IMPRESSO FECHADO. PODE SER ABERTO PELA ECT. Revista Técnica da Bovinocultura de Leite - Número 44 - Ano 6 | outubro 2012 um produto um produto colostro: avaliação da qualidade e composição Exigências nutricionais de bovinos leiteiros no Brasil Mastite contagiosa ou ambiental: um diagnóstico em nível de rebanho Sekita Agronegócios: a visão integrada de um sistema de produção de leite sanidade Mastite contagiosa ou ambiental: Um diagnóstico em nível de rebanho Texto: Marcos V. dos Santos Tiago Tomazi Os microrganismos causadores de mastite são classicamente divididos em espécies contagiosas ou ambientais. A distinção entre estes dois grupos de microrganismos depende, principalmente, de sua forma de transmissão. O perfil de bactérias contagiosas é caracterizado pela transmissão de vaca para vaca, enquanto o perfil de transmissão ambiental é caracterizado pela infecção da vaca por bactérias de origem do ambiente. O diagnóstico de mastite contagiosa ou ambiental em nível de rebanho só pode ser realizado com precisão quando as três fontes de informações (análise dos dados, avaliação dos fatores de risco e perfil de infecção) são avaliadas detalhadamente. Contagiosa ou ambiental? ordenha por meio de equipamentos práticas de manejo como desinfecção Microrganismos contagiosos são contaminados, mãos dos ordenhado- dos tetos pós ordenha, segregação de tipicamente mais adaptados à vaca res, ou panos usados em mais de uma vacas, tratamento durante a lactação e e causam infecções persistentes sem vaca. Nesse caso, as infecções tendem protocolos de secagem e descarte de sintomas clínicos graves. Os agentes a persistir na glândula mamária apre- vacas infectadas fazem parte de pro- contagiosos mais comumente isolados sentando-se na forma subclínica com gramas de prevenção contra mastite da mastite são Staphylococcus aureus e episódios clínicos intermitentes. Masti- contagiosa. Streptococcus agalactiae. O principal re- tes contagiosas são associadas com re- Por outro lado, microrganismos servatório destes patógenos é o úbere dução da produção e aumento na CCS ambientais são considerados agentes de um animal infectado, e as infecções do leite de tanque. Como a transmissão oportunistas que normalmente cau- são disseminadas entre as vacas ou de vaca para vaca é a fonte primária de sam mastites transitórias, porém com entre os quartos mamários durante a novas infecções intramamárias (IIM), maior frequência de casos clínicos gra- outubro | 2012 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 30 ves. Os agentes ambientais de maior relevância em IIM são os coliformes e espécies de estreptococos, exceto o S. agalactiae. A fonte principal de agentes ambientais é o próprio local onde a vaca vive. Normalmente, a mastite ambiental apresenta-se mais na forma clínica que subclínica e é caracterizada como uma infecção curta, que resulta em queda brusca da produção de leite, e até mesmo, a morte da vaca. Infecções intramamárias ambientais normalmente têm origem no período seco, e independem da presença de outras vacas infectadas pelo mesmo microrganismo. Casos de mastite ambiental são mais comuns em propriedades com baixa CCS do leite de tanque. A manutenção O principal reservatório dos patógenos contagiosos é o úbere de um animal infectado do ambiente seco e limpo e a estimulação da resposta imune das vacas são as principais práticas de manejo adotadas em programas de prevenção deste tipo de mastite. Com base em estudos com ferramentas de biologia molecular, várias técnicas que estudam o material genético de microrganismos têm sido utilizadas para identificar espécies e subespécies bacterianas na Medicina Veterinária. O avanço das técnicas de microbiologia molecular possibilita a distinção entre surtos de mastite clonais (causados por uma mesma cepa bacteriana) de surtos não-clonais (causados por cepas ou espécies distintas) em nível de rebanho. Os estudos atuais A fonte principal de agentes ambientais é o próprio local onde a vaca vive demonstram que em