Francisco Calheiros é presidente da comissão executiva e membro do conselho de administração da Espírito Santo Viagens, holding que integra treze empresas, entre agências e operadores turísticos. Presidente da Assembleia Geral da APAVT pela segunda vez, associação de que já foi também vice-presidente da direcção, Francisco Maria Calheiros e Menezes tem desempenhado, desde 1995, importantes cargos nos orgãos sociais da ECTAA. Actualmente Tesoureiro e, por inerência, membro do conselho estratégico, foi presidente e vice-presidente daquela estrutura europeia. Com 47 anos e uma licenciatura em gestão de empresas pela Universidade Católica, sportinguista convicto e membro do conselho leonino, foi agraciado com a medalha de mérito turístico (comenda) pelo presidente Jorge Sampaio. ENTREVISTA Francisco Calheiros Na Europa, em defesa das Agências de Viagens Desde 1995 que representa a APAVT na ECTAA, o mais poderoso lobby das agências de viagem e operadores turísticos na Europa. Francisco Calheiros, actual Tesoureiro e ex-Presidente daquele organismo, revela em discurso directo qual a estratégia da ECTAA relativamente às mudanças que se estão a operar no negócio do transporte aéreo. O que é e qual a principal missão da ECTAA? A principal missão da ECTAA é representar os interesses dos agentes de viagens e operadores turísticos europeus, junto das instituições da União Europeia. Que apreciação faz a ECTAA do actual cenário de redução de comissões? Depois de, no final de 2001, se ter acabado com o sistema standard de pagamento de comissões aos agentes de viagens no mercado americano, mais de 40% dos agentes de viagens nos Estados Unidos fundiram-se, foram vendidos ou simplesmente fecharam portas. O fim do sistema de comissões gerou, naquele mercado, o maior processo de concentrações e reestruturações alguma vez visto. Um processo semelhante já começou no norte da Europa e estimo que se vá expandir por toda a União Europeia. Apesar da ECTAA não estar directamente envolvida nas negociações com as companhias aéreas a nível nacional, tem tentado preservar o princípio de “uma justa remuneração às agências de viagens, compatível com o nível de serviços que estas prestam às companhias aéreas”. Esta reivindicação não tem sido reconhecida pela IATA nem pelas companhias aéreas. Assim, está-se a esvaziar o IATA Agency Agreement da sua substância. Nesse contexto, quais então as principais mudanças no modelo de relacionamento com as companhias aéreas? Os agentes de viagens foram obrigados a procurar remuneração pelos seus clientes, Revista APAVT • Nº10 • Maio 2004 pressionados pela redução ou mesmo supressão das comissões pagas pelas companhias aéreas. Isto levanta algumas questões fundamentais: São os agentes de viagens ainda agentes das companhias aéreas? O relacionamento contratual entre a companhia aérea e o agente de viagens é uma relação de agente comercial ou está-se a transformar numa relação vendedor-comprador? Se os agentes de viagens não são remunerados pelas companhias aéreas, ainda se justificam as obrigações determinadas pelo IATA Agency Programme? Se os agentes de viagens não são remunerados pelas companhias aéreas, subsiste então alguma justificação para vender as companhias tradicionais em vez das low cost? ciais. Logo, porque é que não há-de ser assim com os agentes de viagens? Por outro lado, se as companhias aéreas, rectius, a IATA, entendem que não, então também têm de entender que o seu relacionamento com as agências de viagens tem necessariamente de ser outro. Este não passa, também necessariamente, pelos constrangimentos a que as agências estão sujeitas por um contrato de adesão que lhes é imposto sem contrapartidas ao nível da remuneração. Mas isto não vai contra a promoção que a APAVT tem vindo a fazer da nova filosofia do “consultor de viagens”? É evidente que a APAVT e os agentes de viagens portugueses, ao antecipar que as companhias aéreas iam optar por não remunerar os agentes de viagens pelo seu trabalho, tem pautado a sua actuação, e muito bem, no sentido de sensibilizar os agentes de viagens para a alteração profunda na sua maneira de estar no mercado, passar de mero agente E quais as respostas? Cabe às companhias aéreas dizerem, ou melhor, clarificarem o que pretendem dos agentes de viagens, se reconhecem ou não a importância deste canal de distribuição, que em Portugal é resSe os agentes de viagens não são remunerados ponsável por 85% da distribuição do pelas companhias aéreas, subsiste então alguma transporte aéreo, justificação para vender as companhias tradicionais sendo certo que na Europa esta per- em vez das low cost? centagem, conforme os países, varia entre 70 para consultor, introduzindo assim uma e 80%. Pela nossa parte, não conhecemos mais valia que lhe permite ser remunerado nenhum distribuidor que não seja remunerapelas pessoas a quem presta serviços de condo pelos serviços que presta ao seu fornecesultoria, ou seja, os