1 O VIDEOCLIPE E A EDUCAÇÃO: IDENTIDADES FRAGMENTADAS NO CONTEMPORÂNEO Maria Joana Brito da Silva Montes Mestranda em Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação Universidade Braz Cubas Resumo: A presente pesquisa desenvolve uma leitura crítico-conceitual do videoclipe brasileiro A minha alma - a paz que eu não quero (1999), do grupo musical O Rappa. A partir de aspectos educacionais, socioculturais, políticos e tecnológicos, objetiva-se uma pesquisa multidisciplinar. O método a ser utilizado é o indutivodedutivo sob parâmetros descritivos e reflexivos do objeto, cuja narrativa problematiza a constituição do sujeito social e sua formação no contemporâneo, ressaltando referências do videoclipe com a mídia, a escola e a leitura. O videoclipe estimula uma leitura sincrética a partir do verbal, visual e sonoro. Tal discurso é uma narrativa e, embora seja ficção, conta a história não apenas de um sujeito, mas de uma sociedade. Cada pessoa torna-se um fragmento de história em busca de objetos de valor, com conquistas e perdas. Registra-se que o videoclipe contribui, efetivamente, com o processo de ensino-aprendizagem na sala de aula, ao estimular a reflexão e a leitura, sobretudo no ensino médio. Portanto, no videoclipe, há três categorias discursivas indicadas como objetos de leitura: imagem, experiência e subjetividade. A imagem é a forma com que foi trabalhado. Já a experiência e a subjetividade estão relacionadas ao conteúdo do mesmo. Ao descrever o videoclipe, faz-se necessário compreender sua dinâmica enquanto cultura digital, contextualizando a partir de estudos contemporâneos numa abordagem teóricometodológica. Para isso, destacam-se os estudos contemporâneos em Hans Ulrich Gumbrecht (1998), Jurandir Freire Costa (2004), Stuart Hall (2003/2006), Néstor García Canclini (2008) e Humberto Maturana (2001), entre outros. Trata-se de um contexto complexo com riqueza de linguagens, as quais podem ser observadas na gestualidade, na vestimenta dos envolvidos, na musicalidade e na estrutura da fala. Palavras-chave: Videoclipe, escola contemporânea, leitura 2 1. Introdução O problema a ser abordado neste estudo é investigar conceitualmente a relação do videoclipe brasileiro A minha alma (A paz que eu não quero), do grupo musical O Rappa (1999), com a sociedade contemporânea, tendo como referência a escola pública. Assim, foca-se nas experiências do sujeito social e equaciona-se uma dinâmica da formação educacional, articulando estratégias de leitura discursivas capazes de reconsiderar a formação sociocultural, política e econômica. A leitura crítica do audiovisual justifica-se na necessidade de estudar o mundo contemporâneo e compartilhar idéias sobre a formação do sujeito social para desenvolver atitudes como respeito mútuo e interesse por objetivos comuns, que são importantes para o exercício democrático da sociedade. Gumbrecht (1998), em seu primeiro conceito, o de destemporalização dominante, define que, ao mesmo tempo em que o futuro, no contemporâneo, está aberto à seleção de opções, encontra-se também bloqueado, pois é impossível prevê-lo. Tempo e espaço se confundem. O que antes era impossível em termos de tempo e espaço, agora não possui mais bloqueios. A internet é um exemplo. Os e-mails quebram a barreira de tempo que separa os usuários-interatores. A cada momento surgem alternativas produzidas pela tecnologia. O sujeito vive o conflito de estar sempre se atualizando, pois o presente parece comandar a cena e o futuro é indeterminado. No segundo conceito, de destotalização, Gumbrecht elenca que tal campo da não-hermenêutica contribui para se observar o mundo não mais centrado na figura do sujeito, mas de acordo com a emergência do sentido. Tal conceito se inscreve e descreve um esteticismo que diz respeito às grandes abstrações. A interação com o processo pauta-se de diferentes formas, desde o sentimento de si para com o outro até as diversas técnicas que avançam desordenadamente, tornando-se, por vezes, difícil de acompanhar o sistema. Por fim, no terceiro, desreferencialização, o autor cita a experiência do trabalho