Transplante Intestinal: indicações e manejo Marcio Miasato Residente de 4° Ano Disciplina de Gastroenterologia Departamento de Pediatria Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo Introdução # As técnicas de transplante intestinal foram desenvolvidas em animais, as primeiras experiências em seres humanos ocorreram entre 1964 e 1967. # Não existia nutrição parenteral, pacientes com acometimento intestinal devastador eram tratados com medidas de suporte até que o intestino conseguisse compensar o quadro ou os pacientes morriam de inanição. # A imunossupressão era primitiva, o enxerto não sobrevivia por muito tempo. # Pacientes com necrose intestinal eram tratados somente com medidas paliativas. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Introdução # Nos anos 70 a ciclosporina foi introduzida e a era moderna dos transplantes se iniciou. # A nutrição parenteral total permitiu recuperação nutricional e enfim, sobrevida a longo prazo para pacientes com devastadoras perdas da função gastrointestinal, ou como chamamos atualmente: falência intestinal. # A nutrição parenteral naquele período trouxe maior êxito do que qualquer tentativa anterior de transplante intestinal. # O crescimento da sobrevida dos pacientes com a nutrição parenteral total (NPT) trouxe novos problemas: pacientes com inviabilização de acesso para a NPT, sepses de repetição e desenvolvimento de falência hepática colestática. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Introdução # Nesses pacientes com inadequada função intestinal e complicações terminais da NPT, foi renovada a necessidade do transplante intestinal. # Nos anos 70 o transplante intestinal era oferecido mais como uma tentativa de prolongar um pouco mais o tempo de sobrevida do que um tratamento primário. # Os pacientes que tinham indicação de transplante intestinal (TI) apresentavam grave disfunção hepática, hipertensão portal e episódios recorrentes de sepse. # Na maioria dos casos o intestino era transplantado em conjunto com o fígado, ou em conjunto com outros órgãos (fígado, pâncreas, intestino delgado, estômago). Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Introdução # Os enxertos não eram monitorados quanto à rejeição, que era identificada tardiamente. # Havia pouquíssima experiência clinica em relação ao diagnóstico ou tratamento da rejeição de intestino. # Nessa primeira fase da imunossupressão a ciclosporina obtinha uma sobrevida de 57% e 50% no 1.o e 3.o ano pós Tx respectivamente. # A introdução do tacrolimus em 1989 aumentou a sobrevida do transplante intestinal para 83 e 47% respectivamente no 1.o e 3.o ano pós Tx intestinal. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Definição # Falência intestinal: inabilidade do trato gastrointestinal inato de prover autonomia nutricional para o paciente. # Pacientes com falência intestinal requerem um suporte intravenoso vitalício para manter homeostase hidro- eletrolítica e calórica. # A nutrição parenteral domiciliar é a terapia primária de escolha de longa duração para os pacientes com falência intestinal. # Em 1992 era estimado que cerca de 40000 pessoas na América do Norte estavam recebendo nutrição parenteral domiciliar. # Era estimado que cerca de 15-20% desses pacientes eram candidatos ao Tx intestinal. # Em 2003 era estimado que ocorriam cerca de 100 transplantes intestinais anuais, o autor ressalta que o número potencial de transplantes é absurdamente maior que esse. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Definição # A definição de falência intestinal precisa ser debatida. É sugerido que o termo falência intestinal refere-se à perda fecal de energia ao invés de caracterizar o comprimento intestinal nos pacientes com síndrome do intestino curto. # Seria necessário definir a gravidade da falência intestinal de acordo com a quantidade de nutrição parenteral necessária para a manutenção basal de um adulto e de prover crescimento nas crianças. # Além dos critérios funcionais e nutricionais um marcador biológico do intestino é proposto para definir a quantidade de intestino funcional. # O número de pacientes com falência intestinal é muito menor do que aqueles que sofrem de falência renal ou doença hepática terminal, no entanto pouquíssimos dados estão disponíveis para estimar o impacto na população pediátrica. Causes and management of Intestinal Failure in Children. Gastroenterology 2006;130:S16-S28 Falência Intestinal # Geralmente os pacientes avaliados para o transplante intestinal tem falência intestinal e recebem dieta parenteral. # As doenças que podem levar à