Brasília-DF, 2010. Direito Reservado ao PosEAD. Pós-Graduação a Distância Desenvolvimento Humano e Aprendizagem 1 Elaboração: Cecília Gomes Muraro Alecrim Produção: Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração 2 Apresentação........................................................................................................................................ 04 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa ................................................................................ 05 Organização da Disciplina ................................................................................................................... 06 Introdução ............................................................................................................................................ 08 Unidade I – A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia ..................................... 09 Capítulo 1 – Estudo do Desenvolvimento Humano: A Ciência do Desenvolvimento Humano .......... 09 Capítulo 2 – Desenvolvimento Humano ....................................................................................... 12 Unidade II – Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento ........................................................................................... 19 Capítulo 3 – Vygotsky – A Perspectiva Sócio-Histórica do Desenvolvimento ............................... 20 Capítulo 4 – Piaget – A Psicogênese do Desenvolvimento Cognitivo ........................................... 25 Capítulo 5 – Wallon – A Psicogênese da Pessoa ......................................................................... 32 Capítulo 6 – Ausubel – A Aprendizagem Significativa ................................................................. 38 Unidade III – O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo .................................... 41 Capítulo 7 – Desenvolvimento Cognitivo .................................................................................... 41 Capítulo 8 – Processos de Interações: Mediadores do Conhecimento (Fatores Intrapessoais, Interpessoais e Socioambientais no Processo Educativo) .................. 44 Capítulo 9 – Relação Afeto-Cognição ......................................................................................... 47 Para (não) Finalizar .............................................................................................................................. 50 Referências ........................................................................................................................................... 52 Pós-Graduação a Distância Sumário 3 Apresentação Caro aluno, Bem-vindo ao estudo da disciplina Desenvolvimento Humano e Aprendizagem. Este é o nosso Caderno de Estudos e Pesquisa, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o desenvolvimento de seus estudos, assim como para a ampliação de seus conhecimentos. Para que você se informe sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas semanas, conheça os objetivos da disciplina, a organização dos temas e o número aproximado de horas de estudo que devem ser dedicadas a cada unidade. A carga horária desta disciplina é de 40 (quarenta) horas, cabendo a você administrar seu tempo conforme a sua disponibilidade. Mas, lembre-se, há uma data-limite para a conclusão do curso, implicando a apresentação ao seu tutor das atividades avaliativas indicadas. Os conteúdos foram organizados em unidades de estudo, subdivididas em capítulos de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que farão parte das atividades avaliativas do curso; serão indicadas também fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados nesta disciplina. Lembre-se de que, apesar de distantes, podemos estar muito próximos. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem A Coordenação do PosEAD 4 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Apresentação: Mensagem da Coordenação do PosEAD. Organização da Disciplina: Apresentação dos objetivos e carga horária das unidades. Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido pelo aluno na disciplina, indicando a importância desta para a sua formação acadêmica. Ícones utilizados no material didático: Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada disciplina. Para refletir: Questões inseridas durante o estudo da disciplina, para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre aqui a sua visão, sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com a sua contribuição pessoal. Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discussões. Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir na reflexão. Referências: Bibliografia citada na elaboração da disciplina Pós-Graduação a Distância Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. 5 Organização da Disciplina Ementa: Construção coletiva do conhecimento e suas implicações teóricas e metodológicas nas situações de ensino e de aprendizagem. Contribuições das teorias psicológicas ao estudo do desenvolvimento humano. As dimensões cognitiva, afetivo-emocional e social do desenvolvimento e suas inter-relações. Desenvolvimento adulto. As relações entre desenvolvimento e aprendizagem. O desenvolvimento psicológico no contexto sócio-educativo. Objetivos: • Compreender a constituição do sujeito, abordando o seu desenvolvimento em suas interações físicas, simbólicas, sociais, culturais e histórias, contextualizando-as no amplo ambiente pedagógico em que as ações do educador e do educando convergem para a construção do conhecimento. • Reconhecer as exigências necessárias ao ato de ensinar que ocorrem na intermediação do educador, conteúdos e educandos que deverão apreendê-los com significados concretos e mediatizados pelo mundo, como sujeitos histórico-sociais envolvidos pelas dimensões do processo educativo. • Analisar de modo crítico e compreensivo as contribuições essenciais, as limitações e as particularidades das diversas teorias da aprendizagem consideradas para a compreensão do processo educativo, estabelecendo pontos básicos de concordância e aplicabilidade. • Conhecer as principais tendências da Psicologia Educacional na atualidade, bem como as suas contribuições para a Educação, percebendo que é preciso reinventar os espaços educativos como locais de trabalho ao ressignificar a si mesmo como pessoas e profissionais da educação. Unidade I – A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Carga horária: 10 horas Conteúdo Estudo do Desenvolvimento Humano: A Ciência do Desenvolvimento Humano Desenvolvimento Humano Capítulo 1 2 Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Unidade II – Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento 6 Carga horária: 20 horas Conteúdo Vygotsky – A Perspectiva Sócio-Histórica do Desenvolvimento Piaget – A Psicogênese do Desenvolvimento Cognitivo Wallon – A Psicogênese da Pessoa Ausubel – A Aprendizagem Significativa Capítulo 3 4 5 6 Organização da Disciplina Unidade III – O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Carga horária: 10 horas Desenvolvimento Cognitivo Processos de Interações: Mediadores do Conhecimento (Fatores Intrapessoais, Interpessoais e Socioambientais no Processo Educativo) Relação Afeto-Cognição Capítulo 7 8 9 Pós-Graduação a Distância Conteúdo 7 Introdução Gostaríamos de iniciar o tema formulando uma pergunta: — Qual é a importância de conhecer o desenvolvimento humano quando trabalhamos com educação? Essa pergunta é essencial para iniciarmos os estudos! Você já parou para pensar como procuramos explicar o desenvolvimento dos nossos alunos, principalmente daqueles que apresentam alguma dificuldade para aprender? Estamos sempre buscando uma explicação para o comportamento por eles apresentados. Mas, será que nossas explicações estão embasadas em algum tipo de conhecimento? Você já parou para pensar sobre isso? Já estudou as teorias do desenvolvimento humano de uma forma reflexiva? O conhecimento, acompanhado de reflexões críticas, é de fundamental importância para a realização de um bom trabalho pedagógico. As nossas escolas lidam com diferentes pessoas, que aprendem de diferentes maneiras. É importante que conheçamos o desenvolvimento humano e a aprendizagem para termos subsídios para refletir sobre cada um de nossos alunos e agir de forma mais intencional e menos intuitiva. Com essa intenção, este Caderno sobre “Desenvolvimento Humano e Aprendizagem” foi elaborado. Você estudará na Unidade I o percurso do conhecimento sobre o desenvolvimento humano ao longo dos anos para chegar ao que temos hoje. Estudará, também, sobre as correntes de pensamento que influenciaram e que influenciam o pensamento psicológico sobre o tema em questão. Na Unidade II, você terá contato com os principais teóricos sobre o desenvolvimento humano. Você estudará quatro autores - Vygotsky, Piaget, Wallon e Ausubel – que apresentam grande influência nos atuais estudos da área e na prática docente. A última Unidade apresenta temas importantes, tais como, “desenvolvimento cognitivo”, “processos de interações: mediadores do conhecimento (fatores intrapessoais, interpessoais e socioambientais no processo educativo)” e “relação afeto-cognição” que, pautados nas teorias estudadas na Unidade II, têm como objetivo contribuir para a sua atividade pedagógica. Esperamos que você aproveite bem seus estudos e que eles possam contribuir, de fato, para o seu sucesso enquanto educador! Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Bom trabalho! 8 A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I Unidade I A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Capítulo 1 – Estudo do Desenvolvimento Humano: A Ciência do Desenvolvimento Humano Da identidade pessoal para a coletiva há um caminho que se deve percorrer. Quem somos e como vivemos passam a ser questões essenciais a qualquer intervenção que possa ter o sentido de transformação social. Trazendo para a psicologia esse debate, pode-se dizer que durante muito tempo o psicólogo procurou se envolver com aspectos da identidade pessoal, entendendo que, ao lidar com os problemas de uma criança na escola bastaria, para seu trabalho, que procurasse entender elementos de sua constituição pessoal, no máximo familiar, sem incluir seu entendimento sobre a realidade, a compreensão dos espaços sociais em que ela se desenvolve (GYZZO, 2003). Antes de iniciarmos os estudos sobre as teorias do desenvolvimento humano, iremos conhecer, brevemente, o caminho que a psicologia do desenvolvimento percorreu e como foi o seu encontro com a educação. O grande aumento de escolas e o número crescente de alunos matriculados fizeram com que diferentes camadas da população passassem a ter acesso à escola. A escola, por sua vez, estava preparada para trabalhar com “os filhos dos ricos”, ou seja, o conteúdo curricular era todo voltado para as necessidades e cultura de uma elite e em nada se preocupava com a realidade das camadas mais populares. Se quisermos uma escola democrática não devemos nos preocupar apenas com a quantidade de matrícula. Devemos, sim, trabalhar a partir das experiências de vida de nossos alunos e procurar conhecer as características psicológicas e socioculturais deles, com o objetivo de adequar a proposta didático-pedagógica, para que de fato, aprendam e possam fazer parte de uma sociedade mais justa e igualitária. Pós-Graduação a Distância Vivemos no século XX um movimento de democratização da escola. Até então a escola era reservada aos filhos da elite que, muitas vezes, concluíam seus estudos em escolas européias. Com o crescimento do setor industrial no Brasil, seguido de uma crescente urbanização, a sociedade civil e a burguesia em ascensão iniciaram um movimento que defendia a escola para todos, no sentido de construção de uma sociedade mais justa e igualitária, discurso esse que encontramos ainda na atualidade. 9 A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I Porém, o que se vivenciou foi uma escola que partia de uma visão da elite, pouco considerando as reais necessidades de sua população. Ao lidarmos com a diversidade, os problemas começaram a aparecer. Ou seja, muitos alunos passaram a fracassar na escola, não conseguindo concluir os seus estudos. Os educadores, na tentativa de solucionar o problema do fracasso escolar, passaram a buscar na psicologia o conhecimento necessário para o sucesso dos alunos. Houve aí o encontro entre a psicologia e a educação. A psicologia por sua vez é uma ciência nova. A profissão do psicólogo foi regulamentada somente na década de 60. O que existia, anteriormente, era a psicologia apenas como área de conhecimento que influenciava a medicina e a educação. Porém, os estudos psicológicos do final do século XIX e início do século XX eram realizados em laboratórios e focavam, principalmente, o indivíduo, não considerando aspectos socioculturais. A preocupação estava na quantificação da inteligência, por meio de testes psicológicos. A psicologia atendeu ao chamado das escolas para procurar resolver o problema do fracasso escolar, porém, segundo Alecrim (2005, p. 11), “o conhecimento psicológico, durante a primeira metade do século XX, entrou nas escolas, com o objetivo de avaliar o aluno que não conseguia adaptar-se a esse espaço. Os testes psicológicos eram realizados e, a partir deles, tratamentos eram prescritos”. Assim, a psicologia do desenvolvimento passou a ser difundida no meio educacional, propondo-se a explicar o fenômeno do não-aprender. A ciência do desenvolvimento humano passou a ocupar-se em descrever um desenvolvimento normal da infância, como se todas as crianças se desenvolvessem da mesma forma. Teorias sobre o desenvolvimento humano que procurava classificar as fases da vida infantil sem se preocupar com uma contextualização crítica social e cultural passaram a ser difundidas nas escolas. Assim, criança que não aprendia passou a ser vista como criança que não seguia um desenvolvimento “normal”. Porém, se pensarmos que a escola estava preparada para trabalhar com uma pequena elite e não com a diversidade cultural, social e psicológica que a freqüentava e que a psicologia realizava seus estudos em laboratórios e, também não levava em consideração essa diversidade, a criança passou a ser o foco e o alvo do fracasso escolar. Ou seja, o problema do não aprender passou a ser identificado e rotulado como dificuldade de aprendizagem e, portanto, a criança que não aprendia era vista como um problema que deveria ser diagnosticado e tratado. O fato de a escola não estar preparada para lidar com a diversidade de seus alunos era desconsiderado. Assim, a população das classes sociais desfavorecidas era vista como desviante, como desadaptada e problemática. O conhecimento sobre o desenvolvimento humano chegou à escola para resolver um problema, porém, acabou influenciando seja naturalização, ou seja, o fracasso escolar passou a ser entendido como um problema do aluno que se desviava de um desenvolvimento normal. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Será que nossas escolas ainda funcionam dessa forma? 10 Quando meu aluno não consegue aprender eu o vejo como alguém que tem um problema psicológico ou procuro conhecer sua história, contextualizando-o a partir de seu ambiente sociocultural, para rever minha prática pedagógica? Essas perguntas são muito importantes pois, muitas vezes, na nossa vivência escolar, sem refletirmos, acabamos rotulando nossos alunos. Esse conhecimento psicológico que rotula ainda faz parte do nosso dia-a-dia. Ele influenciou e ainda influencia muito a nossa prática. Você, enquanto professor, enquanto profissional da educação, deve estar sempre parando para pensar sobre o seu aluno. Deve tomar muito cuidado com teorias psicológicas que procuram explicar o seu desenvolvimento sem um comprometimento com sua vida, sem levar em consideração o seu contexto, sua cultura e sua história de vida pessoal. A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I Como vimos, ainda vivenciamos práticas escolares excludentes que são influenciadas, também, por teorias do desenvolvimento humano descontextualizadas e pouco práticas e efetivas. Porém, a psicologia do desenvolvimento humano já se modificou e, aos poucos, esse novo conhecimento está chegando aos espaços educacionais e influenciando de forma positiva a prática pedagógica. No final da década de 70 e início da década de 80 iniciou-se um forte movimento de crítica ao trabalho do psicólogo na educação. Essas críticas vieram de encontro ao que vimos anteriormente. A psicologia do desenvolvimento passou a não focar apenas o sujeito que não aprende, mas procurou buscar em outras ciências como a antropologia, história, biologia, neurologia...os conhecimentos necessários para compreender o ser humano. Esse novo conhecimento parte do princípio de que o ser humano não se desenvolve sozinho, ele está inserido em um meio social e, a partir da sua experiência ao longo da vida, vai se constituindo enquanto pessoa. Isso é diversidade. Ou seja, ninguém é igual a ninguém. Mesmo gêmeos univitelinos, que vivem juntos toda sua vida, são diferentes em alguns aspectos. O que poderiamos dizer das pessoas que vivem em lugares completamente diferentes um dos outros. O que podemos esperar?Não dá para pensar que todos se desenvolvem da mesma forma!Cada pessoa é única e mesmo possuindo características humanas biológicas comuns (pois todos somos da mesma espécie) vivencia, ao longo da sua vida, experiências únicas que a faz diferente de todas as outras pessoas. Pós-Graduação a Distância Sendo assim, a psicologia do desenvolvimento humano, ao entrar na escola para contribuir com o sucesso escolar, passa a levar em consideração não apenas o indivíduo que não aprende ou o indivíduo que aprende, mas sim, toda uma gama de relações, onde o aluno é visto como um ser social, cultural, biológico e psicológico. 