ACÓRDÃO N.º 153/90
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Tutela Constitucional da
Ressarcibilidade dos Danos
sofridos pelos Consumidores
A instaura acção de condenação contra Correios e Telecomunicações de Portugal, E.P.
Solicitando indemnização no valor de 33 203$00 a título de prejuízos materiais e 1
000$00 a título de danos morais, invocando que os Correios e Telecomunicações
de Portugal, E.P., haviam extraviado vários vales postais que lhe tinham sido
remetidos em 29/11/1984, pela Caixa Nacional de Pensões, sendo que, A só veio
a receber as autorizações de pagamento daquele quantitativo, em 11/5/1985.
A acção, no 1.º Juízo do Tribunal Cível de Lisboa, é julgada improcedente por
várias razões:
- Em responsabilidade contratual, não há indemnização por danos não
patrimoniais;
- O A solicita indemnização por lucros cessantes e segundo o n.º3 do artigo 53º do
anexo I do Decreto-Lei 49 368, a responsabilidade dos CTT não abrange lucros
cessantes: ‘Em relação aos utentes, a responsabilidade dos C.T.T. não poderá
abranger, em caso algum, lucros cessantes ’;
- Esta norma não é materialmente inconstitucional perante o artigo 22º da CRP,
dado que este preceito se reporta à responsabilidade civil extracontratual: ‘O
Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma
solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou
omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício,
de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para
outrem.’
A recorre para o Tribunal Constitucional
Invocando que o n.º3 do artigo 53º do anexo I do Decreto-Lei 49 368, ao limitar o
ressarcimento dos prejuízos causados, ainda que no caso de ilícito contratual (como
este), aos danos emergentes, é inconstitucional, por contrariar o aludido artigo 22º da
CRP.
A Ré confirma a sentença recorrida, invocando que o artigo 22º da CRP não se
estende a formas de responsabilidade contratual e que o artigo 53º n.º 3 do
anexo I do Decreto-Lei 49 368 em nada colide com a norma.
Decide o Tribunal Constitucional:
- A decisão em 1ª instância não desaplicou a norma da primeira parte do 53º/3 do
anexo I do Decreto-Lei 49 368, porque o objecto da acção se situa em sede de
responsabilidade contratual e não se podia aplicar o artigo 22º da CRP nesta situação,
dado que o mesmo cura da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais
entidades públicas;
- Os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da
inconstitucionalidade suscitada;
- Não cabe ao Tribunal Constitucional averiguar se esta matéria se insere ou não na
responsabilidade contratual;
MAS,
o Tribunal Constitucional dá por assente que nos situamos perante uma
pretensão de ressarcimento de prejuízos que o A qualificou como lucros
cessantes;
E
O n.º3 do artigo 53º do anexo I do Decreto-Lei 49 638, de 10 de Novembro de
1969 diz que ‘Em relação aos utentes, a responsabilidade dos C.T.T. não
poderá abranger, em caso algum, lucros cessantes’.
Colide esta norma com a norma do artigo 22º da Constituição da República
Portuguesa?
Dentro da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade emergente dos
contratos e negócios jurídicos unilaterais como a emergente da violação de direitos
subjectivos absolutos ou de norma destinada a proteger interesses alheios .
O nosso CC optou por colocar a responsabilidade contratual na parte em que se
regulam as formas e efeitos do não cumprimento das obrigações.
MAS
é certo que a obrigação de indemnização que dela emana é tratada com a
responsabilidade extracontratual.
Quando falamos do artigo 22º da CRP é evidente que está em causa a
responsabilidade extracontratual.
Assim,
é certo que esta acção assenta na responsabilidade civil negocial, não
podendo ser para o caso, apelado o artigo 22º da CRP para fundamentar a
invalidade constitucional da norma da primeira parte do n.º3 da artigo 53º do
anexo
I
do
Decreto-Lei
n.º
49
368.
Significará isso que esta norma não colide com qualquer outro princípio
constitucional consagrado?
Não faria sentido, a situação em que na consequência de uma inexecução contratual,
quando os prejuízos se reconduzissem apenas a lucros cessantes, o utente em
causa não merecesse qualquer protecção jurídica.
