Escola Superior do Ministério Público da União
Atribuição do Ministério Público Federal
em matéria de saúde
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
Mestre em direito pela UFMG
Doutorando em direito pela UFPR
A questão
• Procurar uma nova resposta para uma velha pergunta:
como dividir atribuições ministeriais no SUS?
• Contexto: Lei Complementar 141/12
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
A dúvida
• A LC 141/12 eliminou a possibilidade de
assunção direta do serviço pela União (que,
embora prevista, nunca ocorreu), tratando o
repasse do SUS como regular e automático (art.
18) e caracterizando a transferência como
obrigatória (art. 22).
• Isso significa que a verba do SUS se incorpora
ao patrimônio do ente que recebe, devendo ser
tratada como se trata o FPM?
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
O contexto
• O MPE é mais capilarizado que o MPF
• Por outro lado, entender que a verba do SUS se incorpora significa
afastá-las do sistema de controle federal (Tribunal de Contas da União,
Controladoria-Geral da União e Comissões Parlamentares de Inquérito
federais), autorizando apenas a atuação dos órgãos de controle estaduais e
municipais que, quando existentes, costumam estar mais sujeitos a
ingerências políticas que os órgãos federais.
• A realidade da saúde hoje: praticamente tudo é fundo a fundo. Os
convênios estão sendo extintos. O município de Campinas, por exemplo,
recebeu, no ano de 2012 (até o mês de setembro), aproximadamente 212
milhões de reais em recursos federais para a saúde, montante
integralmente repassado fundo a fundo. No mesmo período, no município,
foram firmados apenas 7 convênios com o Ministério da Saúde, todos com
Universidades ou a sociedade civil (nenhum com o município), no valor
aproximado de 900 mil reais.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
Jurisprudência atual
• Ainda não há análise específica da LC 141.
• A jurisprudência atual é favorável à
competência federal. Há precedentes em
todos os TRFs
• STF: ROHC 98.564, Grau, 15.9.09. Há um
precedente mais antigo de Neri.
• STJ: excelente julgado: CC 122.376/RJ, 3ª
Seção, Sebastião Reis Júnior, DJ 22.08.12
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
• PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. IRREGULARIDADES EM
CONTRATO CELEBRADO POR ÓRGÃO ESTADUAL. RECURSOS PROVENIENTES DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. TRANSFERÊNCIA AUTOMÁTICA OU "FUNDO A
FUNDO".
• INCORPORAÇÃO DA VERBA AO PATRIMÔNIO ESTADUAL. IRRELEVÂNCIA.
REPASSE SUJEITO AO CONTROLE INTERNO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL E
DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL.
• 1. Por estarem sujeitas à fiscalização dos órgãos de controle interno do Poder Executivo
federal, bem como do Tribunal de Contas da União, as verbas repassadas pelo Sistema
Único de Saúde - inclusive na modalidade de transferência automática ou "fundo a
fundo" - ostentam interesse da União em sua aplicação e destinação.
• Eventual desvio atrai a competência da Justiça Federal para conhecer da matéria, nos
termos do art. 109, IV, da Constituição Federal.
• 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 5ª Vara Criminal
da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, o suscitante.
• (CC 122376/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado
em 08/08/2012, DJe 22/08/2012)
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
TCU
• Esse também é o entendimento do TCU:
• A competência fiscalizadora do TCU decorre da natureza federal
dos recursos repassados fundo a fundo pelo FNS para
Estados, Distrito Federal e Municípios. Mediante a Decisão-TCU
nº 506/1997-Plenário-Ata 31/97,
o
Tribunal
firmou
entendimento, no sentido de que os recursos repassados
pela União no âmbito do SUS, aos Estados, Distrito
Federal e Municípios constituem recursos federais e,
dessa forma, estão sujeitos à fiscalização do TCU as
ações e os serviços de saúde pagos à conta desses
recursos, quer sejam os mesmos transferidos pela
União mediante convênio, quer sejam repassados com
base em outro instrumento ou ato legal, como a
transferência automática fundo a fundo.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
• Os recursos transferidos fundo a fundo pelo Ministério da Saúde - MS não deixam de
ser federais por passarem a integrar os Fundos Estaduais, do Distrito Federal e
Municipais de Saúde ou por estarem previstos nos orçamentos de Estados e
Municípios.
• Apesar de o art. 1° do Decreto n° 1.232, de 30/08/1994, dispensar a
elaboração de convênio ou instrumento congênere para a
transferência de recursos federais fundo a fundo a Estados,
Municípios e Distrito Federal, no âmbito do SUS, o conjunto de
objetivos e compromissos que a legislação pertinente impõe aos
integrantes do SUS caracteriza relação convenial entre a União e as
demais esferas de governo, conforme Decisão TCU n° 449/1998Plenário-Ata 28/1998.
