no entanto, que os personagens crescem,
tendem a se intelectualizar e a se tornarem falsos pela incapacidade de mostrar mais do que
pensamentos, reflexões e pequenas crueldades” (COUTINHO, 1997, p.529). E Macabéa é
esse tipo de personagem com reflexo de crueldade do mundo “ninguém olhava ela na rua ela
era um café frio”, realmente estes fatos são de uma sociedade moderna focada em si mesmo.
É possível observar na autora, a técnica do monólogo interior, uma espécie de
narrativa complementar secundária. “Só vagamente tomava conhecimento da espécie de
ausência que tinha de si em si mesma” (p.24), o narrador intenciona fazer justiça à memória
da personagem Macabéa, para que se conheça melhor o seu interior.
A personagem se sentia,e na verdade era, tão sozinha que passa a se relacionar consigo
mesma, “para adormecer nas frígidas noites de inverno enroscava-se em si mesma,
recebendo-se e dando-se o próprio parco calor” (p.24), criando diálogos que se resumem a
falas solitárias. De fato, a obra é um monólogo, por isso o leitor terá uma visão mais ampla
acerca dos problemas interiores vividos pela personagem, dadas que as questões psicológicas
envolvidas sejam o motivo de determinadas decisões tomadas por ela.
Nesse caso, o romance “A Hora da Estrela”, mostra por meio de sua personagem
principal, a noção do que é um monólogo interior. Clarice intencionou, por meio dessa
técnica, compreender os desejos e anseios de Macabéa. “Talvez fosse assim para se defender
da grande tentação de ser infeliz de uma vez e ter pena de si” (p.38). Antes de utilizar de
exemplificações da técnica de monólogo dentro do romance, convém definir algumas de suas
definições, apresentadas novamente por Aguiar e Silva, segundo a ideia de Dujardin:
O monólogo interior, como qualquer monólogo, é um discurso da
personagem posta em cena e tem como objetivo introduzir-nos diretamente
na vida interior dessa personagem sem que o autor intervenha com
explicações ou comentários, e, como qualquer monólogo, é um discurso sem
auditor e um discurso pronunciado (AGUIAR E SILVA, 1973, p. 303).
Então, um monólogo interior funciona como uma técnica literária em que os
romancistas usam para expor ao leitor, os pensamentos dos personagens, as emoções, sem que
o narrador possa reproduzir qualquer espécie de discurso. É possível detectar nas falas da
personagem Macabéa, um traço evidente do monólogo interior, quando esta ouvia ao rádio e
27
aprendia sobre diversos assuntos. Em determinado momento a protagonista ouve que o “único
animal que não cruza com o filho era o cavalo”. Para ela, consistia numa indecência tal
informação (p.37). A personagem de Clarice Lispector vivencia uma série de experiências
nostálgicas que culminam na introspecção do seu próprio eu na realidade. A jovem Macabéa
representa todos os seres humanos quando faz várias indagações a respeito de sua existência.
Os conflitos vividos pela nordestina seriam de exemplo para a sociedade em contexto geral.
Constata-se, no entanto, que cada ser é um fragmento ou parte de algo. Daí projeta-se
como sentido último da realidade que está faltando. Mais dolorosamente ainda, existe a
consciência de cada um, advertindo sobre este vazio e o empenho em transpô-la. Nota-se que
o narrador deixa explícito para os seus leitores, a falta de segurança da personagem principal,
esta conforma em isolar-se do mundo real, devido à solidão que é vivenciada por ela e ao
desprezo a que é acometida durante sua vida. As pessoas a olham, mas nada veem, acreditam
na insignificância de Macabéa. E, esta por sua vez, prefere não se comunicar oralmente com
as pessoas, evitando-se confrontos diretos.
Clarice Lispector optou pela criação de uma personagem que não tem consciência da
própria existência, outrora se acostumou com a sua condição de vida, assim é a mocinha. A
personagem central de “A Hora da Estrela”, muito tem haver com a própria autora, porque ela
era considerada uma escritora que causava estranheza nos críticos. Razão plausível para que
justifique o fato de muitas das suas histórias terem sido recusadas por jornais. Alguns
especialistas dizem que a leitura clariciana é difícil e trabalhosa:
À primeira vista o leitor supõe estar diante de um dos tradicionais inícios de
romance, cuja introdução é direta e cuja exposição parece claramente
inteligível. Por detrás dessa fachada, entretanto, oculta-se muito daquilo que
posteriormente determinará o curso do romance(ROSENTHAL,1975,p.45).
