BBBCONJUNTURA ECONÔMICA S&P REBAIXA NOTA DE CRÉDITO DO BRASIL À BEIRA DO PRECIPÍCIO? Se o ano de 2014 já se configurava difícil em termos de inflação, baixo crescimento e perspectivas ruins para o setor externo, as dificuldades ficaram agora ainda maiores. No último dia 24 de março, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito soberano do Brasil, que reflete a confiança de investir no país, de “BBB” para “BBB-”. A S&P também mudou a perspectiva do rating de negativa para estável. por ISABELLA ABREU A nova classificação ainda mantém o país com grau de investimento, o que o recomenda como destino de aplicações, mas é o último degrau para perder esse posto. Em sua justificativa, a Standard & Poor’s apontou “sinais pouco claros da política econômica do governo da presidente Dilma Rousseff, que enfrenta um frágil quadro fiscal, e também a desaceleração do crescimento do país”. Em comunicado, a S&P disse que o rebaixamento do rating reflete a combinação de “derrapagem orçamentária” em meio às perspectivas de “crescimento moderado nos próximos anos”, baixo volume de investimentos, “capacidade restrita” a ajustar a política antes das eleições presidenciais de outubro e “algum enfraquecimento das contas externas do país”. 6 REVISTA RI Abril 2014 Segundo Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora, com o rebaixamento, o Brasil será objeto de maior rigor na seletividade por parte dos investidores estrangeiros. “A decisão da S&P coloca o governo brasileiro numa ‘camisa de força’ em relação à gestão, quase que o condicionando ao cumprimento das metas de rigor fiscal e gastos anunciados recentemente, sob risco de no ano que vem ser penalizado com a perda do grau de investimentos se não obter sucesso”, afirma. De acordo com Alexandre Espirito Santo, economista da Simplific Pavarini e professor do Ibmec-RJ, desde o final do ano passado, o mercado já embutia nos preços dos ativos, na práti- Se o rebaixamento não foi nenhuma novidade para o mercado, a reação do governo surpreendeu por ser bem pior do que o esperado. Ao invés de tomar isso como uma lição e buscar corrigir o rumo, as notas oficiais se preocuparam em atacar a credibilidade da agência. ca, prêmios de um país com nota BBB-. “O que ocorreu, agora, foi uma simples confirmação daquilo que a maioria já havia antecipado. A única surpresa (se houve) foi o timing, pois muitos aguardavam tal decisão para depois das eleições de outubro”, explica. Em junho de 2013, a S&P havia indicado que poderia cortar a nota de crédito do Brasil quando revisou a perspectiva do rating de “estável” para “negativa”. No entanto, o governo desconsiderou os alertas para melhorar a qualidade da sua política macroeconômica. “Não podemos mais nos dar ao desfrute de ignorar os avisos”, recomenda o economista. Já Paulo Bittencourt, diretor da Apogeo Investimentos, avalia que, “apesar de julgarmos saber nos equilibrar bem frente aos efeitos colaterais da política econômica vigente não deveríamos descuidar novamente ao ponto que na próxima avaliação da S&P, ocorra outro rebaixamento da nossa nota de crédito, desta vez sob a alegação de que nos comportamos como ‘violinistas no telhado’”, diz. Se o rebaixamento não foi nenhuma novidade para o mercado, a reação do governo surpreendeu por ser bem pior do que o esperado. Ao invés de tomar isso como uma lição e buscar corrigir o rumo, as notas oficiais se preocuparam em atacar a credibilidade da agência. De acordo com o comunicado emitido pelo Ministério da Fazenda, a classificação foi “injusta, inconsistente e contraditória com as condições da economia brasileira” e teve o objetivo de “fragilizar a realidade fiscal do país… sobretudo nesse momento de debate eleitoral”. Na opinião de Sidnei Nehme, da NGO Corretora, não adianta perder tempo contestando ou buscando desqualificar quem nos avalia neste momento no contexto global. “Nossas descul- pas serão sempre desculpas e os organismos que nos avaliam terão sempre peso maior no mercado internacional”, afirma. Além disso, apesar das críticas aos erros das agências de risco, principalmente no pico da crise do subprime em 2008, essas avaliações ainda servem de parâmetro para grande parte do mercado internacional. Suas decisões tendem a causar impacto no dólar e na Bolsa. Independente da maior ou menor credibilidade que hoje se deposite nas agências, é certo que o