• A prestação de contas dos recursos repassados diretamente do FNS para os
fundos estaduais, do Distrito federal e municipais de saúde deve ser feita ao órgão
repassador por intermédio do relatório de gestão (a prestação de contas propriamente
dita), aprovado pelo respectivo Conselho de Saúde (Decreto n° 1.651/1995, art.
6º). Tal procedimento não exclui a ação fiscalizadora concorrente do Controle
Interno do Poder Executivo e do Tribunal de Contas da União.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
A LC 141
• Apesar da impressão inicial, a LC 141 em verdade reforçou a tese de
que a atribuição na matéria é do MPF, quando houver recursos
federais envolvidos.
• Art. 39:
• § 5o O Ministério da Saúde, sempre que verificar o descumprimento
das disposições previstas nesta Lei Complementar, dará ciência à
direção local do SUS e ao respectivo Conselho de Saúde, bem como
aos órgãos de auditoria do SUS, ao Ministério Público e aos órgãos
de controle interno e externo do respectivo ente da Federação,
observada a origem do recurso para a adoção das medidas
cabíveis.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
• Art. 27. Quando os órgãos de controle interno do ente beneficiário,
do ente transferidor ou o Ministério da Saúde detectarem
que os recursos previstos no inciso II do § 3º do art. 198 da
Constituição Federal estão sendo utilizados em ações e serviços
diversos dos previstos no art. 3o desta Lei Complementar, ou em
objeto de saúde diverso do originalmente pactuado, darão ciência ao
Tribunal de Contas e ao Ministério Público competentes, de acordo
com a origem do recurso, com vistas:
• I - à adoção das providências legais, no sentido de determinar a
imediata devolução dos referidos recursos ao Fundo de Saúde do
ente da Federação beneficiário, devidamente atualizados por
índice oficial adotado pelo ente transferidor, visando ao
cumprimento do objetivo do repasse;
• II - à responsabilização nas esferas competentes.
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Procurador da República
• A LC 141/12 revogou expressamente dispositivos da Lei
8080/90, mantendo em vigor o dispositivo base que
sempre foi utilizado para fundamentar a competência
federal:
• Art. 33, § 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através
de seu sistema de auditoria, a conformidade à
programação aprovada da aplicação dos recursos
repassados a Estados e Municípios. Constatada a
malversação, desvio ou não aplicação dos recursos, caberá
ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em
lei.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
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Encaminhamentos
• É essencial identificar a origem dos recursos. Deve-se exigir que Estados e
municípios identifiquem, na nota de empenho, se a verba utilizada naquela despesa
é federal, estadual, municipal ou múltipla. Havendo fraude envolvendo recursos
federais, a atribuição será federal (mesmo se a ação também for custeada com
recursos estaduais e municipais).
• A LC 141 dá ferramentas para que se possa exigir isso:
• Art. 13
• § 2o Os recursos da União previstos nesta Lei Complementar serão transferidos aos
demais entes da Federação e movimentados, até a sua destinação final, em contas
específicas mantidas em instituição financeira oficial federal, observados os
critérios e procedimentos definidos em ato próprio do Chefe do Poder Executivo da
União.
• § 4o A movimentação dos recursos repassados aos Fundos de Saúde dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios deve realizar-se, exclusivamente, mediante
cheque nominativo, ordem bancária, transferência eletrônica disponível ou outra
modalidade de saque autorizada pelo Banco Central do Brasil, em que fique
identificada a sua destinação e, no caso de pagamento, o credor.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
Encaminhamentos
• Art. 32. Os órgãos de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios manterão registro contábil relativo às despesas efetuadas com ações e
serviços públicos de saúde.
• Parágrafo único. As normas gerais para fins do registro de que trata o caput serão
editadas pelo órgão central de contabilidade da União, observada a necessidade
de segregação das informações, com vistas a dar cumprimento às disposições
desta Lei Complementar. (se o valor se incorporasse ao patrimônio do Estado ou
município, não haveria necessidade de segregação contábil)
• Art. 36. O gestor do SUS em cada ente da Federação elaborará Relatório detalhado
referente ao quadrimestre anterior, o qual conterá, no mínimo, as seguintes
informações:
• I - montante e fonte dos recursos aplicados no período;
• Além da questão da atribuição, a não identificação da fonte no empenho abre porta
para a frustração do mínimo de recursos. É possível que o ente conte para sua cota
de aplicação em saúde despesas pagas com recurso de outro ente.
• Sugere-se, portanto, a instauração de procedimentos para fomentar
essa identificação das verbas.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
O novo SIOPS
• Art. 39. Sem prejuízo das atribuições próprias do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas
de cada ente da Federação, o Ministério da Saúde manterá sistema de registro eletrônico
centralizado das informações de saúde referentes aos orçamentos públicos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluída sua execução, garantido o acesso
público às informações.