surtos de mastite causados por bactérias com perfil de relacionada com sua própria cepa de agentes causadores de mastite como transmissão contagioso, um único tipo coliforme ou estreptococo. contagioso e ambiental. Na representa- de cepa bacteriana é isolado em vacas Embora exista uma divisão clássica ção esquemática abaixo, S. agalactiae é infectadas. Em contraste, em IIM com das espécies quanto ao perfil de trans- considerado totalmente contagioso e a perfil de transmissão ambiental, é mais missão, estudos recentes apontam para E. coli totalmente ambiental, sendo que provável que qualquer infecção esteja uma dificuldade de classificação dos os demais agentes apresentam padrões outubro | 2012 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 31 sanidade mastite contagiosa ou ambiental: um diagnóstico em nível de rebanho Figura 1. Escala comparativa de classificação entre agentes causadores de mastite contagiosa e ambiental. Adaptado de Zadocks e Schukken (2003). te contagiosa ou ambiental. Antes de se optar por um programa de prevenção de mastite, é necessária uma melhor identificação do perfil de transmissão dos microrganismos, o que Contagiosa será mais preciso se forem consideradas as seguintes fontes de informação: 1) análise dos dados de CCS e registros de mastite clínica; 2) avaliação dos principais fatores de risco conhecidos na Ambiental literatura, e 3) perfil de IIM do rebanho baseado em resultados de cultura microbiológica e identificação de cepas bacterianas isoladas no rebanho. S. agalac. S. aur. S. dysgalc. S. uberis. E. coli Análise de dados intermediários de modo de transmis- em amostras coletadas dos conjuntos A análise dos dados de sanidade da são. de teteiras após a ordenha e das camas glândula mamária é o primeiro passo Com a disponibilidade de técnicas das vacas infectadas. A predominância no diagnóstico dos perfis de transmis- de diagnóstico cada vez mais precisas, de uma cepa comum em todas as vacas são de agentes causadores de mastite a distinção clássica entre microrganis- infectadas poderia ter indicado tanto o em nível de rebanho. Recomenda-se mos causadores de mastite ambientais potencial de transmissão contagiosa do que ambos os dados de CCS individu- e contagiosas parece ter cada vez me- microrganismo, quanto a exposição de al e registros de ocorrência de mastite nos sustentação. Um estudo mais deta- várias vacas a um mesmo reservatório clínica estejam disponíveis para aná- lhado dos surtos causados por espécies ambiental. No entanto, quando méto- lise. Com esses dados é possível obter bacterianas, classicamente definidas dos de controle foram utilizados com uma primeira indicação dos prováveis como ambientais, mostrou que estas objetivo de prevenir a transmissão pelo padrões de transmissão de IIM em um espécies (ou surtos) podem ter carac- equipamento de ordenha, nenhum rebanho. Características importantes terísticas de agentes contagiosos. Um novo caso de mastite foi observado. da transmissão contagiosa são: longa exemplo disto foi a ocorrência de dois Um segundo surto de mastite cau- duração das IIM; CCS do leite de tan- surtos de mastite por Klebsiella spp. ob- sado por Klebsiella spp. ocorreu na mes- que relativamente alta; ocorrência de servados por pesquisadores america- ma fazenda vários meses após o primei- múltiplos casos clínicos de mastite em nos. Os isolados de Klebsiella do leite, ro. No entanto, observou-se que o surto um único quarto mamário; alta CCS fezes, e instalações foram comparados foi causado por cepas distintas desta nos meses antecedentes à ocorrência por meio de uma técnica de identifica- espécie bacteriana, o que exclui a pos- de mastite clínica; e correlação positiva ção por microbiologia molecular (PCR sibilidade de transmissão contagiosa e entre a prevalência de infecções exis- de DNA polimórfico amplificado ao aca- indica que infecções oportunistas origi- tentes e o risco de novas infecções pelo so). O primeiro surto de mastite foi cau- nadas no ambiente causaram