Desigualdades raciais e de gênero
no serviço público civil
Rafael Guerreiro Osório
Secretaria Internacional do Trabalho
Brasil
GRPE • OIT
Copyright © Organização Internacional do Trabalho 2006
1ª edição 2006
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e Licenças), International Labour Office, CH-1211 Geneva 22, Suíça, ou por e-mail:
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Osório, Rafael Guerreiro.
Desigualdades raciais e de gênero no serviço público civil / Rafael
Guerreiro Osório; Programa de Fortalecimento Institucional para a
Igualdade de Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego
(GRPE). — [Brasília] : OIT - Secretaria Internacional do Trabalho, 2006.
116 p. : il. – (Cadernos GRPE; n.2).
ISBN 92-2- 818980-0 & 978-92-2-818980-3 (print).
ISBN 92-2- 818981-9 & 978-92-2-818981-0 (web pdf)
1.Discriminação Racial. 2. Discriminação Sexual. 3. Serviços Públicos.
I. Programa de Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero
e raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego (GRPE). II. Título.
04.02.7
As designações empregadas nas publicações da OIT, segundo a praxe adotada pelas
Nações Unidas, e a apresentação de material nelas incluídas não significam, da parte
da Secretaria Internacional do Trabalho, qualquer juízo com referência à situação
legal de qualquer país ou território citado ou de suas autoridades, ou à delimitação
de suas fronteiras.
A responsabilidade por opiniões expressas em artigos assinados, estudos e outras
contribuições recai exclusivamente sobre seus autores, e sua publicação não significa
endosso da Secretaria Internacional do Trabalho às opiniões ali constantes.
Referências a firmas e produtos comerciais e a processos não implicam qualquer
aprovação pela Secretaria Internacional do Trabalho, e o fato de não se mencionar
uma firma em particular, produto comercial ou processo não significa qualquer
desaprovação.
As publicações da OIT podem ser obtidas nas principais livrarias ou no Escritório
da OIT no Brasil: Setor de Embaixadas Norte, Lote 35, Brasília - DF, 70800-400,
tel.: (61) 2106-4600, ou no International Labour Office, CH-1211. Geneva 22, Suíça.
Catálogos ou listas de novas publicações estão disponíveis gratuitamente nos
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Revisão: Pollyana Resende ([email protected]) Tel.: (61) 3244-3255
Catalogação na fonte: Márcia Aquino ([email protected]) Tel.: (61) 3328-2589
Impresso no Brasil
Gráfica Satellite
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CADERNO GRPE • [2]
Esta publicação foi produzida no âmbito do Projeto RLA/03/M52/
UKM – Políticas de erradicación de la pobreza, generación de empleos y
promoción de la igualdad de género dirigidas al sector informal en América
Latina, financiado pelo Department for International Development
(DFID), do Governo Britânico.
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Diretora do Escritório da OIT no Brasil
Laís Abramo
Programa de Fortalecimento Institucional para a Igualdade de
Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego (GRPE)
Coordenadora Nacional do GRPE
Solange Sanches
Oficial de Projeto
Marcia Vasconcelos
Assistente de Projeto
Andréa Sánchez
Projeto de Desenvolvimento de uma Política Nacional
para Eliminar a Discriminação no Emprego e na Ocupação e
Promover a Igualdade Racial no Brasil
Coordenadora Nacional
Ana Cláudia Farranha
Oficial de Projeto
Quenes Gonzaga
Assistente de Projeto
Rafaela Egg
Coordenação Executiva do GRPE
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
Ministra Matilde Ribeiro
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
Ministra Nilcéa Freire
Ministério do Trabalho e Emprego
Ministro Luiz Marinho
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Ministro Patrus Ananias
Edição
Marcia Vasconcelos e Rafaela Egg
Revisão
Polyana Resende
Projeto Gráfico
PQAS Comunicação
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
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GRPE • OIT
A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
A Organização Internacional do Trabalho foi fundada em 1919, com o objetivo
de promover a justiça social e, assim, contribuir para a paz universal e permanente.
A OIT tem uma estrutura tripartite única entre as Agências do Sistema das Nações
Unidas, na qual os representantes de empregadores e de trabalhadores têm a mesma
voz que os representantes de governos.
Ao longo dos anos, a OIT tem lançado, para adoção de seus Estados-membros,
convenções e recomendações internacionais do trabalho. Essas normas versam
sobre liberdade de associação, emprego, política social, condições de trabalho,
previdência social, relações industriais e administração do trabalho, entre outras.
A OIT desenvolve projetos de cooperação técnica e presta serviços de assessoria,
capacitação e assistência técnica aos seus Estados-membros.
A estrutura da OIT compreende: Conferência Internacional do Trabalho,
Conselho de Administração e Secretaria Internacional do Trabalho. A Conferência
é um fórum mundial que se reúne anualmente para discutir questões sociais e
trabalhistas, adotar e rever normas internacionais do trabalho e estabelecer as
políticas gerais da Organização. É composta por representantes de governos e de
organizações de empregadores e de trabalhadores dos 178(*) Estados-membros da
OIT. Esses três constituintes estão também representados no Conselho de
Administração, órgão executivo da OIT, que decide sobre as políticas da OIT. A
Secretaria Internacional do Trabalho é o órgão permanente que, sob o comando
do Diretor-Geral, é constituída por diversos departamentos, setores e por extensa
rede de escritórios instalados em mais de 40 países, mantém contato com governos
e representações de empregadores e de trabalhadores e marca a presença da OIT
em todo o mundo do trabalho.
Publicações da OIT
A Secretaria Internacional do Trabalho é também instância de pesquisa e editora
da OIT. Seu Departamento de Publicações produz e distribui material sobre as
principais tendências sociais e econômicas. Publica estudos sobre políticas e
questões que afetam o trabalho no mundo, obras de referência, guias técnicos,
livros de pesquisa e monografias, repertórios de recomendações práticas sobre
diversos temas (por exemplo, segurança e saúde no trabalho), e manuais de
treinamento para trabalhadores. É também editora da Revista Internacional do
Trabalho em inglês, francês e espanhol, que publica resultados de pesquisas
originais, perspectivas sobre novos temas e resenhas de livros.
O Escritório da OIT no Brasil edita seus próprios livros e outras publicações, bem
como traduz para o português algumas publicações da Secretaria Internacional
do Trabalho.
As publicações da OIT podem ser obtidas no Escritório da OIT no Brasil: Setor
de Embaixadas Norte, lote 35, Brasília - DF, 70800-400, tel (61) 2106-4600, ou na
sede da Secretaria Internacional do Trabalho: CH-1211, Genebra 22, Suíça.
Catálogos e listas de novas publicações estão disponíveis nos endereços acima ou
por e-mail: [email protected]
Visite nossa página na Internet: www.oitbrasil.org.br
(*) Atualizado em março de 2006.
4
CADERNO GRPE • [2]
Índice
Prólogo
Apresentação
11
Agradecimentos
13
I.
Introdução
15
II.
Ações Afirmativas e Discriminação
19
III.
Ações Afirmativa no Serviço Público Civil Brasileiro
3.1 O Programa Nacional de Ações Afirmativas- PNAA
3.2 O estado atual das ações afirmativas no serviço
público civil
3.3 Condições para o estabelecimento de ações
afirmativas para os servidores
31
38
IV.
Desigualdades Raciais e de Gênero no Serviço Público
Civil Brasileiro
4.1 A representação da diversidade no serviço público
civil
4.2 As oportunidades de progredir na carreira
V.
Conclusões
VI.
Referências Bibliográficas
VII. Apêndice
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
7
40
44
49
50
71
95
101
105
5
GRPE • OIT
6
CADERNO GRPE • [2]
Prólogo
Ao longo da última década, o debate sobre os temas da igualdade de
gênero e raça, da superação da pobreza e da geração de emprego e trabalho
decente têm adquirido grande destaque nas agendas de organizações
governamentais, de trabalhadores, de empregadores, organizações nãogovernamentais e de organismos internacionais, evidenciando em diversos
âmbitos a necessidade e o desafio de estabelecer um novo acordo entre
prioridades econômicas e sociais.
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho é a
via fundamental para a superação da pobreza e da exclusão social. E não
qualquer trabalho, mas sim um Trabalho Decente, entendido como uma
ocupação produtiva adequadamente remunerada, exercida em condições
de liberdade, eqüidade, segurança e que seja capaz de garantir uma vida digna.
Nos últimos anos, tem se fortalecido a compreensão de que a pobreza
e a exclusão social possuem diferentes dimensões e que se tornam mais
dramáticas quando considerados os padrões de desigualdade presentes em
cada sociedade. Ao mesmo tempo, aumenta o reconhecimento de que as
condições e causas da pobreza são diferentes para mulheres e homens, negros
e brancos e que as dimensões de gênero e raça são fatores que determinam,
em grande parte, as possibilidades de acesso ao emprego, assim como as
condições em que ele é exercido.
A Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho
e a Agenda do Trabalho Decente da OIT têm, na promoção da igualdade
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
7
GRPE • OIT
de oportunidades e na eliminação de todas as formas de discriminação,
alguns de seus elementos centrais. Visando contribuir para a consolidação
desses princípios, a OIT desenvolve mundialmente o Programa de
Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero, Erradicação da
Pobreza e Geração de Emprego – GPE. Na América Latina, o Programa
GPE é implementado em nove países: Argentina, Bolívia, Equador, Chile,
Honduras, Nicarágua, Paraguai, Peru e Uruguai.
No Brasil, o Programa foi ampliado para incorporar também a
dimensão racial, devido à importância desse fator na determinação da
situação de pobreza e na definição dos padrões de emprego e desigualdade
social no país, passando a denominar-se Programa de Fortalecimento Institucional
para a Igualdade de Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego
(GRPE). O Programa GRPE é desenvolvido em estreita colaboração com o
Projeto Desenvolvimento de uma política nacional para a eliminação da discriminação
no emprego e na ocupação e promoção da igualdade racial no Brasil (Projeto
Igualdade Racial).
As atividades do Programa GRPE e do Projeto Igualdade Racial são
desenvolvidas a partir da concepção de que as desigualdades de gênero e
raça são eixos estruturantes das desigualdades e dos padrões de exclusão
social no Brasil. Levam em conta, ainda, que a desigualdade e a discriminação
de gênero e raça não são fenômenos que estão relacionados a grupos
específicos da sociedade, mas à maioria da população. Segundo dados de
2003, as mulheres e os/as negros/as representam respectivamente 42% e
44,5%, ou seja, quase a metade da População Economicamente Ativa (PEA)
brasileira. Somados, correspondem a 55 milhões de pessoas, que representam
68% da PEA no Brasil: são 36 milhões de negros de ambos os sexos e quase
19 milhões de mulheres brancas. Especial atenção deve ser dada à
situação das mulheres negras (mais de 14 milhões de pessoas que
representam 18% da PEA brasileira), já que elas estão submetidas a
uma dupla ou, freqüentemente, tripla discriminação (de gênero e raça,
em grande medida vinculada também à discriminação por origem
social). Dessa forma, o esforço pela eliminação das desigualdades
sociais no Brasil passa necessariamente pelo enfrentamento das
desigualdades e discriminações de gênero e raça.
A Série Cadernos GRPE se insere no conjunto de atividades e ações
desenvolvidas no âmbito do Programa GRPE e do Projeto Igualdade Racial
e tem como principal objetivo contribuir para a ampliação da base de
conhecimento sobre a articulação entre gênero, raça, pobreza e emprego.
Busca estimular o debate sobre temas fundamentais na abordagem das
questões referentes ao emprego e à pobreza – como a negociação coletiva, a
informalidade, o trabalho doméstico, o trabalho a domicílio, as dimensões
e características da pobreza no país – sempre articulados com as dimensões
de gênero e raça. Dessa forma, esta Série pretende contribuir para fomentar
iniciativas criativas e inovadoras e, principalmente, para consolidar e
fortalecer tanto as estratégias sindicais e empresariais como as políticas
8
CADERNO GRPE • [2]
públicas capazes de promover, a um só tempo, a erradicação da pobreza, a
geração de emprego e trabalho decente e a igualdade de gênero e raça no
Brasil.
Laís Abramo
Diretora do Escritório da OIT no Brasil
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
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GRPE • OIT
10
CADERNO GRPE • [2]
Apresentação
A promoção da igualdade de oportunidades e a eliminação de todas
as formas de discriminação são alguns dos elementos fundamentais da
Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e da Agenda
de Trabalho Decente da OIT. Uma condição para que o crescimento
econômico se traduza em menos pobreza e maior bem-estar e justiça social é
melhorar a situação relativa de mulheres, negros e outros grupos
discriminados da sociedade e aumentar a sua possibilidade de acesso a
empregos capazes de garantir uma vida digna.
Considerando esta realidade, em 2003 a OIT passou a desenvolver
no Brasil o Programa de Fortalecimento Institucional para a Igualdade de
Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego (GRPE),
que tem como principal objetivo apoiar a incorporação das dimensões de
gênero e raça nas políticas e programas de combate à pobreza e à exclusão
social e de geração de emprego e renda. Com isso, pretende contribuir para
aumentar as oportunidades de mulheres e negros de se inserirem no mercado
de trabalho e melhorar a qualidade de seus empregos e atividades produtivas,
com o objetivo de reduzir a incidência da pobreza, diminuir as desigualdades
sociais, de gênero e raça, assim como os deficits de trabalho decente
atualmente existentes no país.
A Série Cadernos GRPE faz parte do conjunto de ações do Programa
GRPE no Brasil, e se insere em sua estratégia de apoiar o desenvolvimento
da base de conhecimento sobre as relações existentes entre a pobreza, o
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
11
GRPE • OIT
acesso ao emprego e as condições em que este se exerce e as dimensões de
gênero e raça.
Neste segundo número o tema abordado são as desigualdades raciais
e de gênero no serviço público civil. Este estudo propõe-se a realizar um
diagnóstico destas desigualdades a partir de uma análise exploratória dos
dados do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (SIAPE). O autor
realiza uma primeira abordagem deste universo, visando apresentar um
retrato que sirva de ponto de partida para investigações futuras, mais
detalhadas e aprofundadas. Uma breve conceituação das noções de ações
afirmativas e discriminação também são apresentadas, bem como um rápido
balanço crítico das ações afirmativas desenvolvidas no âmbito do governo
federal, voltadas para o serviço público civil no período considerado.
Agradecemos a toda equipe do Escritório da OIT no Brasil que
colaborou para tornar possível a concretização desse trabalho – Ana Cláudia
Farranha, Marcia Vasconcelos, Quenes Gonzaga, Andréa Sanchez, Rafaela
Egg e Josélia Oliveira – e a todos os parceiros governamentais, das
organizações sindicais e empresariais que vêm apoiando as iniciativas do
Programa GRPE no Brasil.
Solange Sanches
Coordenadora Nacional
Programa de Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero e
Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego
12
CADERNO GRPE • [2]
Agradecimentos
Este estudo é resultado dos esforços conjuntos de três instituições –
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); Organização Internacional
do Trabalho (OIT); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) – e de uma equipe de pesquisa composta por servidores e consultores
das três.
Gostaria de agradecer, particularmente, a todos que fizeram parte
da equipe de pesquisa, salientando que – a despeito de suas importantes
contribuições – não podem ser responsabilizados pelos eventuais erros ou
imperfeições contidas no estudo. Agradeço a Sergei Soares, do IPEA, quem
coordenou a montagem da base de dados que serve de fonte ao estudo e o
beneficiou com uma leitura atenta; a Marcelo Pessoa, consultor do PNUD
junto ao IPEA pelo projeto BRA/01/013, que, literalmente, extraiu os dados
do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (SIAPE) e preparou a
base de dados; a Nara Kohlsdorf, consultora da OIT junto ao IPEA, que fez
a pesquisa bibliográfica e conduziu as entrevistas com os responsáveis pelos
departamentos de recursos humanos dos Ministérios; a Ana Luiza Moraes
Patrão, consultora da OIT junto ao IPEA, quem produziu praticamente
todas as tabulações que geraram as estatísticas apresentadas ao longo do estudo.
É fundamental, também, reconhecer a contribuição de outras pessoas
que não participaram diretamente da elaboração do estudo. Nathalie Beghin
e Luis Fernando de Lara Resende, ambos do IPEA; Roberto Martins, exDesigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
13
GRPE • OIT
presidente do IPEA; Ivair Augusto dos Santos, do Conselho Nacional de
Combate à Discriminação, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos;
participaram decisivamente das negociações junto ao Ministério do
Planejamento para a realização do cadastramento racial dos servidores e
posteriormente deram apoio à equipe de pesquisa. Ivair fez, ainda, críticas
pertinentes, as quais contribuíram para aprimorar a discussão sobre as
iniciativas de ações afirmativas no âmbito do serviço público civil, apresentada
na terceira parte do estudo.
Agradeço, também, à atual administração do IPEA, que deu
continuidade ao projeto, em especial à diretora de Estudos Sociais, Anna
Peliano; à Diva Moreira e a José Carlos Libânio, do PNUD; a Laís Abramo
e José Carlos Ferreira, da OIT. A todos os servidores do Ministério do
Planejamento que participaram e realizaram a campanha do cadastramento
racial, em especial Sônia Wolf. Agradeço ainda a Murilo Maciel da Silva e
aos demais técnicos do Ministério do Planejamento e do Serviço Federal de
Processamento de Dados (SERPRO) que propiciaram o treinamento à equipe
do IPEA e solucionaram problemas relativos aos dados. Finalmente, um
agradecimento especial a todos os servidores públicos da administração
federal que atenderam ao apelo da campanha e atualizaram o cadastro
informando sua cor.
14
CADERNO GRPE • [2]
I. Introdução
Em 13 de maio de 2002, o Presidente da República promulgou um
Decreto estabelecendo o Programa Nacional de Ações Afirmativas (PNAA)
no âmbito da Administração Pública Federal. O Programa, essencialmente,
visava à redução das desigualdades raciais e de gênero entre os servidores e
à inclusão das pessoas com deficiência física. Para garantir a implementação
e a execução do programa, foi instituído um Comitê de Acompanhamento
e Avaliação, originalmente presidido pelo titular da Secretaria de Direitos
Humanos (SDH), à época subordinada ao Ministério da Justiça. Os trabalhos
de secretaria executiva deveriam ser prestados pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), vinculado ao Ministério do Planejamento.
Ao se reunir pela primeira vez, o Comitê detectou dois grandes
obstáculos para a implementação do PNAA. O primeiro era a inexistência
de diagnósticos do grau e do caráter das desigualdades raciais e de gênero
entre os servidores e do grau de exclusão das pessoas com deficiência física.
O segundo era a inexistência do registro da cor dos servidores no cadastro
funcional.
O primeiro problema poderia ser resolvido com a realização de um
estudo pela equipe de técnicos e colaboradores do IPEA envolvidos no projeto
de pesquisa «Combate ao Racismo e Superação das Desigualdades Raciais»
(BRA/01/013), financiado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). Entretanto, para a realização de tal estudo, era
imprescindível que se solucionasse antes o segundo problema.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
15
GRPE • OIT
A SDH e o IPEA iniciaram, então, uma discussão com o Ministério
do Planejamento para decidir a melhor forma de fazer o cadastramento
racial dos servidores. A decisão foi elaborar uma grande campanha interna
em prol do cadastramento racial dos servidores. O ápice dessa campanha
foi uma teleconferência nacional com os responsáveis pelos departamentos
de recursos humanos de vários órgãos, a qual contou com uma abertura
gravada pelo Presidente da República, enfatizando a importância do registro da cor.