11 A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I Capítulo 2 – Desenvolvimento Humano Vimos no capítulo anterior que o conhecimento psicológico sobre o desenvolvimento humano vem se modificando. A visão de que o homem se desenvolve de forma ativa, ou seja, influenciando e sendo influenciado pelo seu meio social e cultural é relativamente recente. Como vimos, nossa prática pedagógica ainda se apresenta fortemente influenciada por conhecimentos psicológicos que desconsideram o papel da interação entre fatores internos e externos nesse desenvolvimento. Quando falamos em conhecimento devemos pensar que ele não nasce do nada, não brota da nossa cabeça sem receber nenhuma influência. Todo conhecimento é construído ao longo do tempo e é influenciado por diferentes idéias e concepções. Você é capaz de compreender o mundo em que vive devido a toda uma construção anterior de conhecimentos. Imagine se pudéssemos trazer um homem das cavernas para os dias de hoje. Com certeza ele viveria uma confusão! Levaria muito tempo para conseguir compreender muitas coisas que, para nós, são muito simples... Vamos pensar na explicação para a vida humana. Existem pessoas que, a partir da religião e de acordo com sua religião, explicam a vida humana de forma diferente. Já um cientista irá explicá-la a partir do ponto de vista da ciência. Ou seja, diferentes concepções sobre a vida humana influenciam o nosso pensamento e, portanto, a nossa compreensão sobre a vida. Essas diferentes concepções que vão sendo construídas ao longo da história da sociedade influenciam, também, o conhecimento científico. Esse não é neutro como muitos afirmam, mas sim, influenciado por diferentes concepções e pela compreensão atual do mundo. Se pensarmos na física antes de Einstein podemos perceber que ela tinha uma compreensão diferente dos fenômenos. Não é que ela estivesse errada, mas faltava uma compreensão diferente para que alguns fenômenos físicos pudessem ser explicados. Assim acontece, também, com a psicologia. O seu conhecimento vem sendo construído e reelaborado. Diferentes concepções sobre o homem e o seu desenvolvimento influenciaram e influenciam a nossa compreensão. Estudaremos neste capítulo três concepções diferentes sobre o desenvolvimento humano. As duas primeiras, que são denominadas inatistas e ambientalistas, já foram superadas em termos de conhecimento, porém ainda influenciam a nossa prática escolar. Já a terceira, que é denominada interacionista, é a que influencia as teorias sobre desenvolvimento humano que estudaremos nas próximas unidades. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Concepção Inatista 12 INATO adj – 1 que pertence ao ser desde o seu nascimento, inerente, natural, congênito (talento i.) 2 Filosofia: No cartesianismo, que se origina da mente, sem qualquer mescla com a experiência sensível nem influência da imaginação criadora (diz-se da idéia) cf. adventício e factício. 3 por extinção de sentido na filosofia moderna, que tem sua origem em ou deriva de ou é inerente à mente ou à constituição do intelecto, em lugar de ser adquirido com a experiência. Próprio – (....) 1 que pertence ao sujeito (....) 3 que só existe em relação a um sujeito, a uma maneira de ser intrínseca a este e que o caracteriza; inerente, peculiar, típico (jeito p. agir) (....) Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I Ao ler a definição da palavra “inato”, como você imagina que a concepção inatista influencia o conhecimento sobre o desenvolvimento humano? A concepção inatista do desenvolvimento nos apresenta o homem que já nasce pronto, programado a apresentar os comportamentos ao longo da sua vida. As experiências por ele vivenciadas pouco influenciarão o seu desenvolvimento, pois o que move as suas aprendizagens são fatores internos. A concepção inatista parte do pressuposto de que os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o desenvolvimento. As qualidades e capacidades básicas de cada ser humano – sua personalidade, seus valores, hábitos e crenças, sua forma de pensar, suas reações emocionais e mesmo sua conduta social – já se encontrariam basicamente prontas e em sua forma final por ocasião do nascimento, sofrendo pouca diferenciação qualitativa e quase nenhuma transformação ao longo da existência. O papel do ambiente (e, portanto, da educação e do ensino) é tentar interferir o mínimo possível no processo do desenvolvimento espontâneo da pessoa. (DAVIS; OLIVEIRA, 2008, p.27)) Essa concepção sobre o desenvolvimento humano sofre influência da teologia e de uma compreensão errônea sobre o conhecimento biológico. A influência da teologia diz respeito à idéia de que Deus criou o homem em sua forma definitiva, havendo pouco a se fazer após o seu nascimento. O destino dele já está selado antes mesmo do seu nascimento. Já a influência do conhecimento biológico diz respeito a uma compreensão errônea de teorias como a evolucionista de Darwin e a Genética. A interpretação da teoria evolucionista fez com que a idéia de que “os mais fortes é que sobrevivem aos impactos ambientais” desconsiderasse o ambiente como fator fundamental para o desenvolvimento. A superficialidade da interpretação fez com que parecesse que o indivíduo por si só conseguiria sobreviver ou não, ou seja, os fatores ambientais seriam incapazes de exercer um efeito direto tanto na espécie quanto no organismo. Se pararmos para refletir sobre essaa teoria, poderemos verificar que os impactos ambientais foram decisivos sobre o ciclo de vida dos membros de cada espécie. O meio externo, portanto, é fundamental para o desenvolvimento da espécie. Podemos verificar que não há base empírica para a concepção inatista, o que existem são compreensões superficiais de teorias que procuram explicar o comportamento humano. Porém a concepção inatista exerce grande influência sobre a interpretação de teorias psicológicas e sobre a nossa ação. Quantas vezes nos pegamos falando o seguinte: “filho de peixe, peixinho é!” Ou quantas vezes acreditamos que uma criança que apresenta uma deficiência mental seja incapaz de aprender a ler e a escrever. Ou quantas vezes acreditamos que o aluno hiperativo só ficará melhor quando tomar algum tipo de medicação. Ou ainda que aquele “fulano de tal” é burro e que não adianta fazermos nada por ele porque ele não consegue aprender. Se pararmos para pensar no cotidiano escolar veremos que muito pensamos a partir da visão inatista. Procuramos explicar muitos comportamentos a partir dessa visão sem uma maior reflexão. Tal fato nos leva a vivenciar um dia-a-dia escolar repleto de preconceitos que são muito prejudiciais ao trabalho escolar. Pós-Graduação a Distância A teoria genética é também uma influência para a concepção inatista. Mais uma vez, de forma superficial, a teoria é interpretada como se os genes fossem responsáveis por todas as manifestações de comportamentos do homem. Como se as experiências vivenciadas pouco alterassem o curso de vida já programado geneticamente. 13 A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I Concepção Ambientalista A concepção ambientalista apresenta-se como oposta à concepção inatista, ou seja, tudo é aprendido. O organismo, a maturação biológica, aspectos genéticos não influenciam em nada o desenvolvimento e o comportamento humano. A experiência sensorial é a fonte do conhecimento. Na psicologia, o grande defensor dessa posição foi B. F. Skinner, que propôs a teoria comportamentalista, também conhecida como behaviorismo. Na concepção do comportamento defendida por Skinner e seus seguidores, o papel do ambiente é muito mais importante do que a maturação biológica. Na verdade, são os estímulos presentes numa dada situação que levam ao aparecimento de um determinado comportamento. Como isso ocorre? Segundo os ambientalistas (ou comportamentalistas, também chamados de behavioristas, do inglês behavior = comportamento), os indivíduos buscam maximizar o prazer e minimizar a dor. Manipulando-se os elementos presentes no ambiente – que, por essa razão, são chamados de estímulos – é possível controlar o comportamento: fazer com que aumente ou diminua a freqüência com que ele aparece; fazer com que ele desapareça ou só apareça em situações consideradas adequadas; fazer com que o comportamento se refine e se aprimore, etc. Daí o motivo pelo qual se atribui à concepção ambientalista uma visão do indivíduo enquanto ser extremamente reativo à ação do meio. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Mudanças no comportamento podem ser provocadas de diversas maneiras. Uma delas requer uma análise das conseqüências ou resultados que o ele produz no ambiente. As conseqüências positivas são chamadas de reforçamento e provocam um aumento na freqüência com que o comportamento aparece. Por exemplo, se, após arrumar os seus brinquedos (comportamento), a criança ouvir elogios de sua mãe (conseqüência positiva), ela procurará deixar os brinquedos arrumados mais vezes, porque estabeleceu uma associação entre esse comportamento e aquele da sua mãe. Já as conseqüências negativas recebem o nome de punição e levam a uma diminuição na freqüência com que certos comportamentos ocorrem. Por exemplo, se cada vez que João quebrar uma vidraça ao jogar bola (comportamento), ele for obrigado a pagar pelo estrago (conseqüência negativa), ele passará a tomar cuidado ao jogar, diminuindo os estragos em janelas. 14 (...) Na visão ambientalista, a ênfase está em propiciar novas aprendizagens, por meio da manipulação dos estímulos que antecedem e sucedem o comportamento. Para tanto, é preciso uma análise rigorosa da forma como os indivíduos atuam em seu ambiente, identificando os estímulos que provocam o aparecimento do comportamentoalvo e as conseqüências que o mantém. A essa análise dá-se o nome de análise funcional do comportamento. Nela se defende o planejamento das condições ambientais para a aprendizagem de determinados comportamentos. Fonte: DAVIS; OLIVEIRA, ,2008, p. 31-33 A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I A visão ambientalista foi importante para o fazer pedagógico, pois passou a chamar atenção ao papel do professor, que estava minimizado devido à concepção inatista. A partir dessa visão, o professor foi chamado a planejar suas atividades, organizando as condições para que a aprendizagem ocorresse. Porém, essa visão influenciou principalmente a técnica de ensino, passando o foco mais para a forma de ensinar do que para o aluno em si. Tal fato fez com que o ensino passasse a ser muito tecnológico e pouco pessoal. As atividades passaram a ser programadas como fórmulas-padrão. A principal crítica a essa concepção está no fato de que o aluno assume um papel passivo frente ao ambiente, ou seja, seus comportamentos podem ser controlados e manipulados por qualquer pessoa que conheça os recursos tecnológicos necessários. O indivíduo que raciocina e que, em contato com seus colegas do grupo, possam alcançar a aprendizagem de forma espontânea é desconsiderado por essa visão de homem. Concepção Interacionista Como o próprio nome já diz essa concepção fala de interação. Mas interação de quê? Interação de fatores inatos e de fatores ambientais. Se pensarmos nas duas concepções anteriormente estudadas veremos que as duas apresentam pontos importantes. O problema é que o ser humano é muito complexo e tentar simplificá-lo acaba nos levando a posições extremistas e, portanto, pouco válidas. Para os interacionistas tanto o meio quanto o organismo exercem influência entre si. Nós, seres humanos, pertencemos a uma espécie que faz com que tenhamos características semelhantes. Também pertencemos a um núcleo familiar que nos coloca em condições diferentes ou semelhantes a de outras pessoas. Apresentamos uma característica genética que tem influência no curso de nosso desenvolvimento. Tudo isso se apresenta como fatores inatos que influenciam, sim, o nosso desenvolvimento. Porém, mesmo apresentando todos esses fatores internos que nos predispõem a determinados comportamentos, nós estamos inseridos em uma rede social que nos faz vivenciar experiências comuns a um determinado grupo e únicas em determinadas situações. Essas experiências somadas a toda uma construção cultural, anterior até ao nosso nascimento, são, também, fatores de grande influência para o nosso desenvolvimento. Ou seja, os fatores ambientais são importantes, sim para o curso de nossas vidas. Mas nós não somos seres passivos frente ao mundo que nos cerca. Pelo contrário, a teoria interacionista defende o homem como ativo frente ao mundo. O homem é influenciado e influencia o mundo em que vive. A teoria interacionista atribui um papel muito importante à relação entre as pessoas e dessas com os objetos que a cercam. Desde o nascimento o bebê vai construindo suas características e sua visão de mundo a partir das relações que estabelece. Pós-Graduação a Distância A ação do homem no seu ambiente acarreta mudanças no meio e essas mudanças acarretam outras no homem. Assim, vamos construindo nossa história pessoal e coletiva. Vamos nos transformando e transformando o mundo ao mesmo tempo em que somos transformados e a história humana vai sendo construída. 15 A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I Leia o trecho a seguir: “Na Índia, onde os casos de meninos-lobos foram relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano, e o seu comportamento era exatamente semelhante àquele dos seus irmãos lobos. Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam. Kamala viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha um vocabulário de 50 palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela e às outras com as quais conviveu. A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples.” Fonte:Davis e Oliveira (2008, p.16) Desenvolvimento Humano e Aprendizagem A história apresentada é verídica e nos demonstra como a nossa condição de humano depende das interações que vivenciamos. Se crescermos entre os lobos, nos desenvolveremos como tais. Até o nosso corpo físico vai se adaptando à vida dos lobos. 16 O convívio social é fator determinante para o nosso desenvolvimento e o curso de nossa vida pode ser modificado a partir das redes sociais que passamos a estabelecer. É claro que as nossas vivências anteriores não se apagam, mas elas não são fatores estanques que imobilizam o nosso desenvolvimento. É importante a compreensão de que estamos constantemente em desenvolvimento e que esse se dá a partir de uma interação entre o organismo e o meio em que se está inserido. Nesse enfoque teórico, não há como se pensar em um homem individual, dono absoluto de sua vida, pois ele se forma a partir de um movimento histórico e cultural. Nós pensamos o que pensamos e somos quem somos como conseqüência de anos de história, que construíram a sociedade, bem como de todo o seu conhecimento. A idéia de natureza humana deixa de existir, cedendo lugar à idéia de condição humana, ou seja, como nos diz Bock (2000, p.16), “conforme vamos mudando nossa vida vamos mudando nossa forma de ser”. O homem passa a ocupar um papel ativo na sociedade. Nenhum fenômeno psicológico existe e pode ser explicado por si só, sem levar em consideração o momento histórico, cultural e social. A relação indivíduo/sociedade é vista como uma relação dialética, na qual um constitui o outro. O homem se constrói ao construir sua realidade. Assim, não podemos mais conceber o homem individual, mas sim, o homem social. Ninguém se desenvolve sozinho; mesmo o auto-ditada precisa dos livros que foram escritos por alguém. E se necessitamos dos outros para nos desenvolver estamos A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia Unidade I falando em aprendizagens que vamos tendo ao longo da nossa vida. Portanto, quando falamos em desenvolvimento humano estamos falando em aprendizagem. Para que a apropriação das características humanas se dê, é preciso que ocorra atividade por parte do sujeito: é necessário que sejam formadas ações e operações motoras e mentais, como, por exemplo, empilhar, puxar, comparar, ordenar. A formação dessas habilidades se dá ao longo da interação do indivíduo com o mundo social. Ele deve dominar o uso de um número cada vez maior de objetos e aprender a agir em situações cada vez mais complexas, buscando identificar os significados desses objetos e situações. A Psicologia do desenvolvimento pretende estudar como nascem e como se desenvolvem as funções psicológicas que distinguem o homem de outras espécies. Ela estuda a evolução da capacidade perceptual e motora, das funções intelectuais, da sociabilidade e da afetividade do ser humano. Descreve como essas capacidades se modificam e busca explicar tais modificações. Por intermédio da Psicologia do Desenvolvimento é possível constatar que as manifestações complexas das atividades psíquicas no adulto são frutos de uma longa caminhada. Daí a importância desta disciplina para a Pedagogia: subsidiar a organização das condições para a aprendizagem infantil, de modo que se possa ativar, na criança, processos internos de desenvolvimento, os quais, por sua vez, serão transformados em aquisições individuais. DAVIS; OLIVEIRA ,2008, p.19-20. Ao extrapolar o entendimento da ação do pedagogo a outros espaços, que não só a escola e ao trabalho com crianças, continuamos a pensar da mesma forma. Como já foi dito anteriormente estamos em constante desenvolvimento e, portanto, ao conhecermos sobre a psicologia do desenvolvimento podemos subsidiar a organização das condições para a aprendizagem da criança, do adulto e do idoso. Portanto, estudaremos nas próximas unidades teorias sobre o desenvolvimento humano e a aprendizagem que partem da concepção interacionista para compreender o curso de nossas vidas. Reflita sobre o seu próprio desenvolvimento. Escreva sobre o seu grupo sociocultural e sobre características pessoais herdadas de seus antepassados. Verifique como, pelas suas experiências, você foi se tornando quem é hoje e como foi ficando diferente das pessoas que o cercam. Não precisa ser uma descrição extensa! Pós-Graduação a Distância Encaminhe o texto para o e-mail do tutor da disciplina. 