Se em tese geral e pelo que tange à exclusão e limitação da responsabilidade civil no
domínio contratual são este tipo de cláusulas de admitir, há casos especiais,
fundamentalmente por exigências sociais, que são as mesmas vedadas.
Dentro dos desvios ao regime geral das cláusulas de exclusão e limitação da
responsabilidade, encontra-se o que se prende com a RESSARCIBILIDADE DOS
DANOS SOFRIDOS PELO CONSUMIDOR:
• razões de protecção social, postuladas pelo que se exige a um Estado de Direito
Social, impõem que aos interesses do consumidor se confira adequada protecção,
defendendo-o de clausulados abusivos;
E, principalmente,
• normas da própria CRP que consagram o imperativo de protecção do consumidor:
artigos 81º, 99º e, especialmente, o artigo 60º n.º1 CRP: Os consumidores têm direito à
qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e informação, à protecção da
saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de
danos.
•segundo Pinto Monteiro, « os consumidores têm direito à reparação de danos
e cláusulas de limitação dessa reparação que impeçam a ressarcibilidade de
toda uma categoria de danos (ainda que decorrentes de fonte legal) podem
assumir, em determinados casos, ofensa da ordem pública »;
•segundo Ana Prata, há que apurar se o imperativo em que a obrigação se
consubstancia implica deveres cuja conservação, prossecução e defesa é
nuclear e saber a natureza do bem lesado pelo incumprimento e a sua
valoração na ordem pública.
É no artigo 60º que a nossa lei fundamental mais desenvolve a matéria dos direitos dos
consumidores, atribuindo direitos individuais aos mesmos, ganhando esses direitos o estatuto
de direitos fundamentais (embora não se possam considerar como ‘naturais’).
Entre esses vários direitos individuais atribuídos, encontramos o direito à reparação de danos.
O artigo 60º da CRP tem muita influência na disciplina dos contratos relativos a bens de
consumo.
A previsão constitucional da protecção do consumidor é um forte factor de pressão para o
legislador ordinário aprovar leis no sentido de assegurar essa protecção.
No Preâmbulo da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993 – relativa às
cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – entendemos que os
Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para evitar a presença de cláusulas
abusivas nos contratos celebrados entre profissionais e consumidores e que se essas
cláusulas constarem dos contratos, os consumidores não serão por elas vinculados.
Neste caso,
é uma norma legal que se torna fonte da convenção limitativa da responsabilidade.
Assim, se pelo seu conteúdo ela vai colidir com imperativos de ordem pública
postulados na CRP, a sua invalidade deverá ser aferida por uma incompatibilidade
com a mesma.
Como já vimos, pode conceber-se a existência de limitações qualitativas e quantitativas
ao ressarcimento dos prejuízos…
MAS,
Se uma norma infraconstitucional retira a possibilidade desse ressarcimento quanto a
toda uma categoria de danos, sem que a tanto se possa opor o utente, consideramos
a mesma ofensiva do ditame da CRP que comanda a ressarcibilidade dos danos
sofridos pelos consumidores.
A primeira parte do n.º3 do artigo 53º do anexo I do Decreto-Lei 49 368 limita a
responsabilidade dos CTT aos danos emergentes.
Hoje, o artigo 60º n.º 1 da CRP refere: os consumidores têm direito (…) à reparação de
danos.
Nos casos em que só resultem lucros cessantes, tendo em conta a limitação de
responsabilidade daquela norma, ver-se-á o consumidor desprovido da garantia
jurídica de ressarcimento pela conduta do devedor, violando-se o direito imposto pelo
artigo 60º n.º1 da CRP.
DECISÃO:
julga-se inconstitucional a norma constante no n.º3 do artigo 53º do Anexo I do
Decreto-Lei 49 368, na parte em que não permite, em caso algum, que sejam
ressarcidos os lucros cessantes sofridos pelos utentes dos CTT, por violar o
disposto no n.º1 do artigo 60º da CRP.
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Diapositivo 1 - Faculdade de Direito da UNL