Em dezembro de 2002, a campanha pelo cadastramento racial fora
concluída, e restava ao IPEA a tarefa de realizar o estudo supramencionado,
com base nos registros administrativos do Ministério do Planejamento.
No ano seguinte, já em um novo Governo, o IPEA e o Ministério do
Planejamento deram continuidade ao estudo.
Em fevereiro de 2003, uma equipe do IPEA foi treinada para utilizar
o software empregado no acesso aos registros do Sistema Integrado de
Administração de Pessoal (SIAPE). Esse sistema é a base de dados sob a
responsabilidade do Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO),
que guarda todas as informações relativas à trajetória funcional dos servidores,
do ingresso no serviço público à aposentadoria. Após o treinamento, foram
feitas ingerências para a obtenção de senhas de acesso ao SIAPE e para a
instalação do software em computadores do IPEA.O objetivo era montar
uma base de microdados para a realização do estudo. Devido a questões de
ordem técnica, relacionadas à recuperação e ao tratamento dos dados, e de
ordem legal, pois os dados do SIAPE são sigilosos, somente em julho de
2003 foi possível elaborar a base de microdados.
Neste momento, o IPEA pôde contar com a parceria da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), que possibilitou a contratação de
consultoras para a realização da etapa final da pesquisa. Com esse reforço,
foi possível expandir as frentes de exploração da pesquisa visando a verificar
se o Plano Nacional de Ações Afirmativas estava sendo implementado, a
despeito da ausência de regulamentação, e se era conhecido pelos órgãos
governamentais.
Em meados de 2004, ficou pronta a primeira versão do relatório de
pesquisa. Desde então, o documento foi apresentado em várias reuniões e
foi sendo aperfeiçoado em função das críticas e sugestões recebidas. A versão
apresentada aqui é a definitiva.
Os resultados da pesquisa são apresentados em cinco partes,
incluindo esta apresentação. Na segunda parte, são discutidos brevemente
o conceito de ações afirmativas e o de discriminação, com ênfase na
discriminação que ocorre no mundo do trabalho. Como já existem na praça
várias revisões exaustivas de ambos os temas, a discussão é apenas
instrumental e serve para dar um pano de fundo aos resultados a serem apresentados,
tendo em mente um público não especialista no assunto. O leitor familiarizado com
esses temas pode perfeitamente pular ao terceiro capítulo.
Na terceira parte, é apresentado um balanço crítico das iniciativas
de ações afirmativas adotadas pelo Governo Federal que poderiam atingir o
16
CADERNO GRPE • [2]
serviço público civil. As disposições estabelecidas pelo Plano Nacional de
Ações Afirmativas são analisadas detalhadamente. Também na terceira parte,
apresentamos o resultado de um levantamento conduzido junto aos
responsáveis pelos Departamentos de Recursos Humanos da maior parte
dos órgãos da administração direta. A finalidade era averiguar a existência
de conhecimento do Plano Nacional de Ações Afirmativas e se os órgãos
estariam, por iniciativa própria, promovendo algum tipo de ação afirmativa
voltada aos servidores. No caso dos Ministérios, que antes mesmo da
promulgação do PNAA adotaram ações afirmativas, o objetivo era verificar
se as portarias que as estabeleceram estavam sendo observadas, ou seja, se
não haviam se tornado letra morta devido à mudança de governo. Essa
parte termina com uma análise dos dois principais projetos de lei existentes
no Congresso, que prevêem ações afirmativas no âmbito do serviço público.
Na quarta seção da pesquisa, é apresentado o estudo exploratório
baseado nos dados do SIAPE, contemplando recortes raciais e de gênero.
É importante ressaltar o caráter exploratório desse estudo. Não se pretende,
com ele, dar a palavra final sobre desigualdades raciais e de gênero no serviço
público civil, um tema complexo. Tenciona-se apenas revelar alguns padrões
genéricos de diferenças entre os grupos envolvidos, que merecem a
consideração dos gestores e investigações mais aprofundadas do que as que
aqui foram apresentadas. Somente investigações detalhadas poderão ser
efetivamente empregadas como base para a elaboração de boas políticas
afirmativas para o serviço público civil. O estudo apresentado no capítulo 4
deve, portanto, ser visto como um ponto de partida para a realização destas
investigações mais detalhadas, embora possa também ser usado como
instrumento para reivindicá-las.
A quinta seção é uma conclusão que sintetiza os principais achados
e aponta as lacunas a serem preenchidas por futuras investigações.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
17
GRPE • OIT
18
CADERNO GRPE • [2]
II. Ações Afirmativas e Discriminação
As Ações Afirmativas estão na ordem do dia do debate sobre políticas
públicas no Brasil. A partir de 1995, quando o Governo Federal reconheceu 1,
pela primeira vez a existência do racismo, da discriminação e de suas
conseqüências sobre a situação socioeconômica dos grupos vitimados, o
tema da intervenção estatal para a promoção da igualdade racial ganhou
muita importância. Editoriais de jornais, manifestos de movimentos sociais,
artigos de intelectuais, pesquisas, relatórios e coleções de indicadores sobre
a extensão das desigualdades entre os grupos raciais proliferaram
rapidamente, trazendo o problema ao escrutínio da opinião pública; que
tem demonstrado bastante interesse sobre o assunto, a julgar pelo calor dos
debates e pela paixão com que as diferentes posições são defendidas.
1
Em 1995, as várias organizações da sociedade civil que compõem o movimento social negro brasileiro mobilizaram milhares de pessoas
para marchar em Brasília em protesto contra o racismo e a discriminação racial, que ainda grassam no país. Realizada na data simbólica de
20 de novembro, dia consagrado à memória do herói Zumbi dos Palmares, esse protesto ficou conhecido como Marcha Zumbi. Nesse dia,
as mais proeminentes lideranças negras brasileiras foram recebidas pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que
recebeu delas um documento reivindicando uma postura mais ativa do Estado em relação ao combate ao racismo, à discriminação e às
desigualdades socioeconômicas entre negros e brancos. Fernando Henrique Cardoso, sensível ao tema, objeto de sua estréia profissional
como sociólogo (o estudo «Cor e Mobilidade Social em Florianópolis», de 1960, realizado em conjunto com seu colega Otávio Ianni) e tema
caro ao seu mestre, Florestan Fernandes, reconheceu a pertinência das demandas longamente reprimidas. Isso deu início a uma série de
ações governamentais que foram mais simbólicas do que efetivas, mas que constituíram um ponto de partida para as políticas hoje existentes
que visam à igualdade racial. O relato de todas essas ações, como o I Plano Nacional de Direitos Humanos, o Grupo de Trabalho
Interministerial para a Valorização da População Negra e a preparação da presença brasileira na Conferência de Durban, pode ser encontrado
em Jaccoud & Beghin (2002).
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
19
GRPE • OIT
Tal efervescência marca o começo de uma nova postura em relação
ao assunto. Durante quase todo o século XX, a maior parte dos brasileiros
não admitia a existência de racismo e discriminação como fatores estruturais
das relações sociais. Admitia-se a existência do preconceito de cor, mas era
considerado brando, isolado e típico de pessoas ignorantes; portanto, incapaz
de produzir diferenças socioeconômicas agudas. A situação de inferioridade
socioeconômica dos negros em relação aos brancos era atribuída – após a
superação das idéias de hierarquia evolutiva entre as raças e as culturas, nas
décadas de 1930 e 1940 – ao fato de os negros terem sido introduzidos na
sociedade brasileira na condição dos escravos. Assim, o progresso do país e
o desenvolvimento econômico paulatinamente contribuiriam para a reversão
do quadro das desigualdades sociais sem que qualquer intervenção específica
sobre o problema se fizesse necessária2 .
Ao longo da década de 1990 tais argumentos, já sob ataques desde
as décadas de 1940 e 1950, se tornaram insustentáveis. Atualmente não há
intelectuais de peso que defendam publicamente a idéia de que as relações
raciais no Brasil são harmoniosas, sem racismo, sem discriminação e sem
conseqüências para a população diretamente atingida e para a nação como
um todo. Embora haja muita divergência sobre o que fazer com o racismo e
como intervir para superá-lo, há um consenso de que o problema é real e
intenso – algo demonstrado facilmente por meio de estatísticas sociais – e
que merece algum tipo de intervenção.
Uma parcela expressiva dos defensores de intervenções estatais para
a promoção da igualdade social considera que estas devem se constituir
como políticas especiais normalmente reunidas sob a chancela de ações
afirmativas. Como em todos os outros campos da atividade humana que
são objetos de taxonomias, há os que não gostam da expressão ação afirmativa
e adotam outras, como «discriminação positiva», «políticas compensatórias»
ou «políticas de inclusão». Entretanto, quando esses termos aparecem
associados às noções de compensação ou de promoção de um grupo social
específico que é e/ou foi objeto de discriminação, geralmente, estão definindo
algum tipo de política que pode ser considerada ação afirmativa.
Muito tem se produzido sobre a história das ações afirmativas, e
várias taxonomias têm sido aventadas. Não se pretende aqui fazer uma revisão
da crescente literatura sobre o assunto, mas considera-se importante, antes
de prosseguir, delinear a configuração sociohistórica, na qual emergem as
justificativas mais comuns defendidas para as ações afirmativas e os principais
eixos comuns nas suas proposições e implementações.
As primeiras ações afirmativas foram levadas a cabo nos Estados
Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, quando surgiu também a expressão
que as designa. É importante ressalvar que se está falando de ações afirmativas
como uma política integrada que afeta várias áreas da intervenção estatal.
2
20
Para uma revisão da literatura sobre raça, mobilidade e estratificação social ver Osório (2004).
CADERNO GRPE • [2]
Iniciativas isoladas que podem ser consideradas ações afirmativas são
encontradas na experiência de outros países mesmo antes do pós-guerra,
como por exemplo, na história brasileira, durante o primeiro governo de
Getúlio Vargas, em que foi promulgada, em 1943, a Consolidação das Leis
do Trabalho, que, para garantir o acesso dos brasileiros aos postos de trabalho,
estipulava que 2/3 dos funcionários de diversos tipos de empreendimentos
comerciais e industriais deveriam ser nascidos no Brasil3 . Essa medida foi, à
época, bem recebida pela Frente Negra Brasileira4, que apoiava o regime de
Vargas, a despeito de ter tido o status de partido político conquistado em
1936 e suprimido pelo golpe de 1937 5 . Desde seu início, a Frente Negra
Brasileira via na ocupação de postos de trabalho por imigrantes uma ameaça
à integração dos negros brasileiros ao mercado de trabalho.
Formalmente, é possível ver na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, o primeiro passo do longo percurso que leva à idéia,
atualmente consensual em certos meios, da necessidade das ações afirmativas.
Além de preconizar a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos
– civis, políticos, econômicos, sociais e culturais – a Declaração Universal
dos Direitos Humanos deu origem a vários outros tratados e instrumentos
de proteção internacional e teve sua influência refletida nas Constituições
de muitos países.
Os dois artigos iniciais da Carta são bem conhecidos. O primeiro
diz que os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e
que, dotados de razão e consciência, devem agir fraternalmente em relação
aos outros. O segundo artigo especifica que qualquer pessoa faz jus aos
direitos e liberdades estabelecidos na Declaração, «sem distinção alguma por
raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou não, origem social ou nacional,
propriedade, nascimento ou outra situação». Essa definição ampla ataca
diretamente as bases de distinção e, usualmente, também de hierarquização,
empregadas pela maior parte das sociedades contemporâneas para construir
e discriminar grupos sociais e as deslegitima como fundamentos de
tratamentos diferenciados em face ao valor maior da igualdade.
Porém, apenas as boas intenções manifestas na Carta não se
provaram suficientes para permitir a superação de todas as desigualdades e
discriminações existentes na maior parte dos países. Proclamar pura e
3
O terceiro capítulo do Decreto-Lei 5.452, de 1943, é intitulado «Da Nacionalização do Trabalho» e compreende os artigos 352 a 358 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que definem o que é o trabalhador nacional, em que empreendimentos a proporcionalidade
deve ser observada e a proporcionalidade a ser observada. A CLT ainda está vigor, incluindo a seção sobre a nacionalização e, embora leis
posteriores tenham alterado alguns desses artigos, o terceiro capítulo nunca foi expressamente revogado. Todavia, o 5º artigo da Constituição
Federal de 1988 invalida o disposto no terceiro capítulo da CLT, ao preconizar a igualdade entre brasileiros e estrangeiros residentes no país.
É interessante registrar também que muito antes da CLT, nos dois primeiros anos do primeiro governo Vargas (1930-1945), após a
nacionalização da navegação de cabotagem, o decreto 20.303, de 1931, versava sobre a nacionalização do trabalho na marinha mercante.
4
Sobre a Frente Negra Brasileira, suas orientações e sua atuação, vide, dentre outros, Andrews (1988), Hanchard (2001) e Nascimento
(2003).
5
O golpe de 1937 que instituiu o Estado Novo suprimiu todos os Partidos Políticos então existentes no país.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
21
GRPE • OIT
simplesmente a igualdade não foi mais do que uma bela, porém inócua,
afirmação dos valores republicanos liberais oriundos da Independência dos
Estados Unidos e da Revolução Francesa. A busca do ideal da igualdade,
sem, entretanto, o reconhecimento do óbice que representam as
desigualdades estruturadas, acarreta a reprodução das diferenças, que se
naturalizam, e o deslocamento da culpa da desvantagem para os ombros das
vítimas, individualizando os resultados de processos macrossociais que se
encontram fora da esfera de ação dos atores. Tratar os desiguais como se
iguais fossem perpetua as diferenças, pois declarar a igualdade não é suficiente
para reverter a orientação das estruturas sociais que produzem desigualdades.
O reconhecimento da refratariedade das sociedades reais às
declarações de intenções e valores igualitários não tardou a se reificar em
outros tratados e instrumentos internacionais de proteção. É óbvio que, de
um ponto de vista puramente normativo, a Declaração dos Direitos Humanos
já impediria a dispensa de qualquer tratamento diferenciado aos grupos
discriminados, com exceção das iniciativas que visassem à igualdade por
intermédio da diferença. Mas, antes mesmo da promulgação da Carta
Internacional, a Organização das Nações Unidas, por intermédio de vários
de seus organismos, logrou conferir especificidade aos Direitos Humanos
em nichos particulares da vida social.
Praticamente todos os grupos discriminados, definidos pelas
distinções de tratamento normativamente banidas pela Declaração dos
Direitos Humanos, foram objeto de convenções específicas: mulheres, grupos
raciais, étnicos, grupos definidos por origem social ou nacional, deficientes
e minorias religiosas. A única notável exceção é o grupo de homossexuais,
que, embora faça jus aos Direitos Humanos indivisíveis, é, na maior parte
das nações, discriminado sem que esquemas específicos de proteção tenham
sequer sido esboçados. É um grupo que parece estar fora da agenda
internacional de proteção dos Direitos Humanos.
Mesmo com todas convenções, ainda há inúmeras denúncias de
discriminação e desrespeito aos Direitos Humanos. A ratificação universal
das seis «Convenções Centrais»6 das Nações Unidas ainda está distante
devido, principalmente, ao descaso com os direitos econômicos, sociais e
culturais. Em 1993 a II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada
em Viena, um quarto de século depois da primeira, ao adotar a Declaração
e Programa de Ação de Viena, reconheceu que a indivisibilidade dos Direitos
Humanos teria que ser assegurada na prática, pois as intenções expressadas
pelos inúmeros tratados, acordos e convenções não haviam se transformado
em garantias efetivas de direitos para os grupos vulneráveis à discriminação
e à pobreza. Pelo contrário, os participantes constataram que a maioria dos
países em tese alinhados com a proteção dos direitos universais na verdade
6
Os dois Pactos de Direitos Humanos, as Convenções sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação – Racial e Contra a
Mulher, a Convenção contra a Tortura e a Convenção sobre os Direitos da Criança.
22
CADERNO GRPE • [2]
não se esmerara na promoção de medidas positivas que garantissem o respeito
a tais direitos, contentando-se com a proclamação da inócua igualdade
jurídica.
Há que se ressalvar, porém, que pelo menos três décadas antes da
Conferência de Viena, algumas sociedades já haviam percebido que todo o
aparato legal que proibia e punia atos discriminatórios de quaisquer ordens
não eliminara ou ao menos impedira a disseminação de ideologias que
hierarquizavam grupos no imaginário social, reforçando estereótipos e
estigmas que acabavam por intervir nas práticas sociais. Sendo assim, a
estrutura educacional, ocupacional e espacial das sociedades permanecia
segmentada em função de crenças na inferioridade de determinados grupos,
que se concretizavam em barreiras sociais ou em profecias auto-realizáveis,
tornando vulneráveis os membros desses grupos. O questionamento da
neutralidade do Estado frente a tais problemas levou à reivindicação de
políticas públicas específicas voltadas para os grupos vulneráveis a
discriminações: as ações afirmativas.
A defesa das ações afirmativas por parte dos organismos
internacionais, por associações da sociedade civil, e até mesmo pelos governos
está intimamente relacionada à crescente percepção (às vezes baseada em
sólidas evidências empíricas) de que critérios igualitários e de mérito, em
tese os que garantiriam os Direitos Humanos, quando adotados sem
considerar a presença de grupos discriminados nas sociedades e de fatores
culturais que os predispõem a tal condição, terminam por reproduzir as
desigualdades existentes. Assim, mecanismos sociais que idealmente
deveriam servir para guiar as sociedades rumo ao objetivo da igualdade e da
garantia dos Direitos Humanos, explícito na maior parte das Constituições
dos Estados contemporâneos, acabam por direcioná-las para o sentido oposto.
É na vontade de contrapor essa tendência espúria dos Estados - que ao se pretenderem
imparciais no tratamento de seus cidadãos e visando ao ideal de igualdade, terminam
paradoxalmente por inviabilizar a sua consecução - que se embasam as políticas
contemporâneas de ações afirmativas.
***
Muitas definições de ações afirmativas, produzidas por governos,
intelectuais, ONGs e organismos internacionais, estão disponíveis. Reproduzse abaixo a definição adiantada por Joaquim Barbosa Gomes, um estudioso
do ambiente normativo das ações afirmativas no sistema jurídico e ministro
vitalício da mais alta corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal. Para
Gomes, as ações afirmativas são:
«...um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação
racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos
presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
23
GRPE • OIT
concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens como a educação
e o emprego (...). Em síntese, trata-se de políticas e de mecanismos de inclusão
concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de
competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo
constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de
oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.»7 .