humano, trazendo a sensação de enfraquecimento do contato com o mundo 3 externo. O sujeito move-se num espaço pleno de representações que já não contam com a referência segura de um mundo externo. O sujeito experimenta a validade do mundo na convivência, na aceitação e no respeito pelo outro a partir de si mesmo (MATURANA, 2001,p. 29). Educar, então, seria um processo de ensino-aprendizagem em que o sujeito convive com o semelhante, transformando a si e ao outro no espaço relacional de convivência dinâmica. O respeito de si está na adequação da forma de vida cotidiana, que não se resume numa ficção de um mundo distante, mas sim num viver com dignidade. O videoclipe intensifica informações visuais, verbais e sonoras com recursos midiáticos. Reflete-se, no descrever, a configuração corporal capaz de impulsionar uma discussão entre experiência e subjetividade. Segundo Garcia (2008), a partir da imagem, descreve-se sutilezas que ressaltam o entre lugar - espaço de (inter) subjetividades. As experiências são representações simbólicas da realidade espelhada nas cenas em questão. A subjetividade provoca as relações com o universo e está relacionada com o conteúdo do videoclipe ao dialogar sobre as diferenças sociais. Segundo Arlindo Machado (1995), videoclipe é uma tentativa de solucionar a introdução mais orgânica do som com a faixa da imagem. Trata-se de um produto audiovisual de curta duração, constituído por efeitos especiais (visuais e sonoros) e movimentos de câmera. Desempenha um papel importante, principalmente no que concerne à forma de expressar o conteúdo audiovisual, assim como a letra, a melodia e o ritmo. Machado diz que o sistema digital dá ao videoclipe uma redimensão estrutural, libertando-o de modelos narrativos ou jornalísticos. Assim sendo, por meio da informática e sua penetração na criação de imagem eletrônica e digital, percebe-se um rendimento gráfico. Os videoclipes são bem aceitos pelo público, que observa movimentos “harmônicos” com a música ao valorizar as sensações a partir de informações que acompanham ritmo e imagem. O videoclipe é uma forma de expressão que rapidamente criou adeptos, embora haja opiniões contrárias, as quais defendem a narrativa clássica. O audiovisual mobiliza procedimentos num momento em que a produção de arte depende de uma série de fatores, entre eles o financeiro. 4 Para Tiago Soares (2006), os espectadores ouvem e vêem o audiovisual numa ação simultânea. O videoclipe é constituído de código secundário (imagem em movimento) ao traduzir um código primário (canção) numa linguagem imagética, num conjunto de regras que permitem a codificação e, como conseqüência, a sua constituição. O videoclipe vem sendo tratado, academicamente, como estrutura complexa, tendo em jogo estratégias de produção de sentido, necessitando relacionar o som à imagem, inclusive a nível industrial. Tais aspectos fazem parte da lógica da indústria fonográfica. Este sistema produtivo da música popular massiva visa não apenas a concepção sonora e visual como estabelece, principalmente, estratégias de geração de consumo. O artista protagonista e a equipe de diretores e marketing discutem os desdobramentos de consumo e as formas de promoção, desde a canção à criação do videoclipe e o álbum fonográfico Tudo isso constitui a forma com que o videoclipe será introduzido no mercado massivo. Durante a execução do videoclipe A minha alma (1999), do grupo musical O Rappa, percebe-se que este produz uma rede de efeitos, projetando recortes metafóricos sobre a violência urbana e o medo gerado no seio social. Portanto, a expressão artística ficcionista chama atenção para fatos que são observados no cotidiano contemporâneo, demonstrando a fragmentação de valores éticos e humanos na sociedade. Isto significa a exclusão social, uma vez que o sujeito é discriminado no espaço em que vive e desprovido dos seus direitos de cidadão. Stuart Hall (2006) coloca que a fragmentação acelerada, o imprevisto e a progressiva desintegração social levam a uma multiplicidade de confrontos intergrupais, numa proliferação de campos de batalhas. Não mais se procura identificar o sentido para depois resgatá-lo. A experiência determina a condição de verdade em que ocorre o conhecimento e a troca de informação. Para experimentar o mundo, torna-se necessário vivê-lo. A edição do videoclipe segue o padrão (fragmentado e não-linear) adotado pela Music Television (MTV-2006) 1, com cortes rápidos que buscam na imagem as batidas do compasso da música, num plano de seqüências complexas. Este procedimento é uma forma de estimular o espectador através da imagem. O 1 Canal de TV pago, estadunidense sediado em Nova Iorque. 