a doença. mesmo patógeno. sado por uma cepa comum de Klebsiella Estes estudos indicam a necessidade de Por outro lado, características im- pneumoniae isolada no leite de oito reavaliação da classificação de espécies portantes da transmissão ambiental vacas. Esta mesma técnica foi utilizada bacterianas como causadoras de masti- são: duração relativamente curta das outubro | 2012 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 32 IIM; baixa CCS do leite de tanque; alta incidência de casos clínicos de mastite; ausência de IIM de longa duração; baixa Mesmo que a fazenda esteja aplicando as melhores práticas de manejo, como a desinfecção dos tetos após a ordenha, a execução das mesmas precisa ser adequada para que a avaliação de risco da mastite seja baixa CCS individual antes da ocorrência de casos de mastite clínica; alta incidência de IIM com sinais clínicos imediatamente após o parto; e ausência de correlação positiva entre a prevalência de infecções existentes e o risco de novas infecções pelo mesmo agente. Dados individuais periódicos de CCS são muito informativos para determinar o perfil de transmissão de mastite em uma propriedade leiteira. Longos períodos (acima de 2 meses) de alta CCS indicam o potencial de transmissão contagiosa de mastite no rebanho. Já em rebanhos onde ocorrem surtos de mastite ambiental, o período de alta CCS (> 200.000 células/mL) nor- rotineiramente. Para uma avaliação avaliação de risco da mastite. O resul- malmente é mais curto devido ao perfil adequada, as respostas devem ser pa- tado final desta avaliação demonstrou agudo deste tipo de infecção. Outra for- dronizadas a fim de se obter um escore uma pontuação específica para cada ma que auxilia no diagnóstico do perfil de pontuação. Para cada uma das cate- uma das seis áreas de risco identificadas de transmissão se dá por meio de análi- gorias, também é adicionado um escore e uma pontuação geral de 71%. A pon- ses de correlação entre o percentual de geral baseado na opinião de consulto- tuação foi dimensionada de tal forma novas vacas com alta CCS por teste e o res. Este último é muito importante, já que 100% é um resultado perfeito e 0% percentual de vacas com persistência que muitos produtores já estão cientes é um resultado extremamente deficien- de alta CCS no mesmo teste. dos principais fatores de risco envolvi- te. Nesse exemplo, a fazenda em ques- dos com a sanidade do úbere e reali- tão tem duas áreas de alto risco (bios- Avaliação dos fatores de risco zam práticas de manejo para prevenir a seguridade e sistema de ordenha). Os A segunda fonte de informações mastite. Contudo, a forma de aplicação problemas de biossegurança nesta fa- fundamentais para identificação do das melhores práticas de manejo dife- zenda foram relacionados à compra de perfil predominante de transmissão de re entre fazendas. Por exemplo, muitas animais de reposição, em que não exis- mastite em nível de rebanho baseia-se fazendas usam desinfetantes de tetos tia um plano de análise microbiológica em uma avaliação criteriosa dos fatores após a ordenha, no entanto, em muitos do úbere dos animais que entravam no de risco relacionados à mastite. Estes casos, a cobertura dos tetos com o de- rebanho. O fator de risco relacionado fatores de risco estão compreendidos sinfetante é relativamente pobre. Des- ao sistema de ordenha consistiu em nas seguintes categorias: biossegurida- ta forma, mesmo que a fazenda esteja um problema de flutuação de vácuo e de, procedimentos de ordenha, sistema aplicando as melhores práticas de ma- ausência de manutenção periódica do de ordenha, tratamento de IIM, higiene nejo conhecidas, o escore geral do téc- equipamento de ordenha. Com base do animal e condição das instalações, e nico responsável poderá ser mais baixo nessa avaliação, a fazenda apresentou manejo de susceptibilidade. Para cada em fazendas com execução inadequa- alto risco de desenvolvimento de infec- categoria, questionários, observações da destas práticas. ção com perfil contagioso. e