17 Desenvolvimento Humano e Aprendizagem A Constituição do Sujeito: Considerações à Luz da Psicologia 18 Unidade I Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Unidade II Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Vimos, na Unidade I, que nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos ao longo de nossa história e de todo um aparato orgânico. Mas, como acontece a origem e a evolução dos nossos processos psicológicos? Como vamos adquirindo conhecimentos cada vez mais complexos? Como processos psicológicos elementares vão se especializando a ponto de podermos memorizar tantas coisas, prestar atenção por horas em algo que nos interessa, pensar de forma abstrata, fazer generalizações, criar, ter vontade própria, aprender? Essas inquietações passaram pela cabeça de alguns teóricos que buscaram, com seus estudos, respondê-las. Essa busca sobre as origens, sobre a gênese dos processos psíquicos é conhecida como Psicologia Genética. A palavra genética, nesse caso, não corresponde à biologia como estamos acostumados a ouvi-la, mas sim, ao estudo da origem e evolução do desenvolvimento humano a partir de estudos sobre a gênese dos processos psicológicos. Então, iremos estudar, na Unidade II, autores que desenvolveram teorias psicogenéticas. Estudaremos brevemente cada uma dessas teorias, pois não é objetivo do curso nos aprofundarmos no assunto. Além do que, todas são bastante complexas e conhecê-las a fundo demandaria um curso específico. Pós-Graduação a Distância O que pretendemos é que você compreenda os fatores que envolvem o processo de desenvolvimento humano e, conseqüentemente, da aprendizagem, para que esse conhecimento seja útil na sua prática pedagógica. Vamos começar? 19 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Capítulo 3 – Vygotsky – A Perspectiva Sócio-Histórica do Desenvolvimento A postulação de que o cérebro, como órgão material, é a base biológica do funcionamento psicológico toca um dos extremos da psicologia humana: o homem, enquanto espécie biológica, possui uma existência material que define limites e possibilidades para o seu desenvolvimento. O cérebro, no entanto, não é um sistema de funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual. Fonte: OLIVEIRA, M. K, 1997. Vygotsky nasceu em 1896 na extinta União Soviética e morreu em 1934. Foi professor e pesquisador nas áreas de psicologia, pedagogia, filosofia, literatura, deficiência física e mental. Fazia parte de um grupo de jovens intelectuais da Rússia pós-revolução, que trabalhava num clima de idealismo e efervescência intelectual. Baseou-se no materialismo histórico e na dialética de Marx. Vygotsky e o grupo de pesquisadores do qual fazia parte procuraram realizar uma síntese entre duas tendências presentes na psicologia do início do século, que era a psicologia como ciência natural e a psicologia como ciência mental. Síntese, para a dialética, significa algo além da soma entre dois elementos. Portanto, Vygotsky e seus companheiros buscavam algo novo, algo que surge a partir da interação entre os dois elementos iniciais. Dessa forma, “a abordagem que busca uma síntese para a psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico.” (OLIVEIRA, 1997). Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Para Vygotsky, as funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividade cerebral porém, o cérebro não é um sistema de funções fixas, ou seja, suas funções se modificam a partir das necessidades vivenciadas pelo homem. O nosso cérebro é dotado de plasticidade, podendo ser moldado pela ação de elementos externos. 20 Dessa forma, o cérebro não é o único responsável pelo nosso funcionamento psicológico. A sua estrutura é importante para esse funcionamento, mas dependemos, também, das relações sociais que estabelecemos com o mundo exterior. E essas relações se desenvolvem num processo histórico, ou seja, nos relacionamos com o mundo de forma diferente de nossos antepassados. Assim, de acordo com o desenvolvimento da cultura e das suas construções, vamos, também, nos desenvolvendo. A teoria sócio-histórica dá grande ênfase à cultura fazendo parte essencial da nossa constituição humana. Você se lembra da história das meninas criadas por lobos? Elas não se desenvolveram fazendo parte da nossa cultura, suas funções psicológicas não se desenvolveram como as de uma criança que é criada entre humanos. Esse é um caso extremo, mas se pararmos para pensar em diferenças culturais entre pessoas criadas em diferentes países, como Japão e Brasil, por exemplo, podemos constatar diferenças em seu desenvolvimento e na forma de aprendizagem. Encontramos diferenças significativas entre crianças da zona rural e da zona urbana, o que faz com que nós, professores, tenhamos que considerar, sempre, a cultura de nossos alunos, para que tenhamos condições de compreender seus processos de aprendizagem. Um conceito fundamental para a teoria que estamos estudando é o conceito de mediação. Como vimos, nós nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos com o mundo que nos cerca. Porém, para Vygotsky, essas Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II relações não se estabelecem de forma direta, mas a partir de uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo. A partir desses elementos intermediários vamos desenvolvendo nossas funções psicológicas superiores. O ser humano tem a possibilidade de pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar ações a serem realizadas em momentos posteriores. Esse tipo de atividade psicológica é considerada “superior” na medida em que se diferencia de mecanismos mais elementares tais como ações reflexas (a sucção do seio materno pelo bebê, por exemplo), reações automatizadas (o movimento da cabeça na direção de um som forte repentino, por exemplo) ou processos de associação simples entre eventos (o ato de evitar o contato da mão com a chama da vela, por exemplo). (OLIVEIRA, 1997, p. 26) Oliveira (1997) nos apresenta um exemplo interessante que ilustra bem a diferença entre processos elementares e processos superiores. Ela nos diz que é possível ensinarmos um animal a acender a luz em um quarto escuro. Mas seria impossível que o animal, voluntariamente, deixasse de acender a luz caso visse alguém dormindo no quarto. Esse seria um comportamento tipicamente humano. Nós somos capazes de tomar uma decisão a partir de uma informação nova, sem a necessidade de um adestramento. O comportamento intencional, voluntário é um exemplo de comportamento superior que é tipicamente humano. Assim, vamos desenvolvendo nossos processos psicológicos superiores a partir de dois elementos mediadores: os instrumentos e os signos. Instrumentos: são os objetos que utilizamos no dia-a-dia para a realização de algo. Os instrumentos são construídos ao longo da história da humanidade e carregam consigo a função para a qual foram criados. O homem é capaz de construir instrumentos e guardá-los para uso futuro, preservando sua função como conquista a ser transmitida a outras pessoas do seu grupo social, sendo perpassados para gerações futuras. Esse uso de instrumentos é característica exclusiva do homem. Os animais utilizam instrumentos apenas para transformar seu ambiente em um momento específico, mas não são capazes de desenvolver sua relação com o meio num processo histórico-cultural, como o homem. Signos: são elementos que representam ou expressam outros objetos, eventos, situações. As palavras que dão nome aos objetos são signos, que representam um determinado objeto. Uma placa de trânsito do tipo E é um signo que indica que é “proibido estacionar”. Os signos agem como um instrumento da atividade psicológica e são chamados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”. São ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos. A possibilidade de usarmos os signos vai se modificando ao longo do nosso desenvolvimento. Isso se dá justamente pelo fato deles constituírem funções psicológicas mais sofisticadas. Uma criança de três anos dificilmente será capaz de utilizar um mapa para encontrar determinado local, já uma criança maior é capaz de se orientar por meio de mapas mais simples e a possibilidade de orientação por meio de mapas mais complexos irá aumentar à medida que o indivíduo se desenvolve. Esse exemplo pode ilustrar, também, como o meio social e a cultura são importantes para o nosso desenvolvimento. Dificilmente, um índio que vive sem contato com a nossa civilização será capaz de se orientar na floresta por meio de um mapa. Ele, com certeza, desenvolveu outros elementos internos para se orientar e, caso um de nós fosse visitá-lo na floresta sem um mapa para se orientar, com certeza iria ficar absolutamente perdido! Pós-Graduação a Distância São inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos que auxiliam no desempenho de atividades psicológicas. Fazer uma lista de compras por escrito, utilizar um mapa para encontrar determinado local, fazer um diagrama para orientar a construção de um objeto, dar um nó num lenço para não esquecer um compromisso são apenas exemplos de como constantemente recorremos à mediação de vários tipos de signos para melhorar nossas possibilidades de armazenamento de informações e de controle da ação psicológica. (OLIVEIRA, 1997, p.30) 21 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II As funções psicológicas superiores vão ficando cada vez mais sofisticadas à medida que nos desenvolvemos. Ao longo do processo de desenvolvimento, os signos externos vão sendo internalizados e passam a ser substituídos por signos internos, que são representações mentais de objetos do mundo real. Dessa forma, o homem passa a ser capaz de operar mentalmente sobre o mundo, e passa a fazer relações, planejar, comparar, lembrar. Pense em como um bebê se relaciona com o mundo. Ele lida com os objetos de forma direta e aos poucos vai sendo capaz de internalizá-los e de lidar com sua ausência. Uma criança pequena chora muito quando sua mãe sai para trabalhar porque ela não consegue lidar com a sua ausência, ela não tem internalizados os elementos necessários para compreender que sua mãe está saindo e que mais tarde irá voltar. Já uma criança maior é capaz de suportar essa ausência com mais facilidade. Os signos utilizados por uma determinada cultura são compartilhados pelo grupo social, eles não são signos isolados que são utilizados de forma particular. Quando aprendemos o significado de “cadeira” e internalizamos esse conceito, passamos a compartilhá-lo com outros usuários da língua portuguesa, ou seja, eu não preciso que uma cadeira esteja presente para que outra pessoa entenda o que eu estou querendo dizer. Você está entendendo o que eu digo, não está? Você está entendendo porque nós dois, eu e você, temos internalizado todo um código de escrita que vem sendo construído ao longo da história da humanidade. As palavras aqui contidas estão internalizadas por nós dois e permitem que nos relacionemos. Você está sendo capaz de me entender por meio da mediação da linguagem escrita. O grupo cultural em que o indivíduo se desenvolve é que dará os meios para ele perceber e organizar o mundo real. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Uma conseqüência importante das colocações de Vygotsky (...), é que os grupos culturais em que as crianças nascem e se desenvolvem funcionam no sentido de produzir adultos que operam psicologicamente de uma maneira particular, de acordo com os modos culturalmente construídos de ordenar o real. É importante mencionar que a dimensão sociocultural do desenvolvimento humano não se refere apenas a um amplo cenário, um pano de fundo onde se desenrola a vida individual. Isto é, quando Vygotsky fala em cultura não está se reportando apenas a fatores abrangentes como país onde o indivíduo vive, seu nível socioeconômico, a profissão de seus pais. Está falando, isto sim, do grupo cultural como fornecendo ao indivíduo um ambiente estruturado, onde todos os elementos são carregados de significado. Toda a vida humana está impregnada de significações e a influência do mundo se dá por meio de processos que ocorrem em diversos níveis. Assim, se o bebê é colocado para dormir num berço, numa rede ou numa esteira, se quem alimenta a criança é a mãe ou outro adulto, do sexo masculino ou feminino, se o alimento sólido é levado à boca com a mão, talheres ou com palitos, se existem ou não escolas ou outras instituições onde as crianças são submetidas a conteúdos culturais considerados importantes, estes são apenas exemplos da multiplicidade de fatores que definem qual é o mundo em que o indivíduo vai se desenvolver. (OLIVEIRA, 1997, p. 38) 22 Para Vygotsky, o desenvolvimento se dá de “fora para dentro”, ou seja, primeiramente nós realizamos ações externas que são interpretadas pelas pessoas ao nosso redor, de acordo com os significados culturalmente estabelecidos. A partir dessas interpretações que os outros nos dão, das nossas ações no mundo e do próprio mundo que nos cerca, é que passamos a atribuir significado próprio sobre o mundo e desenvolvemos os processos psicológicos internos necessários para a vida em sociedade. Assim, a origem das funções psicológicas superiores é social e, portanto, histórica. É a partir das relações sociais estabelecidas entre o indivíduo e os outros homens que somos capazes de internalizar os instrumentos e signos carregados de significado cultural e nos constituirmos enquanto pessoa. Desenvolvimento e Aprendizado Vygotsky buscou compreender a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos, porém não chegou a formular uma teoria estruturada sobre o desenvolvimento humano que falasse sobre o processo de construção psicológica desde a infância até a idade adulta. O que ele nos apresenta são reflexões e dados de pesquisa sobre vários aspectos do desenvolvimento humano. Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Um dos temas muito relevantes em sua obra é a importância dos processos de aprendizado. Para ele, aprendizado e desenvolvimento estão intrinsecamente relacionados. Como vimos anteriormente, somos seres sociais que nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos ao longo de nossa vida, portanto “existe um percurso de desenvolvimento, em parte definido pelo processo de maturação do organismo individual, pertencente à espécie humana, mas é o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento que, não fosse o contato do indivíduo com certo ambiente cultural, não ocorreriam.” (OLIVEIRA, 1997, p.56). Como vimos no caso das irmãs que foram criadas pelos lobos, elas se desenvolveram a partir do que aprenderam com os lobos, ou seja, aprenderam comportamentos que não são humanos e, portanto, não se comportavam como nós. Porém, como existia uma estrutura biológica humana, elas foram capazes de, em contato com outros seres humanos, aprenderem e se desenvolverem como tais. O desenvolvimento só ocorre na presença de situações propícias ao aprendizado. Isso nos traz a uma reflexão muito importante para qualquer ambiente educacional. Todos nós, independente de idade, deficiência, nível socioeconômico. somos capazes de aprender e estamos em constante desenvolvimento. Porém, precisamos de estar em contato com outras pessoas ou instrumentos que permitam nossa aprendizagem. Necessitamos, para nos desenvolver, de situações propícias ao aprendizado! Será que, de fato, acreditamos no potencial de aprendizagem de todos que nos cercam? Será que, em alguns momentos, ao nos deparamos com um indivíduo que apresenta dificuldades no seu processo de aprendizagem, acreditamos que não temos muito a fazer, pois a pessoa é que não consegue aprender? Será que em algumas situações nós não nos eximimos do processo de ensino-aprendizagem de nossos alunos, focando a aprendizagem apenas no outro, como se ele fosse o único responsável pelo seu desenvolvimento? Vygotsky nos fala de dois tipos de desenvolvimento: o real e o potencial. O desenvolvimento real diz respeito a tudo o que já conseguimos realizar sozinhos. Ao observarmos um aluno, podemos verificar o que ele já consegue fazer sem a nossa ajuda, sem a interferência de um parceiro “mais capaz”1. Estamos falando, então, do seu nível de desenvolvimento real. Porém, existem algumas tarefas que só conseguimos realizar com a ajuda de alguém. Já conseguimos desempenhá-la, mas não sozinhos. Você se lembra quando aprendeu a dar um laço? Inicialmente não conseguia fazer, mas, depois com a ajuda de alguém, conseguiu realizar a tarefa, para então, realizá-la de forma independente. Quando precisamos da ajuda de alguém mais capaz para realizarmos uma tarefa estamos falando do nível de desenvolvimento potencial. Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é fundamental na teoria de Vygotsky. Em primeiro lugar porque representa, de fato um momento do desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que pode, a partir da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Isto é, a capacidade de se beneficiar de uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento, mas não antes. Uma criança de cinco anos, por exemplo, pode ser capaz de construir a torre de cubos sozinha; uma de três anos não consegue construí-la sozinha, mas pode conseguir com a assistência de alguém; uma criança de um ano não conseguiria realizar essa tarefa nem mesmo com ajuda. Uma criança que ainda não sabe andar sozinha só vai conseguir andar com a ajuda de um adulto que a segure pelas mãos a partir de um determinado nível de desenvolvimento. Aos três meses de idade, por exemplo, ela não é capaz de andar nem com ajuda. A idéia de nível de desenvolvimento potencial capta, assim, um momento do desenvolvimento que caracteriza não as etapas já alcançadas, já consolidadas, mas etapas posteriores, nas quais a interferência de outras pessoas afeta significativamente o resultado da ação individual. ( OLIVEIRA, 1997, p. 60) Pós-Graduação a Distância Esses conceitos são importantes pois, na tarefa de educadores, muitas vezes nos preocupamos em observar apenas o nível de desenvolvimento real de nossos alunos e deixamos de lado o seu desenvolvimento potencial. O educador deve atuar exatamente em relação ao desenvolvimento potencial de seus alunos, com a intenção de transformá-lo em desenvolvimento real. 1 O termo “mais capaz” neste texto diz respeito à capacidade de realizar a tarefa em questão. Não quer dizer que existam indivíduos mais capazes do que outros. 