5 produtor do videoclipe parece querer atingir o público e este quer justiça, cidadania. Ou seja, encontrar a sua identidade que está fragmentada como sujeito. O grupo O Rappa ficou conhecido por suas músicas de impacto social. O ritmo da banda incorpora vários elementos e estilos musicais como: reggae, rock, samba, funk, rap entre outros da MPB 2. O nome “O Rappa” vem da designação popular aos policiais que interceptam camelôs (vendedores ambulantes), o “p” a mais na palavra Rappa surgiu apenas para diferenciar. O grupo lançou seu primeiro compact disc em 1994. Em 1996, foi lançado o CD Rappa Mundi, ingressando a banda no cenário nacional. Depois de três anos, o grupo, mais amadurecido, lançou um novo álbum. Entre as músicas, uma das mais fortes é A minha alma (A paz que não quero), letra de Marcelo Yuka (LUSVARGHI, 2003). Essa comunicação parece ser contemporânea e midiática, ou seja, atravessa fronteiras de espaço e tempo. Exerce uma função crítica em relação a quem assiste e emerge num processo de codificação e decodificação (HALL, 2003) utilizado pelos interlocutores. Diante de tamanha complexidade discursiva, faz-se necessário um recorte, no qual há a descrição e a fundamentação teórica a partir de aspectos socioculturais, políticos e tecnológicos, numa proposta de pesquisa multidisciplinar. Nesta perspectiva, contextualiza-se a formação do sujeito, tendo a mídia e a educação como principais mediadoras. Neste caso, sugere-se uma reflexão que expõe debates acerca da realidade crítica da comunidade contemporânea: “vivemos em escolas ou prisões/ condomínios ou prisões?”. A violência e o medo inibem o cidadão de seus direitos, deixando-o submetido ao cárcere privado. Mesmo fazendo mais de uma década que este videoclipe foi lançado, ele continua sendo atual. Parece ser um reflexo da realidade brasileira: a favela, os jovens sem perspectiva, a miséria e a violência inserida no cotidiano do povo. O sujeito recebe informações, ou seja, aprendizagens que irão estruturá-lo durante a sua vida. O fator social influi no desenvolvimento do processo de ensinoaprendizagem, sendo que os aspectos sociais, culturais e econômicos das camadas 2 Música Popular Brasileira 6 de renda mais baixa, o histórico familiar e as condições internas são significantes na formação do sujeito, isto é, no seu desenvolvimento humano. 2. Uma leitura testemunhal do espectador O espectador vive domínios globalizados, cria redes de conteúdos, modificando estilos de comunicação e articula diversas formas de leitura. Ser espectador hoje não se resume apenas em ver espetáculos, mas sim em ver/ler o mundo. Em suma, somos espectadores e leitores da nossa história. Figura 1 – O homem observa a cena. 3 O olhar do homem de óculos na cena induz a uma série de hipóteses sobre a sua percepção dos acontecimentos e pode ser comparado ao espectador que assiste pela tela. O sujeito vai decodificando, quer dizer, reunindo vários elementos lingüísticos das passagens visuais até chegar aos personagens. Estes lhe retornam uma idéia decodificada, isto é, transformada numa opinião do que vê/lê, dando forma e tirando conclusões sobre a mensagem. O espectador consegue acompanhar a complexa lógica discursiva do videoclipe, pois, quando o sujeito apropria-se do sentido conotado e decodifica a mensagem, ele está operando dentro do código dominante. Faz sentido para ele, pois utiliza códigos compreendidos pela massa. 3 Ao longo do texto, apresentam-se ilustrações do videoclipe a fim de propiciar um diálogo da imagem com o texto escrito. 