E essa atenção a que a citação refere, merece destaque nas cenas que Clarice introduz,
em “A Hora da Estrela”, elementos que dão veracidade aos fatos expostos por ela, inclusive
pode ser destacada a linguagem, que se molda de acordo com as circunstâncias. O seu pudor
ao escrever consegue invadir o leitor com uma narrativa tão exterior e explícita que se
aparenta ser realista. É tarefa difícil a arte de representar o mundo real, levando em conta todo
o aspecto emocional, e psicológico envolvido pelos personagens. Cada um deles será
importante para o desenrolar da narrativa, daí se saberá a verdadeira essência da temática
proposta.
Para tanto, a classificação do eu, pela escritora é tão complexa e precisa de uma
análise minuciosa. Na sua obra, a autora criou Macabéa para representar o mundo moderno, e
28
a crise de identidade vivenciada na sociedade, segundo um âmbito geral. Essa fragmentação
de dividir a jovem cearense em fases permite mostrar para os leitores as faces de uma
personagem quase inexistente e torna a narração mais envolvente. Assim, a protagonista é o
exemplo de uma pessoa bastante ingênua para os infortúnios da vida, mas escritora também
exige dela uma fragmentação do universo em que vive. Para melhor compreender esse
universo pretende-se no próximo capítulo realizar um estudo a respeito das faces da
personagem principal esta história.
29
CAPITULO 3 O UNIVERSO E AS FACES DE MACABÉA
De acordo com o que já fora mencionado, as criaturas de Lispector vivem em estado
de sensibilidade e urgência. Sempre apresentam sentimento de solidão ou de abandono, que
geralmente as põe em contato com o mal e com a inveja que trazem de si. A autora consegue
revelar o que há de realmente vivo sob a superfície do cotidiano.
Lispector desenha Macabéa num mundo fechado, silencioso e cheio de desencanto,
pois a moça foi inteiramente caracterizada de pobreza intelectual, desprezada na sociedade
brasileira. No romance é fácil conferir um caráter único, surpreendente e mágico a essa
situação trágica. Essa lente amplia a maneira realista e cruel, o horror de penúria da sertaneja,
a infâmia das regras que vigoram neste mundo.
Para retratar a pobreza e o sofrimento, a autora flagra uma personagem que vive um
impasse existencial, integrada no universo instigante:
A miséria, a orfandade, a ausência total de afeto fez de Macabéa uma
criatura quase nula: “Ninguém lhe responde um sorriso porque nem mesmo a
olham”; “... a moça não tinha. Não tinha o quê? É apenas isso mesmo: não
tinha”; “Ela era leve como uma idiota, só que não era”; “Ela nascera com
maus antecedentes e agora parecia uma filha de um não-sei-o-quê com ar de
se desculpar por ocupar espaço” (OLIVEIRA, 2000, p. 363).
Diante dessa citação pode-se notar que sua protagonista é retratada como: ingênua,
simples, ignorante e pura, em uma atuação que se presencia no cotidiano. No entanto a autora
mobiliza seu público com as faces da menina que veio do nordeste. Como se a moça ganhasse
uma identidade que mudasse seu cotidiano triste, em seu torpor de humilde e miserável.
Mesmo sendo uma menina simples e sem estudos, vale ressaltar que a garota ainda
teve a sorte de conseguir um emprego de datilógrafa numa empresa carioca. Destacando que
foi a tia da donzela quem a instruiu na maior parte de sua infância a arte de datilografar,
mesmo tendo estudado somente até ao terceiro ano primário.
Clarice Lispector ambiciona pela exposição e reconhecimento de uma personagem que
sofre devido às formas de tratamento da sociedade para com ela. A menina rústica luta para
ser aceita pelas pessoas, ou seja, ela ousa desejando ser alguém no mundo.
Lispector foca que, na tentativa de sanar a tristeza, a personagem da história procura
ajuda a uma cartomante, dona Carlota, criando ilusões de recuperar seu namorado Olimpio
“Assim pela primeira vez na vida tomou táxi e foi para Olaria. Desconfio que ousou tanto por
desespero, embora não soubesse que estava desesperada, é que estava gasta até a última lona,
30
a boca a se colar no chão.” (LISPECTOR, 1998, p, 71). Embora a personagem tenha seu
próprio universo, por um instante deixou que a adivinha antecipasse-lhe seu futuro.