23 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Esses conceitos nos fazem pensar sobre a nossa atuação. Muitas vezes insistimos que o indivíduo aprenda algo para o qual ele ainda não está pronto. Ou, outras vezes, dessas está em processo, mas como não nos colocamos ao seu lado, no sentido de ajudá-lo a resolver a tarefa, acabamos interpretando que ele não consegue e não investimos naquela aprendizagem. A partir desses dois conceitos, Vygotsky desenvolveu um terceiro denominado zona de desenvolvimento proximal, que significa “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”. (VYGOTSKY, 1998, p.112) Sendo assim, o que o indivíduo é capaz de realizar hoje com a ajuda de alguém mais capaz, ele será capaz de realizar sozinho futuramente, portanto, a zona de desenvolvimento proximal é um domínio psicológico em constante transformação. O aprendizado desperta processos de desenvolvimento que vão se tornando funções psicológicas consolidadas no sujeito. Ao atuarmos na zona de desenvolvimento proximal de nossos alunos, contribuímos para movimentar os seus processos de desenvolvimento. Portanto, as relações interpessoais são fundamentais para que o aprendizado ocorra. Em qualquer ambiente, cujo foco é o ensino, devemos nos preocupar com o tipo de intervenção pedagógica. Devemos interferir na zona de desenvolvimento proximal de nossos alunos, atuando lado a lado, fornecendo dicas, instruções, assistência e possibilitando que haja uma rica interação entre os colegas. Sempre haverá algum aluno mais capaz para realizar uma determinada tarefa e ele poderá contribuir para o desenvolvimento de seus colegas. Devemos ter cuidado para não interpretar superficialmente a teoria de Vygotsky como diretiva, onde o foco seja apenas a intervenção do professor, fazendo com que o aluno seja visto como um ser passivo. Pelo contrário, a teoria sócio-histórica do desenvolvimento se preocupa em definir um sujeito absolutamente ativo, capaz de reconstruir e reelaborar os significados que lhe são transmitidos pelo grupo cultural. Responda às questões: 1. O que são funções psicológicas superiores? 2. Como, segundo Vygotsky, desenvolvemos nossas funções psicológicas superiores? Desenvolvimento Humano e Aprendizagem 3. O que é “zona de desenvolvimento proximal”? 24 4. Qual a contribuição da teoria de Vygotsky à educação? Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Capítulo 4 – Piaget – A Psicogênese do Desenvolvimento Cognitivo Jean Piaget (Neuchâtel, 9 de Agosto de 1896 — Genebra, 16 de Setembro de 1980) estudou inicialmente biologia, na Suíça, e posteriormente se dedicou à área de Psicologia, Epistemologia e Educação. Foi professor de psicologia na Universidade de Genebra de 1929 a 1954, e ficou conhecido principalmente por organizar o desenvolvimento cognitivo em uma série de estágios. Piaget foi biólogo, zoólogo, filósofo, epistemólogo e psicólogo. Esta experiência de vida e uma vasta cultura científica impregnaram a sua obra com contribuições da biologia, cibernética, matemática, filosofia e sociologia. Escreveu mais de 100 livros e 600 artigos, alguns dos quais contaram com a colaboração de Barbel Inhelder. Entre eles, destacam-se: Seis Estudos de Psicologia, A construção do Real na Criança, A Epistemologia Genética, O Desenvolvimento da Noção de Tempo na Criança, Da Lógica da Criança à Lógica do Adolescente, A Equilibração das Estruturas Cognitivas. Piaget desenvolveu estudos sobre os próprios processos metodológicos, concretamente o método clínico e a observação naturalista. Estes métodos correspondem a importantes avanços na investigação em psicologia. Até morrer, Piaget estudou, escreveu, participou em congressos, polêmicas e debates públicos. Foi um personagem destacado, pela forma empenhada, crítica, interdisciplinar e criativa como orientou as suas investigações. Fonte: (http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_piaget) Como os conhecimentos se formam? Como se aplicam? Como você respondeu a essas questões? Em algum momento você já tinha parado para pensar sobre como os conhecimentos se formam? Pois essas foram as inquietações de Piaget. Ele baseou-se nessas perguntas para desenvolver toda a sua teoria. Portanto, vamos estudar, neste capítulo, algumas respostas que Piaget encontrou para essas perguntas! Piaget também desenvolveu uma teoria interacionista que considera a importância da maturação orgânica como suporte para o desenvolvimento, bem como dá importância fundamental à estimulação proveniente do ambiente físico e social. Pós-Graduação a Distância Como passam de um estado de menor conhecimento para um de maior conhecimento? 25 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Para ele, desenvolvimento humano significa adaptação psicológica ao meio em uma constante busca de equilíbrio. “O desenvolvimento, portanto, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior” (PIAGET, 1969, p. 11). O ser humano, em qualquer estapa do seu desenvolvimento, procura compreender e explicar o mundo em que vive. Porém, uma criança apresenta menos recursos cognitivos para desempenhar tal tarefa, sua explicação, com certeza, será diferente da de um adulto. Mas, o seu interesse em conhecer e explicar algo novo é o mesmo que move o adulto. Piaget nos diz que existem funções constantes e comuns a todas as idades, que são chamadas de “invariantes do desenvolvimento”. Essas invariantes são a função do interesse, da explicação. Já os interesses, bem como as formas particulares de explicar os fenômenos, variam de acordo com as etapas de nosso desenvolvimento. Uma criança de três anos, por exemplo, dificilmente conseguirá explicar a teoria da relatividade, mesmo que tente explicá-la. Já um adulto terá maiores recursos intelectuais para compreendê-la. Os interesses que nos movem também são variáveis. Veja como uma criança pequena se encanta ao se deparar com um brinquedo que solta bolinhas de sabão ou com o controle remoto da televisão ou com o telefone celular! Para ela, tudo é novidade e o que a move no mundo é a descoberta! O adulto já teve muitos anos de exploração do mundo à sua volta e pôde, à medida que suas funções psicológicas superiores foram se constituindo, se interessar por fenômenos mais abstratos. O interesse em conhecer o mundo é o mesmo na criança e no adulto, porém os interesses de cada um são variáveis! Como vimos anteriormente, estamos sempre em busca de um maior equilíbrio. Portanto, ao nos depararmos com algo novo, nossa inteligência procura conhecer e explicar esse “algo novo”. Porém, em vários momentos, não conseguimos explicar o fenômeno desconhecido pois nossa inteligência não possui ainda os recursos necessários para tanto. Tal fato gera um desequilíbrio em nosso organismo que nos move a buscar uma nova conduta que terá a função de reestabelecer o equilíbrio. Pense em você estudando algo novo, difícil, mas que lhe interessa muito: normalmente, a primeira vez que você lê sobre o novo conteúdo, terá dificuldades para compreender toda a teoria apresentada, pois ela apresenta termos e conceitos que não conhece. Isso, provavelmente, vai gerar um incômodo, um desequilíbrio. Então, você procura se familiarizar com os novos termos, pesquisa sobre os conceitos apresentados e, aos poucos, passa a ter condições de compreender todo o conteúdo apresentado e o equilíbrio se reestabelece. Você utilizou recursos psicológicos e conhecimentos anteriores e somou a eles outros novos. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Assim, Piaget procura explicar a evolução da nossa inteligência que passa por diferentes estágios, onde cada estágio é caracterizado pela aparição de estruturas originais, cuja construção o distingue dos estágios anteriores. Nossa inteligência vai sendo construída (aí o termo construtivismo) passo a passo, tijolo a tijolo. 26 O essencial dessas construções sucessivas permanece no decorrer dos estágios ulteriores, como subestruturas, sobre as quais se edeficam as novas características. Segue-se que, no adulto, cada um dos estágios passados corresponde a um nível mais ou menos elementar ou elevado da hierarquia das condutas. Mas a cada estágio correspondem também características momentâneas e secundárias, que são modificadas pelo desenvolvimento ulterior, em função da necessidade de melhor organização. Cada estágio constitui então, pelas estruturas que o definem, uma forma particular de equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais completa. (PIAGET, 1969, p. 14). Piaget nos apresenta três conceitos que são fundamentais em sua teoria: esquemas, assimilação e acomodação. Esquema é uma estrutura mental que organiza a atividade humana, tanto para a ação quanto para a atividade intelectual. Nós possuímos diferentes esquemas que estão em constante mudança. Imagine um adulto que sabe andar de bicicleta. Ele vai à casa de um amigo e esse o convida para dar um passeio de bicicleta. Esse objeto já é conhecido por ele, que já construiu anteriormente o esquema conceitual sobre bicicleta, o que o faz identificar o objeto, mesmo que seja diferente da que tem em casa, ou da primeira que conheceu. Ele possui também um esquema de ação que o permite subir na bicicleta e sair pedalando sem cair. Esse passeio de bicicleta não trouxe nenhum desequilíbrio nem a necessidade de construção ou adaptação de seus esquemas para que ele conseguisse desempenhar a tarefa. Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Porém, imagine uma criança que nunca viu uma bicicleta. Ela terá que manipular o objeto, ir aos poucos e, provavelmente, com a ajuda de alguém, compreendendo sua função e elementos. Essa compreensão se dá, inicialmente, com a incorporação dos elementos novos apresentados a esquemas já existentes, ou seja, a criança assimila o novo objeto. Porém, como ela não tem ainda o esquema “bicicleta” formado, necessita construí-lo, ou seja precisa modificar estruturas anteriormente construídas, acomodando a essas a novidade, possibiltando, assim, a construção do novo conceito. Portanto, a assimilação procura assinalar o mundo exterior às estruturas já constituídas. Já a acomodação procura reajustar os esquemas em função das transformações ocorridas. Nesse momento, em que você está aprendendo uma nova teoria, está aplicando tudo o que vimos até então. Está se deparando com vários termos e conceitos novos que lhe causam um desequilíbrio. Mas você precisa aprender a teoria em questão, porém seus esquemas conceituais já constituídos não são suficientes para que compreenda toda a teoria, então necessita modificá-los, reajustá-los para que a teoria seja compreendida. Você precisa assimilar a teoria e acomodá-la em novos esquemas conceituais. Assim, quando você já conhece um determinado objeto, um cachorro, por exemplo, sempre que você se deparar com esse tipo de animal você irá assimilá-lo ao esquema conceitual cachorro já constituído. Não haverá, portanto, necessidade de acomodação. Porém, se você se deparar com algo absolutamente novo, irá assimilar o objeto a algum esquema conceitual prévio, mas que precisa ser modificado para “dar conta” de explicá-lo, ou seja, você precisará acomodar o pensamento, os esquemas, ao novo objeto. Portanto, a construção do conhecimento se dá da seguinte forma: Assimilação Acomodação Equilibração ou Adaptação Novos ESQUEMAS Esses conceitos estudados são fundamenatis para compreendermos a teoria de Piaget. Nós iremos estudar os estágios de desenvolvimento apresentados na teoria. Porém, é importante ressaltar que Piaget não fixou o desenvolvimento humano em fases e etapas, como muitos costumam dizer. Ele categorizou fases para mostrar a evolução da inteligência humana, o que não significa que todos levem o mesmo tempo para mudar de fase ou que devemos ficar preocupados em separar as crianças por idade para que possamos trabalhar com elas. Essa idéia parte de uma leitura superficial da teoria, pois ela apresenta o desenvolvimento de forma dinâmica e sempre em processo de construção. Porém, como todos somos seres humanos e possuímos uma estrutura biológica semelhante e vivemos em grupos culturais que nos faz semelhantes em vários aspectos, nós seguimos um caminhar psicológico que pode ser estudado e descrito. O que não podemos é utilizar a teoria para igualar as pessoas e achar que existe um desenvolvimento padrão, onde uma criança que apresenta um desenvolvimento em um ritmo diferente passa a ser encarada como desviante e, portanto, excluída de vários processos educacionais e sociais. Essa fase dura do nascimento até a aquisição da linguagem e é marcada por um extraordinário desenvolvimento mental. Como o próprio nome já diz, é a fase em que a criança se utiliza de uma inteligência prática, sensório-motora, para explorar e conhecer o ambiente a sua volta. Quando o bebê nasce, ele apresenta apenas comportamentos reflexos e não se diferencia do mundo que o cerca. Isso significa dizer que ele percebe tudo, inclusive ele mesmo, como uma coisa só. O comportamento reflexo, ao ser repetido diversas vezes, vai se epecializando e se tornando mais complexos, passando a constituir o ponto de partida para novas condutas adquiridas com a ajuda da experiência. Assim, as pessoas e os objetos começam a existir para o bebê, mas ele ainda não está totalmente diferenciado, ainda não se reconhece como um pessoa independente do meio. Pós-Graduação a Distância Fase Sensório-Motora (0-2 anos) 27 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Nessa fase, o bebê começa a apresentar uma capacidade de manipulação do espaço físico e, portanto, começa a construir “esquemas senso-motores”. Para Piaget, essa construção é o início da inteligência e ele chama de “inteligência prática”. Para o autor, “a inteligência aparece, com efeito, bem antes da linguagem, isto é, bem antes do pensamento interior que supõe o emprego de signos verbais (da linguagem interiorizada). Mas é uma inteligência totalmente prática, que se refere à manipulação dos objetos e que só utiliza, em lugar de palavras e conceito, percepções e movimentos, organizados em “esquemas de ação”. (PIAGET, 1969, p.18) Quando o bebê se utiliza de uma vareta para pegar uma bola embaixo do sofá, ele apresenta um ato inteligente, pois precisou compreender antecipadamente a relação entre a vareta e a bola e planejar a ação. Ao final desta fase, a criança apresenta uma inteligência prática, portanto, pouco reflexiva. Ela será capaz de organizar o mundo em categorias do objeto e do espaço, da causalidade e do tempo, porém todas a título de categorias práticas ou de ação. Ainda não estamos falando de pensamento. Fase Pré-Operacional (2-7 anos) Esta fase é marcada pelo aparecimento da linguagem que modifica consideravelmente a conduta da criança, que passa a ser capaz de reconstruir suas ações passadas sob forma de narrativas e antecipar suas ações futuras por meio de representação mental. Essa evolução nos traz três importantes conseqüências: • a criança passa a interagir mais com outras pessoas, ou seja, há o início da socialização da ação. Repare em uma criança antes de completar dois anos de idade. Ela pode até estar entre outras crianças, mas se socializa muito pouco e brinca sozinha. Ela se detém mais nos objetos do que nas pessoas. Depois da aquisição da linguagem, ela passa a interagir mais com outras crianças. • há a aparição do pensamento propriamente dito, ou seja, a interiorização da palavra. A criança passa a apresentar uma linguagem interior. Não é assim que organizamos nosso pensamento? Por meio de uma linguagem interior? Desenvolvimento Humano e Aprendizagem • há uma interiorização da ação, que deixa de ser absolutamente prática e passa a existir no campo mental. A criança passa a ser capaz de planejar suas ações. 