É importante elaborar um pouco mais a definição acima para tornar
claros dois pontos. O primeiro é que políticas de ações afirmativas não são
políticas de combate à pobreza, mas de combate às discriminações de ordens
variadas que causam desigualdades injustificadas à luz do valor maior da
igualdade de Direitos Humanos. Uma ação afirmativa pode vir no bojo de
uma política de combate à pobreza, mas não precisa ser restrita a ela. Assim,
em tese, mesmo um grupo privilegiado em suas características
socioeconômicas pode ser objeto de ações afirmativas, se a sociedade, na
qual existe, o discrimina, privando-o de algum tipo de direito de que
desfrutam outros grupos. O segundo ponto é o fato de que as ações
afirmativas não criam privilégios, ao menos não de forma permanente. Visam
apenas ao desmonte de uma estrutura de privilégios que, independentemente
de sua formalização em normas jurídicas, existe na prática, mesmo sem ser
reconhecida, conspirando contra os direitos dos grupos discriminados. Em
última instância, as ações afirmativas têm por objetivo fazer com que os
grupos que são vulneráveis à discriminação em uma sociedade deixem de
sê-lo, condição necessária para a consecução da igualdade.
Há uma disputa no campo filosófico-constitucional sobre as
justificativas mais plausíveis para a implementação das ações afirmativas,
debate que se dá em torno do princípio constitucional da igualdade8 . De
um lado, há os argumentos que defendem sua existência para corrigir ou
compensar os efeitos perversos das discriminações ocorridas no passado,
posto que o ônus social que as novas gerações carregam devido às
discriminações sofridas pelos seus antepassados perpetua-se no presente,
determinando a posição que essas gerações ocupam nos vários espaços sociais.
De acordo com essa perspectiva, portanto, as ações afirmativas possuem um
caráter «restaurador» (ou criador) da eqüidade social.
De outro lado, há os que justificam sua existência, alegando seu
caráter distributivo. Segundo eles, se as sociedades fossem efetivamente justas,
os direitos, as oportunidades e as riquezas – materiais ou simbólicas – seriam
distribuídos proporcionalmente por seus membros, com diferenças devidas
apenas aos esforços pessoais e não à origem social e fatores correlatos. Como
não existem, pelo menos que se tenha conhecimento, sociedades
perfeitamente justas, ações deveriam ser desenvolvidas a fim de redistribuir
os bens sociais, favorecendo nesse processo os grupos discriminados.
24
7
Gomes (2001:40-41).
8
Sobre esta disputa, vide Gomes (2001).
CADERNO GRPE • [2]
Não está descartada a possibilidade dessas duas correntes jurídico-filosóficas,
a da justiça compensatória e a da justiça distributiva, dialogarem e se complementarem,
pois os grupos atualmente discriminados, geralmente também o são
historicamente. Sendo assim, haveria uma interação contínua entre o passado
e presente, com a reprodução das ideologias e atos discriminatórios que
interferem na condição social e moral dos grupos excluídos e dos grupos
dominantes do presente. Tal diálogo seria extremamente sensato, pois não
se pode ver nas ações afirmativas apenas a compensação dos erros cometidos
pelas sociedades no passado – talvez impossível de ser realizada na íntegra,
devido às inúmeras e enormes iniqüidades testemunhadas pela história da
humanidade. É preciso também lidar com o fato de que novas formas de
discriminação podem emergir, contra grupos que não eram outrora
discriminados – e, nesse caso, não seria admissível esperar que as
desvantagens se acumulassem no tempo para serem compensadas.
Para além dos debates e das várias vertentes teóricas, é possível
encontrar alguns eixos comuns nas proposições e nas reivindicações de ações
afirmativas, sumarizadas a seguir. Alguns destes eixos são criticados mesmo
por seus defensores, e, não necessariamente, uma proposta específica engloba
todos:
?objetivo principal das ações afirmativas é a concretização do princípio
da indivisibilidade e da igualdade dos Direitos Humanos;
?o reconhecimento da existência e permanência de atos e ideologias
discriminatórios por parte da sociedade civil e do Estado é uma
condição para a implementação das ações afirmativas;
?as ações afirmativas visam à transformação e à superação de
mecanismos sociais, culturais e psicológicos que reafirmam a
supremacia ou a subordinação de determinados grupos, mantendo
estáveis as hierarquias em uma sociedade qualquer;
?as ações afirmativas objetivam eliminar as práticas e ideologias
discriminatórias e suprimir seus efeitos duradouros, os quais
interferem no desempenho e nas oportunidades dos grupos
vulneráveis a discriminações;
?as ações afirmativas devem também abrir os espaços historicamente
prestigiados, os altos postos da administração pública, as
universidades, as profissões liberais, dentre outros, para que possam
ser ocupados por membros dos segmentos discriminados da
sociedade que estejam aptos para tanto (o que pode exigir a criação
das aptidões necessárias), de modo a refletir, nesses espaços, a
diversidade presente na sociedade;
?outro objetivo é criar o que nos Estados Unidos se denomina role
models, pessoas de grupos vulneráveis que conseguem, por intermédio
das ações afirmativas, quebrar as barreiras invisíveis que impedem o
acesso aos postos mais elevados e valorados da estrutura social,
tornando-se personalidades emblemáticas – isso propiciaria a
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
25
GRPE • OIT
desconstrução de estereótipos, acenando para os demais membros
dos segmentos discriminados, especialmente os mais jovens, a
abertura de canais de mobilidade social e de outras trajetórias de
vida que não aquelas subalternas que lhes parecem reservadas;
?as ações afirmativas visam à construção de uma sociedade equânime,
onde identidades, etnias e orientações culturais diversas são
respeitadas, valorizadas e representadas em todos os espaços sociais,
sobretudo nos de maior prestígio.
***
Superar as discriminações e os fatores que as motivam é, portanto,
o principal foco das ações afirmativas. Faz-se necessária, portanto, uma breve
discussão do que se entende por discriminação. De uma forma geral,
discriminação é algo que impede o pleno desfrute dos Direitos Humanos
pelos grupos discriminados. Na esfera do trabalho, por exemplo, a
discriminação se manifesta quando determinados grupos têm,
independentemente dos motivos, menor acesso a determinados nichos
ocupacionais ou ao mercado de trabalho como um todo; estão presentes
majoritariamente em ocupações «características»; recebem um tratamento
diferenciado em relação a grupos em posição equivalente, como, por exemplo,
uma remuneração horária menor, jornada de trabalho maior ou menores
possibilidades de progresso profissional. Nos termos da Convenção nº 111
da OIT, a discriminação é toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência, com
base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade, origem social ou
qualquer critério que venha a anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de
tratamento no emprego ou profissão.
Esse entendimento genérico sobre a discriminação pode ser
encontrado na maior parte dos tratados e convenções internacionais que
versam sobre o assunto. Mas é importante acrescer a idéia (implícita na
concepção genérica) de que a discriminação tem dois lados, isto é, ao mesmo
tempo em que exclui, pretere e desabona os membros do grupo discriminado,
beneficia e facilita a vida dos discriminadores, os quais enfrentam
concorrência restrita aos demais partícipes do grupo discriminador. Note-se
que o reconhecimento dessa dupla faceta, conjugado ao da existência de
discriminações, põe em xeque quaisquer argumentações baseadas em
alegações de mérito, principalmente se são lançadas como justificativas para
a garantia dos privilégios dos grupos discriminadores. Todavia, os que
estudam as discriminações normalmente lançam mão de um arsenal
conceitual mais complexo, que se coaduna com o entendimento genérico,
mas identifica várias formas distintas e freqüentemente concorrentes de
discriminação.
Como no caso das ações afirmativas, as taxonomias que distinguem
as várias faces da discriminação são muitas, embora guardem um substrato
em comum. Assim, por exemplo, uma especialista no assunto como Silvia
26
CADERNO GRPE • [2]
Yannoulas reconhece três tipos ideais de discriminação 9 : a direta ou
manifesta, a indireta ou encoberta e a auto-discriminação. A discriminação
direta ocorreria em sociedades nas quais existem regras rígidas que impedem
as pessoas que pertencem a certos grupos de trabalhar ou as impõem
restrições. Assim, haveria discriminação direta em uma sociedade na qual o
trabalho feminino fosse proibido, como recentemente o foi durante o regime
fundamentalista no Afeganistão, ou na qual os negros fossem impedidos de
exercer determinadas ocupações. Entretanto, tal disposição representa uma
afronta tão intensa ao princípio jurídico internacional da igualdade que
praticamente inviabiliza sua manifestação nas sociedades que fazem parte
das Nações Unidas.
Já o segundo tipo de discriminação ocorreria comumente na maior
parte das sociedades, mesmo naquelas formalmente comprometidas com os
Direitos Humanos. A discriminação indireta ou encoberta consiste em
práticas sutis, por vezes admitidas informalmente, que influenciam o
comportamento quotidiano dos grupos sociais, discriminados e
discriminadores. Tais práticas criam desigualdades entre pessoas, a partir
das bases de distinção que sejam localmente importantes: raça, etnia, gênero,
religião, nacionalidade, etc. Muitos classificam esse tipo como discriminação
institucional.
O terceiro tipo, a auto-discriminação, são os preconceitos inculcados
nos indivíduos pertencentes aos grupos discriminados, por intermédio dos
processos de socialização e conjuntamente com outros conjuntos de valores.
A auto-discriminação se manifestaria por meio de mecanismos internos de
repressão, orientando as ações dos próprios indivíduos dos grupos
vulneráveis. Esses mecanismos fazem com que esses indivíduos se atenham
aos desejos e às trajetórias de vida que a sociedade circundante preconceituosa
colocou como sendo aqueles «legítimos» de serem perseguidos. Por serem
lentas as transformações culturais, as discriminações indiretas e a autodiscriminação são constantes na maior parte das sociedades contemporâneas.
A discriminação institucional, indireta ou encoberta também é
objeto de estudo da psicóloga e coordenadora do Centro de Estudos das
Relações de Trabalho e da Desigualdade (CEERT), Maria Aparecida Bento,
que cita a seguinte definição:
«...aquela que ocorre independentemente do fato de a pessoa ter ou não
preconceito aberto ou uma intenção de discriminar. O conceito forma-se a
partir da idéia de que o racismo subjacente aos comportamentos individuais,
coletivos ou institucionais faz parte da lógica das sociedades racistas, nas
quais comportamentos aparentemente livres de preconceitos podem gerar
conseqüências negativas para os membros de grupos sociais discriminados»10 .
9
Yannoulas (2001).
10
Bento (2000:21).
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
27
GRPE • OIT
A ausência de necessidade da intenção de discriminar é uma das
principais características normalmente associadas à idéia de discriminação
indireta, bem como a constatação de estatísticas sobre o desempenho ou
situação global dos grupos concorrentes como justificativa da discriminação.
É o que defende Maria Aparecida Bento ao afirmar que, para o estudo das
desigualdades e da discriminação no espaço de trabalho, «importa pouco a
intenção do agente. O que interessa são os efeitos de sua ação. Esses efeitos só se
verificam estudando, por exemplo, as taxas de negros e mulheres nos diferentes postos
de trabalho»11 . Tais considerações normalmente fazem parte da caracterização
das formas indiretas nas taxonomias da discriminação propostas por outros
estudiosos do assunto12 .
***
De todos os grupos vulneráveis a discriminações que podem ser
encontrados nas sociedades, dois são extremamente freqüentes e têm as
discriminações contra eles bem documentadas, evidenciadas e estudadas:
as mulheres e os negros. A discriminação contra esses dois grupos geralmente
apresenta uma longa história e um dos principais mecanismos de sua
consecução na contemporaneidade são as diferenças educacionais. Apesar
da organização política desses grupos em movimentos sociais que reivindicam
a igualdade efetiva, mulheres e negros ainda encontram inúmeras barreiras
sociais ao longo de suas vidas que os impedem de desfrutar os benefícios e
oportunidades comumente disponíveis para os homens brancos.
Embora teoricamente possa ser interessante distinguir fatores de
discriminação, como a raça e o gênero, pois as discriminações contra os
negros têm base distinta das que se dirigem às mulheres, é indispensável
considerar que as pertenças a um ou ao outro grupo não são mutuamente
exclusivas, o que termina, por exemplo, por gerar uma dupla discriminação
contra as mulheres negras. E essa dupla discriminação pode não ser
simplesmente a soma da discriminação por ser mulher e por ser negra, pois
a pertença simultânea a mais de um grupo vulnerável pode, por sinergia,
ampliar a carga das discriminações. O Movimento de Mulheres Negras
brasileiro tem como componente importante de discurso a plausível alegação
de que as mulheres de classe média, entre as quais há proporcionalmente
mais brancas, devem sua emancipação do trabalho doméstico e a conquista
da esfera pública, em grande parte, às empregadas domésticas, entre as quais
é relativamente maior o número de negras. Ao assumirem o trabalho
doméstico, as empregadas teriam permitido a saída das mulheres de classe
média para o trabalho com a manutenção dos papéis masculinos tradicionais.
28
11
Bento (2000:22).
12
Vide, por exemplo, o já citado Gomes (2001)
CADERNO GRPE • [2]
Assim, as mudanças que beneficiaram as mulheres brancas teriam prejudicado outra
categoria de mulheres, as negras, por ter ocorrido sem o acompanhamento de
transformações radicais nos papéis de gênero.
Esse exemplo de interação entre fatores de discriminação traz uma
lição importante para os que pretendem pensar ações afirmativas para superálos. No que toca, por exemplo, às desigualdades de gênero no mercado de
trabalho, as políticas públicas que visam a equacionar as oportunidades de
acesso de homens e mulheres aos postos elevados de trabalho não podem se
centrar apenas na inclusão e na garantia da representatividade das mulheres.
As políticas públicas também devem se ater à modificação dos papéis sociais
masculinos13 . Essa modificação deve ocorrer dentro e fora das organizações
do mundo do trabalho ou haverá o risco de que as desigualdades sejam
simplesmente deslocadas para outros grupos ou outros espaços. Assim, as
ações afirmativas, por visarem à supressão das desigualdades ocasionadas pelas
discriminações, devem ter como sujeitos-objetos tanto os discriminados como os
discriminadores. O mesmo raciocínio pode ser estendido às demais categorias de
pessoas discriminadas.
O caso dos negros, por sua vez, é excelente para a ilustração de como
as discriminações que se verificam no mundo do trabalho devem ser
entendidas em sua relação com as discriminações que ocorrem fora dele, as
quais se propagam e se acumulam ao longo da vida dos indivíduos. Grande
parte dos obstáculos enfrentados pela população negra no trabalho se deve
às diferenças educacionais produzidas pela restrição do acesso à educação.
Há vários estudos sobre as diferenças salariais entre negros e brancos,
realizados com arsenais econométricos sofisticados que concluem
categoricamente que o destino da maior parte dos negros é selado no sistema
educacional e, portanto, antes da vida adulta e da entrada no mercado de
trabalho – ainda que sobre eles exista uma discriminação pura que não
pode ser explicada pela origem social ou pela educação 14 . Conforme ilustram
indicadores de educação disseminados pelo IPEA15 , os negros, comparados
aos brancos, apresentam virtualmente desvantagens em qualquer aspecto
da educação. Diversos estudos têm apontado a educação como um dos fatores
determinantes da menor mobilidade social dos negros16 . Além disso, os postos
de trabalho mais valorizados geralmente exigem credenciais, qualificações e
habilidades especiais adquiridas no processo educacional. Portanto,se não
houver negros qualificados em número suficiente, não é o bastante apenas
abrir a eles os postos de trabalho mais valorados.
13
Sobre esse problema da necessidade de transformação dos valores para o êxito das políticas de AAf, vide, dentre outros, Roland (2001) e
Ackerman (2001).
14
Existem poucos estudos sobre as diferenças salariais de negros e brancos no mercado de trabalho brasileiro. Dentre eles, dois recentes são
particularmente interessantes pelas técnicas empregadas e pela abordagem metodológica, o de Soares (2000) e o de Arias, Yamada &
Tejerina (2005).
15
Shicaso (2002).
16
Vide, por exemplo, os estudos de Hasenbalg & Valle Silva (1988) e o de Valle Silva (2001); para uma revisão dos resultados dos principais
estudos sobre mobilidade social e raça realizados no Brasil, a partir da década de 1940, vide Osorio (2004).
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
29
GRPE • OIT
Mas a dificuldade de acesso dos negros a determinados trabalhos
não acontece só como conseqüência dos obstáculos impostos à sua trajetória
no sistema de ensino, que conferem a eles um perfil educacional prejudicado.
Também ocorre por causa da discriminação embutida nos mecanismos de
seleção para postos de trabalho, como entrevistas, sempre eivados da
subjetividade dos empregadores. Nesses momentos, todos os aspectos das
idéias discriminadoras, em especial as imagens depreciativas, podem emergir
para desqualificar os candidatos que pertençam a um ou mais grupos discriminados.
Geralmente, é durante a socialização primária e na vida escolar,
fases do ciclo de vida que normalmente antecedem a entrada no mercado
de trabalho, que tais imagens são inculcadas nos indivíduos. Vários estudos
se dedicaram aos efeitos prejudiciais da disseminação dessas representações
depreciativas nas escolas17 . A associação dos negros a atributos negativos
(sujo, ignorante, preguiçoso, submisso, impulsivo, etc.) e a associação dos
brancos a atributos positivos (limpo, inteligente, diligente, reflexivo, etc.),
refletem a presença de preconceitos que interferem decisivamente nas
relações interpessoais, definindo os lugares que podem ser «legitimamente»
ocupados por brancos e negros, para além de suas qualificações. Mais uma
vez, essas considerações podem ser virtualmente estendidas a qualquer outro
grupo discriminado.
17
30
Vide, dentre outros, Figueira (1990); Rosenberg (1991, 2000); Cavalleiro (2000); Munanga (2001).
CADERNO GRPE • [2]
III. Ações Afirmativas no Serviço
Público Civil Brasileiro
Uma nação só precisa, além de vontade política, de dois motivos
para adotar um conjunto de políticas de ações afirmativas. O primeiro é a
constatação empírica da existência de discriminação por intermédio de
indicadores das desigualdades socioeconômicas e políticas entre grupos. Em
outras palavras, só faz sentido ter ações afirmativas onde existem
discriminações que provocam efeitos negativos sobre um ou mais aspectos
da vida das pessoas discriminadas. O segundo motivo é o compromisso
nacional com os valores associados aos Direitos Humanos. Superar as
desigualdades devidas às discriminações deve ser um objetivo da sociedade
em questão.
O Brasil reúne as duas condições: há, no País, inúmeros diagnósticos
das desigualdades produzidas por discriminações (e das próprias
discriminações) e princípios constitucionais explícitos que orientam o Estado
na promoção da igualdade e no combate às discriminações. Os Direitos
Humanos estão incorporados na Constituição, que determina como dever
da República «promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação»18 .
Existe, atualmente, uma razoável literatura que defende a adoção
de ações afirmativas no âmbito das organizações do mundo do trabalho.
Parte dela se volta para o problema da adoção dessas ações no âmbito do
18
Constituição de 1988, artigo 3º, inciso IV.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
31
GRPE • OIT
Estado, no serviço público civil, um tipo muito particular de organização 19 .