7 O videoclipe dialoga com os espectadores que observam a temática urbana. Esse pressuposto implica relacionar a favela, a sua formação e as desigualdades sociais passadas e presentes. Ele mostra e detalha exemplificações circunstanciais dos descasos decorrentes nas políticas públicas no Brasil, sobretudo, no âmbito da educação. Figura 2 - O passado está contido no presente e o futuro é incerto. Vendo/lendo a cena penso quais os conceitos que mudaram no presente. Qual a relação entre o passado e o presente? Como será o futuro? No videoclipe, durante o percurso cênico, os jovens protagonistas são observados de longe pelo espectador, cuja participação demonstra uma “passividade” externa com uma ebulição interna, como se esperasse que a qualquer momento alguém acendesse o estopim. Trata-se de um campo reflexivo de redes discursivas geradas pelas comunicações efetuadas tanto no videoclipe como no espectador. Mesmo estando fora da ação, ele participa do movimento e interfere através de posicionamentos. A mídia apresenta, no cotidiano, questões sobre violência, gerando preocupação social. Os crimes que ocorrem nas escolas agravam o impacto sobre a sociedade e contagia a adolescência, estimulando atos violentos e de vandalismo. Isso faz crescer a consciência de incredulidade nos órgãos públicos e educacionais. Diante disso, a postura da população é o silêncio e a submissão diante do terror. Na letra da música lê-se “Paz sem voz; Não é paz é medo” (YUKA, 1999). Tais acontecimentos vêm mudando práticas. O medo penetra no tecido social e o sujeito se submete a viver entre grades em suas próprias casas e nas escolas. Como a letra da música A minha alma diz: “As grades do condomínio; São prá trazer 8 proteção; Mas também trazem a dúvida; Se é você que está nessa; Prisão...” (YUKA, 1999). Ao desconstruir o discurso do videoclipe, reconstrói-se um pensar novo e reflexivo. Repensar é fazer com que a criança (metaforicamente representada aqui pelo “Gigante”) tenha, na escola e na sociedade, um espaço de socialização e cultura para poder exercer sua cidadania. 3. O protagonista “Gigante” e a cena Pertencer a um grupo significa participar, transformar, adaptando-se às exigências do mundo, de forma plena e digna. Os suportes físicos, afetivos e sociais interferem na identidade e seu desenvolvimento pleno garante as necessidades básicas, que variam de acordo com a sociedade a que pertence. A relação com o mundo permite que o sujeito se sinta parte de um sistema e, quando discriminado, cria problemas que refletem na vida. Figura 3 - O menino Gigante observa a cena. No audiovisual, o protagonista, um menino negro de mais ou menos quatro ou cinco anos, cujo apelido é “Gigante”, acompanha alguns jovens que discutem o que fazer durante o dia. Numa breve descrição do audiovisual: de início, um grupo de jovens se encontra e combina descer o morro em direção à praia. Um dos integrantes ainda reluta, mas é encorajado quando outro participante pede para o “Gigante” escolher onde deverão ir e este decide ir à praia. Todos seguem a mesma direção. 9 Os personagens parecem conhecer a comunidade. Conversam com as pessoas do bar, mexem com os cantores. No caminho, observa-se o cotidiano dos moradores: o varredor de rua, o policial de trânsito, os comerciantes, os olhares das pessoas, interrogativos, fixos ou desconfiados, como se esperassem algo acontecer a qualquer momento. Neste contexto, a câmera mostra, em vários pontos, policiais armados. O menino Gigante, durante o percurso, aparece em várias cenas de mãos dadas com um dos adolescentes. Eles pedem dinheiro para algumas pessoas, como o jornaleiro, uma senhora passando acompanhada pelo filho e outros que encontram pelo caminho. Com a finalidade de comprar um frango assado, os meninos aproximam-se do forno. Um homem também se aproxima do local com o mesmo objetivo, ocasião em que deixa cair um dinheiro próximo a um dos meninos. Este se abaixa para pegá-lo e devolvê-lo ao dono. Neste momento, o adolescente é surpreendido por policiais, que o abordam e o espancam. Grupos de moradores descem o morro e jogam pedras contra policiais, reagindo