Lispector desde seu primeiro romance pretende por meio de suas personagens mostrar
o misticismo, um acesso espiritual tendo por fim consolar a alma, que está afligida, cheia de
hesitações, de dúvidas e de amarga angústia. O que Macabéa conseguiu com as falsas
previsões, foi antecipar sua morte.
Para o narrador, a morte era vista como libertação dos horrores percorridos em sua
trajetória “Ela estava livre de si e de nós” (p. 86). O romance moderno, focaliza os problemas
sociais e psicológicos, como é o caso de “A Hora da Estrela”, em que a protagonista vive
numa decadência espiritual e social, na tentativa de se libertar da opressão do mundo exterior
e interior. No romance de introspecção psicológica, teóricos como Onofrio (1981), enfatizam
que escritores como Clarice Lispector analisam o absurdo da condição humana, a busca do
sentido da vida e para da morte, em sua técnica monólogo interior.
Se, de um lado, a sua condição de órfã de família pobre coloca-o desde a
infância, em contato com o espetáculo da miséria humana, provenientes da
injustiça social, de outro lado, a sua inquietação espiritual o estimula a
perscrutar a intimidade do ser em procura de resposta face ao absurdo da
existência e da morte (D’ONOFRIO, 1981, p.201).
Assim, cheia de sonho a personagem de “A Hora de Estrela” em sua história, não teve
sucesso alcançado, e com a morte, sua outra face é revelada encontrando a felicidade neste
fato. Mais uma vez o cotidiano de Macabéa confirma detalhadamente a sua inabilidade e o
seu despreparo para o enfrentamento mais elementar de uma vida real.
3.1 Quem é Macabéa?
Essa criatura faz parte da história fictícia de mais uma imigrante nordestina pobre e
solitária. Personagem criada por Clarice Lispector, em seu romance “A hora da estrela”.
Protagonista de uma verdadeira personalidade do romance moderno, Macabéa nasceu no
sertão de Alagoas: “Nascera inteiramente raquítica, herança do sertão - os maus antecedentes
de que já falei com dois anos lhe havia morrido os pais de febre ruins...” (28). Depois de
muitos anos mudou para Maceió com sua tia beata, sua única parenta que lhe restou no
mundo.
31
Desde a infância a menina sofria, pois cresceu recordando episódios de quando era
criança, sua tia que lhe dava cascudos com os nós dos dedos na cabeça de ossos fracos por
falta de cálcio. “Batia, mas não era somente porque ao bater gozava de grande prazer sensual”
(p. 28). Apesar disso a tia tinha medo que sua sobrinha se tornasse perdida, como falavam
pela cidade. Mesmo sem apresentar tais “sintomas” a tia mostrava à nordestina os bons
modos, apesar de maltratá-la.
Sua pueril vida causa impacto no leitor. É uma vida tão simples, que se assemelha a de
qualquer indivíduo. Lembra Nunes “que os personagens cabem, pois dentro de esquemas que
lhe ocultam a identidade pessoal,” (NUNES, 1969, p.115). Nota-se que Clarice opta por não
revelar muito sobre os dados correlacionados aos espaços geográficos.
Depois que a tia morre, a mocinha migra para a cidade do Rio de Janeiro, sonhando
com uma nova história, pois até aquele momento não tinha boas lembranças do passado para
recordar. Estes dados são mesmos de romance de introspecção psicológica, romance típico do
fluxo da consciência que tem por intuito a exploração da alma humana, à volta ao passado e
as recordações do sofrimento que viveu.
A jovem “às vezes lembrava-se de uma assustadora canção desafinada de meninas
brincando de mãos dadas ela só ouvia sem participar porque a tia a queria para varrer o chão.
As meninas de cabelos ondulados com laços de fita cor-de-rosa. Quero uma de vossas filhas
de marré-marré deci.” [...] “Escolherei a qual quiser de marré.” (LISPECTOR, 1998, p. 32). A
música soa-lhe aos ouvidos como um fantasma, pois eram recordações de uma infância nada
feliz com a tia que constantemente a espancava.