Essa literatura considera as experiências de vários países e defende que o
Gerenciamento da Diversidade (ou Administração da Diversidade) pode
aumentar a qualidade e a capacidade da intervenção do Estado nos mais
diversos setores. São vários os argumentos avançados para defender tal visão,
que podem ser agrupados em duas grandes categorias. A primeira é a dos
argumentos que se baseiam nas externalidades negativas, do ponto de vista
da economia, das discriminações. A outra categoria é a dos argumentos que
consideram o problema da representação dos diversos grupos sociais na
máquina do Estado. As duas categorias de argumentos não são mutuamente
exclusivas, mas o contrário, são complementares.
Em que pesem os argumentos relativos à eficiência, baseados na
teoria econômica de que ao discriminar o empregador paga por isso, pois
pode estar preferindo trabalhadores menos produtivos, considera-se aqui
que o argumento mais importante em prol de ações afirmativas voltadas aos
servidores é o de que a diversidade dos grupos sociais deve estar representada
da melhor forma possível na composição da administração do Estado. O
Estado não é uma empresa, sua gestão é ditada pela política e é importante
que todos os setores da sociedade, mesmo aqueles que podem não ter
conseguido representação pelos canais tradicionais da democracia
participativa, se sintam representados e vejam suas demandas consideradas
na administração e na elaboração de políticas. Ademais, a existência de
ações afirmativas para os servidores pode sensibilizá-los para os problemas
das desigualdades produzidas por discriminações, o que contribuiria para a
maior efetividade de ações afirmativas para o público em geral. E, se um
governo particular pretende empregar a máquina do Estado para constranger as
organizações privadas do mundo do trabalho para que adotem ações afirmativas, é
importante dar o exemplo, fazendo para os seus trabalhadores o que deseja que as
firmas façam para aqueles que estão vinculados a elas.
Nesse sentido, é interessante notar que a denúncia das discrepâncias
no corpo de servidores em relação à composição racial da população brasileira
não são tão recentes. Vários veículos da imprensa negra denunciaram essa
situação ao longo do século XX. A Frente Negra Brasileira exigiu que o
Governo Vargas interviesse na contratação de negros para a Guarda Civil
paulistana, já no início da década de 193020 . Um estudo21 , publicado na
19
Sobre o Gerenciamento da Diversidade, com ênfase em sua aplicação no serviço público civil, vide os textos apresentados no encontro
Managing Diversity in the Civil Service, promovido pelas Nações Unidas (UNDESA, 2001), bem como Dobbs (1996), os artigos do número
consagrado ao tema da revista Public Personnel Management, do International Public Management Association For Human Resources
(1998), Doverspike et al. (2000), Ivancevitch & Gilbert (2000), Gullet (2000); traduzido para o português, o livro Ação afirmativa no emprego
de minorias étnicas e portadoras de deficiências (Hodges-Aeberhard & Raskin, 2000), embora não restrito ao serviço público, traz relatos de
experiências de outros países, em alguns casos abrangendo os servidores públicos; especificamente sobre as desigualdades de gênero, vide
Lewis (1999), Phillips et al. (s.d.), Mani (2001) e Baker et al. (2002). A maior parte dos textos referidos nesta nota se baseia nas experiências
dos Estados Unidos e do Canadá. Isso não se deve a nenhum viés na seleção, mas sim ao fato de que os dois países são por certo os de maior
experiência em ações afirmativas para o serviço público. A África do Sul lançou, em 1997, as diretrizes de um programa exemplar de ações
afirmativas voltado ao gerenciamento da diversidade no serviço público que merece a atenção de qualquer interessado no assunto (República
da África do Sul, 1997).
32
20
Sobre este episódio, vide Andrews (1998).
21
Costa Pinto (1952).
CADERNO GRPE • [2]
década de 1950, notara também a ausência de negros no serviço público, a
partir de dados do censo populacional de 1940. No fim da década de 1960, o
deputado federal Mário Gurgel fez interpelações formais acerca da proporção
de negros nos cargos de chefia em alguns nichos da administração que eram
notoriamente conhecidos por barrar, de várias formas, o ingresso das pessoas
negras. Responderam-lhe que não havia dados para aferir tais proporções 22 .
Aliás, essa ausência de dados provenientes de fontes administrativas,
e não de levantamentos como censos e surveys, a respeito da presença de
negros entre os servidores foi um dos fatores que inviabilizou o Programa
Nacional de Ações Afirmativas.
Nas últimas décadas, aumentaram muito as propostas e os debates
sobre a implementação de ações afirmativas no Brasil, especialmente as
voltadas para a população negra. Um levantamento23 revela que, de 1950 a
2002, tramitaram, na Câmara dos Deputados, 117 proposições relacionadas
ao racismo e às desigualdades raciais, 105 delas após a década de 1980. Esse
aumento se deve ao fato de o número de parlamentares negros militantes
ter aumentado, também,24 a partir da redemocratização do País ao longo da
década de 1980. Muitas propostas contemplaram algum tipo de ação
afirmativa para o serviço público.
Abdias do Nascimento, quando deputado federal, incluiu por
exemplo a reserva de 40% das vagas para negros (20% para cada sexo) nos
concursos públicos no Projeto de Lei de 1983 25 . No ano seguinte, ele incluiu,
em outro projeto de lei, um dispositivo que estendia a reserva de 40% das
vagas nos concursos de seleção para ingresso na carreira diplomática26 .
Todavia, tais projetos não se transformaram em leis e caducaram. Atualmente,
há pelo menos dois projetos, dos quais um em tramitação e outro pronto
para votação, que prevêem ações afirmativas para o serviço público, que
serão abordados na sessão final deste capítulo.
Há que se ressalvar que o Brasil já tem ações afirmativas para um
grupo particular no serviço público , o dos deficientes. O Regime Jurídico
Único (RJU) do serviço público civil27 estabelece reservas de vagas para
deficientes nos concursos de ingresso.
22
O caso é relatado por Nascimento & Nascimento (2004:136).
23
Escosteguy (2004).
24
Sobre a representação política dos negros, vide Johnson III (2000) e Hanchard (2001).
25
Essas primeiras iniciativas de Abdias do Nascimento, grande liderança negra brasileira, em suas passagens pelo Congresso, primeiro
como deputado e depois como senador, aparentemente são a origem histórica dos níveis de 20% e de 40% que tão freqüentemente
aparecem nas tentativas de estabelecimento de cotas para negros em diversos espaços sociais. Abdias do Nascimento se balizou pela proporção
de 40% de negros (pretos ou pardos) na população nacional revelada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1976, primeiro
levantamento nacional a coletar a cor após o Censo de 1960, que no início da década de 1980 era a fonte de informações mais recente sobre
o assunto. Essa informação me foi confirmada pelo próprio Abdias e por Elisa Larkin Nascimento em breve conversa no dia 14 de abril de
2005.
26
Sobre os Projetos de Lei apresentados por Abdias do Nascimento, vide Nascimento & Nascimento (2004).
27
Lei 8.112 de 11/12/1990.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
33
GRPE • OIT
Existe ao menos uma avaliação 28 a respeito do impacto da adoção
de cotas na empregabilidade das pessoas com deficiência. Tal avaliação tem
em tela o setor privado, mas é interessante relatá-la. Ela chega a duas
conclusões importantes, que trazem lições para experiências futuras que
tenham como foco esse ou outros grupos. A primeira é que existe um elevado
grau de descumprimento da lei. Poucas empresas observam com rigor o
percentual de deficientes que deveriam ter em seus quadros funcionais. São
raros os casos de empresas com mais de 1000 funcionários que exibem os
5% de funcionários deficientes exigidos por lei 29 . Ou seja, a simples existência
das disposições legais não garante o cumprimento da lei e a fiscalização é
necessária. A segunda conclusão é conjugada com a primeira: mesmo com a
não-observância rigorosa da legislação, a sua existência teve sim impactos
positivos e mensuráveis sobre a empregabilidade dos deficientes. Em outras
palavras, a ação afirmativa tem os efeitos desejados ainda que não funcione
perfeitamente.
A avaliação supra-mencionada, todavia, tem por objeto o
cumprimento da legislação que estabelece as cotas empregatícias para
deficientes pelas empresas, não isolando o serviço público civil dos
empregadores privados. Entretanto, todos os concursos públicos posteriores
à promulgação do RJU reservaram vagas para deficientes. Os candidatos a
servidor passaram a disputar nos concursos vagas de ampla concorrência e
vagas de concorrência restrita aos deficientes. As provas são idênticas e o
mínimo requerido para a classificação também, porém os deficientes
competem entre si. Não havendo deficientes aprovados em número suficiente
para preencher as vagas de concorrência restrita, elas são distribuídas pelos
candidatos aprovados em concorrência ampla.
Das duas políticas de ação afirmativa voltadas ao serviço público
civil em vigência no Brasil, a reserva de vagas para deficientes em concursos
públicos é a que atinge o maior número de pessoas. A outra é a distribuição
a candidatos afro-descendentes de bolsas preparatórias para o concurso de
ingresso na carreira diplomática. Fora essas duas medidas que lidam com o
problema do recrutamento de pessoal, ressaltando-se que a última de forma
absolutamente tímida, não há nada. Embora tenham sido tomadas algumas
iniciativas que poderiam ter se constituído ação afirmativa para o corpo de
servidores, a maior parte delas só teve existência no plano normativo ou
foram implementadas por períodos curtos, jamais tendo se efetivado de
forma duradoura.
Mas a existência das normas pode dar a impressão de que existem
ações afirmativas, mesmo que não passem de declarações de intenções,
principalmente para aqueles que tentam analisar a realidade de longe a
partir de documentos. Assim, por exemplo, pode se ler em uma publicação
28
A avaliação, feita com base na Relação Anual de Informações Sociais, RAIS, teve seus principais resultados resumidos por Néri & Costilla
(2004).
29
34
Lei 8.213, de julho de 1991. Observe-se que a estipulação de cotas para o serviço público é anterior à determinação para o setor privado.
CADERNO GRPE • [2]
recente sobre desenvolvimento econômico e inclusão social na América
Latina, logo no texto introdutório e com grande destaque: «No Brasil, um
decreto presidencial de maio de 2002 criou um Programa Nacional de Ação
Afirmativa. O país também adotou o sistema de cotas para a contratação de pessoal
por órgãos públicos e reservou vagas nas principais universidades públicas para afrodescendentes.»3 0
Das três afirmações acima, duas são meias verdades e outra é
verdadeira, mas pode levar a conclusões errôneas. Ao que parece, a autora
foi induzida ao erro pelos documentos a que teve acesso e, muito
provavelmente, também pelos relatórios e pela propaganda oficial que
divulgam tais «conquistas» ou «realizações» como fatos concretos.
A primeira meia-verdade acerca de ações afirmativas no Brasil diz
respeito à adoção de cotas pelas melhores universidades públicas do país.
A sentença dá a impressão de que todas as boas instituições públicas de
ensino superior adotaram cotas, o que está ainda longe de ser uma verdade.
Apenas poucas o fizeram 31 e o debate público sobre o assunto tem revelado
a extensão da aversão de parte substantiva da intelectualidade acadêmica
brasileira por essas medidas. Mas que se deixem as universidades de lado,
pois não interessam, no presente trabalho, medidas para a diversidade do
corpo discente, que é transitório. Interessariam apenas medidas relativas ao
ingresso para o corpo docente e de outros servidores das universidades,
medidas que, no momento, não existem.
A segunda meia-verdade é a de que existe um sistema de cotas para
contratação de pessoal por órgãos públicos. Isso só é verdadeiro para a
contratação de deficientes. Não existem, no Brasil, cotas para a contratação
de negros ou de mulheres para o serviço público civil. Todavia, algumas
iniciativas tomadas por órgãos públicos no período de 2001 a 2002 podem
ter levado à impressão errônea de que haveria cotas.
Tais iniciativas, relatadas por Jaccoud & Beghin (2002), foram a
estipulação de cotas para o preenchimento de cargos de confiança de Direção
e Assessoramento Superiores – os DAS, que serão abordados novamente
em outros pontos do presente trabalho. Essas reservas de vagas foram
estabelecidas pelo Ministério da Justiça em 2001, pelo Ministério da Cultura
em 2002 e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2001 32 . Em
2003, como será visto adiante, um levantamento feito junto aos
30
Buviniæ (2005:3).
31
Ressalve-se que o número de Universidades com ações afirmativas para o ingresso de estudantes negros tem aumentado, a despeito da
grande resistência de parte da comunidade acadêmica.
32
O Ministério do Desenvolvimento Agrário foi o pioneiro na adoção de um programa próprio de ações afirmativas. Esse programa foi
desenvolvido ao longo de 2001 e 2002. Inicialmente contemplava apenas mulheres, mas depois incluiu os negros e foi o mais incisivo no
sentido de tentar obrigar aos órgãos do próprio ministério e aos fornecedores de bens e serviços a comprovação efetiva da adesão ao
programa. Para acompanhar a evolução desse programa, as referências são as Portarias nº 33, de 08 de março de 2001 (infelizmente, é muito
difícil ter acesso ao texto integral, mas cópias podem ser conseguidas junto ao Ministério sob solicitação) nº 202, de 04 de setembro de 2001,
nº 222, de 28 de setembro de 2001, nº 224, de 28 de setembro de 2001 e nº 25, de 21 de fevereiro de 2002. A respeito do Programa de Ações
Afirmativas do Ministério da Justiça, que contemplava negros, mulheres e deficientes, vide a Portaria nº 1.156 desse Ministério, baixada em
20 de dezembro de 2001. O Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Cultura, que contemplava negros, mulheres e deficientes, foi
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
35
GRPE • OIT
Departamentos de Recursos Humanos desses órgãos constatou que as
portarias que estabeleceram cotas que jamais chegaram a ser cumpridas ou
o foram apenas no governo anterior, tendo caído no esquecimento no que
toca às disposições voltadas aos servidores. No caso do Ministério da Justiça,
comenta-se que, em 2002, o cumprimento da determinação teria sido feito,
todavia lançando mão de uma estratégia capciosa. A cota de 20% das vagas
teria sido preenchida com a designação de negros para a ocupação de DAS de
baixo nível hierárquico.
Mesmo assim, as iniciativas relatadas acima são voltadas aos
servidores já existentes ou para o ingresso temporário de servidores. O
ocupante de cargo de confiança que não faz parte do corpo permanente do
serviço público civil só é servidor enquanto desempenha a função de
confiança, o que muitas vezes não chega a durar um governo inteiro. Assim,
não podem ser consideradas cotas para a contratação de servidores.
O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, implementou,
em 2002, o seu programa de ação afirmativa 33 realmente voltado à promoção
do ingresso, na carreira diplomática, de afro-descendentes como membros
do quadro permanente de servidores. Mas o programa desse ministério
também não se dá pela estipulação de cotas para o ingresso por concurso.
O programa consiste em dar bolsas para que afro-descendentes com potencial
possam se dedicar integralmente aos estudos durante algum tempo,
aumentando suas chances de passar no rigoroso processo de seleção.
Portanto, embora seja um programa de estímulo ao ingresso no serviço
público, também não pode ser visto como um sistema de cotas para a
contratação de servidores negros.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário chegou a estipular, em
concursos, reservas de 20% das vagas para afro-descendentes. Todavia, não
se tem notícia de um único concurso que tenha contado com esse tipo de
cota e provavelmente tal medida, sem estar respaldada em uma norma maior, teria
gerado uma enxurrada de ações judiciais a questionando.
Outro tipo de medida, adotada nos idos de 2001 e 2002, também
pode levar à impressão errônea de que existe algum tipo de sistema de cotas
para a contratação de funcionários negros. Os Ministérios da Justiça, da
Cultura e do Desenvolvimento Agrário, e dois Tribunais, o Superior do
Trabalho e o Supremo, baixaram normas que estabeleciam reservas de vagas
para negros nos contratos com prestadores de serviços34 . Todos adotaram
20% das vagas como nível da reserva.
implementado pela Portaria nº 484 desse Ministério, baixada em 22 de agosto de 2002 (posterior ao programa). Excetuando-se a Portaria 33
do MDA, todas as demais se encontram reproduzidas no anexo do livro de Jaccoud & Beghin (2002). Os textos integrais desse livro e seu
anexo estão acessíveis em formato eletrônico, respectivamente a partir dos endereços: http://www.ipea.gov.br/TemasEspeciais/desigualdades/
Parte1.pdf http://www.ipea.gov.br/TemasEspeciais/desigualdades/Parte2.pdf.
33
Vide o Protocolo de Cooperação, firmado entre os Ministérios da Ciência e Tecnologia, da Cultura, da Justiça e das Relações Exteriores,
em 21de março de 2002, também reproduzido no anexo do livro de Jaccoud & Beghin (2002) – referido na nota anterior.
34
36
No que toca aos Ministérios, vide nota 32.
CADERNO GRPE • [2]
Antes mesmo de entrar no mérito desse último tipo de medida,
deve-se declarar que, em 2003, nenhuma das determinações estava sendo
observada pelos ministérios ou pelos tribunais que as estabeleceram. Essa
foi a constatação de um levantamento que será discutido adiante mais
detalhadamente. Embora a memória se tenha ido, tudo indica que, em 2002,
algumas instituições supra-citadas realmente chegaram a celebrar contratos
com prestadores de serviço observando tais medidas. Mas, mesmo assim, há
que se registrar que não havia à época nenhum monitoramento dos
prestadores contratados.
Quanto às medidas em si, poderiam ter algum efeito, mas não
atingiriam o quadro efetivo de servidores. No caso dos fornecedores de bens,
isso é um tanto quanto óbvio, pois os funcionários desses empregadores
não se tornam servidores em sentido algum. Porém, muitos contratos com
prestadores de serviços são para a contratação de pessoal que vai atuar no
serviço público e, portanto, como servidores. Parte significativa desse pessoal
terceirizado é composta por trabalhadores não especializados contratados
para o desempenho de funções simples. São copeiras, garçons, faxineiras,
contínuos e congêneres. Ora, como exibem todos os inúmeros compêndios
estatísticos sobre o assunto, essas ocupações são desempenhadas em maiores
proporções por negros; por conseguinte, metas de 20% não precisariam
nem ao menos de um esforço consciente para ser atingidas por esse pessoal.
Aliás, provavelmente tais metas já estavam ultrapassadas no momento de sua criação.
Mas tais disposições não seriam necessariamente inócuas. Elas
atingiriam também uma parcela de terceirizados de alto nível, como os
funcionários das firmas de engenharia e de informática. Poderiam alcançar,
por exemplo, os «consultores», pessoas contratadas por projetos em parceria
com organismos internacionais. Entre elas havia uma parcela bemremunerada e desempenhando funções de alto nível. De qualquer forma,
essas disposições teriam que ser acompanhadas por descrições dos mecanismos de
monitoramento das empresas prestadoras de serviço, o que não ocorreu. E, mesmo
atingindo o pessoal terceirizado que trabalha como servidor, é preciso registrar que
as medidas não se destinavam ao corpo permanente de servidores.
Por fim, a verdade que poderia levar a conclusões equivocadas é a
de que o Brasil tem um Programa Nacional de Ações Afirmativas (PNAA).
Efetivamente, o PNAA foi instituído em 2002, mas não se deve confundi-lo
com a Política Nacional Promoção da Igualdade Racial 35 , promulgada em
2003. O PNAA, em suas disposições mais concretas, configura um programa
voltado aos servidores civis da administração direta e indireta do Poder
Executivo Federal. Entretanto, o PNAA é apenas um documento, uma norma
que jamais foi regulamentada, tampouco seguida. Mas vale a pena analisar
o PNAA detalhadamente, pois ele ainda está em vigência e, em tese, necessita
apenas de regulamentação para ser implementado.