contra a situação. Um dos adolescentes, o mesmo que se abaixou para pegar o dinheiro, é levado para detrás de uma viatura. Lá é morto por um soldado, sem motivo ou defesa, com um tiro na cabeça. Aparecem homens escondidos atrás de grades em suas casas e outros fechando portas, concomitantemente com a letra da música: “(...) as grades do condomínio são para trazer proteção/ mas também trazem a dúvida se é você que está nesta prisão (...)” O momento em que a mãe beija o menino morto atrás da viatura é um exemplo de fragmentação, pois caracteriza o esfacelamento da família e da ruptura do sujeito enquanto ser humano. Isso confirma que o videoclipe procura dialogar com o público expondo uma realidade crítica. De acordo com Jurandir Freire Costa (2004), há uma degradação dentro do seio familiar e a tragédia dos adolescentes é viver num mundo cujos valores ensinados são negados. Tal argumentação destaca-se no videoclipe, no momento em que os policiais uniformizados entram em cena e transformam em conflito o que antes parecia estável. 10 O Gigante observa quando os policiais investem contra o mencionado menino, confundindo o ato com roubo. Ele, o Gigante, fica parado e assustado, depois corre desesperado, de um lado para o outro. Vê quando um policial leva o mesmo adolescente para detrás de uma viatura policial e mata-o com um tiro na cabeça. A população reage com violência diante do fato e a cena termina com jovens sendo levados algemados para as viaturas policiais, juntamente com o cadáver. O pequeno Gigante fica parado observando os escombros, com a camisa aberta, mostrando o peito desprotegido. O contemporâneo demonstra uma ruptura de tradições morais que, conseqüentemente, leva o sujeito à fragmentação de sua identidade (HALL, 2006). A violência e a discriminação social, vistas/lidas no audiovisual, podem estar relacionadas com a perda de valores da sociedade. Figura 4 - Gigante observa os escombros depois do conflito. No videoclipe “A minha alma”, o pequeno “Gigante” esteve presente quase em todas as cenas, e, no final, fica só, observando os escombros. São os primeiros anos de vida os mais importantes para o desenvolvimento psíquico do sujeito, do “eu” bem estruturado. Para Hall (2006), isto está próximo à interação da ideologia. De acordo com o mesmo autor, “encontramos a figura do sujeito isolado, exilado ou alienado, colocado contra o pano-de-fundo da multidão ou da metrópole anônima e impessoal”. Conceitualmente, ninguém é contra a inclusão. Porém, para trabalhar inclusão dentro do sistema educacional, torna-se necessário modificar atitudes dentro da escola e da sociedade. Quando apontamos um elemento ou sujeito, já estamos 11 excluindo. No ambiente escolar, faltam ações claras, que modifiquem o contexto de exclusão, em que a permanência do educando em condições favoráveis seja o principal objetivo. Hoje, a educação não olha para o sujeito. Parece uma cultura dissociada, isto é, desintegrada. Não se pode pensar em formação sem pensar no sujeito. A formação do sujeito no processo escolar tem que ser dinâmica, diversificada e humanizada. 4. O VIDEOCLIPE E A EDUCAÇÃO Refletir é um modo diferente de pensar o repensar. A prática educativa é um espaço em que o sujeito convive com o outro e, portanto, trata-se de afetividade. Para Maturana ( 2001, p. 22), a dificuldade do fazer está relacionada ao querer fazer, portanto, há necessidade do emocional estruturado, ou seja, alimentado. O ato de educar ocorre durante os momentos da vida: o primeiro choro, o primeiro olhar e a forma de se identificar e apropriar-se progressivamente da imagem global do corpo, conhecendo, identificando seus segmentos e elementos, desenvolvendo cada vez mais uma atitude de interesse e cuidado com o mesmo. Nesta perspectiva, refletir o videoclipe no âmbito educacional, em especial na oitava série, como projeto interdisciplinar, e mesmo entre educadores e equipe gestora, proporciona ao sujeito a oportunidade de conhecer mais profundamente a nossa história e buscar alternativas para reverter os conflitos que lemos no contemporâneo. Isso implica atender à diversidade