Como já visto, a fantasia pensante, no momento em que se recorda o passado, o torna
presente, dando-lhe nova existência. Assim, a jovem imigrante segue em frente tentando
novas possibilidades. A moça chega ao Rio de Janeiro abriga-se num quarto com mais quatro
moças que trabalhava nas Lojas Americanas no sobrado localizado na Rua do Acre. Arrumou
um serviço de datilógrafa, sua desnutrição fazia com que toda vez que acordava não sabia
mais quem era. Só depois é que pensava com satisfação: sou datilógrafa e virgem, e gosto de
coca-cola. Só então se vestia de si mesma, passava o resto do dia representando com
obediência o papel de ser.
Percebe-se que a personagem encontra no estado ótico, o antológico é apenas uma
representação. Assim mesmo sendo humilhada no seu trabalho Macabéa sentia satisfação de
ter seu emprego sendo uma funcionária obediente ao chefe, mesmo sendo humilhada por seu
Raimundo, pois a preferida dele era sua colega Glória.
32
A simplicidade da pobre moça a atribui num caráter singular, que procura no mundo
seu espaço “Nunca havia jantado ou almoçado num restaurante. Era de pé mesmo no
botequim da esquina. Tinha uma ideia que mulher que entra em restaurante é francesa e
desfrutável” (LISPECTOR, 1998, p.40). Sua ignorância a privava de experimentar coisas
inovadoras; seu conhecimento era limitado.
Essa menina sofrida faz parte de um grupo de pessoas que, como ela, padece com a
timidez e a ingenuidade. Já de início, ao conhecer seu namorado marcou um encontro
conversando assuntos sem sentidos. Olímpio de Jesus, seu amado, se irritou e a mandou ficar
calada. É por isso que os personagens de Clarice Lispector muitas vezes são contestados e
talvez até odiados pelos leitores, devido a tanta submissão.
A existência do absurdo, da ameaça e estranheza dos personagens, revela-se nos
indivíduos único fundo permanente de encontro, ao qual as figuras criadas pela romancista se
destacam e de onde retiram a densidade humana que os caracteriza. São seres inquietos, que
buscam o sentido de “ser” com total amplitude e todos os sentimentos se fundem gerando a
angústia de não ter a consciência da sua própria existência, como bem exemplifica em na
protagonista.
Certa vez ela viu Glória, sua colega de trabalho, pedir ao chefe para faltar no outro dia.
Então ela corre ao escritório e mente para seu Raimundo dizendo a ele que “arrancar dente é
perigoso”. Foi a primeira vez em sua vida que se sentiu feliz, uma coisa mais preciosa que a
solidão. Nota-se que a alegria que essa jovem sentia era de quando ficava sozinha, pois
quando era criança nunca tinha espaço, vivia presa às tarefas domésticas, sem poder deixar
manifestar suas euforias interior, pois neste dia “Dançara e rodopiara porque ao estar sozinha
tornara : Livre! Usufruía de tudo, da arduamente conseguinte da solidão.” (LISPECTOR,
1998, p.41)
Diante disso percebe-se que a personagem se sentia bem isolada das outras pessoas,
pois tinha se acostumado a viver pra si mesma. Sua singeleza era tanta que ao ver Glória
receber telefonemas de seus admiradores, Macabéa pede a Olímpio de Jesus para que telefone
no seu trabalho, mas seu namorado está cansado de suas “tolices”. Ele recusa e, desta forma
eram poucas as palavras que os dois trocavam harmoniosamente.
Em outra conversa com Olímpio a protagonista o deixa nervoso por causa de sua
singeleza no uso das palavras. A simplicidade e a ingenuidade da jovem deixam as pessoas
que a cerca com uma irritabilidade. Mas, por uma única vez, Macabéa “quebrou o silêncio e
falou de si. Foi à única vez que falou de si própria para Olímpio de Jesus estava habituada a
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esquecer, de si mesma. Nunca quebrava seus hábitos tinha medo de inventar” (LISPECTOR,
1998, p.49).
A moça que viera do nordeste, por ter uma trajetória de vida que aponta para a
inviabilidade de grandes feitos na sociedade moderna, faz com que a autora divirta seus
leitores com seus personagens nordestinos, pois o estado de ignorância deles torna-se motivo
de riso. Desta forma, observa-se que por meio de Lispector o público identifica-se com os
personagens atraídos pela imagem subjetiva. Assim é considerada a natureza de Clarice, nada
é insignificante, mas sim de grandeza singular.