35
Decreto Presidencial nº 4.886, de 20/11/2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
37
GRPE • OIT
3.1 O Programa Nacional de Ações Afirmativas - PNAA
O Programa Nacional de Ações Afirmativas36 estrutura-se em torno
de dois eixos. Um é essencialmente uma política de cotas para mulheres,
negros e deficientes. Sua esfera de atuação seria a Administração Pública
Federal (APF), composta pela administração direta e indireta do Poder
Executivo, embora algumas das disposições implicassem a extrapolação desses
limites e a inclusão dos fornecedores privados de bens e serviços. O outro
eixo implicou a criação de um comitê «consultivo-propositivo», responsável
pela sugestão de outros tipos de políticas de ação afirmativa, bem como de
medidas administrativas, visando ao combate à discriminação e à valorização
dos grupos supracitados e dos Direitos Humanos em geral.
É bem óbvio o fato de que, após a mudança de governo em 2003, a
criação da Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR)37 e do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(CNPIR)38 esvazia completamente as funções previstas para o Comitê de
Acompanhamento do PNAA. A partir de sua criação, a SEPPIR passa a ser
responsável pelo PNAA39 e por todas as políticas de ação afirmativa, exceto
as voltadas às mulheres, que contam com uma outra Secretaria Especial e
aquelas para deficientes, que já contam com legislação específica. Embora o
PNAA não englobe mais as ações afirmativas voltadas para o público em
geral, no que toca ao estabelecimento de ações afirmativas para os servidores
civis do Executivo Federal ele continua válido e prenhe de potencial. Ressaltese, ainda, que as ações desse primeiro eixo são, essencialmente, as mesmas
adotadas pelos Ministérios da Justiça, da Cultura e do Desenvolvimento
Agrário. Nesse, o PNAA pode ser visto como uma tentativa de implementar em
toda a Administração Pública Federal o que esses órgãos tentaram realizar dentro da
competência deles.
O PNAA foi definido apenas nas linhas e objetivos gerais: não há
um delineamento preciso de como seria sua implementação. Os detalhes
seriam fornecidos pelo Comitê de Avaliação e Acompanhamento do PNAA
na forma de uma proposta de ações e metas, que dariam corpo ao Programa.
Para que saísse do papel, portanto, era necessária essa proposta, que deveria
ter sido entregue em 12 de julho de 200240 . Todavia, tal proposta jamais
chegou a ser feita, devido à ausência de diagnósticos sobre o caráter e o grau
das desigualdades sobre as quais o PNAA deveria atuar (no âmbito do serviço
público civil); às dificuldades em lidar com os assuntos envolvidos e ao fato
de 2002 ter sido um ano de eleições presidenciais. Em conseqüência, o
36
Decreto Presidencial nº 4.228, de 13/05/2002.
37
A SEPPIR foi criada pela Lei nº 10.678, de 23/05/2003, conversão da Medida Provisória nº 111, de 21/03/2003.
38
Instituído pela Lei de criação da SEPPIR (vide nota anterior) e regulamentado pelos Decretos Presidenciais nº 4.885, de 20/11/2003, e
nº 4.919, de 17/12/2003.
38
39
Artigo 2º da Lei nº 10.678, de 23/05/2003.
40
Parágrafo Único do Artigo 3º do Decreto Presidencial nº 4228, de 13/05/2002.
CADERNO GRPE • [2]
PNAA, embora exista, jamais foi implementado pela falta de regulamentação.
O caráter vago do PNAA é exemplificado pela política de cotas
sugerida. Ela se encontra no artigo,41 que dispõe sobre as ações a serem
realizadas pelos órgãos da APF. A palavra «cota» não chega nem mesmo a ser
usada. Fala-se apenas em «metas percentuais», que deveriam ser fornecidas
pela proposta de ações do Comitê de Avaliação e Acompanhamento. O
alcance da meta também não foi definido, pois não havia informações
precisas sobre o contingente de servidores que seriam beneficiados pelo
programa. O caso da composição racial era ainda mais grave, pois dependia
da informação da cor, a qual não fazia parte do cadastro funcional de servidores.
A idéia, portanto, era definir, de alguma forma, as porcentagens de
negros, deficientes e mulheres nos cargos da administração pública, em um
período de tempo também a ser definido. Diferentemente da cota, que,
uma vez estabelecido seu tamanho, tem que ser implementada o mais
rapidamente que os meios disponíveis permitirem, a meta deve ser alcançada
ao final de um período, durante o qual se realizam ações para tanto. Embora
não haja menção aos critérios a serem usados para o cálculo das metas
percentuais, o âmbito de aplicação das cotas é bem definido: os cargos de
confiança e, mais especificamente, os cargos em comissão de Direção e
Assessoramento Superiores (DAS); os funcionários terceirizados; o pessoal contratado
por projetos em conjunto com organismos internacionais.
Os DAS são os cargos cujos ocupantes são escolhidos por indicação
de outros ocupantes de cargos superiores e/ou por considerações de ordem
política. Podem ser ocupados tanto por servidores públicos permanentes
como por cidadãos de fora do quadro e são hierarquizados em vários níveis
segundo o grau de poder, com remunerações progressivamente mais altas.
Uma possível razão para o interesse pelos DAS, uma vez que existem vários
outros tipos de cargos e também funções gratificadas com essas mesmas
características, pode ser o fato de que a maior parte desses outros é restrita
aos servidores públicos permanentes. Outra é que a estrutura dos principais
órgãos da administração pública – os Ministérios – é hierarquizada pelos
DAS. Os altos representam poder discricionário efetivo na execução das
políticas e dos orçamentos públicos, embora não se possa menosprezar o
poder relativo de outros grupos de cargos.
Um dos objetivos implícitos desse sistema de metas era, portanto,
aumentar a participação das pessoas com deficiência física, das mulheres e
dos negros nas instâncias em que realmente ocorrem decisões cotidianas
que acabam por definir alguns aspectos essenciais da implementação das
políticas. Para que isso ocorresse seria preciso estabelecer futuramente que a
meta fosse válida para todos os níveis hierárquicos de cargo. O objetivo não
seria alcançado se, por exemplo, a porcentagem de mulheres, negros e de
deficientes fosse estabelecida, mas os ocupantes de DAS desses grupos
estivessem concentrados nos níveis inferiores da hierarquia.
41
Artigo 2º do Decreto Presidencial nº 4228, de 13/05/2002.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
39
GRPE • OIT
É interessante notar que, em momento algum, nas ações prescritas
pelo PNAA, percebem-se disposições específicas para os servidores
permanentes. São mencionados apenas os DAS42 , que podem ser ocupados
por qualquer cidadão, servidor ou não. Depois, há menção aos contratados
por convênios/projetos de cooperação com organismos internacionais e ao
favorecimento de fornecedores que adotassem algum tipo de ação afirmativa
para seus funcionários, mas as pessoas que poderiam ser beneficiadas nesses casos
não fazem parte do quadro de servidores públicos civis.
As demais ações previstas de início pelo PNAA, a exemplo das metas
percentuais, também não poderiam ser implementadas sem regulamentação.
No caso das transferências negociadas de recursos para outros órgãos
federativos43 (estados e municípios), como viabilizar a inclusão de cláusulas
de adesão ao programa, se a única ação mais ou menos definida fazia menção
explícita aos DAS, que só existem na APF?
3.2 O estado atual das ações afirmativas no serviço público civil
Portanto, o PNAA não poderia ser implementado por uma razão
muito simples; a ausência de regulamentação. Mesmo assim, em outubro e
novembro de 2003, nossa equipe de pesquisa resolveu abrir uma nova frente
para averiguar duas questões. A primeira se, a despeito da impossibilidade
de implementação, os responsáveis pelos Departamentos de Recursos
Humanos dos órgãos da administração direta, mais especificamente os
ministérios, conheciam a existência do PNAA e do decreto que o instituíra.
A segunda se o órgão possuía algum tipo de ação afirmativa voltada ao quadro
de servidores. A técnica empregada foi a realização de entrevistas rápidas
semi-estruturadas por um roteiro simples de oito questões. Nos casos em
que não foi possível entrevistar diretamente o titular de Recursos Humanos,
a entrevista foi feita com o substituto legal ou com uma autoridade superior,
como o Secretário Executivo. Nos ministérios que haviam adotado medidas
próprias no período de 2001 a 2002, questionou-se também o conhecimento dessas
medidas e a observância delas.
Antes de passar aos resultados deste breve levantamento, vale
mencionar que, embora o Tribunais Superior do Trabalho e Supremo
Tribunal Federal não estivessem sujeitos aos ditames do PNAA, buscou-se
saber se estavam levando a cabo as determinações de se dar preferência aos
fornecedores de serviços que mantivessem algum tipo de ação afirmativa.
Nesse caso, tentou-se identificar a maior autoridade responsável por esse
tipo de contrato. As respostas foram reveladoras. Tais funcionários não só
informaram não ter conhecimento de tais disposições como também que
não sabiam de licitação alguma que houvesse observado tais critérios.
40
42
Artigo 2º, Inciso I do Decreto Presidencial nº 4228, de 13/05/2002.
43
Artigo 2º, Inciso II do Decreto Presidencial nº 4228, de 13/05/2002.
CADERNO GRPE • [2]
Os resultados do levantamento junto aos ministérios são expressivos
no sentido de mostrar a distância entre o discurso oficial e as práticas
cotidianas do serviço público. Na maior parte dos 23 ministérios
pesquisados45 , não havia tipo algum de ação afirmativa voltada para os
servidores (excetuando-se, nos concursos, a reserva obrigatória de vagas para
deficientes). A despeito do compromisso, diversas vezes reiterado, do atual
governo com a promoção da igualdade racial, de gênero e com a inclusão
dos deficientes, não existe tipo algum de ação afirmativa coordenada voltada
aos servidores civis. «Casa de ferreiro, espeto de pau», como diz a sabedoria
popular.
Apenas dois ministérios declararam estar fazendo, por conta própria,
ações afirmativas, curiosamente o oferecimento de vagas de estágio para
deficientes concomitantemente com a adequação dos ambientes de trabalho
para essas pessoas. Mais do que nada, com certeza, essas iniciativas têm a ver
com pessoal, mas não estão relacionadas à superação de eventuais
desigualdades entre os servidores, tampouco à garantia do ingresso de
servidores negros e de mulheres. Assim sendo, não são ações afirmativas
voltadas ao serviço público civil, pois seus beneficiários não são servidores.
Muitos ministérios simplesmente não sabiam da existência do PNAA.
As justificativas para tal situação, assim como as reações frente à entrevista,
variaram. Quase metade dos entrevistados declarou sinceramente não ter
informação alguma sobre o programa. O restante declarou conhecê-lo, mas
durante a entrevista ficou óbvio o fato de que em apenas dois ministérios o
responsável por Recursos Humanos realmente conhecia o PNAA. Em alguns
dos ministérios em que o desconhecimento ficou patente, a despeito da
alegação contrária, os entrevistados disseram que o órgão não tinha quadros
próprios de servidores. O quadro era todo composto de funcionários cedidos,
gestores do Ministério do Planejamento e pessoas contratadas por projetos
com organismos internacionais. Mas como o PNAA só previa ações para os
cargos em comissões e para os funcionários terceirizados, incluindo os contratados
por organismos internacionais, a justificativa da ausência de quadros próprios fica
fora de contexto.
A terceira categoria mais freqüente de respostas foi a dos responsáveis
por Recursos Humanos que declararam conhecer o PNAA. Eles alegaram
que o decreto estaria sendo estudado para que se decidisse sobre a melhor
45
1) Ministério da Educação; 2) Ministério da Saúde; 3) Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; 4) Ministério da Assistência e
Promoção Social; 5) Ministério do Meio Ambiente; 6) Ministério das Comunicações; 7) Ministério do Trabalho e Emprego; 8) Ministério
da Previdência Social; 9) Ministério da Fazenda; 10) Ministério da Integração Nacional; 11) Ministério das Minas e Energia; 12) Ministério
dos Transportes; 13) Ministério do Turismo; 14) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; 15) Ministério das Cidades; 16)
Ministério da Ciência e Tecnologia; 17) Ministério da Defesa; 18) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; 19) Ministério do
Esporte; 20) Ministério da Justiça; 21) Ministério das Relações Exteriores; 22) Ministério do Desenvolvimento Agrário; 23) Ministério da
Cultura. A escolha desses órgãos se deveu ao fato de que os ministérios têm coordenações próprias de recursos humanos. Assumiu-se o
pressuposto de que os órgãos da administração indireta ligados a cada ministério muito provavelmente seguiriam em suas próprias coordenações
de recursos humanos a recomendação de suas equivalentes nos ministérios. Eventuais ausências se devem ao fato de que não foi possível
contatar o responsável ou uma autoridade superior. As Secretarias da Presidência da República, Ministérios Extraordinários, a Controladoria
Geral da União e a Casa Civil não entraram na análise por estarem sujeitos à coordenação de recursos humanos da Presidência. Os
Ministérios do Exército, da Aeronáutica e da Marinha têm a coordenação geral de recursos humanos (pessoal civil) centralizada no Ministério
da Defesa.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
41
GRPE • OIT
forma de implementá-lo. Todavia, nenhum deles soube dizer em que ponto
os estudos estavam e se havia prazo para conclusões ou uma data para iniciar
o programa.
Em dois ministérios, o responsável declarou aguardar instruções da
Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento para
começar a tomar providências.
Dos dois coordenadores de Recursos Humanos que conheciam o
PNAA, um criticou o Decreto que o instituiu, alegando que não era
executável. A percepção do servidor é correta, pois o PNAA não foi
complementado por regulamentações posteriores que o texto original exigia
(como a definição dos valores das metas). O outro coordenador informou
que o PNAA se encontrava «arquivado» na Secretaria Executiva do Ministério,
sem perspectiva de ser adotado no órgão.
Finalmente, o segundo grupo mais freqüente de alegações para o
não seguimento dos ditames do PNAA se baseava no argumento de que os
DAS são cargos preenchidos por indicação política e que, por conseguinte,
não seria possível ou não faria sentido preenchê-los segundo critérios raciais,
de gênero e de acessibilidade para pessoas com deficiência. Interessante é
que alguns dos entrevistados, após fazer esse tipo de declaração, passaram a
criticar a forma pela qual o atual Governo estaria distribuindo DAS entre
seus apaniguados, sem observar se tais pessoas teriam competência para o
exercício da função. Se os DAS fossem realmente distribuídos assim, mais
uma razão para introduzir critérios afirmativos em sua alocação. O gráfico a
seguir sintetiza tais declarações dos entrevistados sobre o PNAA.
GRÁFICO 1
Impressões sobre o PNAA
(número de pessoas)
Inexequibilidade do PNAA
1
Arquivamento do PNAA
1
Alegaram falta de quadros
2
Aguardando informações da SRH do Ministério
do Planejamento
2
3
Estudando o PNAA
Evocaram a natureza política do DAS
5
9
Não tinham informação alguma sobre o PNAA
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Talvez ainda mais interessante do que os resultados acima descritos
tenha sido a reação das pessoas entrevistadas. Algumas reagiram como se
estivessem sendo cobradas pela não implementação do PNAA – algo de que
42
CADERNO GRPE • [2]
não poderiam, sob hipótese alguma, ser culpadas – e assumiram uma atitude
defensiva, aventando desculpas para o desconhecimento ou não
cumprimento do Programa. Quando se esclarecia que o pesquisador não
policiava ou fiscalizava, mas estava apenas interessado nos fatos, e que os
dados seriam divulgados de forma agregada, sem a identificação dos
ministérios, os entrevistados se colocavam mais à vontade e, na maior parte
dos casos, demonstraram interesse pelo PNAA.
Esse interesse pode serclassificado em três grandes categorias básicas.
A primeira seria a dos entrevistados que simplesmente se mostraram indiferentes.
Outra categoria, a mais freqüente, foi a dos que criticaram severamente a falta de
divulgação do decreto. Esses, de forma geral, demonstraram um interesse sincero e
uma aparente disposição de levar a cabo uma política como o PNAA. A terceira
categoria era formada por aqueles que demonstraram um interesse «negativo». Eles
criticaram a adoção de cotas para o serviço público, seja para ocupação de cargos ou
para o ingresso, pois elas seriam, nas palavras de um dos entrevistados, que bem
sintetizam a orientação geral do grupo, uma «discriminação às avessas que gera conflitos
internos». Nessa terceira categoria, se evocou o argumento de que não haveria racismo
ou sexismo no serviço público e, no caso dos negros, que as desvantagens deles
estariam relacionadas ao fato de serem pobres e não negros.
Dentro da categoria dos interessados, convém destacar a existência de um
grupo particular que se demonstrou aguerrido na defesa de estratégias de ação
afirmativa para o corpo de servidores. Todavia, a defesa se centrava em apenas um
grupo, o das pesoas com deficiência. Quando questionados se as mulheres e os
negros não seriam também merecedores de medidas específicas, a resposta foi muito
parecida. Mulheres e negros não precisariam dessas políticas, pois estariam sendo
incluídos progressivamente de forma «natural», bastando paciência e não intervenção
para a consecução da eqüidade. Mas os deficientes físicos não estariam sendo incluídos
«naturalmente», daí a necessidade de políticas para esse grupo. Ressalve-se que isso
ocorreu nos ministérios que possuíam programas especiais de estágio para pessoas
com deficiência.
GRÁFICO 2
Interesse pelo PNAA
Interesse centrado em
deficientes
2
Crítica às quotas
2
(número de pessoas)
8
Indiferença
11
Interesse
0
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
2
4
6
8
10
12
43
GRPE • OIT
Como se pode observar, esses foram os resultados gerais do
levantamento. Para os ministérios já citados que, por iniciativa própria,
baixaram normas que estabeleciam programas internos de ação afirmativa
no período de 2001 a 2002, a investigação foi um pouco além para averiguar
se essas normas estavam sendo observadas. Mas, como já dito, não estavam,
acabaram juntamente com o governo que as criou e, por essa razão, opta-se
por encerrar aqui o relato desse breve levantamento.
3.3 Condições para o estabelecimento de ações afirmativas
para os servidores
Após o estabelecimento da obrigatoriedade de concurso para ingresso nas
carreiras do serviço público civil, não se pode dizer que haja algum tipo de
discriminação direta para a admissão de novos servidores. As pessoas efetivamente
concorrem em condições de igualdade quando fazem uma prova de seleção –
entendendo-se como «igualdade» o fato de fazerem a mesma prova. A exceção fica
por conta dos deficientes, que protegidos por legislação só concorrem com outros
deficientes, embora tenham que atingir, nas provas de conhecimentos e de títulos, a
pontuação mínima estipulada para todos os candidatos.