falência intestinal são caracterizadas por: perda do comprimento intestinal, perda da função intestinal, tumores irresecáveis envolvendo o intestino. # Para cada uma dessas características há avaliação do potencial de reabilitação do intestino funcional acometido e desmame da nutrição parenteral ou o sucesso do uso contínuo da NPT. The current status of intestinal transplantation. Curr Opin Organ Transplant 2008 13:266-272 Síndrome do Intestino Curto # Perda do comprimento intestinal e da capacidade da área absortiva devido à ressecção cirúrgica. # É a causa mais comum de falência intestinal que leva ao transplante intestinal. # A perda da área abortiva está associada a malabsorção e rápido trânsito ileojejunal, resultando em desnutrição, desidratação e anormalidades eletrolíticas. # Pode ser causada por uma variedade de doenças em adultos, a maioria decorrente de acometimentos vasculares (isquêmicos). # Adultos: trauma, trombose ou embolismo das vasos mesentéricos, volvo, doença inflamatória intestinal, outras causas de infarto intestinal. # Crianças: mal rotação intestinal, volvo, enterocolite necrotizante, atresia jejunoileal, gastrosquise, onfalocele, ou outras causas congênitas Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Transtornos Funcionais # Transtornos funcionais do intestino delgado levando à falência intestinal inclui anomalias da motilidade e da função do enterócito. # Transtornos da motilidade: pseudo obstrução intestinal idiopática, miopatia visceral, neuropatia visceral, aganglionose intestinal total, EIM com acometimento funcional motor do TGI. # Uma alta porcentagem desses pacientes necessitam de nutrição parenteral (62%) # Transtornos no enterócito causando diarréia secretória intratável e falha na absorção é mais comum em crianças, causando dependência da nutrição parenteral. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Tumores # Tumores envolvendo a base do mesentério jejunoileal são frequentemente benignos mas é localmente invasivo e letal. Somente a ressecção completa garante a cura. # Esses tumores lideram a causa de mortalidade em pacientes com pólipos intestinais que precedem o câncer intestinal, sendo o diagnóstico precoce essencial para a ressecção. # Por vezes esses tumores acometem também outros órgãos adjacentes (pâncreas, baço, estômago e duodeno), a remoção desses órgãos sem posterior transplante intestinal pode resultar em falência hepática por ausência de fluxo sanguíneo portal. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Causas de transplante intestinal Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Causas de transplante intestinal # Revisão retrospectiva entre janeiro 1991 e maio 2008 dos transplantes intestinais nos EUA (United Network for Organ Sharing) # Pacientes pediátricos (< 22 anos de idade) com falência intestinal com critérios para o transplante intestinal. # 852 crianças (54% masculino) receberam o transplante intestinal. Idade média para o transplante: 1 ano, peso médio: 10,7 Kg. # 69% receberam simultaneamente Tx hepático # Causas mais comuns: 24% gastrosquise, 15% enterocolite necrotizante, 19% outras causas de Sd intestino curto, 16% causas funcionais, 7% Doença de Hirschsprung . Outcomes in Children after Intestinal Transplant. Pediatrics fev 2010;125;e550 Causas de transplante intestinal Outcomes in Children after Intestinal Transplant. Pediatrics fev 2010;125;e550 Transplante intestinal em crianças Outcomes in Children after Intestinal Transplant. Pediatrics fev 2010;125;e550 Causas de transplante intestinal em crianças Outcomes in Children after Intestinal Transplant. Pediatrics fev 2010;125;e550 Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Indicações para o Transplante Intestinal # Complicações que levam à falência do tratamento da nutrição parenteral: - Doença hepática - Perda de acesso venoso - Sepses recorrentes # Complicações causam mortalidade de 10-40% nos primeiros 3-5 anos terapia parenteral. # Pacientes que desenvolvem essas complicações são candidatos ao transplante. # Alguns pacientes desenvolvem também distúrbios eletrolíticos, desidratação, litíase renal que requerem constantes hospitalizações. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Indicações para o Transplante Intestinal # Cavicchi et al relataram a incidência de mais de 50% de complicações relacionadas ao fígado após 5 anos de uso contínuo de nutrição parenteral. # Fatores preditores de complicações: síndrome do intestino ultra curto (< 50 cm em adultos), presença de jejunostomia, fórmulas parenterais contendo mais de 1g/Kg/dia de lipídeos na nutrição parenteral. # Complicações em crianças: incapacidade do desmame 2 anos após ressecção, desenvolvimento de colestase precoce, são preditores de má evolução da NP. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Indicações para o Transplante Intestinal # Uma significativa porcentagem dos pacientes com indicação para o transplante falece enquanto espera pelo órgão. # Bueno et al correlacionaram o aumento da bilirrubina sérica (>3 mg/dL) com a mortalidade na fila de espera pelo transplante , assim como as características histológicas da doença hepática crônica associada à mortalidade. # Reyes et al relataram que crianças que desenvolviam falência intestinal antes de 1 ano de idade tinham sobrevida de 40% aos 2 anos de idade. Relatou também que pacientes com desordens funcionais aparentemente apresentavam sobrevida maior do que aqueles com síndrome do intestino curto. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Indicações para o Transplante Intestinal # Grande parte do fluxo portal provém da circulação mesentérica, pacientes com síndrome do intestino curto têm baixo fluxo portal. # Consequentemente, as complicações da hipertensão portal (HDA, ascite, síndrome hepatorrenal) irão aparecer no curso final do acometimento hepatico. # Na experiência clínica o autor observa que a trombocitopenia e a colestase são os melhores indicadores para observar o desenvolvimento da disfunção hepática associada à falência intestinal. # Identificar os pacientes com evolução irreversível para doença hepática e realizar apenas o transplante intestinal simples não só melhora o prognóstico de sobrevida como evita a evolução para a falência hepática. Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Indicações para o Transplante Intestinal Intestinal Transplantation for Gut Failure. Thomas M.Fishbein ( Mount Sinai School of medicine). Gastroenterology 2003; 124: 1615-1628 Complicações pós transplante # Cirúrgico: - O intestino transplantado tem algum grau de acometimento precoce da mucosa pois sofre respectivamente isquemia e reperfusão. - Pode ser fator de predisposição para translocação bacteriana, peritonite precocemente após a operação. - Reconstruções complexas vasculares são necessárias, causando risco de sangramentos pós operatórios. - A Transecção do mesentério e da drenagem linfática podem causar o desenvolvimento da ascite pós operatória. - Aproximadamente metade dos pacientes necessita de alguma reabordagem cirúrgica no 1.o mês pós cirurgia. Surgical techniques used in intestinal transplantation. Curr Opin Org Transplantation 2004,9:207-213 Complicações pós transplante # Infecções: - Infecções bacterianas e fúngicas são comuns em pacientes submetidos à nutrição parenteral antes do transplante. - Essas infecções podem recorrer com o uso da imunossupressão após o transplante. - A peritonite pós operatória geralmente não responde ao uso de antibióticoterapia e necessita de nova abordagem cirúrgica com lavagem peritoneal. - Durante o 1.o ano pós Tx intestinal 20-25% dos pacientes apresentam infecções virais. Citomegalovírus pode causar diarréia secretora, assim como o adenovírus. - Distinguir essas infecções virais oportunistas da rejeição pode ser difícil pois a inflamação críptica e a diarréia são marcadores clínicos para ambos. Surgical techniques used in intestinal transplantation. Curr Opin Org Transplantation 2004,9:207-213 Complicações pós transplante # Rejeição; - Rejeição celular aguda do enxerto agride a mucosa intestinal e pode resultar em translocação bacteriana e sespsis sistêmica quando for grave. - Pelo menos 1 episódio de rejeição é identificado em cerca de 90% da maioria das publicações, embora esse número esteja em declínio. - A rejeição com acometimento da mucosa pode causar sangramento e má absorção. - É necessária uma agressiva imunossupressão pois a rejeição vem sempre acompanhada de infecção, que pode ser letal. - O transplante intestinal simples pode ser retirado precocemente, evitando agravo com a evolução para a infecção, o transplante múltiplo de órgãos já é um processo irreversível, que necessita da manutenção do enxerto mesmo com o risco de infecção. Surgical techniques used in intestinal transplantation. Curr Opin Org Transplantation 2004,9:207-213 Manejo do enxerto pós transplante # O manejo do enxerto pós transplante requer: - intensa terapia imunossupresora, reconhecimento precoce da rejeição, profilaxia contra infecção, reconhecimento precoce da infecção manejo nutricional adequado. Outcomes in Children after Intestinal Transplant. Pediatrics fev 2010;125;e550