e criar vínculos e parcerias. Resgatar e reinventar novas maneiras de ver/ler este contemporâneo e a transformação das culturas. A cultura interfere, soma e se agrega ao sujeito, estimulando-o a produzir “novas/outras” formas de ver/ler o mundo. O vestuário dos adolescentes, o modo de falar (a gíria) mostra a cultura com referências próprias, elaboradas ao longo do tempo. O sujeito produz e contextualiza manifestações corporais ao interagir com o meio. 12 A fusão entre culturas é fonte de outras formas de culturas mais apropriadas ao mundo contemporâneo e à comunidade a que o sujeito pertence. No videoclipe, observam-se formas diferentes de falar e vestir, compondo características de uma comunidade. Tal procedimento forma uma comunicação com o mundo. São elementos corporais e verbais criados para mostrar a existência daquela sociedade. O homem necessita de apoio para aprender a caminhar e a se comunicar. O processo de ensino-aprendizagem se faz constante: vê-se na interação com a família e com a sociedade, adquirindo conhecimentos e vivenciando o espaço. Em suma, o sujeito se forma com o que vê e sente. Transforma-se e modifica o espaço em que vive, adequando-o às suas necessidades. Fatores externos influenciam este experimentar o mundo. A velocidade do contemporâneo, as tecnologias, a mídia e o mercado de consumo interferem na cultura, alterando-a. Tempo e espaço não são mais definidos. As tecnologias facilitam o processo radical de mudança de imagem de corpo, produto e/ou marca, ao depurar materiais silícicos, nos quais apontam a mídia e o mercado. A cultura digital, neste caso, programa a relação (dis)juntiva que equaciona o corpo para além da ambientação máquina/orgânico (GARCIA, 2008, p. 98). A tecnologia faz parte do contemporâneo e deve ser utilizada. O videoclipe A minha alma não foi criado apenas para comercialização da arte, mas também para fazer uma denúncia social. É uma tecnologia digital que pode ser utilizada na escola como recurso para refletir e discutir os problemas e buscar soluções alternativas. Seria uma forma de utilizar a tecnologia em favor do educar, ou seja, uma nova forma de mostrar o mundo na linguagem contemporânea. A escola possui como função social promover a aquisição e a ampliação dos saberes, visando à formação do sujeito para que este saiba tratar a visão do mundo. O processo de ensino-aprendizagem ocorre no cotidiano e a escola deve ser observada como principal agente de mudança de paradigmas, mas não é a única. A 13 integração de ações de políticas governamentais com a sociedade e a escola pode suprir às necessidades locais, culturais e educacionais e gerar projetos para diminuir a desigualdade. Como se vê a escola pública hoje? Vê-se a escola pública esfacelada, ou seja, fragmentada e cada vez mais violenta. A solução seria assumir uma nova/outra identidade para a reconstrução de paradigmas? As repostas podem surgir na troca de informações, no experimentar o mundo e na transparência. Para terminar, o videoclipe A minha alma (1999), mesmo sendo ficção, mostra a realidade que estamos vendo/lendo no contemporâneo. A transformação do cenário pode estar na mudança de paradigmas da sociedade e na busca de ações conjuntas na comunidade escolar que revertam este quadro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: zahar, 2007. ___________Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: zahar, 2007. CANCLINI, Néstor García. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo. ITAÚ CULTURAL . ed Iluminuras, 2008. COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. GARCIA, Wilton; MELO, Eliana Menezes de; PRADOS, Rosália Maria Netto. Linguagens, tecnologias, culturas: discursos contemporâneos. São Paulo: ed. Factash, 2008. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Corpo e forma – ensaios para uma crítica não hermenêutica. João Cesar de C. Rocha (org). Rio de Janeiro: ed UERJ, 1998. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro. 11ª edição ed DP&A, 2006. ___________ Da Diáspora – Identidades e mediações culturais. 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