Todavia, isso nem sempre foi assim, pois o concurso não foi
obrigatório durante um longo tempo. É extremamente significativo o fato
de que a primeira legislação brasileira anti-discriminação, a Lei Afonso
Arinos, de 1951, determinava especificamente constituir contravenção «obstar
o acesso a alguém a qualquer cargo do funcionalismo público ou ao serviço em
qualquer ramo das forças armadas, por preconceito de raça ou cor»46 . A pena para
o agente público que incorresse em tal contravenção seria a perda do cargo –
desde que fosse apurada em «inquérito regular». A Lei Caó, de 1985, que atualizou
a Lei Afonso Arinos, dispunha o mesmo que a anterior, mas acrescentou como
contravenção a interposição de barreiras ao ingresso no serviço público civil ou
militar devido ao sexo ou ao estado civil dos candidatos47 . A pena para o
funcionário responsável pela discriminação também era a perda do cargo.
O racismo foi transformado em crime48 pela Constituição de 1988 e
a Lei Paim49 , de 1989, substituiu as leis anti-discriminação que a precederam,
definindo quais são os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. Tal
lei permite, em tese, a aplicação do dispositivo constitucional. «Em tese»,
porque é sabido que a tipificação do crime de racismo tem sido algo
extremamente difícil, pois o racismo é freqüentemente descaracterizado pelos
agentes da lei e registrado como injúria50 .
46
Artigo 6º da Lei nº 1.390, de 03/07/1951.
47
Artigo 8º da Lei nº 7.437, de 20/12/1985.
48
Artigo 5º, Inciso XLII da Constituição de 1988: «a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei».
49
50
Lei 7.716, de 05/01/1989.
Sobre a dificuldade de caracterização dos crimes de racismo, vide Guimarães (2005). Existem vários projetos de lei tramitando no
Congresso Nacional para que a injúria de fundo racial seja considerada crime de racismo.
44
CADERNO GRPE • [2]
A Constituição de 1988 tornou impossível a discriminação direta
para ingresso no serviço público civil51 . Mesmo assim, a Lei Paim prevê o
crime, com pena de reclusão de dois a quatro anos, de «impedir ou obstar o
acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da administração direta
e indireta, bem como das concessionárias de serviço público»52 . Tal disposição
funciona como proteção para evitar que um servidor seja impedido, por
exemplo, de ocupar um cargo em comissão ou de exercer uma função
gratificada por causa de sua raça ou cor. A mesma Lei também define, no
espírito das antecessoras dela, como crime «impedir ou obstar o acesso de alguém
ao serviço em qualquer ramo das forças armadas»53 , o qual tem a mesma pena.
Ressalve-se que o servidor público condenado por qualquer um dos crimes
de racismo tipificados nos demais artigos da Lei, não só pelos dois
mencionados, além da pena de reclusão prevista, perde também o cargo ou
a função pública que exerça.
Uma série de mudanças na administração pública foi imposta pela
Constituição de 1988. Essas mudanças foram consignadas no Regime Jurídico
Único, RJU, Lei que rege as relações de trabalho no âmbito do serviço público
civil. É o RJU que estabelece a reserva de até 20% das vagas de concursos
públicos para deficientes54 (físicos ou mentais), desde que o exercício do
cargo seja compatível com a deficiência do candidato. O RJU estabelece,
portanto, uma ação afirmativa para um grupo particular da população,
ressalvando-se que ela se limita ao ingresso, pois não há previsões especiais
em relação à progressão funcional ou à ocupação de cargos em comissão
pelos deficientes.
O RJU não contém proibições explícitas para discriminação por
raça, gênero, tampouco deficiências, embora faça menção explícita à
discriminação « por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política»55 .
O RJU também preconiza a isonomia salarial para funções congêneres e
regulamenta uma série de direitos das mulheres servidoras. Esses direitos,
no entanto, não extrapolam o que está previsto para elas em qualquer tipo
de trabalho.
Obviamente, as leis supracitadas que proíbem o racismo e a
discriminação e as convenções da Organização Internacional do Trabalho
que foram ratificadas pelo Brasil, em especial a nº 100 e a nº 111, valem para
o serviço publico civil. Assim, está vedada a conduta discriminatória por
parte dos servidores. Dependendo de como eventuais preconceitos forem
externados por um servidor, é possível considerar que este está incorrendo
51
Artigo 37º, Inciso II da Constituição de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998: «a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração».
52
Artigo 3º da Lei 7.716, de 05/01/1989.
53
Artigo 13º da Lei 7.716, de 05/01/1989.
54
Artigo 5º, Parágrafo 2º da Lei 8.112, de 11/12/1990.
55
Artigo 239º da Lei 8.112, de 11/12/1990.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
45
GRPE • OIT
em caso de «incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição»56 ou que
está transgredindo a proibição de «promover manifestação de apreço ou desapreço
no recinto da repartição»57 , ambas condutas que podem levar à demissão do
servidor. Resumindo, o RJU em conjunto com outras normas que se aplicam
ao serviço público civil, veda a discriminação, mas não determina a promoção
da equidade sob forma alguma, com exceção parcial no caso das pessoas
com deficiência física,.
Existem pelo menos dois Projetos de Lei no Congresso Nacional
que prevêem ação afirmativa para os servidores. Um deles, que tramita
conjuntamente na Câmara e no Senado, é o Estatuto da Igualdade Racial,
proposto pelo então deputado federal e, hoje, senador Paulo Paim. O Estatuto
da Igualdade Racial é uma espécie de consolidação das leis de promoção da
igualdade racial e de proibição da discriminação, motivo pelo qual outros
Projetos de Lei com medidas semelhantes foram apensados a ele. O Estatuto
prevê uma reserva de 20% das vagas de concursos públicos federais, estaduais
e municipais para os afrodescendentes58 .
O outro Projeto de Lei existente é muito mais incisivo no que toca
à administração pública, objeto da maior parte das disposições dele. De
autoria do parlamentar Luiz Alfredo Salomão e apresentado em 1999, o
projeto prevê uma meta de 40% de negros, metade mulheres e a outra metade
homens, no serviço público 59 . A administração pública das três esferas
federativas – União, Estados e municípios – teria um prazo de 20 anos para
atingir essa porcentagem de servidores negros. O projeto também prevê a
estratégia para a consecução da meta: reserva de vagas de 40% nos concursos
públicos; estabelecimento por cada órgão público (incluindo empresas
públicas, autarquias, etc.) de metas anuais de crescimento da proporção de
negros entre os servidores; treinamento e capacitação específicos para que
os servidores negros estejam também representados nos níveis mais altos da
hierarquia e monitoramento com divulgação qüinqüenal de estatísticas pelos
órgãos de recursos humanos para aferir o progresso das iniciativas. Para um
nicho particular do serviço público, a Diplomacia, a reserva de vagas
preconizada é de 50% nas seleções do Instituto Rio Branco. Finalmente, o
servidor público que não observasse tais disposições estaria cometendo o
crime de racismo, sujeito às penas da lei que o tipifica: reclusão e perda do
cargo. Esse Projeto de Lei já passou por todos os trâmites e apenas falta ir à
votação para ser aprovado ou rejeitado pelos parlamentares e pelo Presidente
da República, seguindo os ritos convencionais das leis ordinárias.
Em que pesem as boas intenções desses dois Projetos de Lei, que
partem de uma constatação da realidade vivida – há poucos negros no alto
46
56
Artigo 132º, Inciso V da Lei 8.112, de 11/12/1990.
57
Artigo 117º, Inciso V, referido pelo Artigo 132º, Inciso XIII, da Lei 8.112, de 11/12/1990.
58
Artigo 20º do Projeto de Lei nº 3.198 de 2000. Publicado no Diário da Câmara dos Deputados em 16/06/2000.
59
Projeto de Lei nº 1.866, de 1999. Publicado no Diário da Câmara dos Deputados em 13/11/1999.
CADERNO GRPE • [2]
escalão do serviço público – a diversidade da composição racial do país60
seria um grande obstáculo à execução de ambos. Não é possível estabelecer
cotas como números mágicos. As proporções a serem observadas têm que se
coadunar com as especificidades das composições raciais locais, ainda mais
se pretende-se aplicá-las nas administrações estaduais e municipais. As cotas
previstas em ambos os projetos muito provavelmente seriam atingidas nos
estados setentrionais, mas não seriam executáveis nos meridionais, que teriam
que «importar» servidores negros de outras regiões do país.
Um problema de desenho que ambos os projetos compartilham –
não só entre si, mas com todas as outras iniciativas de ação afirmativa para
o serviço público , como o já discutido PNAA – é o fato de ignorar as
diferenças regionais de composição racial. Além disso, não partiram de um
diagnóstico da situação efetiva da composição racial dos servidores públicos
e do tipo e extensão das desigualdades existentes entre servidores brancos e
negros; entre mulheres e homens e, acrescenta-se, entre não-deficientes e
deficientes. Um primeiro passo para suprir tal deficiência e delinear um
primeiro panorama sobre a extensão das desigualdades no serviço público é
o estudo apresentado na próxima seção.
60
Sobre a composição racial por unidades da federação, vide Shicaso (2002) ou, para informações mais atualizadas, o sítio do IBGE:
www.ibge.gov.br.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
47
GRPE • OIT
48
CADERNO GRPE • [2]
IV. Desigualdades Raciais e de Gênero no
Serviço Público Civil Brasileiro
Viu-se, portanto, que um dos grandes problemas para a adoção de
ações afirmativas para os servidores públicos é a ausência de diagnósticos
sobre o grau e o caráter das desigualdades entre os servidores. Neste capítulo,
serão apresentados os resultados de um estudo sobre desigualdades raciais e
de gênero no serviço público . Por razões de ordem técnica, o estudo se
restringe ao serviço público civil federal, mais especificamente ao Poder
Executivo, administração direta e indireta.
A base de dados empregada para o estudo foi construída a partir das
informações do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (SIAPE) de
responsabilidade da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e mantido pelo SERPRO.
Detalhes sobre o processo de construção da base, qualidade dos dados e a campanha
de cadastramento racial podem ser encontrados no Apêndice I.
Optou-se por tratar o serviço público civil como um todo, ignorando
distinções de órgãos e carreiras e escolhendo um conjunto restrito de variáveis
de interesse: cor, sexo, escolaridade, idade, tempo de serviço, gratificação
por cargo ou função e salário. O presente estudo deve ser visto como uma
investigação exploratória, como um instrumento para levantar questões
relevantes a serem investigadas no futuro. Deliberou-se que, dado tal caráter
exploratório, não seria o momento de fornecer dados que permitissem
comparações do tipo o Ministério X discrimina mais que o Y. Esse tipo de
comparação seria contraproducente, pois com certeza são necessários estudos
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
49
GRPE • OIT
mais aprofundados que o ora apresentado e, por certo, todos os órgãos da
administração têm muito a contribuir e a fazer para a promoção da igualdade
racial e de gênero entre os servidores. O ideal é que, no futuro, as
coordenações de recursos humanos, inspiradas pela abordagem aqui
apresentada, façam como previsto no projeto do deputado Luiz Alfredo
Salomão, mencionado no capítulo anterior: realizem suas próprias pesquisas
e divulguem os diagnósticos.
Individualizar carreiras seria problemático. Muitas carreiras foram
criadas ou revistas e reestruturadas ao longo da década de 1990. Algumas
estão em processo de revisão e outras francamente defasadas em relação ao
mercado e às demais carreiras do serviço público civil. Só um relato da
situação das carreiras já implicaria um estudo muito mais abrangente e de
maior fôlego do que o realizado. Eventuais distinções raciais e de gênero a
serem apontadas aqui podem, de fato, se dever à inserção das mulheres ou
dos negros em carreiras particulares. Mas, se há segmentação ocupacional
no serviço público civil, o que é muito provável, isso não invalida as conclusões
principais a serem tiradas desta investigação. Se, por exemplo, uma das razões
dos diferenciais de remuneração que serão demonstradas é o fato de negros
e mulheres estarem inseridos em carreiras que remuneram menos, fica o
questionamento: por que tais carreiras são menos valorizadas e por que
esses grupos estariam mais representados nelas? Ademais, como já adiantado,
o presente estudo não deve ser visto como a palavra final sobre o assunto, mas,
espera-se, como um ponto de partida para muitas outras investigações.
Quanto à estrutura, a investigação se encontra dividida em duas
grandes partes. Uma é dedicada ao problema da representação dos negros e
das mulheres entre os servidores. Atestou-se, no capítulo anterior, que não
há – como para os deficientes – dispositivos legais que garantam qualquer
tipo de proporcionalidade para negros e mulheres nos processos de
recrutamento de servidores, isto é, nos concursos. Dada tal situação, o
objetivo da primeira parte da investigação é saber se os negros e as mulheres
brasileiras se encontram adequadamente representados no serviço público civil.
A segunda parte da investigação busca, por meios indiretos, averiguar
se servidores da raça negra e do sexo feminino têm as mesmas oportunidades
de progressão no serviço público civil, utilizando como referência o grupo
dos homens brancos. Para tanto, investigou-se a ocupação de cargos em
comissão e o exercício de funções gratificadas e, para os servidores em cargos
ou exercendo funções, o nível de hierarquia e remuneração dos cargos. Foram
investigadas também as diferenças de remuneração entre os servidores.
4.1. A representação da diversidade no serviço público civil
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
de 2002, dos 171,6 milhões de brasileiros, 99,5 milhões (57,9%) estavam na
faixa etária dos 20 aos 69 anos, assim como os 580 mil servidores públicos
em atividade no início de 2003. Nessa parcela da população, 47,6 milhões
50
CADERNO GRPE • [2]
eram homens e 51,7 milhões eram mulheres. Na População Economicamente
Ativa (PEA), que agrega as pessoas que estavam trabalhando ou tomando
providências para conseguir um trabalho, na mesma faixa etária, havia 42,1
milhões de homens e 31,8 milhões de mulheres. No serviço público civil,
todavia, a razão entre os sexos era distinta. Os homens se encontravam numa
proporção muito maior. O gráfico a seguir ilustra essa situação.
GRÁFICO 3
População de 20 a 69 anos, PEA e pessoas no serviço público
civil, segundo sexo
Brasil, 2002/2003
(em%)
Brasil (20 a 69 anos)
Serviço Público Civil
Mulheres
43%
Mulheres
45%
Mulheres
52%
Homens
48%
PEA (20 a 69 anos)
Homens
55%
Homens
57%
Fontes: IBGE, 2002, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em microdados;
MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Enquanto para cada mulher de 20 a 69 anos há 0,9 homem, para
cada servidora pública há 1,2 servidor. Embora tal situação configure um
déficit na representação das mulheres no serviço público civil em relação à
proporção em que se apresentam na população, há que se considerar que a
proporção de mulheres no serviço público civil é ligeiramente superior à
parcela feminina da PEA, em que há 1,3 homem para cada mulher.
A situação delineada pelas proporções exibidas no gráfico 1 leva
automaticamente à seguinte questão: qual é o referencial correto para se
aferir a representação das mulheres no serviço público civil? A população da
mesma faixa etária dos servidores ou a PEA? O controle da faixa etária parece
auto-justificável, mas o que dizer da situação de atividade econômica?
A diferença da proporção de mulheres na população em geral e na PEA se
deve ao fato de que a taxa de participação das mulheres é menor do que a
dos homens: para a faixa etária considerada, a delas é de 55,4% e a deles de
83%. Essa enorme diferença se deve ao fato de que os papéis de gênero
atribuídos a homens e mulheres são distintos, principalmente no que toca
ao tipo de trabalho. Nas sociedades ocidentais nos últimos dois ou três
séculos, as mulheres ficaram tradicionalmente limitadas ao trabalho
doméstico e aos homens cabia a total responsabilidade de prover o sustento
do grupo familiar por intermédio do trabalho fora de casa. Tal situação,
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
51
GRPE • OIT
porém, vem se alterando ao longo do tempo, principalmente a partir da
segunda metade do século XX.
As causas dessas mudanças não interessam no presente estudo, pois
existe uma extensa literatura sobre o assunto que não cabe aqui revisar.
Entretanto, é preciso definir se a referência para averiguar a representação
das mulheres no serviço público civil deve ser toda a população com a mesma
faixa etária daquela em que estão os servidores públicos ou somente a
população que trabalha ou procura trabalho – pois os servidores são pessoas
que trabalham e que em algum momento, antes do seu ingresso, procuraram
trabalho. Se o trabalho doméstico também é considerado um tipo de
trabalho, cuja importância é muito maior que a tradicionalmente atribuída
a ele, poderia ser apropriado considerar toda a população da mesma faixa
etária, pois a não-atividade econômica da maioria dessas mulheres se deve
ao fato de que elas estão exercendo papéis de mães e donas de casa – seriam
também trabalhadoras e, portanto, servidoras públicas em potencial. Por
outro lado, se é considerado que essas pessoas não estão procurando trabalho,
tampouco trabalhando, fora da esfera doméstica – casos em que seriam
parte da PEA – e que o servidor público é uma pessoa que está trabalhando
em uma atividade não-doméstica e em algum momento tomou providências
para trabalhar como servidor, pareceria mais acertado considerar a PEA
como referência. Como a resposta a essas questões é muito difícil, optou-se
por apresentar sempre os dois padrões de referência.
Realizando o mesmo procedimento para a composição racial,
agregando pretos ou pardos para a formação do grupo de negros, indígenas
e amarelos sob a chancela «outros», pode-se gerar representações gráficas da
composição racial da população, da PEA e do serviço público civil. No caso
dos negros, o problema de se escolher a população de referência para aferir
a representatividade não aflora, pois as taxas de participação de negros e
brancos são praticamente idênticas e, por conseguinte, também as proporções
em que se apresentam na população e na PEA.
Todavia, é possível perceber que a configuração da representação
dos grupos raciais definidos no serviço público civil é distinta da configuração
das populações de referência. Na faixa etária considerada, há 1,2 pessoa
branca para cada indivíduo negro, praticamente a mesma razão observada
na PEA. Mas no serviço público civil, há 1,8 branco para cada negro.
O gráfico 4 ilustra as proporções em que os grupos raciais se apresentam
nas três populações consideradas.
52
CADERNO GRPE • [2]
GRÁFICO 4
População de 20 a 69 anos, PEA e pessoas no serviço público
civil, segundo raça
Brasil, 2002/2003
(em%)
Brasil (20 a 69 anos)
Serviço Público Civil
Negros
44%
Brancos
55%
Outros
1%
PEA (20 a 69 anos)
Negros
45%
Negros
35%
Brancos
63%
Outros
2%
Brancos
54%
Outros
1%
Fontes: IBGE, 2002, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em microdados;
MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Sexo e raça não são atributos estanques, interagem concorrendo
com outros fatores para a determinação de uma série de aspectos da vida
dos indivíduos. Cumpre então investigar a representação no serviço público
civil dos grupos formados pelas combinações possíveis dessas características.
O gráfico 5 exibe as proporções em que os grupos formados pelo
entrecruzamento dessas duas dimensões se apresentam nas três populações
consideradas.