• § 1o O Sistema de Informação sobre Orçamento Público em Saúde (Siops), ou outro sistema
que venha a substituí-lo, será desenvolvido com observância dos seguintes requisitos
mínimos, além de outros estabelecidos pelo Ministério da Saúde mediante regulamento:
• I - obrigatoriedade de registro e atualização permanente dos dados pela União, pelos Estados,
pelo Distrito Federal e pelos Municípios;
• II - processos informatizados de declaração, armazenamento e exportação dos dados;
• III - disponibilização do programa de declaração aos gestores do SUS no âmbito de cada ente
da Federação, preferencialmente em meio eletrônico de acesso público;
• IV - realização de cálculo automático dos recursos mínimos aplicados em ações e serviços
públicos de saúde previstos nesta Lei Complementar, que deve constituir fonte de informação
para elaboração dos demonstrativos contábeis e extracontábeis;
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
O novo SIOPS
• V - previsão de módulo específico de controle externo, para registro, por parte do Tribunal de
Contas com jurisdição no território de cada ente da Federação, das informações sobre a
aplicação dos recursos em ações e serviços públicos de saúde consideradas para fins de
emissão do parecer prévio divulgado nos termos dos arts. 48 e 56 da Lei Complementar no
101, de 4 de maio de 2000, sem prejuízo das informações declaradas e homologadas pelos
gestores do SUS;
• VI - integração, mediante processamento automático, das informações do Siops ao sistema
eletrônico centralizado de controle das transferências da União aos demais entes da
Federação mantido pelo Ministério da Fazenda, para fins de controle das disposições do inciso
II do parágrafo único do art. 160 da Constituição Federal e do art. 25 da Lei Complementar nº
101, de 4 de maio de 2000.
• § 2o Atribui-se ao gestor de saúde declarante dos dados contidos no sistema especificado no
caput a responsabilidade pelo registro dos dados no Siops nos prazos definidos, assim como
pela fidedignidade dos dados homologados, aos quais se conferirá fé pública para todos os fins
previstos nesta Lei Complementar e na legislação concernente.
• § 3o O Ministério da Saúde estabelecerá as diretrizes para o funcionamento do sistema
informatizado, bem como os prazos para o registro e homologação das informações no Siops,
conforme pactuado entre os gestores do SUS, observado o disposto no art. 52 da Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
O novo SIOPS
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§ 4o Os resultados do monitoramento e avaliação previstos neste artigo serão apresentados de
forma objetiva, inclusive por meio de indicadores, e integrarão o Relatório de Gestão de cada ente
federado, conforme previsto no art. 4o da Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990.
§ 5o O Ministério da Saúde, sempre que verificar o descumprimento das disposições previstas nesta
Lei Complementar, dará ciência à direção local do SUS e ao respectivo Conselho de Saúde, bem como
aos órgãos de auditoria do SUS, ao Ministério Público e aos órgãos de controle interno e externo do
respectivo ente da Federação, observada a origem do recurso para a adoção das medidas cabíveis.
§ 6o O descumprimento do disposto neste artigo implicará a suspensão das transferências
voluntárias entre os entes da Federação, observadas as normas estatuídas no art. 25 da Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.
Isso se combina com o art. 26:
§ 1o No caso de descumprimento dos percentuais mínimos pelos Estados, pelo Distrito Federal e
pelos Municípios, verificado a partir da fiscalização dos Tribunais de Contas ou das informações
declaradas e homologadas na forma do sistema eletrônico instituído nesta Lei Complementar, a
União e os Estados poderão restringir, a título de medida preliminar, o repasse dos recursos
referidos nos incisos II e III do § 2º do art. 198 da Constituição Federal ao emprego em ações e
serviços públicos de saúde, até o montante correspondente à parcela do mínimo que deixou de ser
aplicada em exercícios anteriores, mediante depósito direto na conta corrente vinculada ao Fundo de
Saúde, sem prejuízo do condicionamento da entrega dos recursos à comprovação prevista no inciso
II do parágrafo único do art. 160 da Constituição Federal.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
Procurador da República
Conclusão
• Há atribuição do MPF sempre que o desvio de recursos envolver verbas
federais, mesmo que não exclusivamente.
• Para que isso possa ser verificado, é preciso fazer com que os entes
federados segreguem as fontes de recursos de cada empenho na respectiva
nota.
• Colocar dinheiro no fundo não quer dizer necessariamente
• É interessante verificar se os entes federados estão preenchendo o SIOPS
adequadamente.
• Se o recurso não deixa de ser federal, é preciso criar formas de fiscalizar
quando os estados e municípios repassam esse dinheiro ao terceiro setor.
Não existe nenhuma estatística formal disso, mas se cogita que algo em
torno de 30 bilhões de reais, de um total de 93,3 bilhões aplicados pela
União, esteja nessa situação. Esse é um desafio.
Edilson Vitorelli Diniz Lima
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