28 Nesta fase, a criança, portanto, começa a formar o seu pensamento e procura explicar, por meio dele, o mundo que a cerca. Porém, ela ainda apresenta o que Piaget chama de egocentrismo. A criança percebe o mundo a partir do seu ponto de vista e assim o explica, sem um preocupação lógica com a organização do mundo real. Assim, você pode facilmente ouvir a seguinte resposta de uma criança de cinco anos ao ser perguntada sobre o porquê da chuva: - Chove porque está muito quente e a mamãe falou que já estava passando da hora de chover! Para a criança, é impossível que algo aconteça sem que haja uma vinculação com ela ou com as pessoas que a cercam. Para ela, compreender sobre a lógica da chuva , nesta idade, é muito difícil. A criança, apresenta uma assimilação deformada da realidade à própria atividade. O pensamento da criança apresenta-se de forma intuitiva, ou seja, ele se forma a partir da percepção que a criança tem do fenômeno e, como ela apresenta-se em um estado ainda egocêntrico, importa-se pouco com a análise das relações existentes. Piaget relata vários experimentos com crianças para comprovar sua teoria. Iremos relatar um que demonstra como se dá o pensamento intuitivo da criança: Apresentam-se aos sujeitos seis a oito fichas azuis enfileiradas com pequenos intervalos, e pede-se-lhes para pegar outras fichas vermelhas que poderão tirar de um monte à disposição. Por volta de quatro a cinco anos em média, as crianças construirão uma fileira de fichas vermelhas de mesmo tamanho que as das azuis, mas sem se preocuparem com o número de elementos nem com a correspondência termo a termo de cada ficha vermelha com a azul. Há, aí, uma forma primitiva de intuição, que consiste Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II em avaliar a quantidade somente pelo espaço ocupado, isto é, pelas qualidades perceptivas globais da coleção focalizada, sem se importar com a análise das relações. Por volta dos cinco a seis anos, por outro lado, observa-se uma reação muito interessante: a criança coloca uma ficha vermelha em frente a cada ficha azul, concluindo, desta correspondência termo a termo, uma igualdade das duas coleções. No entanto, se afastarmos um pouco as fichas extremas da fileira das vermelhas, de modo a que não fiquem exatamente debaixo das azuis, um pouco ao lado, a criança que viu que não se tirou nem acrescentou nada, avalia que as duas coleções não são iguais e afirma que a fileira mais longa contém “mais fichas”. Colocando-se, simplesmente, uma das fileiras em um pacote sem tocar na outra, a equivalência das duas coleções perde mais ainda. Em suma, há equivalência enquanto existe correspondência visual ou ótica. A igualdade não se conserva por correspondência lógica, não havendo, portanto, uma operação racional, mas sim uma simples intuição. Esta é a articulada e não mais global, permanecendo ainda intuitiva, isto é, submetida ao primado da percepção. (PIAGET, 1969, p. 35) O pensamento intuitivo apresenta-se de forma rígida e irreversível. Para Piaget, o conceito de reversibilidade é importantíssimo. Reversibilidade é a capacidade de antecipação das conseqüências e reconstituição dos estados anteriores. A criança nessa fase, enquanto apresenta o pensamento de forma intuitiva, é incapaz de reverter o estado das coisas, ou seja o que ela percebe é o estado final, o que aparece à sua frente. Ela é incapaz de rever todo o processo e inverter o pensamento de trás para a frente. Podemos exemplicar a questão da reversibilidade da seguinte forma: Imagine dois copos de água, sendo um comprido e fino (A) e outro curto e largo (B) A B Você pega uma quantidade de água e enche os dois copos com a mesma quantidade. Limite de água A B Para você, essa parece uma pergunta muito óbvia! É claro que os dois copos têm a mesma quantidade de água. Você é capaz de responder a esta pergunta corretamente porque o seu pensamento é reversível, ou seja, mesmo vendo que em um dos copos a água está mais alta você recorda que anteriormente foi colocada a mesma quantidade de água em ambos os copos. O seu pensamento é capaz de refazer todo o caminho percorrido e voltar ao início para chegar à conclusão adequada. Porém, uma criança que ainda apresenta o pensamento intuitivo, responderá que há mais água no copo comprido e fino. Ela dará essa resposta porque seu pensamento ainda é irreversível e ela percebe apenas o que está concretamente à sua frente, sendo incapaz de reverter todo o pensamento transformando-o em uma operação! Pós-Graduação a Distância Qual copo que tem mais água? 29 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Fase Operatória-Concreta (7-12 anos) Iniciaremos a explanação sobre essa fase com as próprias palavras de Piaget: Do ponto de vista das relações interindividuais, a criança, depois dos sete anos, torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio ponto de vista com o dos outros, dissociando-se mesmo para coordená-los. Isto é visível na linguagem entre crianças. As discussões tornam-se possíveis, porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. As explicações mútuas entre crianças se desenvolvem no plano do pensamento e não somente no da ação material. A linguagem “egocêntrica” desaparece quase totalmente e os propósitos espontâneos da criança testemunham, pela própria estrutura gramatical, a necessidade de conexão entre as idéias e de justificação lógica. (PIAGET, 1969,p. 43) Essa fase marca o início da construção lógica do mundo que cerca a criança. A realidade passa a ser estruturada pela própria razão da criança e, não mais, pela sua percepção. Ela passa a pensar antes de agir, dando início à capacidade de reflexão. Para Piaget, essa mudança na forma do pensamento é constituída pelas operações no campo da inteligência e, pela vontade, no campo da afetividade. A criança passa a ser capaz de realizar operações mentais e a ter vontade sobre as coisas. As ações interiorizadas vão-se tornando cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O pensamento não é mais egocêntrico e a criança passa a ser capaz de construir um conhecimento mais próximo do mundo que a cerca. Você se lembra do conceito de reversibildade que estudamos na fase pré-operatória? É por causa da possibilidade de reversibilidade do pensamento, adquirida nessa fase, que podemos falar em pensamento operatório. A criança, na fase operatória-concreta, é capaz de compreender que o todo é formado por partes e que essa composição supõe operações reais de segmentação ou de divisão e, inversamente, de reunião ou adição. Isso leva a uma noção fundamental para a inteligência que é o princípio da conservação. Você se lembra do experimento dos copos com água? Nessa fase a criança é capaz de responder que a quantidade de água é a mesma nos dois copos, pois, por meio da conservação, ela é capaz de compreender todo o processo, não ficando presa apenas ao resultado final. Nessa etapa do desenvolvimento, a criança consolida as noções de tempo, causalidade e conservação como esquemas gerais de pensamento. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Porém, essa construção do pensamento lógico vai ocorrendo passo a passo e nessa etapa a criança ainda necessita do mundo concreto para organizá-lo. Ela já é capaz de se diferenciar dos objetos e de pessoas; já é capaz de construir uma explicação lógica para os acontecimentos, mas ainda não é capaz de pensar totalmente no campo da abstração. Ela pensa, concretamente sobre cada problema à medida que a realidade o propõe. 30 Por isso que, quando trabalhamos com crianças nessa etapa do desenvolvimento, precisamos utilizar o tão famoso “material concreto”. Ela ainda não consegue realizar operações mentais apenas no campo da abstração, pois precisa, ainda, ver as coisas acontecendo para compreendê-las. Fase Operatória-Formal (Adolescência) Essa fase é caracterizada pela possibilidade do indivíduo de construir sistemas e “teorias”. O adolescente se interessa por problemas inatuais, sem relação com as realidades vividas no dia-a-dia. Ele apresenta uma grande facilidade para elaborar teorias abstratas que, normalmente, pretendem mudar o mundo! Nessa etapa do desenvolvimento, o pensamento deixa de ser concreto passando a ser “formal”, ou seja “hipotético-dedutivo”. Até esta idade, as operações da inteligência infantil são, unicamente, concretas, isto é, só se referem à própria realidade e em particular aos objetos tangíveis, suscetíveis de serm manipulados e submetidos a experiências efetivas. (...). Por exemplo, todas as crianças de nove a dez anos sabem seriar as Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II cores melhor ainda que os tamanhos, mas fracassam totalmente em resolver uma pergunta, feita por escrito, como esta: “Edith tem os cabelos mais escuros que Lili. Edith é mais clara que Suzana. Qual das três tem os cabelos mais escuros?” Respondem, em geral que Edith e Lili sendo morenas, Edith e Suzana sendo claras, Lili é a mais morena, Suzana, a mais clara e Edith meio clara, meio morena. Só alcançam portanto, no plano verbal, uma seriação por pares não coordenados, do mesmo modo que os de cinco ou seis anos nas seriações concretas.(...) Ora, após os 11 ou 12 anos, o pensamento formal torna-se possível, isto é, as operações lógicas começam a ser transpostas do plano da manipulação concreta para o das idéias, expressas em linguagem qualquer (a linguagem das palavras ou dos símbolos matemáticos, etc.), mas sem o apoio da percepção, da experiência, nem mesmo da crença. Quando se diz, no exemplo citado acima, “Edith tem cabelos mais claros que os de Suzana, etc.”, coloca-se na verdade, no abstrato, três personagens fictícios, que para o pensamento são apenas simples hipóteses. É sobre estas que se pede para raciocinarem. O pensamento formal é, portanto, “hipotético-dedutivo”, isto é, capaz de deduzir as conclusões de puras hipóteses e não somente através de uma observação real. Suas conslusões são válidas, mesmo independentemente da realidade de fato, sendo por isto que esta forma de pensamento envolve uma dificuldade e um trabalho mental muito maiores que o pensamento concreto. (PIAGET, 1969, p.63) É importante compreendermos que toda essa evolução do pensamento humano se dá devido à nossa maturação biológica e a toda uma vivência rica em experiências. Nós atingimos o nível do pensamento formal pois vamos sendo estimulados e, pouco a pouco, vamos caminhando e seguindo o percurso que nos leva da inteligência prática, para uma inteligência mais voltada à nossa percepção (intuitiva), para uma inteligência concreta, para, só então, chegarmos ao nível “hipotéticodedutivo”. Isso não significa dizer que vamos completar todas as etapas dentro das idades propostas na teoria, mas que, para chegarmos ao nível formal devemos passar por todos os outros. O tempo de cada um é que difere, mas a construção se dá da mesma forma para todos! Podemos encontrar adultos que ainda operam em um nível concreto, apresentando grandes dificuldades em lidar com abstrações. Essa relidade é comum em uma classe de alfabetização de adultos. Por isso é importante conhecermos o desenvolvimento – para sermos capazes de apoiá-lo na construção do pensamento. Não estamos dizendo que todo adulto analfabeto é incapaz de abstrações! Vamos ter cuidado com as simplificações, pois muitos, mesmo não sabendo ler e escrever, vivenciam situações cotidianas que podem propiciar o desenvolvimento do raciocínio formal. Nós, enquanto educadores, devemos estar atentos à forma como nossos alunos pensam. Temos que ter muito cuidado para não ficarmos presos apenas nos resultados por eles apresentados. Temos que nos preocupar e atuar no processo de construção do conhecimento, no caminho que o aluno percorre para atingir, satisfatoriamente, o resultado esperado. Isso é construtivismo! Responda às questões: 2. Como se dá a construção do conhecimento, para Piaget? Defina cada um dos termos. 3. O que marca o início de cada uma das fases de desenvolvimento descritas por Piaget? 4. Qual a contribuição da teoria de Piaget à educação? Pós-Graduação a Distância 1. O que significa, para Piaget, o conceito de Equilibração? 31 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Capítulo 5 – Wallon – A Psicogênese da Pessoa Wallon nasceu na França, em 1879, e morreu em 1962. Antes de chegar à psicologia passou pela medicina e filosofia. Viveu entre as duas grandes guerras, vivenciando o avanço do fascismo, a revolução socialista, as guerras para libertação das colônias africanas. Alinhava-se à política de esquerda, fazendo parte da “resistência francesa”. Participou ativamente do debate educacional de sua época. Sua teoria, também interacionista, parte do princípio de que “o homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito, portanto, a uma dupla história, a de suas disposições internas e a das situações exteriores que encontra ao longo de sua existência” (Galvão, 1995, p. 29). Ou seja, há um organismo, um corpo fisiológico que existe como condição primeira do pensamento, porém a ação mental provém do exterior, do meio em que vivemos. Mais uma vez estamos falando em um processo de desenvolvimento que parte de uma determinação recíproca entre o organismo e o meio que o cerca. Wallon se preocupa em estudar a criança contextualizada, onde observa que de acordo com cada idade, ela estabelece um tipo de relação diferente com o seu ambiente. Inicialmente, o nosso desenvolvimento é mais marcado por fatores orgânicos e, progressivamente, à medida que nos desenvolvemos, o biológico vai cedendo espaço para o social. Observe um bebê recém nascido: Ele é praticamente só reflexos e pouco existe da influência do meio em seu comportamento. À medida que ele vai interagindo com as pessoas e com o espaço e objetos, vai se modificando. Existe um processo de maturação biológica que vai permitindo que a criança engatinhe, depois ande, possibilitando, assim, que ela aumente as suas possibilidades de interação com o meio ambiente. Sem a maturação biológica adequada, a relação com o mundo fica mais restrita e, conseqüentemente, o desenvolvimento é afetado. A cultura e a linguagem assumem um papel fundamental na teoria de Wallon, pois para ele, assim como para Vygotsky, as condutas psicológicas superiores dependem das interações que estabelecemos ao longo de nossa vida. Pensando assim, não há como definirmos um limite para o nosso desenvolvimento. Nós nunca paramos de especializar e sofisticar as nossas funções psíquicas, mesmo que já tenhamos atingido a maturação orgânica completa. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem A psicogenética Walloniana não apresenta o desenvolvimento de forma linear, onde estágios vão sendo sucedidos por outros como resultado do amadurecimento. Para o autor, o nosso amadurecimento é marcado por conflitos e, ao passarmos de um estágio para outro, vivemos uma grande reformulação que gera momentos de crise, podendo afetar visivelmente a conduta do indivíduo. 32 Para Wallon, o nosso desenvolvimento acontece com a sucessão de fases que se alternam entre a predominância afetiva e cognitiva. Possuímos recursos internos que se modificam ao longo de nossa existência e nos possibilitam interagir de diferentes formas com o meio cultural. Assim, nas fases em que a criança apresenta uma maior predominância afetiva, ela está mais voltada para si mesma, percebendo-se e diferenciando-se do meio em que vive. Já no momento de maior predominância cognitiva, ela está mais aberta ao seu meio social, às relações, ocorrendo assim uma elaboração do real conhecimento do mundo físico. Se você pensar no seu próprio desenvolvimento, você é capaz de identificar fases dessa forma? Existem momentos em que estamos mais voltados à aprendizagem, às relações com as pessoas e, outros momentos em que estamos mais introspectivos, parecendo que precisamos de um tempo para compreender o mundo à nossa volta. Pois é assim que Wallon identifica as nossas fases de desenvolvimento e descreve cinco estágios para o desenvolvimento infantil. Não vamos nos deter nesses estágios, pois não são o foco da teoria. Apresentaremos um trecho do texto de Izabel Galvão (1995), que descreve bem resumidamente os cinco estágios, para que você compreenda essa alternância entre fases afetivas e cognitivas. Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II No estágio impulsivo-emocional, que abrange o primeiro ano de vida, o colorido peculiar é dado pela emoção, instrumento privilegiado de interação da criança com o meio. Resposta ao seu estado de imperícia, a predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, as quais intermediam sua relação com o mundo físico; a exuberância de suas manifestações afetivas é diretamente proporcional a sua inaptidão para agir diretamente sobre a realidade exterior. No estágio sensório-motor e projetivo, que vai até o terceiro ano, o interesse da criança se volta para a exploração sensório-motora do mundo físico. A aquisição da marcha e da preensão possibilitam-lhe maior autonomia na manipulação de objetos e na exploração de espaços. Outro marco fundamental desse estágio é o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo “projetivo”, empregado para nomear o estágio deve-se à característica do funcionamento mental nesse período: ainda nascente, o pensamento precisa do auxílio dos gestos para se exteriorizar, o ato mental “projeta-se” em atos motores. Ao contrário do estágio anterior, nesse predominam as relações cognitivas com o meio (inteligência prática e simbólica). No estágio do personalismo , que cobre a faixa dos três aos seis anos, a tarefa central é o processo de formação da personalidade. A construção da consciência de si, que se dá por meio das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas definindo o retorno da predominância das relações afetivas. Por volta dos seis anos, inicia-se o estágio categorial, que graças à consolidação da função simbólica e à diferenciação da personalidade realizadas no estágio anterior, traz importantes avanços no plano da inteligência. Os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior, imprimindo às suas relações com o meio preponderância do aspecto cognitivo. No estágio da adolescência, a crise pubertária rompe a “tranqüilidade” afetiva que caracterizou o estágio categorial e impõe a necessidade de uma nova definição dos contornos da personalidade, desestruturados devido às modificações corporais resultantes da ação hormonal. Esse processo traz à tona questões pessoais, morais e existenciais, numa retomada da predominância afetiva. Porém, para Wallon, o desenvolvimento humano não é linear, como já foi dito anteriormente, ele é marcado por conflitos e retrocessos. Portanto, enquanto não há uma integração entre a conduta mais antiga pela mais recente, as funções anteriores ficam sujeitas a aparições intermitentes. O ritmo descontínuo que Wallon assinala ao processo de desenvolvimento infantil assemelha-se ao movimento de um pêndulo que, oscilando entre pólos opostos, imprime características próprias a cada etapa do desenvolvimento. Aliás, se pensamos na vida adulta, vemos que esse movimento pendular continua presente. Faz-se visível no permanente pulsar a que está sujeito cada um de nós:ora mais voltados para a realidade exterior, ora voltados para si próprios; alternando fases de acúmulo de energia, a fases mais propícias para o dispêndio. (GALVÃO, 1995,p.47) Pós-Graduação a Distância A partir dessa leitura podemos perceber a alternância entre momentos afetivos (subjetivos) e cognitivos (objetivos). Wallon chama essa alternância de predominância funcional. Essa alternância não significa que as funções mais evoluídas suprimem as mais arcaicas, pelo contrário, elas incorporam as funções mais elementares e passam a exercer o controle. Esse fenômeno é chamado de integração funcional, ou seja, ao aprendermos algo novo, não deixamos para trás o que já havíamos apreendido anteriormente, nós reelaboramos, integramos a capacidade anterior à nova aprendida. 