Tudo coexiste e tem uma razão de ser. O romance “A Hora da Estrela” é demarcado
por personagem simples, submissos, outrora arrogantes e astuciosos, porém, se nivelam como
sendo de real impacto para os leitores. Com tanta aberração, Macabéa perde seu namorado
para a colega Glória, traída pelos dois: Olímpio e Glória.
A donzela decide ir atrás do prejuízo, e para reconquistá-lo, busca ajuda de Madame
Carlota uma caloteira que ilude a infeliz com suas previsões falsas. Sai de lá com êxtase,
despedindo-se de Carlota com um beijo estalado. Esta sensação de bem estar é um alimento
para o interior do homem, pois, apesar da paciente estar num período de perda com a
adivinhação da mulher que leu sua sorte, ela pôde por um instante sentir-se bem.
Neste mundo moderno são poucos os momentos de satisfação e distração que o ser
humano encontra, pois a velocidade do mundo contemporâneo fez com que o homem
isolasse-se das relações sociais, com isto as pessoas passam a apegarem-se em devoção e em
alegorias:
A esse momento de transformação dá-se o nome de epifania. E assim, em
romance e contos, a escritora desenvolve narrativas que tratam de narrativa
feminina, da dificuldade de relacionamento humano, da hipocrisia dos papeis
socialmente definidos, da busca pelo “eu” (ABAURRE, 2000, p.285).
Por isso, é comum deparar com essas manifestações misteriosas na obra “A Hora da
Estrela” de Lispector. Portanto, esse fato é um forte traço da modernidade, pois, quanto mais
o homem evolui, mais as pessoas se envolvem no espaço vazio e depressivo, buscando a paz e
o consolo no mistério emblemático. Desta forma, Macabéa pode ser colocada como uma
pessoa qualquer do mundo contemporâneo, com as mesmas fraquezas que se encontram os
seres humanos na atualidade.
Nesse caso, o leitor pode fazer algumas indagações a si mesmo para compreender
melhor esta personagem de tantos requisitos a serem ressaltados. Quem é que nunca foi
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discriminado por alguém? Ou, quem jamais foi traído, ou enganado? Quem nunca algum dia
não soube algo e por perguntar foi totalmente ignorado?
Pode-se então resumir em uma só pergunta, quem é que nunca foi uma Macabéa em
algum momento da vida? O que se conclui então é que a personagem descrita é caricatura do
homem, naturalmente é receptível que o leitor identifique-se a ela, e ainda acrescenta Clarice
“cuidai dela porque meu poder é só mostrá-la para que vós a reconheçais na rua andando”.
(LISPECTOR, 1998, p. 19). Logo, Macabéa é a representação da sociedade marginalizada.
3.2 As fases de Macabéa
A história desta nordestina se resume na solidificação dos fatos pelos quais a autora
invade o mundo dos leitores com questionamentos dos valores sociais e nesta obra é mostrada
vida e morte da personagem. E como se sabe o ser humano passa por várias fases em sua
trajetória de vida.
Com a protagonista da narração não foi diferente, Clarice descreve a jovem com zelo
nas ocorrências que inquieta o homem, pois no decorrer da leitura é fácil captar as fases que a
moça contém em sua jornada árdua de sua existência. A primeira fase é de ser uma criança
sem infância, além de ser órfã ainda passa por vários traumas psicológicos, como por
exemplo, a tia que criara longe do convívio social. Foi um período em que descarregou
somente lembranças frustrantes para atuar quando adulta. Adolescência isto ela nem teve.
Com a tia morta tivera que mudar do sertão de Alagoas a procura de uma nova fase.
Nesta busca de identidade não encontra nenhuma mudança, pois a singeleza da jovem não
desperta em ninguém, um gesto de amor, ao contrário encontra em seu caminho desprezo e
discriminação, uma fragilidade agregada na descrição social e realista do mundo
contemporâneo. Ser nordestino também era algo reprimente: “O rapaz e ela se olharam por
entre a chuva e se reconhecerem como dois nordestinos, bicho da mesma espécie que se
farejam (LISPECTOR, 1998, p. 43). É como se não fosse ser humano igual aos outros. A sua
única conquista amorosa – Olimpio –, foge-lhe das mãos como a água.
Nesta idade que as moças estão no auge da beleza dezenove anos, seu corpo está feito
e pronto para ser mulher, porém a pobre Macabéa não despertava nenhuma sensualidade aos
homens. Glória, sua colega, chega a ser indiscreta com a pergunta: “Ser feia dói?”