GRÁFICO 5
População de 20 a 69 anos, PEA e pessoas no serviço público
civil, segundo sexo e raça
Brasil, 2002/2003
(em%)
Brasil (20 a 69 anos)
Homens
Brancos
26%
Homens
Negros
22%
Serviço Público Civil
Homens
Brancos
35%
Homens
Negros
19%
PEA (20 a 69 anos)
Homens
Brancos
30%
Homens
Negros
26%
Outros
1%
Outros
1%
Outros
2%
Mulheres
Negras
22%
Mulheres
Brancas
29%
Mulheres
Negras
15%
Mulheres
Brancas
29%
Mulheres
Negras
19%
Mulheres
Brancas
24%
Fontes: IBGE, 2002, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em microdados;
MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
53
GRPE • OIT
Se é tomada como referência a proporção de cada grupo na
população brasileira de 20 a 69 anos, o grupo com maior grau de subrepresentação no serviço público civil seria o das mulheres negras. Entretanto,
se a referência é a população economicamente ativa de 20 a 69 anos, os
homens negros teriam maior grau de sub-representação no serviço público
civil.
Por sub-representação deve-se entender a situação em que a proporção
de pessoas de um grupo na população de interesse, no caso o serviço público
civil, é inferior à proporção observada nas populações de referência, a
população brasileira de 20 a 69 anos ou a PEA da mesma faixa de idade. Já
a situação contrária, aquela em que a proporção de um grupo na população
de interesse é superior à observada nas populações de referência, é designada
sobre-representação. Logicamente, se as proporções em que um grupo se
apresenta na população de interesse e na população de referência são iguais
ou muito próximas, a representação é considerada adequada.
Os homens brancos estão sobre-representados no serviço público
civil qualquer que seja a referência. Com as mulheres brancas, uma dinâmica
interessante é observável: se a referência é a população em geral, estão
ligeiramente sub-representadas (tão pouco, que no gráfico as proporções
arredondadas para o número inteiro mais próximo são idênticas – 29%); se
a referência é a população economicamente ativa, estão sobre-representadas.
Para conferir um referencial analítico que permita avaliar a intensidade da
sub-representação ou da sobre-representação, calculou-se um indicador
simples, referido como «S», cujo valor varia entre –1 e +1. A descrição do
indicador pode ser encontrada no Apêndice III. O indicador «S» é positivo
quando um grupo está sobre-representado e negativo quando está sub-representado.
GRÁFICO 6
Indicador «S» de sub ou sobre-representação no serviço público
civil dos grupos definidos pelo entrecruzamento de sexo e raça,
tendo como referência a população brasileira de 20 a 69 anos e
a população economicamente ativa de 20 a 69 anos
Brasil, 2002/2003
Referência: PEA (20 a 69 anos)
Referência: Brasil (20 a 69 anos)
1,00
0,75
1,00
0,75
0,50
0,25
0,50
0,25
0,21
0,00
-0,25
-0,50
-0,08
-0,01
-0,23
-0,75
-1,00
0,12
0,10
0,00
-0,25
-0,50
-0,11
-0,19
-0,75
-1,00
Homens
Brancos
Homens
Negros
Mulheres
Brancas
Mulheres
Negras
Homens
Brancos
Homens
Negros
Mulheres
Brancas
Mulheres
Negras
Fontes: IBGE, 2002, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em microdados;
MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
54
CADERNO GRPE • [2]
A análise dos resultados de «S» para os dois grupos de referência
revela como a interação entre os atributos sexo e raça é extremamente
relevante. Viu-se que a permeabilidade do serviço público civil para as
mulheres era maior do que a da PEA, mas ainda assim elas estavam subrepresentadas se era considerada a proporção delas na população global de
20 a 69 anos. Porém, quando as mulheres são subdivididas em negras e
brancas, o quadro continua válido para as primeiras, mas não para as últimas.
De fato, se a referência é a população global, o grau de sub-representação
das mulheres brancas é tão ínfimo que se poderia concluir pela adequação
da representação do grupo; se a referência é a PEA, estão sobre-representadas.
E quando a referência é a participação dos homens na PEA, que é é maior
do que a das mulheres, o grupo com maior déficit de representação passa a
ser o dos homens negros, em vez do grupo das mulheres negras. De qualquer
forma, parece bem caracterizado, até este ponto, que a raça é um fator mais
importante que o sexo na determinação da sub-representação dos grupos
no serviço público civil, independentemente da população tomada como
referência. É o que se depreende do gráfico 6.
Todavia, ao se olhar para o serviço público civil como um todo, o
diagnóstico pode ser precipitado. Considerando-se que os concursos para o
ingresso no serviço público civil são relativamente recentes, pois sua
obrigatoriedade foi estabelecida pela Constituição de 1988, talvez o déficit
de representação dos homens negros e das mulheres negras possa na verdade
estar se reduzindo para as coortes de ingresso mais recente, situação em que
haveria um balanceamento das proporções para os servidores com menos
tempo de serviço. Assim, a sub-representação constatada poderia ser
produzida por composição, pelo fato de os servidores que ingressaram há
mais tempo não terem sido selecionados segundo critérios de «mérito»
(concurso), o que teria favorecido as pessoas brancas no passado,
especialmente os homens. Portanto, é imprescindível levar em consideração
o tempo de serviço como uma terceira variável, a fim de averiguar se a
tendência no serviço público civil é de redução, estabilidade ou de ampliação
da representação de homens negros e mulheres negras no serviço público.
Torna-se necessário, então, apresentar a distribuição dos servidores
segundo o tempo de serviço. As freqüências relativas e as freqüências relativas
acumuladas de servidores ativos por ano de ingresso no serviço público civil
podem ser conferidas no gráfico 7. A primeira abordagem mostra a
porcentagem dos servidores na ativa que ingressaram em um determinado
ano e a segunda revela a porcentagem acumulada daqueles que entraram
até um ano qualquer. Por exemplo, tem-se que 6% dos servidores ativos em
2003 ingressaram no serviço público civil em 1984 e que 45% deles entraram
até 1984.
Um ponto a ser considerado na análise da distribuição dos servidores
por ano de ingresso no serviço público civil é a irregularidade temporal da
contratação de servidores. Sendo raros aqueles com mais de 30 anos de
serviço (ingresso anterior a 1973), nota-se que a maior parte dos servidores
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
55
GRPE • OIT
atualmente ativos (62%) entrou no serviço público civil até 1990, ano de
promulgação do Regime Jurídico Único. Arbitrando-se um nível de ingresso
anual de 3% para identificar os períodos em que as contratações foram
mais intensas, é possível perceber dois períodos específicos: de 1979 a 1987,
quando foram contratados 44% dos servidores ativos em 2003; e de 1993 a
1996, quando foram contratados 17% dos ativos em 2003. Isso não quer dizer
que esses foram os períodos com maior contratação da história, apenas que
foram épocas em que se contratou grandes parcelas dos servidores em atividade.
GRÁFICO 7
Freqüência relativa singular e acumulada por ano de ingresso no
serviço público civil
Brasil, 2003
(em%)
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Dado o reduzido percentual de servidores com 30 ou mais anos de
serviço, serão considerados, nos passos analíticos subseqüentes, apenas
aqueles com até 29 anos de serviço, divididos em três grandes grupos61 : de 0
a 9 anos, servidores que ingressaram de 1994 a 2003; 10 a 19 anos, ingresso
de 1984 a 1993; e 20 a 29 anos, ingresso de 1974 a 1983.
61
Os grupos de tempo de serviço têm que ser amplos por causa da irregularidade do ingresso. É consensual considerar que o serviço público
civil se beneficiaria de uma política de pequenos concursos realizados mais freqüente e periodicamente. Selecionar poucos entre muitos
candidatos implica selecionar os melhores, enquanto a seleção de muitos aumenta a probabilidade de ingresso de candidatos menos
preparados. Além do problema da qualidade dos selecionados, a irregularidade prejudica a estruturação das carreiras. O Plano Diretor da
Reforma do Estado menciona esse problema da irregularidade dos concursos em sua seção 4.3, dedicado aos recursos humanos: «Os
concursos públicos, por outro lado, são realizados sem nenhuma regularidade e avaliação periódica da necessidade de quadros, fato que leva à admissão de
um contingente excessivo de candidatos a um só tempo, seguida de longos períodos sem uma nova seleção, o que inviabiliza a criação de verdadeiras
carreiras» .
56
CADERNO GRPE • [2]
O gráfico 8 exibe a proporção de homens e mulheres em cada um
desses grupos definidos pelo tempo de serviço. A despeito da ligeira redução
de dois pontos percentuais na proporção de mulheres para o grupo de
ingresso mais recente, há um aumento de três pontos na transição do grupo
mais antigo para o intermediário. Essa situação permite concluir pela
estabilidade da razão entre os sexos no serviço público civil de 1974 a 2003,
ou seja, dadas as evidências, não há tendência definida de redução ou de
aumento da representação da população feminina.
GRÁFICO 8
Pessoas no serviço público civil, segundo sexo e tempo de serviço
Brasil, 2002/2003
(em%)
20 a 29 anos - 1974/1983
Mulheres
45%
10 a 19 anos - 1984/1993
0 a 9 anos - 1994/2003
Mulheres
46%
Mulheres
48%
Homens
52%
Homens
55%
Homens
54%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
O mesmo não pode ser dito sobre a população negra. Conforme
está representado no gráfico 9, a proporção de negros apresenta uma ligeira
redução quando se passa do grupo dos servidores com 20 a 29 anos de
serviço ao grupo daqueles que ingressaram entre 1984 e 1993. Essa redução
é de 4,8%. Mas, ao se passar do grupo de 10 a 19 anos de trabalho para o de
ingresso mais recente, a redução é de 24,7%.
GRÁFICO 9
Pessoas no serviço público civil, segundo raça e tempo de serviço
Brasil, 2002/2003
(em%)
20 a 29 anos - 1974/1983
10 a 19 anos - 1984/1993
Negros
28%
Negros
37%
Negros
39%
Brancos
61%
0 a 9 anos - 1994/2003
Brancos
63%
Brancos
72%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
57
GRPE • OIT
Essa configuração de relativa estabilidade na proporção de mulheres
e de redução da proporção de negros, ao se considerar progressivamente
grupos de servidores de ingresso mais recente, sugere que a dinâmica temporal
da representação dos grupos formados pelo entrecruzamento de sexo e raça
deve ser distinta. De fato, é o que ocorre, como representado no gráfico10.
GRÁFICO 10
Pessoas no serviço público civil, segundo sexo, raça
e tempo de serviço
Brasil, 2002/2003
20 a 29 anos - 1974/1983
Homens
Brancos
34%
Mulheres
Negras
18%
Homens
Negros
21%
Mulheres
Brancas
27%
10 a 19 anos - 1984/1993
Homens
Brancos
32%
Mulheres
Negras
17%
Homens
Negros
20%
Mulheres
Brancas
31%
(em%)
0 a 9 anos - 1994/2003
Homens
Brancos
40%
Mulheres
Negras
12%
Homens
Negros
15%
Mulheres
Brancas
33%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Nota-se que a estabilidade da representação feminina é falaciosa.
Na verdade, a representação das mulheres brancas apresenta uma nítida
tendência de crescimento, enquanto a proporção das mulheres negras
decresce. O mesmo ocorre quando se consideram os homens: a proporção
de brancos aumenta enquanto a de negros diminui.
Entretanto, seria precipitado concluir, nesse ponto, por um aumento
da refratariedade do serviço público civil ao ingresso de pessoas negras. Ao
se introduzir a educação na análise – o que será feito a seguir – o quadro
mudará sensivelmente, fornecendo uma boa explicação para essas tendências.
Todavia, antes de introduzir esse fator, convém sumarizar os resultados da
investigação até aqui, tendo em mente que somente raça, sexo e tempo de
serviço foram considerados:
?homens negros e mulheres negras se encontram sub-representados
no serviço público civil, seja a referência a proporção deles na
população de 20 a 69 anos ou na PEA;
?se a referência for a PEA, o grupo dos homens negros tem o maior
déficit de representação; se a população de 20 a 69 anos é referência,
o grupo mais sub-representado é o das mulheres negras;
?mulheres brancas estão adequadamente representadas se a referência
é a população de 20 a 69 anos e sobre-representadas se a referência
é a PEA;
?É ao grupo dos homens brancos que o serviço público civil apresenta
maior permeabilidade, seja qual for a referência;
58
CADERNO GRPE • [2]
?A representação das mulheres brancas e dos homens brancos tem
aumentado ao se considerar os servidores de ingresso mais recente,
às expensas da redução da representação dos homens negros e das
mulheres negras.
4.1.2 Introduzindo o fator educação na análise de representação
O Regime Jurídico Único (RJU) é bem claro no que toca à
escolaridade: os postulantes a um cargo público devem tê-la compatível com
a requerida pelo cargo em tela62 . É fundamental, portanto, caracterizar os
perfis de escolaridade dos grupos de servidores, pois os processos seletivos
(concursos) para ingresso no serviço público civil invariavelmente têm a
escolaridade como elemento de distinção dos candidatos, pois há carreiras
de nível médio e de nível superior. Assim, os dados a serem apresentados
nesta seção contribuirão para lançar mais luzes sobre o problema da aparente subrepresentação das pessoas negras, o qual emergiu da investigação até aqui conduzida.
Embora atualmente o nível médio de escolaridade seja, via de regra,
o mínimo exigido para ingresso no serviço público civil, no passado foram
contratados servidores públicos analfabetos, alfabetizados de baixíssima
escolaridade e pessoas com apenas o ensino fundamental. Alguns desses servidores
com pouca escolaridade permanecem na ativa, mas ainda assim o serviço público
civil tem um quadro funcional altamente escolarizado. Isso pode ser visto no gráfico
11, que exibe a distribuição das pessoas por categoria de escolaridade na
população brasileira de 20 a 69 anos, no serviço público civil e na PEA.
GRÁFICO 11
Pessoas segundo categoria de escolaridade na população
brasileira de 20 a 69 anos, no serviço público civil e na
População Economicamente Ativa
Brasil, 2002/2003
(em%)
100
90
Brasil (20 a 69 anos)
80
Serviço Público Civil
70
PEA (20 a 69 anos)
60
51
50
43
41
40
30
30
20
26
24
15
14
12
10
7
10
0
1
2
9
8
7
1
0
Analfabeto
Alfabetizado sem
curso regular
Fundamental
incompleto
Fundamental
Médio
Superior
Fontes: IBGE, 2002, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em microdados;
MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
62
Artigo 5º, Inciso IV da Lei 8.112, de 11/12/1990.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
59
GRPE • OIT
A proporção de pessoas de nível superior no serviço público civil
(51%) é tão elevada a ponto de os quase 300 mil servidores representarem
aproximadamente 5% da PEA de 20 a 69 anos com esse grau de escolaridade
(cerca de de 6 milhões de pessoas em 2002). Somados, os servidores com
nível superior e médio representam 82% do funcionalismo, enquanto as
pessoas com esses níveis de escolaridade são apenas 30% da população de
20 a 69 anos e 34% da PEA. Por ser relativamente reduzida a proporção de
servidores cujo nível de escolaridade é inferior ao fundamental (9%), optouse por trabalhar apenas com três níveis de escolaridade: superior, médio e
fundamental ou menor. Essa última categoria agrega os servidores de
escolaridade inferior ao nível fundamental – para simplificar a exposição,
será designada apenas fundamental.
Antes de prosseguir com a análise da escolaridade dos servidores,
faz-se necessária uma pequena digressão para estudar a relação dela com
dois outros fatores: idade e tempo de serviço. O tempo de serviço, que para
os servidores ativos em abril de 2003 era em média 16 anos, em média, varia
pouco segundo a raça e menos ainda segundo o sexo. Isso é perceptível nos
resultados já apresentados, que revelaram uma maior permeabilidade do
serviço público civil ao ingresso de homens brancos e mulheres brancas. No
serviço público civil, homens brancos têm, em média, 16 anos de serviço;
mulheres brancas, 15 anos; homens negros e mulheres negras, 17 anos. Tais
médias obscurecem distribuições distintas: enquanto 45% dos homens
brancos e das mulheres brancas têm tempo de serviço inferior a 16 anos,
apenas 38% dos homens negros e 36% das mulheres negras estão nessa
faixa de tempo.
Como seria de se esperar, o tempo de serviço está intrinsecamente
relacionado com a idade, pois será sempre uma fração dela: por definição, é
a diferença entre a idade atual do servidor e a idade de ingresso 63 no serviço
público civil. Regredindo simplesmente o tempo de serviço em dependência
da idade, tem-se que a variação da última explica 26% da variância do
primeiro. Parece pouco, mas isso se deve ao fato de que, por razões lógicas,
os servidores que têm mais tempo ingressaram mais jovens. Para permanecer
50 anos no serviço público civil, é preciso ter ingressado com 20 anos ou
menos, pois aos 70 anos o servidor é aposentado compulsoriamente. E, por
outro lado, a maior exigência de nível superior nos concursos mais recentes
e a valorização, em muitos desses concursos, tanto de títulos de pós-graduação
e especializações, como da experiência profissional prévia, fazem com que
as pessoas tendam a ingressar no serviço público civil um pouco mais velhas
do que no passado. A tabela 1 ilustra a idade média de ingresso e a atual dos
servidores segundo faixas de tempo de serviço para cada um dos grupos
formados por sexo e raça.
63
60
A data de referência para o cálculo dessa idade é 31 de dezembro do ano de ingresso
CADERNO GRPE • [2]
TABELA 1
Idades médias de ingresso e atual dos servidores segundo sexo,
raça e tempo de serviço
Brasil, 2003
(em anos completos)
Idade de Ingresso no Serviço Público Civil
Homens
Tempo de Serviço
Idade Atual (31/12/2003)
Mulheres
Homens
Mulheres
Brancos
Negros
Brancas
Negras
Brancos
Negros
Brancas
Negras
0 a 9 anos
36
36
36
36
41
42
41
42
10 a 19 anos
31
31
30
30
46
46
45
46
20 a 29 anos
28
27
27
27
51
50
50
50
30 ou + anos
25
25
25
26
59
58
59
58
Média global
31
30
31
30
47
48
46
47
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Homens e mulheres de ambas as raças apresentam praticamente as
mesmas médias de idade, de ingresso e atual, global ou por faixas de tempo
de serviço. O conhecimento prévio de que a composição racial varia com o
tempo de serviço aumentando a proporção de mulheres brancas e de homens
brancos sugere, portanto, que os quatro grupos tenham perfis etários pouco
diferenciados. Se as pessoas têm ingressado mais velhas no serviço público
civil, mas aproximadamente na mesma idade, e a permeabilidade aos homens
negros e às mulheres negras tem-se reduzido, a composição dessas tendências
produzirá perfis etários semelhantes. É exatamente o que se pode depreender
do gráfico 12, que apresenta a freqüência relativa acumulada dos servidores
dos quatro grupos segundo faixas etárias qüinqüenais.
GRÁFICO 12
Freqüência relativa acumulada segundo o sexo e a raça por
grupos etários qüinqüenais
Brasil, 2003
(em%)
100
Homens Brancos
90
Mulheres Brancas
80
Homens Negros
70
Mulheres Negras
60
50
40
30
20
10
0
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 39
40 a 44
45 a 49
50 a 54
55 a 59
60 a 64
65 a 69
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
61
GRPE • OIT
O perfil etário dos homens brancos e dos homens negros é
praticamente indistinguível, sendo as mulheres brancas as únicas que têm
um perfil levemente distinto e mais jovem, o que se coaduna com sua menor
idade média. As mulheres negras são ligeiramente mais jovens que os homens,
mas pouco menos que as mulheres brancas.