33 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Campos Funcionais Para Wallon, o ser humano é um todo que integra três campos funcionais: a afetividade, o ato motor e a inteligência. No início, esses três campos aparecem bem indiferenciados e, ao longo do desenvolvimento, eles vão adquirindo independência um do outro. O conceito de diferenciação é muito importante para Wallon. Se pensarmos em um recém-nascido, ele ainda não tem consciência de si, ele não sabe quem é, o que é o mundo ou o que são as pessoas. Para ele, tudo é uma coisa só. À medida que vamos amadurecendo e nos relacionando, passamos a nos perceber como pessoas diferentes das demais, passamos a tomar consciência do nosso “eu”, passamos a nos diferenciar. Se pensarmos que o “eu” é constituído por afetividade, ato motor e inteligência deixamos de valorizar apenas o desenvolvimento da inteligência nos espaços educativos. Ao contrário do que propõe a tradição intelectualista do ensino, uma pedagogia inspirada na psicogenética walloniana não considera o desenvolvimento intelectual como a meta máxima e exclusiva da educação. Considera-a, ao contrário, meio para a meta maior do desenvolvimento da pessoa, afinal, a inteligência tem status de parte no todo constituído pela pessoa. Portanto, iremos estudar cada um dos campos funcionais, pois, o ato pedagógico deve enfatizar a pessoa como um todo e não apenas um aspecto. Emoção Imagine um bebê nos seus primeiros meses de vida. Como ele consegue se expressar? Ele ainda não fala nem consegue compreender o mundo à sua volta. Apenas apresenta reflexos que vão sendo aos poucos interpretados pelo adulto. O choro, por exemplo, é um reflexo de algo que incomoda. E o choro mobiliza o adulto a agir de forma a melhorar o estado de incômodo da criança. Assim, no início de nossas vidas nós estabelecemos uma comunicação afetiva com o mundo que nos cerca. Estabelecemos um diálogo baseado em componentes corporais e expressivos. Portanto,a emoção, para Wallon, é a nossa primeira expressão. É nela que está a origem da consciência, operando a passagem do mundo orgânico para o social, do plano fisiológico para o psíquico. À medida que nossas expressões afetivas vão sendo significadas pelos adultos, passamos a nos diferenciar e apresentar atos mais intencionais. Ou seja, passamos a nos perceber enquanto pessoas e passamos a conhecer o mundo e as pessoas que nos cercam. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem É importante fazermos a distinção entre afetividade e emoção.A vida afetiva é um conceito mais abrangente que engloba as emoções, os sentimentos e o desejo. A emoção, portanto, compõe a afetividade e para Wallon, 34 As emoções possuem características específicas que as distinguem de outras manifestações da afetividade. São sempre acompanhadas de alterações orgânicas, como aceleração dos batimentos cardíacos, mudanças no ritmo da respiração, dificuldades na digestão, secura na boca. Além dessas variações no funcionamento neurovegetativo, perceptíveis para quem as vive, as emoções provocam alterações na mímica facial, na postura, na forma como são executados os gestos. Acompanham-se de modificações visíveis do exterior, expressivas, que são responsáveis por seu caráter altamente contagioso e por seu poder mobilizador do meio humano. (GALVÃO, 1995, p.61) No bebê, a afetividade se confunde com as emoções, pois toda expressão afetiva do bebê é acompanhada de alterações orgânicas (reflexos). Com a aquisição da linguagem, passamos a ser capazes de compreender essas alterações e até controlá-las em vários momentos. Assim, a emoção vai dando espaço ao sentimento e a afetividade vai ficando independente dos fatores corporais. Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Portanto, à proposição que vamos construindo nossos recursos intelectuais a emoção vai diminuindo. Passamos a ser capaz de controlá-la e, também, de nos expressar por outros meios. Assim, a atividade intelectual mantém uma relação de antagonismo com as emoções: Na vida cotidiana é possível constatar que a elevação da temperatura emocional tende a baixar o desempenho intelectual e impedir a reflexão objetiva. O poder subjetivador das emoções (que volta a atividade do sujeito para suas disposições íntimas, orgânicas) incompatibiliza-se com a necessária objetividade das operações intelectuais; é como se a emoção embaçasse a percepção do real, impregnando-lhe de subjetividade e portanto dificultando reações intelectuais coerentes e bem adaptadas. (GALVÃO, 1995, p.66). Um outro fator importante sobre a emoção é o seu forte poder de contágio. Imagine-se em um estádio de futebol, ou em um show do seu ídolo. Como você se comporta? Provavelmente se deixará contagiar pela “energia” do momento. Vai dançar, vai pular, vai gritar e pode, até, chorar! Isso é o poder contagiante da emoção... Galvão (1995, p. 65)) nos diz que “devido ao seu poder de contágio, as emoções propiciam relações interindividuais nas quais diluem-se os contornos da personalidade de cada um. Como aprendemos que a intelectualidade diminui o poder da emoção, fica claro que quando uma pessoa apresenta uma “crise emocional”, essa pode melhorar à medida que a pessoa vai conseguindo definir suas causas. Assim, em uma situação de sala de aula, onde os alunos estão eufóricos, falando alto, onde parece que perdemos o controle, temos que ter cuidado para não nos contagiarmos com esse ambiente e acabar contribuindo pouco para a solução necessária. É importante que tenhamos consciência sobre esses processos psicológicos, que mantenhamos a calma para que, aos poucos, possamos acalmar a turma. Estaremos usando, assim, os nossos recursos intelectuais e os dos alunos para voltarmos à calma necessária para o andamento das atividades. O que você entende pela frase escrita por Dantas (1990): “a razão nasce da emoção e vive da sua morte”? Ato Motor Essa função está intimamente ligada à atividade intelectual. Repare em seus movimentos e expressões faciais enquanto lê esse material. Quando você se depara com algo que não entende muito bem, provavelmente faz uma expressão diferente ou se movimenta na cadeira. Em muitos momentos, é a função postural que dá sustentação à atividade intelectual. Às vezes, quando nos deparamos com algum problema intelectual de difícil solução ou quando estamos estudando há muito tempo, não faz bem quando nos levantamos e damos uma boa “espreguiçada”? Parece que o movimento (a variação tônica) desobstrui o fluxo mental. Se observarmos o nosso desenvolvimento podemos constatar que a criança reage corporalmente aos estímulos externos. Ela precisa, ainda, do corpo para se expressar. Pense em uma criança descrevendo algo grande. Ela costuma falar, por exemplo, que a bola é desse tamanho (e gesticula mostrando o tamanho grande)! Pós-Graduação a Distância Wallon dá grande ênfase ao ato motor. Para ele, a motricidade não se resume apenas ao movimento, mas também à nossa atividade muscular que pode ocorrer sem que o corpo se desloque no espaço. A esse fenômeno, dá-se o nome de função postural ou tônica. 35 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II À medida que vamos desenvolvendo nossas funções intelectuais vamos tendo menos necessidade de nos expressar por meio dos gestos. Os progressos da atividade cognitiva fazem com que o movimento se integre à inteligência. Um outro ponto importante em relação ao ato motor que Wallon nos diz é que toda a nossa motricidade vai se especializando de acordo com a nossa cultura: A gestualidade expressiva que resiste ao processo de objetivação crescente por que passa o movimento depende do ambiente cultural. Do amplo repertório gestual da criança, tendem a desaparecer gestos que não correspondem a uma prática social, ou seja, aqueles habitualmente não utilizados pelos adultos. Para ficar mais clara esta idéia, tomemos o exemplo de duas culturas bem distintas – a italiana e a japonesa – e vejamos o uso que fazem da gestualidade expressiva. Sobre os italianos diz-se que “falam com as mãos”. De fato, gesticulam muito enquanto falam e até podemos dizer que gesticulam para falar, de tal forma o fluxo das idéias parece depender do movimento das mãos e do corpo. Já os japoneses pouco recorrem à gestualidade expressiva enquanto falam, quase não mexem as mãos ou o corpo, sua expressão verbal parece mais independente do movimento. Cada cultura possui especificidades distintas no processo de objetivação e internalização do movimento. (GALVÃO, 1995, p. 75) A nossa possibilidade de controle voluntário sobre o ato motor é progressivo e está vinculado ao amadurecimento dos centros e inibição e discriminação situados no córtex cerebral e a aspectos culturais. Aí está a dificuldade da criança em permanecer na mesma posição ou fixar a atenção sobre um foco. As dificuldades da criança em permanecer parada e concentrada como a escola exige testemunham que a consolidação das disciplinas mentais é um processo lento e gradual, que depende não só de condições neurológicas, mas também está estreitamente ligada a fatores de origem social, como desenvolvimento da linguagem e aquisição de conhecimento. Assim, a escola tem um importante papel na consolidação das disciplinas mentais. (GALVÃO, 1995, p. 76) Como você percebe que os espaços educativos trabalham com a questão da motricidade? Ela é levada em consideração? Desenvolvimento Humano e Aprendizagem A Inteligência (Pensamento, Linguagem e Conhecimento) 36 Para Wallon, a linguagem é o instrumento e o suporte fundamental para os progressos do pensamento. É a linguagem que exprime e estrutura o pensamento. A partir dessa visão, o autor optou por estudar a inteligência por meio do pensamento discursivo (verbal). Com a aquisição da linguagem, a criança passa a não reagir apenas ao mundo concreto, ou seja, sua atividade passa a comportar adiamentos, reservas para o futuro, projetos. Observe uma criança pequena quando seus pais saem para trabalhar. Ela chora muito e fica difícil compreender que ela ficará um espaço de tempo sem eles, mas que depois eles voltarão. Uma criança maior, que já organiza seu pensamento por meio da linguagem, se convence com o argumento dos pais de que ao final da tarde os mesmos estarão de volta. Essa compreensão do mundo por meio de palavras faz com que a criança seja capaz de projetar-se em um tempo futuro e, assim, acalmar seu desespero! O pensamento da criança, inicialmente, apresenta-se de forma sincrética e evolui para o pensamento categorial. “O adjetivo sincrético costuma designar o caráter confuso e global do pensamento e percepção infantil” (GALVÃO, 1995, p. 81). O pensamento sincrético é indiferenciado, ou seja, a criança, ao procurar explicar algum fenômeno, se mistura Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II com seus elementos e mistura os elementos entre si. Não existe uma organização lógica dos elementos que compõem o fenômeno. Galvão (1995) nos apresenta um exemplo do pensamento sincrético: Conversávamos com Rosa, sete anos, sobre seu universo cotidiano. Contou-nos que morava longe da escola e que sua mãe trabalhava como empregada doméstica numa casa próxima à escola. Percebendo que gostava de falar sobre sua mãe e seu trabalho, exploramos mais o assunto: “O que é trabalho? –Trabalho? –Trabalho é uma pessoa que é empregada e tem bagunça. E o que ela faz? – O que ela faz? Tem dois cachorros, a cachorra...a cachorra é mulher, e ganhou dois nenês, dois filhotinhos, que chamava Tetê e a outra Nina, aí depois, ainda ta com o mesmo nome. Ainda tá latindo, já tá mordendo. – Todo trabalho é igual o trabalho da sua mãe? –É. – Todo mundo que trabalha arruma bagunça? – Arruma bagunça. (p. 83) Esse exemplo ilustra bem o pensamento sincrético. Esse tipo de pensamento, com o passar do tempo, vai se diferenciando e vai atingindo uma representação mais objetiva da realidade até chegar ao pensamento categorial que busca separar qualidade e coisa, permitindo a análise e a síntese, a generalização e a comparação. A teoria de Wallon tem como objeto a psicogênese da pessoa completa que suscita uma prática pedagógica que atenda as necessidades das crianças e adultos nos planos afetivo, cognitivo e motor, promovendo o desenvolvimento em todos esses níveis. Da psicogenética walloniana não resulta, todavia, uma pedagogia meramente conteudista, limitada a propiciar a passiva incorporação de elementos da cultura pelo sujeito. Resulta, ao contrário, uma prática em que a dimensão estética da realidade é valorizada e a expressividade do sujeito ocupa lugar de destaque. Afinal, o processo de construção da personalidade que, em diferentes graus percorre toda a psicogênese, traz como necessidade fundamental a expressão do eu. Expressar-se significa exteriorizar-se, colocar-se em confronto com o outro, organizar-se. Na escola, este movimento de exteriorização do eu pode ser propiciado por atividades no campo da arte, campo que favorece a expressão de estados e vivências subjetivas. (GALVÃO, 1995, p.100) Responda às questões: 1. Explique o que significa fases com predominância afetiva e cognitiva. 2. O que é emoção para Wallon? Qual a sua importância para o desenvolvimento humano? 3. Qual a importância do ato motor para o desenvolvimento humano? Pós-Graduação a Distância 4. Qual a contribuição da teoria de Wallon para a educação? 37 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Capítulo 6 – Ausubel – A Aprendizagem Significativa David Paul Ausubel, um grande psicólogo da educação nasceu nos Estados Unidos na cidade de Nova York, exatamente, em 1918, numa época em que a população judia sofria uma série de preconceitos e de conflitos religiosos. Filho de família judia e pobre, imigrantes da Europa Central, cresceu insatisfeito com a educação que recebera. Revoltado contra os castigos e humilhações pelos quais passara na escola, afirma que a educação é violenta e reacionária, relatando um dos episódios que o marcou profundamente nesse período: “Escandalizouse com um palavrão que eu, patife de seis anos, empreguei certo dia. Com sabão de lixívia lavou-me a boca. Submeti-me. Fiquei de pé num canto o dia inteiro, para servir de escarmento a uma classe de cinqüenta meninos assustados (...)” (AUSUBEL, p-31). Para ele, “A escola é um cárcere para meninos. O crime de todos é a pouca idade e por isso os carcereiros lhes dão castigos” (AUSUBEL, p-31). Após sua formação acadêmica, em território canadense resolve dedicar-se à educação no intuito de buscar as melhorias necessárias ao verdadeiro aprendizado. Totalmente contra a aprendizagem puramente mecânica, torna-se um representante do cognitivismo, e propõe uma aprendizagem que tenha uma estrutura cognitivista, de modo a intensificar a aprendizagem como um processo de armazenamento de informações que, ao agrupar-se no âmbito mental do indivíduo, seja manipulada e utilizada adequadamente no futuro, através da organização e integração dos conteúdos apreendidos significativamente. Fonte: (http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Ausubel) Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Ausubel é contemporâneo de Piaget. Como esse, realizou pesquisas referentes ao processo de aprendizagem e ambos chegaram a conclusões bem parecidas. Possivelmente, a maior diferença existente entre eles esteja nos objetos de pesquisa. Ausubel concentrou-se no cotidiano escolar, e Piaget pesquisou fora desse ambiente. Além disso, Ausubel apresenta propostas concretas para a vida acadêmica e Piaget não se dedicou a esses aspectos. 38 Como pontos convergentes entre esses pesquisadores, destacam-se: • Admitem e valorizam a aprendizagem por descoberta e a aprendizagem significativa. • Pressupõem a existência de estruturas individuais específicas que interagem com novas informações e são por essas acrescidas, reestruturadas. Piaget conceitua essa estrutura como “Esquema de Ação” e Ausubel, de “Subsunçor” (em Inglês, “subsumer”). • A importância da “Motivação” na aprendizagem – Ausubel fala de disposição para aprender como condição para a aprendizagem significativa; - Piaget fala das condições externas que colaboram de forma indissociável e subjetivamente confundidas com as internas, apoiando-se sempre nas ações e nos esquemas de ação. Ausubel apresenta outras contribuições importantes para a vida escolar. Ele distingue dois eixos ou dimensões para a aprendizagem: a significativa e a memorística. Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Unidade II Para este autor, a aprendizagem significativa refere-se à maneira como o aluno trabalha as informações que deve apreender. Ele as recebe como algo não acabado e, antes de incorporá-las, procura relacioná-las à sua estrutura cognitiva, ou seja, ao seu esquema mental e assim descobre uma nova aprendizagem e, de forma ativa, assimila os sinais e assim, constrói um novo conhecimento significativo, isso é, realiza uma aprendizagem significativa. A aprendizagem memorística ocorre de outra forma, com outro tipo de intervenção no processo de aprendizagem. Ela se dá quando o aluno não possui subsunçor capaz de assimilar a nova informação e, assim, ele é levado a uma aprendizagem mecânica que pressupõe a memorização arbitrária do novo conteúdo. É como se o aluno abrisse novo compartimento cognitivo em seu processo psicológico de aprendizagem. Quando vamos aprender algo, fazemos uma avaliação (algumas vezes de forma inconsciente) do significado que o conteúdo a ser aprendido tem ou poderá ter para nós. Assim considerando, todo conteúdo escolar deve ser potencialmente significativo para o aluno. Nessa perspectiva, para que se possa garantir o aspecto significativo, o conteúdo a ser ensinado pode ter uma organização lógica ou psicológica. A título de exemplo, destacamos: normalmente, quando vamos ensinar Estudos Sociais ou Ciências para uma criança, começamos por elementos próximos, familiares para ela. Quando ensinamos matemática, procuramos concretizar o conteúdo com aspectos próximos à criança. Em Estudos Sociais, começamos estudando conceitos sociais, espaciais e temporais a partir da família, da escola, da vizinhança, do Município (ou Região administrativa), do Estado (ou do Distrito Federal) do Brasil, do Mundo. Em Ciência, começamos também pelo ambiente mais próximo até chegar a aspectos remotos. Esse é um tipo de organização psicológica e refere-se ao compromisso com a aprendizagem significativa, ou seja, facilitamos condições para que a criança possa utilizar seus subsunçores e ir, gradativamente, aumentando seus conhecimentos, assimilando novas aprendizagens. Em uma perspectiva lógica, os conteúdos seriam organizados a partir dos primórdios da vida, até a atualidade, do ambiente temporal e espacial remoto até o mais próximo. Para a criança, para um adulto ou adolescente, que não dispõem de subsunçores correlatos ao tema estudado, a organização lógica, normalmente, dificulta a aprendizagem. Ausubel propõe que os conhecimentos prévios sejam sempre valorizados. A aprendizagem é muito mais significativa quando o novo conteúdo é incorporado às estruturas de conhecimento do aluno. Ela tem mais significado, a partir de conhecimento prévio. Quando isso não ocorre, a aprendizagem se torna mecânica, repetitiva, memorística, porque o conteúdo em vez de ser incorporado, passa a ser armazenado por meio de outras associações, sujeita ao esquecimento, caso não seja constantemente requerido, utilizado, até ser, de fato, assimilado pelo processo cognitivo. Responda às questões: 1. O que são subsunçores? 