(LISPECTOR, 1998, p. 62). Com esses comentários, cada vez mais a moça se sentia inútil e
tinha ela a sensação de que vida não servia para nada.
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Apesar de viver uma realidade desacreditada.
Quando já parece esgotada da denúncia de sua fragilidade mais um
pormenor se desponta como se, boneca animada, Macabéa estimulasse as
forças negativas do mundo, acentuando o seu lugar de vítima (LISPECTOR,
1993, p. 14).
Sua simplicidade era tanta que chegava a pensar que era o seu jeito mesmo. Sua vida
tornou-se mais interessante quando arrumou um namorado. O sentimento é algo que pode
mudar o comportamento humano, a personagem mudou seu jeito de ser quando se apaixonou
por Olímpio apesar de não conhecer seus próprios sentimentos, ela nem o chamava de amor,
chamava de “não-sei-o-quê”. Tanto era sua ignorância que seu namorado Olímpio ao
conhecer Glória logo foi atraído pela rapariga.
Com o fim do namoro “Ria por não ter se lembrado de chorar” (1998, p. 59), de tanto
desespero, portanto acaba acreditando na propaganda enganosa de Madame Carlota, feiticeira
que poderia quebrar o feitiço que tinham feito contra eles. Um comportamento que leva a
morte “teve uma úmida felicidade suprema, pois ela nascera para o abraço da morte” (84).
Deste modo Macabéa foi feliz com sua morte.
Madame Carlota tratou-a com carinhos postiços de diminutivos e de frases
feitas, e depois de “adivinhar-lhe” a eminência do desemprego, a pobreza, o
abandono do namorado, prediz que sua hora de estrela estava para chegar.
Teria muito dinheiro, luxo, e um namorado gringo de olhos “azuis ou verdes
ou castanhos”. Macabéa sai de lá em êxtase. Distraída, com os olhos
voltados pela primeira vez para o céu, é atropelada por um Mercedes
amarelo que foge sem lhe prestar socorro. Bate a cabeça no meio fio. Vomita
uma estrela de sangue e morre silenciosamente sob uma garoa fina
(OLIVEIRA, 2000, p. 364).
Embora a vida da jovem tenha sido curta referente às demais, nota-se que seu
sofrimento nunca teve fim enquanto teve vida. Só ao findar sua existência terrena teve por
alguns segundos a sensação de buscar em sua consciência sua essência. Há enorme
inquietação nos personagens, que os tortura. A pobre sonhadora na ânsia da morte percebeu
que “seu esforço de viver parecia uma coisa que, se nunca experimentara” (p. 84). Para tanto,
nem sua infância nem tão pouco sua juventude lhes significara nada. O que pode compreender
então em sua história é que para Macabéa sua vida nunca tivera fase. Buscava
incansavelmente existir, seja da maneira que fosse não lhe importava em não saber quem era,
contando que existisse no mundo.
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3.3 Macabéa e a modernidade
Após a explanação a respeito das fases de Macabéa faz-se necessário focalizar a
pesquisa socializando a intenção do escritor moderno em lançar seus personagens à sociedade
como molde para seu trabalho. Dessa forma, a autora do romance desenvolve em sua
narrativa “A Hora da Estrela” uma protagonista moderna, pois analisa de várias maneiras as
atitudes dos personagens. Clarice, então, ultrapassa a medida psicológica do caráter,
distanciando-se da sondagem dos sentimentos e paixões.
Diante disso, pode-se observar que o fluxo de consciência é constante no romance
moderno principalmente por parte de Clarice. Perante o novo romance a personagem ganha
um estilo inovador, pois neste romance contemporâneo, não é mais possível pensar num
personagem herói clássico conduzido pelo autor na bravura como o antigo personagem
imaginado, pois a modernidade e o avanço do povo com a velocidade tecnológica forçaram
um novo perfil de personalidade para o papel/personagem que se adequasse a injustiça social,
chegando a vez da classe marginalizada.
É possível ver em Macabéa, uma representação e o perfil do anti-herói que tem uma
postura simples. Assim sendo, nota-se que Lispector sente a necessidade de desabafar todas as
maledicências sociais e culturais com sua protagonista, trazendo para dentro da sua obra o
reflexo da humanidade e suas conspirações diante do próximo, que por sua vez não possui
forças o suficiente para superar todos os obstáculos que ofuscava a sociedade da época.