clientes. É bom que se dor: é assim com os mediadores de seguros, entenda, no entanto, que tanto a APAVT, em é assim com os mediadores imobiliários, é asPortugal, como a ECTAA na Europa, não sim com a generalidade dos agentes comerdeixarão nunca de reclamar e levar às últi- 17 ENTREVISTA mas consequências a necessidade de remuneração pelos serviços prestados às companhias aéreas. Só que, como a actividade empresarial não se compadece com a demora que os processos judiciais desta natureza necessariamente têm, procuraram criar as condições para que os agentes de viagens possam viver enquanto não há uma solução judicial para a sua justa pretensão, de serem remunerados pelas companhias aéreas. tinuará a contribuir, tanto quanto conheço da vontade da actual direcção. É de esperar que mudem os critérios de acreditação das agências de viagens? Os critérios de acreditação estão a ser revistos pela IATA, ECTAA e GEBTA e pelas associações nacionais de agentes de viagens, a nível europeu e nacional, sob a supervisão da Comissão Europeia. Esta última manifestou alguma preocupação, em Junho do ano passado, acerca da proporcionalidade de alguns dos critérios com os benefícios que derivam do Programa e acerca da partição que actualmente existe no Mercado Interno europeu. O objectivo desta revisão é a simplificação e harmonização dos critérios de acreditação. Assim, o que esperamos, na ECTAA, é uma importante simplificação do staff e das premissas dos critérios, e estamos a trabalhar com o mesmo objectivo no que diz respeito aos requisitos financeiros e de segurança. Que mudanças traz o recente fim do Block Exemption? Desde 1 de Maio que o Passenger Agency Programme da IATA está a funcionar sem a imunidade anti-cartel de que beneficiava, e as jurisdições nacionais são agora competentes para aplicar, totalmente, as regras de concorrência europeias. Assim, qualquer Entende então que o recente acordo entre a agente de viagens na União Europeia pode APAVT e a TAP foi um bom acordo? iniciar uma acção judicial junto das suas auO acordo feito espelha exactoridades nacionais contra Este acordo (APAVT- a IATA, se entender que o tamente o que já lhe disse, e nele está referido que a TAP) tem sido bom Programa da IATA está a APAVT não abdica da reas regras de conpara as agências de infringir muneração aos agentes pecorrência. Se pensarmos las companhias aéreas. No viagens e para a com- que o Programa da IATA entanto, não posso deixar tem vindo, desde 1991, a panhia aérea de reconhecer que este acortornar-se mais desequilibrado se reveste de particularidades inerentes ao do em desfavor dos agentes de viagens, estes O modelo de BSP, tal como existe, vai-se actual momento da TAP e representa de altêm neste momento a possibilidade de recormanter? gum modo o esforço e a contribuição dos rer às instâncias judiciais ou às autoridades Como disse, o BSP vai perder a isenção antiagentes de viagens para a solidez da TAP, de defesa da concorrência dos diversos estatrust dentro da União Europeia. Isto não que interessa a todos. Este acordo, como eu dos, no sentido de reclamar contra as iniquiquer dizer que o BSP vá cessar as suas operao entendo, não é mais que uma prorrogação, dades do programa em termos de direito da ções, mas algumas alternativas ao BSP pocom algumas diferenças a nível de remuneraconcorrência. dem ser desenvolvidas, especialmente pela ção, mas é um acordo válido até 2005 que ECTAA e pelos seus membros. Os BSP’s são tem sido bom para os agentes de viagens e Mas o que tem a ECTAA feito neste domínio? hoje operados sem qualquer tipo de acordo tem sido bom para a companhia aérea. Mas A ECTAA e a GEBTA avançaram com uma de serviço aos clientes, e as suas regras opeinsisto que, como a vida das empresas é uma acção contra a IATA e as companhias aéreas racionais são impostas aos agentes de viarealidade dinâmica, a APAVT e a TAP contimembros da IATA. Esta acção foi interposta gens. Por exemplo, o BSPLink foi introduzinuam, tal como a ECTAA, empenhadas em, na União Europeia a 18 de Outubro passado sem qualquer tipo de consulta real, e os se for possível, melhorá-lo, ou mesmo criar do. No seguimento desta acção, a Comiscustos associados ao BSPLink não estão asum outro modelo, desde que os interesses são, preocupada com a situação, enviou sociados aos serviços que efectivamente ofedas agências de viagens e naturalmente das uma carta à IATA, fazendo notar que o Prorece. Alguns agentes estão a pagar €40 por companhias aéreas, não saiam prejudicados. grama infringe regras de concorrência no mês para o BSPLink, enquanto outros não que diz respeito aos critépagam mais que €15. Para Qualquer agente de além disso, as mais imporA aplicação de um flat fee por emissão de birios de acreditação, restrilhete poderá ser a solução? ções na emissão de bilhetes, viagens na União Eu- tantes companhias aéreas da É uma das alternativas, até porque se a reà organização dos BSPs a União Europeia