2. Defina aprendizagem significativa e memorística. Qual é a mais adequada para o processo de aprendizagem? 4. Qual a contribuição da teoria de Ausubel para a educação? Pós-Graduação a Distância 3. O que significa trabalhar os conteúdos acadêmicos a partir de uma organização lógica e psicológica? 39 Contribuições das Principais Teorias Psicológicas ao Estudo do Desenvolvimento Você respondeu, ao final do estudo de cada autor, sobre a contribuição de cada um à educação. Agora, pense na área de atuação pedagógica que você escolheu estudar neste curso. Escreva, baseando-se em cada autor, como as teorias estudadas podem contribuir para a área de atuação em questão. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Encaminhe para o e-mail do tutor da disciplina. 40 Unidade II O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III Unidade III O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Capítulo 7 – Desenvolvimento Cognitivo Nós estudamos que nos desenvolvemos a partir de uma interação entre o nosso aparato orgânico e as nossas experiências de vida. Vimos, também, que essas experiências não são neutras, mas absolutamente imersas em um contexto históricocultural. Portanto, nós pensamos o que pensamos e somos quem somos, pois vivemos em um determinado país, cidade, família e freqüentamos determinados espaços sociais. Como vimos, o desenvolvimento cognitivo não depende somente do aparato biológico, mas sobretudo do que ocorre no contexto. Os aspectos histórico-culturais são fundamentais na constituição do cognitivo. A escola, bem como outros espaços educacionais, são muito importantes para o nosso desenvolvimento cognitivo. São inúmeros os processos psicológicos que se desenvolvem a partir das práticas educacionais. É diferente a forma como aprendemos no nosso dia-a-dia e a forma como aprendemos na escola. Os conteúdos trabalhados nos espaços educacionais nos são apresentados de forma sistematizada e envolvem processos psicológicos, tais como abstração, imaginação, raciocínio lógico, memória, atenção, generalização, análise, criatividade, fantasia, emoção. Na escola transformamos os conceitos cotidianos em conceitos científicos. Toda a criança chega à escola sabendo que quando colocamos água no congelador, ela irá se transformar em gelo. E que, quando fervemos a água, ela vira “fumacinha” e “vai embora”. Porém, é na escola que a criança irá aprender o conceito de água em estado líquido, sólido e gasoso. Ela irá aprender as causas dessas transformações e em que condições ocorrem. É na escola que ela irá adquirir conhecimentos mais estruturados cientificamente que irão contribuir sobremaneira para o seu desenvolvimento cognitivo. O autor chama a atenção para o fato de que a educação não se restringe à escola, já que os indivíduos têm contato com aspectos culturais em vários espaços, porém, a escola tem um papel educacional específico, que diz respeito ao saber sistematizado e não ao saber espontâneo. “É a exigência de apropriação do conhecimento sistematizado por parte das novas gerações que torna necessária a existência da escola.” (SAVIANI, 1996, p.19) Dessa forma, os espaços educacionais devem ocupar-se em desenvolver conteúdos que se diferenciam do saber cotidiano. Eles devem partir dos saberes cotidianos, mas devem extrapolá-los. O educador deve ter em mente que, ao trabalhar o conhecimento sistematizado, estará contribuindo para o desenvolvimento de novos processos psicológicos. Assim, quando a criança aprende conceitos aritméticos, por exemplo, desenvolve processos cognitivos, tais como abstração, raciocínio lógico, memória. Pós-Graduação a Distância A partir do pensamento de que a natureza humana não é dada ao homem, não é natural, mas sim, é produzida historicamente em um movimento dialético, onde o homem constrói a sociedade e essa o constrói reciprocamente, Saviani (1996, p.17) apresenta o trabalho educativo como um “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto de homens”. 41 O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III Devemos estar atentos ao momento em que nossos alunos se encontram. Estudamos alguns autores que nos dão subsídio para esse trabalho. Devemos atuar na zona de desenvolvimento proximal, no sentido de construção do pensamento, respeitando a etapa de desenvolvimento cognitivo de nossos alunos. Devemos nos preocupar em perceber o aluno como um todo, um ser completo, compreendendo que o desenvolvimento de sua inteligência caminha junto com sua afetividade e seu lugar no mundo. As aprendizagens devem ser significativas, devem fazer sentido para o indivíduo, pois só assim ele será capaz de se desenvolver em toda sua possibilidade. Durante todo o módulo temos falado sobre a importância das experiências individuais e sociais para o desenvolvimento dos processos psicológicos, portanto, os cognitivos também. São essas experiências que nos fazem tão diferentes uns dos outros. Mesmo que você observe crianças da mesma idade, elas podem apresentar níveis de desenvolvimento cognitivo bem diferente. Assim sendo, devemos ter o cuidado de não trabalharmos da mesma forma, esperando o mesmo desempenho de uma mesma turma. É comum que as escolas se organizem a partir das idades de seus alunos e espere que todos se desenvolvam e aprendam ao mesmo tempo e da mesma forma. Porém, trabalhar dessa forma é totalmente inadequado! O desenvolvimento cognitivo não ocorre da mesma maneira para todos. As pessoas utilizam dinâmicas diferentes entre si. Além disso, essas dinâmicas apresentam variações contextuais e diferentes possibilidades de constituição da subjetividade e de compreensão do mundo. Por exemplo: dois colegas de uma mesma turma e muito amigos, podem também, fora da escola, utilizar processos psicológicos diferentes entre si para aprender a mesma coisa. Essa diferença ocorre quando suas decisões, suas estruturas mentais, suas peculiaridades familiares, suas vivências e experiências são distintas, gerando, assim, processos de aprendizagens também distintos. Na escola, nós interagirmos com muitas pessoas, com tecnologias de informação e comunicação, com variedade de conhecimentos. Nesse espaço de vida social, histórico e cultural, nós aprendemos e a partir dessas aprendizagens realizamos transformações importantes em nossas idéias, em nosso meio. Aquilo que aprendemos nos modifica, e com nossa mudança podemos modificar a nossa realidade e de outras pessoas do nosso meio, especialmente daquelas com as quais interagimos. É comum encontramos professores exigindo comportamentos idênticos para um grupo de crianças e/ou adolescentes, e até mesmo de adultos. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Não é adequado, pois, estabelecer normas ou padrões de desenvolvimento cognitivo para um grupo de crianças. Não existe o “amadurecimento” biológico igual para as crianças de um grupo, mesmo que elas estejam na mesma faixa etária, em um mesmo momento de desenvolvimento cognitivo. 42 É preciso que a escola considere essa diversidade de desempenho no desenvolvimento cognitivo infantil. É comum encontrarmos metodologias de ensino, como o denominado “período preparatório”, que privilegiam processos fragmentados de aprendizagem, onde a criança tem que mobilizar habilidades, fazer escolhas e decidir sobre como se expressar, enfatizando apenas treinos ortográficos e habilidades motoras para a aquisição da escrita, como se o mais adequado fosse treinar esses pré-requisitos para escrita. A capacidade de aprendizagem sistemática da criança é estabelecida além desse amadurecimento biológico pretendido com esses “treinos”. Ela depende de condições que antecedem a vida escolar e continuam ao longo de toda a escolarização. Portanto, devemos ter clareza que ao trabalharmos com educação, trabalhamos com diversidade. Sempre! Ninguém é igual a ninguém! Devemos conhecer os aspectos que envolvem o desenvolvimento de nossos alunos e nos organizar de forma a atendê-los em suas especificidades. O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III Como nos desenvolvemos por meio das relações que estabelecemos ao longo de nossa vida, devemos ter clareza que “o processo de construção de conceitos, que mobiliza o desenvolvimento cognitivo, processa-se nas e pelas interações sociais, por meio das quais as funções cognitivas são estruturadas, re-elaboradas e transformadas, possibilitando a constituição do indivíduo e, principalmente, a construção de seus conhecimentos” (MARINHO, 2001). Dessa forma, a escola assume um papel muito importante para o nosso desenvolvimento cognitivo. Sendo a escola um espaço permanente de socialização e de aprendizagens, torna-se necessário que o professor promova um ambiente contextualizado e significativo, onde ocorra a troca de conhecimentos e experiências. É importante que você, professor, evidencie a transformação da realidade e a ressignificação de conceitos, criando condições para que os alunos possam agir e pensar sobre o mundo. Nesse sentido, a escola influencia o desenvolvimento cognitivo quando proporciona transformações nos conceitos cotidianos, mediando e ressignificando conceitos escolarizados, científicos e sistematizados. Pós-Graduação a Distância Você deve considerar, professor, no seu planejamento pedagógico, uma constante articulação entre os conceitos cotidianos, construídos a partir das práticas sociais do contexto cultural da criança, e os conceitos escolarizados, sistematizados e desenvolvidos em função dos processos de aprendizagem escolar. (MARINHO, 2001, p. 10) 43 O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III Capítulo 8 – Processos de Interações: Mediadores do Conhecimento (Fatores Intrapessoais, Interpessoais e Socioambientais no Processo Educativo) A Importância da Interação no Processo Educativo As interações sociais são muito importantes na origem do nosso desenvolvimento psíquico. Por meio delas, desde muito cedo, nós vamos aprendendo o significado dos signos e símbolos culturais existentes no nosso meio. Com esses signos e símbolos construímos os nossos esquemas de ação e constituímos nossa individualidade, sempre a partir do que culturalmente nos é transmitido. Nós aprendemos com o outro – por imitação consciente ou não e, quase sempre, como fruto de um processo de ensino. Pense um pouco em coisas que você sabe fazer – escrever, ler, digitar, cantar e relembre com quais pessoas você aprendeu a realizá-las. Você verá que tudo que você sabe fazer resulta das suas relações com outras pessoas – com seu pais, professores, amigos, colegas. A primeira condição para a aprendizagem é o organismo. Os nossos conhecimentos, as nossas atitudes e habilidades supõem um equipamento orgânico – os nossos sentidos, o sistema nervoso, os hormônios, etc. Mas o objeto da aprendizagem vem do exterior, vem do ambiente em que se insere. A fronteira entre o orgânico e o meio é muito tênue. Nessas relações entre o organismo e o meio verificam-se sempre oposições e composições que variam segundo os nossos níveis e esquemas de ação. Toda construção de aprendizagem supõe um tempo de assimilação e de maturação. Como acontece com o crescimento físico, os crescimentos intelectual, social, afetivo também apresentam caminhos e ritmos de desenvolvimento particulares. No terreno mental, onde as influências sociais se acrescentam aos fatores de experiência física, nós vamos agregando novos valores às nossas ações, definindo vontades, pensamentos, emoções, modificando comportamentos e, assim, os valores vão sendo construídos - social e culturalmente. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Fatores Intra e Interpessoais 44 Segundo Piaget (1979, p.38), “A vida é, essencialmente, auto-regulação”. Os processos de desenvolvimento e de aprendizagem são resultantes e reflexos das auto-regulações orgânicas que as determinam no terreno das trocas com o meio. Assim, conhecimento não é cópia do meio, mas um sistema de interações reais que refletem a organização auto-reguladora da vida e das próprias coisas. O conhecimento não parte do sujeito, nem do objeto, mas da interação entre o sujeito e o objeto; com as interações provocadas pelas atividades espontâneas do organismo e os estímulos externos. Portanto, o conhecimento orienta-se em duas direções – fatores internos e fatores externos – que colaboram de maneira indissociável, imperceptível, apoiados em ações e em esquemas operatórios, fora dos quais não tem poder sobre a realidade externa, nem sobre o interior. A primeira dessas direções – o fator interno - é essencial às condições de adaptação ao meio, por ser a da conquista do objeto (pelos sentidos) a que conduz à objetividade da compreensão real. A segunda, relacionada à inteligência, é a tomada de consciência das condições internas e conduz às novas construções. Com os nossos aprendizados, transformamos as nossas relações, o nosso meio. A esse processo psicológico de transformação de significados e de ações dá-se o nome de internalização. O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III A internalização, portanto, tem origem nas interações e nas relações que partilhamos com nosso grupo cultural. Nos seus grupos (na família, com amigos, na escola), as pessoas vão transformando os significados que partilham, para compreender e organizar a realidade e vão construindo um jeito próprio, particular e diferente de entender esses significados. Com isso, o sujeito vai-se transformando, mas ele também vai influenciando as mudanças que ocorrem nas outras pessoas com as quais convive. (MARINHO, 2001) Ao adquirir novos hábitos, novos condicionamentos, assimilamos sinais e organizamos esquemas de ação que se impõem e ao mesmo tempo se acomodam ao meio. Nós aprendemos à medida que passamos a construir novos significados internos no nosso mundo psicológico e a transformar o que vamos construindo nas interações com o grupo social. Isso é um caminho contínuo e de mão dupla: pelas ações do ambiente nós nos modificamos e por ficarmos diferentes, modificamos o nosso meio. Pense um pouco e identifique (pequenas e/ou grandes) modificações verificadas em você e que influências elas tiveram e/ou têm no seu meio, no seu grupo. Veja, também, que muitas coisas que você aprendeu e provocou modificações no seu meio não resultam de acumulações contínuas e constantes. Muitas até têm origem em outras aprendizagens que foram desconstruídas. Por exemplo: Hoje, eu não jogo mais óleo no ralo da pia porque aprendi, via internet, que isso não é bom para o meio ambiente. Com isso, desconstrui um hábito que tinha origem na idéia de que era correto esse comportamento. É na interação social que conseguimos reorganizar o conhecimento e suas funções psicológicas. Quando vamos orientar o processo de ensino-aprendizagem, precisamos conhecer e estudar as interações sociais, que se processam no meio para melhor compreender as trocas e as partilhas dos significados existentes no seu ambiente social e na sua cultura. As relações sociais funcionam como canal de socialização e cultura. Mediadores das Interações no Contexto Escolar No contexto de escolarização existem muitas formas de interações sociais. Essas relações são mediadas por professores, alunos, direção, pais ou responsáveis, funcionários. É muito importante que se compreenda como esses indivíduos estão se conhecendo, se comunicando, trocando experiências e se desenvolvendo. Enfim, como se processam as mediações realizadas por eles. Quando as interações ocorrem do tipo “relações de poder” no contexto escolar podem desequilibrar a situação. Se o professor usa o seu “poder” para controlar ou direcionar a relação de forma inadequada pode, assim, interferir e comprometer a aprendizagem. É importante que o professor esteja sempre atento para a ocorrência desse tipo de relação e para suas conseqüências, modificando o que for necessário e promovendo novas condições de aprendizagem. Uma característica muito importante no processo interativo é a existência de uma “relação de confiança”. Essa deve ser entendida como um relacionamento construído entre pessoas, na construção de objetivo comum. Esse tipo de relação favorece o sucesso do processo de ensino e de aprendizagem. Pós-Graduação a Distância Essas mediações podem ocorrer sob diferentes tipos de relações sociais: profissionais estritas, amistosas, suplementares, íntimas, de dominação e subordinação, de conflito e outras. 45 O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III Existem muitas oportunidades que o professor pode aproveitar para promover uma relação de confiança: • Atender o aluno em suas dificuldades, de forma cordial, demonstrando interesse por ele. • Valorizar iniciativas e comportamentos do aluno, reconhecendo e validando seu esforço. • Acompanhar todo o processo de aprendizagem, reforçando aspectos positivos e oferecendo oportunidades de recuperação de deficiências, animando o aluno a continuar, valorizando os avanços. • Mostrar-se disponível para acolher inquietações do aluno. • Não fazer distinção entre os alunos. • Mostrar o caminho mais adequado às possibilidades do aluno, Das características das interações sociais que se verificam no processo educativo depende o sucesso ou o fracasso escolar. As relações entre professor e aluno são as bases para a organização do trabalho em sala de aula. O professor consciente de seu papel de mediador da aprendizagem e, portanto, da sua responsabilidade nas relações que se estabelecem no processo educativo, pode garantir a qualidade dessas relações e promover uma cultura de sucesso no seu trabalho. A participação ativa de todos os protagonistas no processo de interações que ocorrem na escola permite que cada um desempenhe suas funções e ações, promovendo a construção de conhecimentos, atitudes e habilidades de forma compartilhada e coletiva. Relações sociais bem sucedidas são uma utopia que se constrói coletivamente, em atividades de grupo, de projetos comunitários, avaliações formadoras e formativas que incentivem a reelaboração de variados aspectos e a discussão de idéias diferentes. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem O professor, como mediador do processo educativo, deve ter consciência da importância do papel que desempenha e estar preparado para organizar e integrar o ensino que desenvolve, coordenando e orientando atividades e situações que promovam a aprendizagem, com interações e relações na construção do saber. 46 O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III Capítulo 9 – Relação Afeto-Cognição A afetividade é um processo psicológico e, como tal, influencia e modifica o desenvolvimento como um todo e é por esse influenciado, numa relação de reciprocidade. Essas influências ocorrem nas interações e relações sociais que acontecem no contexto social e cultural em que vivemos e promovem a construção de aprendizagens. Essa relação de interdependência entre a aprendizagem e a afetividade modifica a nossa subjetividade. A subjetividade é constituída por processos psicológicos que nos permitem pensar, sentir, comunicar, compreender, agir, criar e transformar a nós mesmos e o mundo circundante. É uma característica psicológica humana construída na interdependência do mundo interno e externo ao indivíduo. Cada pessoa tem uma forma de sentir, de expressar-se, de agir devido à sua subjetividade. Podemos depreender, assim, que a subjetividade resulta de processos psicológicos, responsáveis pelas diferenças individuais entre as pessoas, pelas formas como as pessoas vivem e se relacionam na vida. Se os processos psicológicos são distintos, se a subjetividade é distinta, também as aprendizagens entre as pessoas são distintas e é importante que estejamos atentos à necessidade de trabalhar considerando essas diferenças. Precisamos, também, observar “o quanto” influenciamos porque, como mediadores na aprendizagem dos nossos alunos, somos também responsáveis pelas transformações que poderão ocorrer. A ação pedagógica do professor influencia o aprendizado dos alunos e, conseqüentemente, transformações na sua subjetividade e nos seus processos psicológicos. Conscientes dessa responsabilidade, nós podemos utilizar nosso espaço de ensino para um valioso tempo de interlocução, para o desenvolvimento desses processos psicológicos. O afeto no ato de ensinar e de aprender é muito importante. Ele deve estar presente, desde o nascimento, em todas as atividades de desenvolvimento humano. O afeto deve manifestar-se por meio das expressões emocionais de quem ensina e de quem aprende. A emoção acompanha o desenvolvimento das ações motoras, das construções cognitivas na formação afetiva, funcionando como um elemento mediador da aprendizagem. No contexto escolar, como devemos expressar ou deixar que se manifeste o afeto? Como deve ser esse afeto? O que o caracteriza? Como se constitui a função mediadora da afetividade no desenvolvimento do nosso pensamento? Quando internalizamos o significado de uma ação e expressamos a emoção correspondente (aprovação, rejeição, indiferença), manifestamos um ato motor (facial/corporal) e um ato mental, provocando uma reação do outro, buscando alcançar o que pretendemos, desejando uma comunicação clara. A partir do que ocorre nessas relações, de como o interlocutor interpreta nossas emoções e reagem a elas, vamos compreendendo o mundo, as pessoas e a nós mesmos; o nosso pensamento vai se tornando mais complexo, à medida que desenvolvemos e expressamos nossa afetividade. Os vínculos afetivos entre o aluno e o professor são muito importantes. Eles auxiliam a constituição da subjetividade na medida em que interferem, na forma como a pessoa internaliza suas experiências. Na sala de aula, podemos mediar os significados de determinadas emoções dos alunos, interpretando e estabelecendo conexões entre suas expressões afetivas e o mundo. É muito importante que a escola propicie a afetividade – a expressão de emoções e afetos que são motores de desenvolvimento orgânico e cognitivo dos alunos. Pós-Graduação a Distância As emoções fazem a nossa mediação/interação com o mundo. Utilizando e manifestando emoções, nós comunicamos nossas intenções, desejos, dúvidas, certezas e provocamos reações nas pessoas com as quais interagimos. 47 O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III Como os demais processos psicológicos, a afetividade tem origem orgânica e se completa nas interações sociais. Nas relações com os outros, a afetividade se transforma em um processo psicológico básico para o desenvolvimento mental e social do indivíduo. Nossas ações motoras também se manifestam impregnadas de emoções: nós rimos, ficamos eufóricos, choramos, gritamos, corremos, empurramos, provocamos o outro e somos por ele provocados, jogamos, tensos ou tranqüilos, nos tocamos, conversamos. Enquanto nos manifestamos fisicamente, operamos processos mentais e, assim, pensamos, decidimos, escolhemos alternativas, (re)fazemos planos, aprendemos novas habilidades e formamos outras atitudes e valores. O desenvolvimento cognitivo se constitui dinamicamente articulado com a afetividade e com a ação motora. Seria muito bom se pudéssemos lidar somente com as emoções positivas, com palavras amenas, com atitudes cordiais, amistosas. Mas sabemos que nem sempre é assim. Na sala de aula, convivemos com manifestações desse tipo e com outras muito diferentes. Precisamos parar e refletir para corrigir ou, pelo menos, minimizar as conseqüências negativas advindas dos tipos variados de afetividade. O professor precisa saber lidar com as situações em que a afetividade se torna fator impulsionador ou restritivo da aprendizagem, dos avanços cognitivos e afetivos. Para isso, ele deve entender o que é afeto, o que é inteligência, percebendo que essas não são demonstrações distintas de desenvolvimento e de aprendizagem, ou seja, demonstrações inadequadas de afetividade não representam, necessariamente, uma “diminuição” da inteligência do aluno. A expressão da afetividade deve ser transformada em ganhos cognitivos. Na sala de aula, o professor pode desenvolver situações pedagógicas cotidianas que exercitem o ato motor a partir de atividades interativas, afetivas, lúdicas e prazerosas, e que tenham, também, a intenção de transmitir conteúdos em uma dimensão mais contextualizada. Ensinar, aprender, avaliar um conteúdo escolar deve significar momentos carregados de afetividade, de emoções, integrando toda a estrutura orgânica, psíquica, emocional e sociocultural do aluno. Isso só é possível em um espaço favorável às inúmeras expressões psíquicas e afetivas de cada sujeito escolar. A linguagem tem uma função muito importante no desenvolvimento dos processos psicológicos, na aprendizagem humana. Ela é a mediadora e reguladora das práticas sociais e dos nossos processos psíquicos. Desenvolvimento Humano e Aprendizagem A partir da linguagem e por meio dela, em um mundo repleto de signos, instrumentos e símbolos culturais, nós damos novos significados aos conceitos, estruturando o próprio pensamento e atuamos mais efetivamente em um processo interativo e complexo. 48 Além da função comunicativa, a linguagem tem uma função cognitiva. O professor deve promover espaços para aproveitar essas funções para criar um contexto onde aconteçam as trocas verbais entre os protagonistas da ação educativa. Ele deve orientar tarefas e atividades onde a comunicação e as interações favoreçam o aparecimento das diversas formas de linguagem, em um processo de comunicação rico e significativo. Nesses espaços de interações e de comunicações, o professor deve estar preparado para aproveitar todas as oportunidades que se abrem para o desenvolvimento dos processos psicológicos, inclusive para evitar e/ou minimizar a ocorrência de problemas advindos de comunicações, como mal-entendidos e conflitos, transformando cada situação em momentos acolhedores e de muita confiança, onde todos possam argumentar, rever, negociar interesses, expressando de forma mais objetivo o seu pensamento. Nesse sentido, deve evitar monólogos, silêncios solenes durante atividades em grupo, atos individualistas e de isolamento. A nossa sala de aula deve ser organizada como espaço apropriado para que os alunos possam expressar suas observações, críticas e vivências. O Desenvolvimento Psicológico no Contexto Socioeducativo Unidade III Pense, novamente, sobre a área de atuação pedagógica que você escolheu estudar neste curso. Escreva sobre o desenvolvimento cognitivo, as relações interpessoais e o afeto, baseando-se nos capítulos estudados. Imagine como você pode trabalhar com seu aluno a partir desses temas. Pós-Graduação a Distância Encaminhe seu texto para o e-mail do tutor da disciplina. 49 Para (não) Finalizar Primeira Lição para os Educadores Rubem Alves Por uma educação romântica Tenho uma grande ressonância espiritual com Herman Hesse. Comove-me, de maneira especial, a figura de Joseph Knecht, que é o personagem central do seu livro “O jogo das contas de vidro”. Joseph Knecht era o líder espiritual, o “magister ludi” de uma ordem monástica que se dedicava ao cultivo da beleza. Ele, mestre supremo, era um músico, intérprete de Bach. Havia atingido o ponto máximo que um homem pode atingir. Não havia altura maior que ele pudesse galgar. No entanto, com a velhice, aconteceu uma mudança no seu coração - igual à mudança que acontecera no coração de Zaratustra, depois de dez anos de solidão no alto de uma montanha. Começou a sentir uma dolorosa nostalgia por uma coisa muito simples, muito humilde. Começou a desejar que os últimos anos de sua vida fossem gastos não nas alturas onde ele se encontrava, mas nas planícies onde os homens comuns viviam. Veio-lhe o desejo de descer (tal como aconteceu com Zaratustra, depois de dez anos nas alturas das montanhas...) para educar uma criança, uma única criança, que ainda não tivesse sido deformada pela escola. Hesse era apaixonado pela educação. Declarou que, de todos os assuntos culturais, era o único que lhe interessava. Mas o curioso é que, ao mesmo tempo, ele sentia um horror pelas escolas - lugar onde as crianças eram deformadas. Nós dois poderíamos ter sido amigos. Sentimos igual. A educação é a paixão que queima dentro de mim. E, no entanto, olho para as escolas com desconfiança... Desenvolvimento Humano e Aprendizagem Estremeço quando me dizem que há entrevistadores de televisão e de jornais à minha espera. Sei, de antemão, a primeira pergunta que vão me fazer. ”O que é que o senhor acha da educação no Brasil? ”A pergunta é banal porque eles já esperam uma resposta estereotipada. Querem que eu denuncie a falta de verbas, a condição de indigência dos professores, o mau aproveitamento dos alunos, etc. Mas isso, todo mundo já sabe. É um equívoco pensar que com mais verbas a educação ficará melhor, que os alunos aprenderão mais, que os professores ficarão mais felizes. Como é um equívoco pensar que, com panelas novas e caras, o mau cozinheiro fará comida boa. Educação não se faz com dinheiro. Se faz com inteligência. E aí, frustrando as expectativas dos entrevistadores, eu falo sobre coisas lindas que estão acontecendo por esse Brasil afora, no campo da educação. Porque o fato é que, a despeito de todas as coisas ruins e andando na direção contrária, há professores que amam os seus alunos e sentem prazer em ensinar. 50 Não há nada que tenha ocupado tanto o meu pensamento quanto a educação. Não acredito que exista coisa mais importante para a vida dos indivíduos e do país que a educação. A democracia só é possível se o povo for educado. Mas ser educado não significa ter diploma superior. Significa ter a capacidade de pensar. Diplomas somente atestam que aqueles que os têm são portadores de um certo tipo de conhecimento. Mas ser portador de um certo tipo de conhecimento não é saber pensar. É ter arquivos cheios de informações. Nossas universidades são avaliadas pelo número de artigos científicos que seus cientistas publicam em revistas internacionais em línguas estrangeiras. Gostaria que houvesse critérios que avaliassem nossas universidades por sua capacidade de fazer o povo pensar. Para a vida do país, um povo que pensa é infinitamente mais importante que artigos publicados para o restrito clube internacional de cientistas. É muito fácil continuar a repetir as rotinas, fazer as coisas como têm sido feitas, como todo mundo faz. As rotinas e repetições têm um curioso efeito sobre o pensamento: elas o paralisam. A nossa estupidez e preguiça nos levam a acreditar que aquilo que sempre foi feito de um certo jeito deve ser o jeito certo de fazer. Mas os gregos sabiam diferente: sabiam que o conhecimento só se inicia quando o familiar deixa de ser familiar; quando nos espantamos diante dele; quando ele se transforma num enigma. “O que é conhecido com familiaridade”, diz Hegel, “não é conhecido pelo simples fato de ser familiar”. Para (não) Finalizar Dediquei grande parte da minha vida ao ensino universitário e tive muitas experiências boas. Mas a sensação que tenho é que, nas universidades, já é tarde demais. Os costumes e as rotinas já estão por demais sacralizados. Aqui o processo de deformação a que se referiu Hesse já atingiu um ponto irreversível. Sinto o mesmo que sentiu Joseph Knecht, no final de sua vida. Quero voltar às origens. Quero me encontrar com o pensamento no momento mesmo em que ele nasce. Gostaria que vocês lessem de novo aquilo que escrevi no meu último artigo “Animais de corpo mole”. Comecei, como Piaget, dos moluscos, animais de corpo mole que têm de fazer conchas para sobreviver. Usei os moluscos como metáforas do que acontece conosco, animais de corpo mole que, à semelhança dos moluscos, temos também de fazer casas para sobreviver. Toda a atividade humana é um esforço para construir casas. Casas são o espaço conhecido e protegido onde a vida tem maiores condições de sobreviver. Espaço familiar. Piaget sugeriu que o corpo deseja transformar o espaço que o rodeia numa extensão de si mesmo. Esse espaço, extensão do corpo, é a nossa casa. Da necessidade de construir uma casa surge a ciência dos materiais, a física mecânica, a hidráulica, o conhecimento e o domínio do fogo. Da necessidade de comer surgem as ciências das hortas e da agricultura. Da necessidade estética de beleza surge a ciência da jardinagem. Da necessidade de viajar para caçar e comerciar surge a ciência dos mapas, a geografia. Da necessidade de navegar surge a astronomia. E assim vai o corpo, expandindo-se cada vez mais, para que o espaço desconhecido e inimigo ao seu redor se transforme em espaço conhecido e amigo. Até mesmo o universo... Se os homens olharam para os céus e pensaram astronomia e astrologia é porque viram a abóbada celeste e as estrelas como o grande telhado do mundo. O universo é uma casa. Karl Popper, no prefácio ao seu livro “A Lógica da Investigação Científica”, diz da inspiração original da ciência (por oposição àqueles que a pensam como a produção quantitativa de artigos a serem publicados em revistas internacionais) que ela procurava compreender o universo onde vivemos. Era preciso conhecer essa casa enorme onde moramos para nos sentirmos em casa. Um universo que se conhece é um universo que faz sentido. “Quanto a mim”, ele diz, “estou interessado em ciência e em filosofia somente porque eu desejo saber algo sobre o enigma do mundo no qual vivemos e o enigma do conhecimento que o homem tem deste mundo. E eu creio que somente um reavivamento no interesse desses enigmas pode salvar as ciências e a filosofia das estreitas especializações e de uma fé obscurantista nas habilidades especiais dos especialistas e no seu conhecimento e autoridade pessoais.” “O enigma do conhecimento que o homem tem deste mundo”: é nesse ponto que a filosofia da educação tem o seu início. Onde nasce o nosso desejo de conhecer? Para que conhecemos? Como conhecemos? Essas são as questões que me preocupam. E é por isso que estou interessado no conhecimento, no momento exato do seu nascimento. Quero vê-lo nascendo, como uma criança sai do corpo da mulher. O conhecimento dos moluscos e de outros animais sobre a arte de construir casas nasce com eles. Mas não nasce conosco. Nascemos ignorantes. Que forças nos arrancaram da ignorância? Que poder penetrou no corpo mole do homem e o engravidou, transformando-o num pensador? Que poder foi esse que transformou o cérebro em útero? E que forças o ajudam a nascer? Para se ter resposta a essas perguntas basta observar esse milagre acontecendo na vida de uma criança. Pós-Graduação a Distância Primeira lição para os educadores: A questão não é ensinar as crianças. A questão é aprender delas. Na vida de uma criança a gente vê o pensamento nascendo - antes que a gente faça qualquer coisa... 51 Referências ALVES, R. A Escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus. 2001. BOCK, A. M. B. As influências do Barão de Münchhausen na Psicologia da Educação. Em E. R.Tanamachi, M. L. Rocha & M. Proença (Orgs.). Psicologia e educação: desafios teórico-práticos. (pp11-34) São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. DANTAS, H. A. A infância de razão. São Paulo: Manoele, 1990. DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez, 2008. GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis, Vozes. 1995. GUZZO, R. S. L. Educação para a Liberdade, Psicologia da Libertação e Psicologia Escolar: uma Práxis para a Liberdade. Em S. F. C. de Almeida (Org.), Psicologia escolar: ética e competência na formação e atuação profissional. (pp. 169-178). Campinas: Alínea, 2003. LIMA,E. O conhecimento psicológico e suas relações com a educação. Em Aberto, 9 (48), pp. 3-24, 1990. MARINHO, C. 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