mercado viu com bons olhos essa ratificação pela S&P de que estamos insistindo em uma política fiscal que vai deixando um rastro de “esqueletos” para serem pagos mais a frente. “Não estamos no ponto de discutir um risco iminente de default, mas vale lembrar que o governo planejava trazer a taxa de juros real para 2% ao ano - e a realidade macroeconômica deixou este desejo bem mais distante”, relembra Paulo Bittencourt, da Apogeo Investimentos. Além disso, Bittencourt destaca que estamos reféns de um ciclo de baixo crescimento do PIB (menos de 2% ao ano), voltamos a ter uma taxa de juros básica elevada (acima de 10% ao ano), e com a proximidade das eleições um gasto público que deve se elevar acima do crescimento do PIB. “Tudo isso somado deve trazer mais para frente um aumento da carga tributária e mais um aperto monetário com nova rodada de elevação da Selic a partir de 2015”, afirma. REAÇÕES Enquanto líderes do governo mostravam sua insatisfação com a decisão tomada pela S&P, os pré-candidatos à Presidência Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) aproveitaram o momento para atacar a política econômica de Dilma Rousseff. Abril 2014 REVISTA RI 7 CONJUNTURA ECONÔMICA Os motivos que fizeram a S&P rebaixar o Brasil 1. Política fiscal - “A deterioração fiscal brasileira nos últimos anos inclui déficits relativamente maiores como resultado de um superávit primário menor (sem levar em conta os juros) e atividades extra-orçamentárias recorrentes.” 2. Contabilidade criativa - “A credibilidade sobre a condução da política fiscal foi sistematicamente enfraquecida na medida em que o governo excluiu vários itens de receita e gasto da sua meta fiscal.” 3. Crescimento baixo - “Esperamos que o crescimento baixo do Brasil persista nos próximos anos, com uma expansão do PIB real de 1,8% em 2014 e 2% em 2015.” 4. Vulnerabilidade externa - “Antecipamos que a vulnerabilidade externa brasileira vai aumentar nos próximos anos. Em 2013, o investimento estrangeiro direto não cobriu plenamente o déficit em conta corrente; esperamos que essa tendência continue.” 5. Abuso de bancos estatais - “O uso persistente dos bancos estatais, financiados por recursos do Tesouro não contabilizados, também minaram a credibilidade e transparência das políticas.” 6. Baixo investimento - “O importante programa de concessões está avançando lentamente e deve fornecer algum apoio para o investimento. Dito isso, ainda esperamos que o investimento privado em geral continue sem brilho por causa do persistente sentimento negativo do empresariado e uma atitude de “esperar para ver” associada à eleição, o risco de racionamento de energia e os efeitos do aumento dos juros desde abril de 2013.” O senador mineiro Aécio Neves destacou que o rebaixamento da nota de crédito do Brasil “coroa uma temporada de equívocos” cometidos no governo Dilma. Ele citou como exemplo disso o uso de manobras contábeis, o relaxamento com o controle da inflação, e altos gastos do governo. “Infelizmente aconteceu o previsto e o país teve sua nota de crédito rebaixada pela Standard & Poor’s. A decisão coroa uma temporada de equívocos cometidos pelo governo da presidente Dilma Rousseff na área econômica, mas não só nela. O histórico de manipulações contábeis, o descuido com a boa aplicação dos recursos públicos, a leniência com a inflação, a ineficácia na realização dos investimentos necessários para destravar o país, em contrapartida aos exorbitantes gastos correntes, explicam, com sobras, a indesejada decisão”, afirmou, em nota. 8 REVISTA RI Abril 2014 Já o governador de Pernambuco comentou através da sua página no Facebook que o país não precisava ter sua nota rebaixada pela agência Standard & Poor’s para saber que a economia vai mal. O rebaixamento da nota brasileira por uma agência de classificação de risco poderia até ser relativizado pelo governo, se esse mesmo governo não tivesse festejado o “upgrade”, quando foi concedido anos atrás. Não precisamos que os outros nos digam quais são nossos problemas, nós sabemos bem quais são eles. Baixo crescimento com inflação alta. Baixo investimento com altos gastos correntes. Infelizmente o governo não tem mostrado capacidade de enfrentar o desafio e mudar o jogo. Mas outubro está aí. Quem vai colocar o Brasil de volta nos trilhos não é ninguém de fora. Vai ser o povo brasileiro nas urnas”, disse Campos. RI