Com isso seu romance se fortaleceu, impactando uma sociedade individualista e
capitalista. Sentia vontade de gritar aos quatro ventos o que lhe sufocava. Agora na ânsia da
morte ainda se sentia sozinha na batalha para combater estas repreensões feitas pelos
poderosos.
E da cabeça um fio de sangue inesperadamente e vermelho. O que queria
dizer que apesar de tudo, ela pertencia a uma resistente raça anã teimosa que
um dia vai talvez reivindicar o direito ao grito. [...] Hoje pensou ela, hoje é o
primeiro dia da minha vida: nasci (LISPECTOR, 1998, p. 80).
É notável que Clarice sentisse-se pequena, mas forte em arrancar as “máscaras” que
lhe oprimiam. É fato que o romance moderno se interessa em representar as realidades atuais
e, com isso, são focalizadas as inúmeras motivações do fluxo de consciência.
A autora do romance moderno é original em sua escrita. Tendo uma personagem
resistente e sólida, criando assim, um vínculo com idéias que ofuscam seu interior. Ao
anunciar uma personagem e dar vida a ela, traçar seu destino e ter o poder de matá-la. Este é o
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papel que ocupa um estupendo autor contemporâneo, pois a personagem moderna identificase com o papel do homem atuante do mundo real. Por isso, Macabéa é a representação da
modernidade.
Hoje em dia o mundo tem deixado as pessoas cansadas de viver. Como também é bem
abordado por Clarice, em sua obra, quando é enfatizado sobre os efeitos problemáticos que
afeta a população moderna, relatando o cansaço e a fadiga que as pessoas vivem, o homem
deixa de ser feliz encontrando angústia e tristeza.
A autora fala de uma dor fisgada que funda em plena boca nossa. Então ela escreve:
“... eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente – é a minha própria dor, eu que
carrego o mundo e há falta de felicidade” (LISPECTOR, 1998, p.11). Essa dor depressiva tem
causado muitas diferenças na sociedade, levando as pessoas ao profundo desencanto pela
própria vida. A romancista tem plena convicção de que embora retrate a realidade não a faz de
maneira completa, porque sabe que o romance moderno, coloca em suspeita as teorias como é
afirmado nesta citação.
Assim, o romance moderno põe em dúvida todas as teorias do saber e os
próprios processos de conscientização que pareciam agregados de forma
incontestável ao mundo humano, bem com revoga o desenrolar
supostamente lógico dos acontecimentos e as acepções correntes de tempo e
espaço (ROSENTHAL, 1975, p.2).
Os românticos não buscam uma análise exata da realidade, ao contrário, induz os
leitores a uma reflexão crítica sobre a temática abordada. A narrativa ganha “status” à medida
que os leitores participam da história, não obedecendo nenhuma ordem cronológica. Percebese que nos grandes centros as pessoas estão presas a si mesmas, por causa da correria e falta
de segurança, elas têm ficado inseguras de se relacionarem, mostrando cada vez mais a
solidão.
Esses aspectos também estão bem explícitos no romance de Lispector, quando
menciona: “que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um
pouco só” (LISPECTOR, 1998, p 40). Por estes motivos que Lispector desenvolveu Macabéa,
uma alagoana que veio morar numa grande cidade, Rio de Janeiro.
Com isto é possível perceber o isolamento que os grandes centros urbanos têm
alcançado nas vidas, principalmente nesta última década. O que tem trazido um distúrbio
psicológico e arrastado muitas família para destruição. Macabéa é a retratação desse século,
pois, toda atenção da jovem era pra si mesma já que em meia a multidão era impossível
conquistar algo ou ser reconhecida por alguém “A nordestina se perdia no meio da multidão”
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(LISPECTOR, 1998, p. 40). Nota-se que a personagem, assim como a maioria dos habitantes
desses lugares populosos sofrem com a realidade sufocante que tornou a vida, do
superpovoamento.
A metáfora de “cidade inconquistável” é utilizada para mostrar que o indivíduo tem
uma percepção dolosa do que é viver nas grandes metrópoles, ela permanece sujeito ao
evolutivo processo urbano, pois ao mesmo também faz parte desta realidade moderna. As
dificuldades e os conflitos dessa relação são anunciados em tom de queixa, mas mesmo
sofrendo desilusões, não é possível abster-se da convivência conflituosa da cidade.