mensurações devem ser realizadas O Quadro 1 ilustra um exemplo de outubro | 2012 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 33 sanidade mastite contagiosa ou ambiental: um diagnóstico em nível de rebanho Quadro 1. Sumário de avaliação dos fatores de risco de uma fazenda com alta predisposição ao perfil de transmissão contagioso. Escore superior a 80% é considerado alto, entre 60 e 80% médio, e abaixo de 60% é considerado baixo. Categoria Escore Perfil de transmissão indicativo Biosseguridade 31% Contagioso Pontos-chave Compra de animais sem exames microbiológicos. Procedimentos de ordenha 82% Contagioso Excelente desinfecção dos tetos. Sistema de ordenha 55% Contagioso Fase-D curta da ordenha (fase de massagem do teto durante a ordenha); Ausência de plano de manutenção periódica do equipamento. Tratamentos 70% Ambos Bom procedimento de operação padrão; Ausência de protocolo de tratamento de mastite subclínica estabelecido. Higiene/Instalações 69% Ambiental Moderado escore de higiene Manejo de susceptibilidade 82% Ambiental Boa nutriçào; Bom programa reprodutivo. Risco geral da fazenda 71% Fonte: Adaptado de Schukken et al., 2012 Perfil de infecção dores de mastite e distinguir entre per- missão contagioso quanto ambiental. O perfil de infecção em nível de fis de transmissão de infecção clonais e O simples registro das espécies de bac- rebanho consiste na identificação dos não-clonais. Tais metodologias podem, térias identificadas na fazenda não é microrganismos isolados e das caracte- inclusive, identificar a persistência de suficiente para o diagnóstico definitivo rísticas específicas das bactérias iden- infecção em um quarto mamário den- do perfil de transmissão de mastite em tificadas. A identificação das espécies tro de um determinado período. Infec- nível de rebanho. Técnicas mais apu- bacterianas responsáveis pelas IIM é a ções intramamárias persistentes são radas que possam distinguir entre as primeira indicação de qual padrão de mais propensas a transmitir a doença cepas bacterianas são necessárias para infecção é mais predominante na fazen- entre quartos mamários ou vacas, e es- o diagnóstico preciso do perfil de trans- da. Por exemplo, se diferentes espécies tão relacionadas com padrão de trans- missão de IIM. A partir disso, programas ou cepas estão envolvidas, é indicativo missão contagiosa. A identificação de de prevenção e tratamento específicos de um problema ambiental, enquanto IIM persistentes ou cepas com habili- podem ser propostos aos produtores o envolvimento de cepas comuns iso- dade de causar este tipo de infecção de leite a fim de combater a mastite e ladas de várias IIM sugere um perfil de são importantes para avaliar o perfil de melhorar a sanidade do rebanho. transmissão contagioso. O isolamento transmissão de mastite. de uma única espécie bacteriana não é Marcos Veiga dos Santos suficiente para o diagnóstico do padrão Conclusões de infecção em nível de rebanho. Ou O diagnóstico de mastite contagio- seja, o diagnóstico de uma única infec- sa ou ambiental em nível de rebanho só ção por S. agalactiae não implica neces- pode ser realizado com precisão quan- sariamente em um problema de masti- do as três fontes de informações (aná- te contagiosa, enquanto muitos casos lise dos dados, avaliação dos fatores de de mastite clínica por Klebsiella spp. não risco e perfil de infecção) são avaliadas estão, necessariamente, relacionados a detalhadamente. A descrição de surtos um problema de mastite ambiental. de infecção de diferentes espécies bac- Técnicas de microbiologia molecu- terianas demonstram que praticamente lar podem auxiliar na identificação de todas as espécies podem apresentar ca- cepas específicas de organismos causa- racterísticas tanto com perfil de trans- outubro | 2012 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 34 Professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Universidade de São Paulo (FMVZ/USP) Tiago Tomazi Mestrando em Nutrição e Produção Animal FMVZ/USP