não usam ropeia pode iniciar muneração dos agentes passar a ser via flatnível nacional e no acesso ainda o BSPLink, o que faz fee, e dissociada de um percentual sobre a às tarifas. Apesar de ainda uma acção judicial dele uma ferramenta totaltarifa, permite que as empresas se procontinuar a espera dos demente inútil, especialmente contra a IATA gramem melhor, tenham maior controle sosenvolvimentos, não deixa para a regularização e liquibre as suas receitas e consequentemente fade ser uma prova evidente de que assiste radação de ADM’s, ACM’s, etc. A ECTAA esçam uma melhor gestão do seu negócio. A zão às agências de viagens, o facto de a Cotá por isso a estudar algumas alternativas, APAVT em Portugal já vem há muito tempo missão Europeia ter advertido, por escrito, e que podem ser anunciadas a muito breve a propor esta solução, mas ainda não estão em termos que poderemos condiderar forprazo. criadas as condições objectivas e subjectivas, tes, a IATA, de que ela tem que alterar proe friso as subjectivas, para enveredarmos por fundamente a regulação destas questões, no Que alternativas poderão ser essas? esse caminho. Para isso, é preciso, acima de sentido de que estas reflictam um maior Seria prematuro divulgar, porque estão aintudo, uma mudança de atitude para a qual a equilíbrio na relação companhias aéreasda em estudo, apesar de já termos passado APAVT pedagogicamente tem vindo e conagências de viagens. dos preliminares para acções mais concretas. 18 Revista APAVT • Nº10 • Maio 2004 ENTREVISTA As companhias aéreas estão a aplicar diferentes preços, em diferentes países, para os mesmos percursos. Isso constitui uma preocupação para a ECTAA? A ECTAA e a GEBTA levantaram a questão da discriminação no acesso às tarifas na queixa que apresentaram. A Comissão Europeia também recebeu muitas queixas de consumidores que sentiram ter sido discriminados na compra de bilhetes de avião. Em consequência disso, a Comissão lançou uma investigação acerca das diferenças tarifárias existentes para exactamente os mesmos bilhetes, em diferentes países de residência do consumidor. Foram enviados questionários a 18 companhias aéreas e a Comissão, depois de ter recebido as respostas no final do mês de Fevereiro, decidiu prosseguir as investigações, que ainda decorrem. Na prática, o que está a acontecer é que, por exemplo, um cidadão belga, se quiser ir para a Argentina num voo da Iberia que parta de Madrid, adquire esse bilhete na Bélgica, a um preço mais barato do que um cidadão espanhol o adquire em Madrid. Como é que antevê o futuro dos CRS’s? A legislação da União Europeia relativa aos CRSs está também a ser revista. Vai introduzir maior flexibilidade e regras mais liberais para as companhias aéreas, agentes e CRSs. Algumas vão-se manter, como é o caso da participação obrigatória e igualitária das companhias aéreas na divulgação da informação. Isto afecta sobretudo a Amadeus, que é o único CRS ainda maioritariamente detido por companhias aéreas, a Lufthansa, Iberia e AirFrance. A Comissão Europeia tem em seu poder um estudo, levado a cabo por uma entidade independente, que recomenda vivamente que a nova legislação previna eventuais situações de abuso de posição dominante, que iriam distorcer as regras de concorrência, sobretudo nos mercados espanhol, francês e alemão, onde o CRS mais influente é detido pelas home carriers locais. A ECTAA conseguiu ainda da União Europeia que os MIDTs (Marketing Information Data Tape) não incluam a identificação dos agentes de viagens e dos seus implantes. Estamos ainda à espera, desde o início deste ano, do novo código de conduta. Mas a sua adopção pela Comissão tem sido adiada por razões que desconhecemos, e receio que, com a proximidade das eleições para o Parlamento Europeu, e com o Revista APAVT • Nº10 • Maio 2004 É bom que se entenda que tanto a APAVT como a ECTAA não deixarão nunca de reclamar a necessidade de remuneração pelas companhias aéreas fim do mandato da actual Comissão, esta possa ser ainda mais adiada. muitos agentes de oferecer serviços adicionais aos seus clientes. E qual é a posição relativa à venda das companhias low cost? Esse é um fenómeno que não podemos ignorar, porque está hoje disseminado por toda a Europa, e representa actualmente mais de 2.000.000 de lugares por semana. A única questão para os agentes de viagens é como é que as podem vender e como as podem reservar. Actualmente, os BSP’s não incluem transacções com as Low Costs e a maioria destas não está nos CRS’s. Isto impossibilita O cenário actual e previsível de alianças no transporte aéreo poderá condicionar uma sã concorrência? As alianças fazem parte de um processo natural de concentrações na indústria do transporte aéreo. Desde que as regras que governam a liberalização do transporte aéreo na Europa continuem a ser aplicadas, as alianças não deverão afectar a concorrência. Por isso estamos atentos, mas não particularmente preocupados. 19