Macabéa se sentia inferior e tinha a humildade de perceber qual a classe ela
pertencia naquela sociedade capitalista. Em seu trabalho chegou a desejar um livro que estava
na mesa de seu chefe:
Outro retrato: nunca receberá presentes. Alias não precisava de muita coisa.
Mas um dia viu algo que por um leve estante cobiçou: um livro que Seu
Raimundo, dado a literatura, deixara sobre a mesa. O título era “Humilhados
e Ofendidos”. Ficou pensativa. Talvez tivesse pela primeira vez se definido
numa classe social. Pensou, pensou e pensou!Chegou à conclusão que na
verdade ninguém jamais a ofendera tudo que acontecia era porque as coisas
são assim mesmo e não havia luta possível, para que lutar?(LISPECTOR,
1998, p.40).
A personagem Macabéa tinha consciência de que era impossível lutar contra a classe
superior, pois apesar de sua simplicidade ela sabia que era uma perda de tempo tentar ser
reconhecida e aplaudida pela sua contribuição trabalhista, numa sociedade de opressores.
Sabia que pertencia à classe dos “Humilhados e Ofendidos” também estava ciente que era
inútil batalhar para reverter esta situação, que tem ofuscado várias gerações.
O que mais importa, ou seja, sendo de mais relevância, é que: “Para Clarice não soa
os indivíduos que interessam, mas sim a paixão que os submetem, a inquietação que os
conduz em querer melhorar” (NUNES, 1969, p.117). O mundo contemporâneo está cheio de
pessoas comuns, que lutam por seus ideais, mesmo aqueles que sabem que são escassas as
chance de alcançarem seus objetivos, justamente por haver tanta desigualdade social. Deste
modo, é possível perceber inúmeros traços da literatura moderna retratados na protagonista
por meio dos requisitos que foram analisados neste trabalho.
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CONCLUSÃO
A adoção de uma perspectiva da prosa regionalista em uma tentativa de levar o Brasil
a conhecer melhor as características nordestinas, aprisionados à condição social, falta de
cultura e clima inóspito em que vivem, merece um cuidado especial em relação à obra de
Clarice Lispector “A hora da estrela”, que faz uma recriação da linguagem literária e a
universalização do tratamento dado aos conflitos humanos, numa noção de epifania no
processo de mergulho e descoberta interior.
A autora corresponde à potencialidade da ficção numa literatura introspectiva,
intimista, como apresenta em “A hora da estrela”, o drama de Macabéa, pobre moça alagoana
engolida pela cidade grande;em paralelo vem o drama de um narrador que duela com as
palavras e os fatos.
Construindo uma noção mais clara sobre o assunto nota-se que a escritora em questão
é o principal nome da literatura moderna brasileira. Suas personagens estão sempre à volta do
cotidiano e, geralmente compelidas a uma dolorosa viagem interior com estado crítico de
solidão. Isto foi deparado durante a elaboração do trabalho, quando se trata de Macabéa.
Por meio desta obra, toma-se contato com o momento histórico em que o romance foi
escrito, no qual a prosa intimista, de investigação psicológica, expande-se e ganha sua maior
expressão com Lispector. A Terceira Geração Modernista sugere além de Clarice, o
conhecido Guimarães Rosa como escritores representativos da época.
Considerando o conteúdo da obra, entende-se a focalização de Lispector ao apresentar
Macabéa como um patente isolamento da moça agravada ao mundo social, uma verdadeira
contradição da sociedade em que vivia. Ao descrever a pobreza nordestina, representada pela
protagonista perdida em uma cidade como Rio de Janeiro, a autora retratou o perfil de muitos
que também vivem o drama de viver à margem de uma sociedade diferente daquela a que são
acostumados.
No tocante a nossa contextualização, percebe-se que a situação dela não é diferente.
Embora em termos fictícios Clarice desenvolva um drama vivido na sociedade atual. Esperase que com a organização deste, uma viagem no mundo fictício de Macabéa, podendo assim
colaborar de maneira agradável para descobertas outras. E na tentativa de apresentar a
realidade por meio da leitura, entende-se que é possível construir mais críticas relevantes na
compreensão do mundo atual.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa. São Paulo: Cultrix, 1978.
NUNES, Benedito. O dorso do tigre. – São Paulo: Perspectiva, 1969.
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TERRA, Ernani. Português de olho no mundo do trabalho: volume único. – São Paulo:
Scipione, 2004.
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Um passeio pela narrativa “A hora da estrela”