A idade média de ingresso dos servidores de nível médio de
escolaridade é inferior à dos servidores de nível superior, respectivamente
29 e 31 anos. Tal situação produz um efeito interessante: na medida em que
se tomam os servidores mais jovens, o nível de escolaridade global aumenta,
principalmente devido à redução drástica da proporção de servidores com
escolaridade fundamental ou menor. Mas no grupo mais jovem (20 a 29
anos), a proporção de pessoas de nível superior é ligeiramente menor do
que no grupo acima (30 a 39 anos) e a proporção de nível médio é bem
elevada. Essa dinâmica global é representada no gráfico 13 e vale para homens
e mulheres, negros e brancos, razão pela qual não se apresentará esse gráfico
com a adição das variáveis sexo e raça. O padrão provavelmente se deve ao
duplo fato de que os concursos mais recentes têm exigido ao menos o nível
médio e de que as pessoas com nível superior ingressam no serviço público
civil com mais idade que as de nível médio.
GRÁFICO 13
Distribuição dos servidores por níveis de escolaridade segundo
grupos etários
Brasil, 2003
(em%)
40 a 49 anos
50 ou mais anos
Superior
50%
Superior
50%
Fund.
16%
Fund.
27%
Médio
34%
Médio
23%
30 a 39 anos
Superior
56%
20 a 29 anos
Fund.
9%
Superior
54%
Médio
35%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
62
Fund.
2%
Médio
44%
CADERNO GRPE • [2]
Mas ao observar a escolaridade segundo faixas de tempo de serviço,
uma tendência inequívoca se delineia: quanto menor é o tempo de serviço,
maior é a escolaridade. Essa tendência pode ser vista claramente no gráfico
14. É interessante ainda notar que a proporção de servidores de nível médio
gira estavelmente em torno de 30%, exceto para os servidores com 30 ou
mais anos de serviço. Assim, o aumento do nível global de escolaridade se
dá pela redução dos servidores com escolaridade fundamental ou inferior,
com o acréscimo correspondente na porcentagem de servidores com nível superior.
GRÁFICO 14
Distribuição dos servidores por níveis de escolaridade segundo
faixas de tempo de serviço
Brasil, 2003
(em%)
30 ou mais anos
20 a 29 anos
Superior
47%
Superior
43%
Fund.
23%
Fund.
33%
Médio
24%
Médio
30%
10 a 19 anos
0 a 9 anos
Superior
50%
Fund.
19%
Superior
61%
Fund.
9%
Médio
30%
Médio
31%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Todas as informações apresentadas até este ponto levam a crer que,
no serviço público civil, os homens brancos tem um perfil de escolaridade
muito próximo ao das mulheres brancas, todavia distinto do perfil dos
homens negros e mulheres negras, estes também provavelmente semelhantes
entre si. Efetivamente, é o que acontece, com uma ressalva: a proporção de
mulheres, brancas ou negras, com nível fundamental é sempre inferior à
dos homens do grupo racial correspondente. E, por composição, a
porcentagem de mulheres com nível médio e superior é sempre mais elevada
que a dos homens. Mas há que se ressalvar que a proporção de mulheres
brancas e homens brancos com nível superior é muito próxima. Na proporção
daqueles com nível médio, há uma grande diferença entre os perfis de
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
63
GRPE • OIT
escolaridade desses dois grupos. Isso pode ser visto como um produto do
aumento da permeabilidade do serviço público civil às mulheres brancas e
do maior grau de escolaridade dos servidores que ingressaram em períodos
mais recentes. São dois fatores inter-relacionados, pois essa maior
permeabilidade às mulheres brancas é, em algum grau, resultante de uma
maior preferência por servidores de nível superior.
GRÁFICO 15
Distribuição dos servidores por níveis de escolaridade segundo
grupos de sexo e raça
Brasil, 2003
Mulheres
Homens
Fund.
14%
Superior
52%
Superior
51%
Fund.
22%
Médio
34%
Médio
27%
Negros
Brancos
Fund.
29%
Superior
33%
Fund.
13%
Superior
61%
Médio
26%
Médio
38%
Mulheres Negras
Fund.
22%
Superior
35%
Homens Negros
Superior
32%
Médio
43%
Fund.
34%
Médio
34%
Mulheres Brancas
Homens Brancos
Fund.
10%
Superior
61%
Fund.
15%
Superior
61%
Médio
29%
Médio
24%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Já comparando-se as mulheres negras com os homens negros,
constata-se facilmente a maior escolaridade delas, traduzida em uma
porcentagem maior daquelas com nível médio e superior. O gráfico 15
64
CADERNO GRPE • [2]
autoriza essas conclusões, apresentando a distribuição por nível de
escolaridade de todos esses grupos: homens, mulheres, negros, brancos,
mulheres negras, mulheres brancas, homens negros e homens brancos.
GRÁFICO 16
Distribuição dos servidores por níveis de escolaridade segundo
faixas de tempo de serviço e grupos de sexo e raça
Brasil, 2003
(em%)
Homens Brancos
Mulheres Brancas
100
75
100
55%
67%
Superior
50
75
58%
67%
Superior
50
19%
25%
Médio
25
25%
Médio
25
Fundamental
0
30 ou + anos
20 a 29 anos
10 a 19 anos
0 a 9 anos
0
30 ou + anos
Homens Negros
28%
Fundamental
20 a 29 anos
10 a 19 anos
0 a 9 anos
Mulheres Negras
100
100
20%
30%
Superior
44%
75
Superior
45%
75
29%
Médio
50
50
41%
Médio
37%
25
43%
25
Fundamental
0
30 ou + anos
20 a 29 anos
10 a 19 anos
Fundamental
0 a 9 anos
0
30 ou + anos
20 a 29 anos
10 a 19 anos
0 a 9 anos
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Ao analisar o tempo de serviço, é possível perceber que o aumento
da escolaridade segundo esse fator é algo que ocorre com intensidade distinta
para os negros e os brancos, sendo bem mais acentuado para os primeiros.
No caso dos homens negros, a proporção daqueles com nível superior entre
os servidores de menor tempo de serviço é mais que o dobro da verificada
entre os com mais tempo. Mesmo assim, os pontos de partida dos grupos
são tão diferentes que a defasagem de escolaridade dos negros em relação
aos brancos se mantém, ainda que mitigada. Homens negros e mulheres
negras se parecem, embora a proporção de mulheres negras com escolaridade
fundamental seja inferior. Essa mesma distinção pode ser observada entre
homens brancos e mulheres brancas. O gráfico 16 ilustra esses pontos.
As diferenças expostas até este ponto caracterizam a existência de
desvantagens educacionais dos servidores negros. Sejam homens ou
mulheres, o percentual de negros com nível superior, embora venha
aumentando em ritmo mais acelerado, é menor que o de brancos. Isso
acontece porque o serviço público civil não é um mundo à parte. É um
nicho particular do mercado de trabalho e sua situação interna parece apenas
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
65
GRPE • OIT
refletir as desvantagens educacionais da população negra em geral. As
diferenças observadas entre negros e brancos e entre homens e mulheres no
serviço público civil podem não se dever simplesmente à existência de
preferências ocultas nos processos de recrutamento ou a um racismo
institucional se manifestando nos resultados dos concursos, mas à reprodução
da situação da sociedade como um todo, que gera relativamente menos
pessoas negras com nível médio e superior que pessoas brancas, fato
comprovado pelos indicadores de educação da população brasileira
desagregados por raça64 .
GRÁFICO 17
Distribuição dos grupos de sexo e raça por níveis de escolaridade
na população brasileira de 20 a 69 anos, no serviço público civil
e na população economicamente ativa
Brasil, 2002/2003
Nível Fundamental
Brasil (20 a 69 anos)
Homens
Brancos
24%
Homens
Negros
26%
Serviço Público Civil
Homens
Brancos
29%
Outros
0%
Homens
Negros
36%
Mulheres
Brancas
25%
Mulheres
Negras
18%
Homens
Brancos
29%
Homens
Negros
32%
Outros
0%
Outros
2%
Mulheres
Negras
25%
PEA (20 a 69 anos)
Mulheres
Brancas
15%
Mulheres
Negras
20%
Mulheres
Brancas
19%
Nível Médio
Brasil (20 a 69 anos)
Homens
Brancos
29%
Homens
Negros
15%
Outros
1%
Mulheres
Negras
19%
Serviço Público Civil
Homens
Brancos
27%
Homens
Negros
22%
Outros
1%
Mulheres
Brancas
36%
Mulheres
Negras
22%
PEA (20 a 69 anos)
Homens
Brancos
32%
Homens
Negros
17%
Outros
1%
Mulheres
Brancas
28%
Mulheres
Negras
18%
Mulheres
Brancas
32%
Nível Superior
Brasil (20 a 69 anos)
Homens
Brancos
37%
Homens
Negros
7%
Outros
2%
Mulheres
Negras
9%
Mulheres
Brancas
45%
Serviço Público Civil
Homens
Brancos
40%
Outros
2%
Mulheres
Negras
11%
Homens
Negros
12%
Mulheres
Brancas
35%
PEA (20 a 69 anos)
Homens
Brancos
39%
Outros
2%
Mulheres
Negras
9%
Homens
Negros
7%
Mulheres
Brancas
43%
Fontes: IBGE, 2002, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em microdados;
MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
64
66
Vide, por exemplo, Shicaso (2002), ou o Atlas Racial do PNUD, disponível em www.pnud.org.br.
CADERNO GRPE • [2]
O gráfico 17 apresenta as proporções de homens brancos, homens
negros, mulheres brancas e mulheres negras em cada uma das sub-populações
definidas pelo nível de escolaridade na população brasileira de 20 a 69 anos,
no serviço público civil e na PEA.
GRÁFICO 18
Indicador «S» de sub ou sobre-representação no serviço público
civil dos grupos de sexo e raça por níveis de escolaridade, tendo
como referência a população brasileira de 20 a 69 anos e a
população economicamente ativa de 20 a 69 anos
Brasil, 2002/2003
Referência: Brasil (20 a 69 anos)
1,00
0,75
0,50
0,24
0,25
0,28
0,21
0,14
0,10
0,09
0,08
0,00
-0,04
-0,25
-0,19
-0,19
-0,20
-0,32
-0,50
-0,75
-1,00
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Mulheres
Negras
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Fundamental
Homens
Negros
Mulheres
Negras
Homens
Brancos
Médio
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Mulheres
Negras
Superior
Referência: PEA (20 a 69 anos)
1,00
0,75
0,50
0,25
0,25
0,14
0,09
0,00
0,13
0,08
0,05
0,00
-0,05
-0,14
-0,25
-0,12
-0,10
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
-0,16
-0,50
-0,75
-1,00
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Fundamental
Mulheres
Negras
Homens
Negros
Médio
Mulheres
Negras
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Mulheres
Negras
Superior
Fontes: IBGE, 2002, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em microdados;
MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
67
GRPE • OIT
As conclusões globais que podem ser tiradas a partir do gráfico 17 se
tornam mais claras se o indicador «S» é calculado para cada um dos grupos
definidos por gênero e raça no serviço público civil tendo como referência
os grupos correspondentes na população de 20 a 69 anos e na PEA. O
resultado é apresentado no gráfico 18.
Primeiramente, toma-se como referência a proporção em que os
grupos se apresentam na população brasileira de 20 a 69 anos dividida
conforme os três níveis definidos de escolaridade. Convém lembrar que
nesse caso as diferenças entre homens e mulheres refletem, em algum grau,
as distintas taxas de participação no mercado de trabalho. Então,
considerando o nível fundamental, tem-se que os homens estão sobrerepresentados e as mulheres sub-representadas no serviço público civil.
Brancos estão menos representados que negros. Assim, por composição,
homens brancos e negros estão sobre-representados, os últimos mais que os
primeiros; e mulheres brancas e negras estão sub-representadas, as primeiras,
mais do que as últimas. Em outras palavras, tendo como referência a
população de 20 a 69 anos com nível fundamental de escolaridade, entre os
servidores, também de escolaridade fundamental, existem mais homens e
negros e, por composição, a defasagem de mulheres negras é menos intensa
que a de mulheres brancas.
Considerando o nível médio, ainda tendo como referência a
população de 20 a 69 anos, percebe-se que a distinção mais importante
nesse grau de escolaridade é por raça e não por sexo, como no fundamental.
Os negros estão sobre-representados e os brancos sub-representados. As
mulheres estão menos representadas que os homens. Portanto, o grupo mais
sobre-representado dentre os servidores de nível médio seria o dos homens
negros, seguidos pelas mulheres negras; homens brancos e mulheres brancas
estão sub-representados, estas mais do que aqueles.
Resumindo, se a referência é a população brasileira de 20 a 69 anos,
poderia se dizer que o serviço público civil parece ter uma «preferência»
principal por homens e secundária por negros para servidores de nível
fundamental; e uma «preferência» principal por negros e secundária por
homens para servidores de nível médio.
Todavia, ao se considerar os servidores de nível superior, tem-se três
grupos sobre-representados, às expensas de apenas um sub-representado, as
mulheres brancas. Ainda assim, poderia se ver no serviço público civil uma
«preferência» mista por homens e por negros para os servidores de nível
superior. Em outras palavras, em relação à população de 20 a 69 anos com
escolaridade superior, percebe-se um excesso de servidores negros de nível
superior e um excesso de servidores homens. O excesso de servidoras negras
de nível superior é quase da mesma intensidade que o de homens brancos e
o grupo com maior intensidade de sobre-representação é, sem margem de
dúvida, o dos homens negros.
Por ser a População Economicamente Ativa (PEA) de 20 a 69 anos
dotada de um perfil mais escolarizado do que a população total de 20 a 69
68
CADERNO GRPE • [2]
anos e por descontar-se, ao tomá-la como referência, as diferentes taxas de
participação de homens e de mulheres, os valores de «S» passam a demonstrar,
em geral, menor intensidade de sub ou sobre-representação. Porém, as
conclusões permanecem praticamente as mesmas já apontadas. As únicas
ressalvas ficam por conta de que, com a PEA a servir de referência, os homens
brancos de nível fundamental deixam de ser sobre-representados para ficar
com uma representação quase balanceada; e no nível médio a «preferência» por
homens desaparece, passando a ser simplesmente uma «preferência» por negros.
Entre os servidores de nível superior, o quadro praticamente não ser altera quando
a referência deixa de se a população de 20 a 69 anos para ser a PEA.
Esses resultados são, a princípio, paradoxais, pois indicam que o
serviço público civil tem proporções maiores de homens negros e de mulheres
negras com níveis médio e superior, e maior de homens negros com nível
fundamental, do que as proporções observadas na população de 20 a 69
anos ou na PEA de cada nível de escolaridade, quando se sabe que as
proporções desses dois grupos, globalmente, são no serviço público civil
inferiores às da população de 20 a 69 anos e às da PEA (gráficos 5 e 6).
Entretanto, o imbróglio se desfaz ao se considerar as grandes diferenças
educacionais entre brancos e negros existentes em todas as populações
consideradas e também a distinção do perfil de escolaridade mais elevado
dos servidores públicos. É preciso levar em conta que se está comparando a
proporção dos grupos de raça e sexo dentro de cada nível de escolaridade,
como representado no gráfico 17. Assim, o menor contingente de servidores
de nível superior é formado pelas mulheres negras, mas o peso delas nesse
conjunto de servidores é relativamente maior do que entre os trabalhadores
da PEA e do que entre a população de 20 a 69 anos, o mesmo valendo para
os homens negros. Portanto, levando-se em consideração a escolaridade,
seriam as mulheres brancas, em especial as de nível superior, o grupo com
maior grau de sub-representação no serviço público civil.
Porém, viu-se anteriormente que a proporção das mulheres brancas
no serviço público civil tem aumentado e que a representação dos negros
tem diminuído ao se considerar os servidores de ingresso mais recente.
A comparação com a população de 20 a 69 anos e com a PEA não poderia
levar em consideração, por motivos óbvios, o tempo de serviço. Entretanto,
é possível, a partir do gráfico 19, comparar a distribuição dos servidores das
distintas faixas de tempo de serviço por grupos formados pelo
entrecruzamento de sexo, raça e nível de escolaridade.
Nota-se que os grupos de servidores de 20 a 29 e de 10 a 19 anos de
serviço têm perfis de escolaridade e pesos relativos muito semelhantes, exceto
os grupos de mulheres brancas. Vê-se, no gráfico 19, que nessa passagem há
uma pequena redução da participação dos servidores de nível fundamental
de todos os grupos, compensada pelo aumento da proporção de mulheres
brancas com nível superior.
Passando-se do grupo dos servidores de 10 a 19 anos de serviço para
o de ingresso mais recente, é possível perceber alterações maiores na
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
69
GRPE • OIT
distribuição dos servidores de acordo com o sexo, a raça e a escolaridade. A
tendência de redução do peso relativo das pessoas de nível fundamental se
confirma para todos os grupos, com porcentagens muito próximas, embora
distintas o suficiente para garantir a maior participação dos homens entre
os servidores com essa escolaridade. Por outro lado, aumenta a participação
de todos os grupos de servidores de nível superior, exceto o das mulheres
negras, que permanece constante. A intensidade do crescimento da
proporção de homens brancos com nível superior é quase o dobro da
intensidade do crescimento das proporções de homens negros e mulheres
brancas, estas últimas muito próximas.
GRÁFICO 19
Distribuição dos servidores por grupos de sexo, raça e
escolaridade segundo o tempo de serviço
Brasil, 2003
20 a 29 anos
34%
21%
27%
10 a 19 anos
18%
32%
20%
31%
(em%)
0 a 9 anos
17%
40%
15%
33%
12%
3
2
6
4
8
8
20
7
6
Homens
Brancos
5
3
8
9
10
9
8
15
7
19
6
Homens Mulheres Mulheres
Negros Brancas Negras
3
7
5
7
4
19
6
Homens
Brancos
Fundamental
2
26
7
6
6
7
Homens Mulheres Mulheres
Negros Brancas
Negras
Médio
22
5
6
Homens Homens Mulheres Mulheres
Brancos
Negros
Brancas Negras
Superior
Fontes: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
4.1.3 Conclusões da análise de representação
A análise de representação dos grupos populacionais formados pelas
dimensões raça e gênero revelaram alguns aspectos que podem parecer
surpreendentes a princípio Mas após a surpresa inicial, não só parecem
óbvios como alentadores. Começando pelos dois grupos contra os quais se
esperava encontrar as maiores cargas de discriminação, homens negros e
mulheres negras. Realmente, tais grupos se encontram sub-representados
no serviço público civil, seja a referência sua proporção na população de 20
a 69 anos ou na PEA. Mas isso vale apenas se é considerada simplesmente a
proporção de pessoas negras sem levar em conta os níveis de escolaridade.
Porém, o quadro muda completamente se são comparadas as
proporções condicionadas aos níveis de escolaridade – e eles não podem ser
desprezados, pois a legislação que regula as relações trabalhistas no serviço
público civil, o RJU, é incisiva quanto à necessidade de escolaridade
70
CADERNO GRPE • [2]
compatível com o cargo. Os homens negros estão sobre-representados entre
os servidores de nível fundamental, médio ou superior, seja a referência a
proporção deles na população de 20 a 69 anos ou na PEA de mesmo nível
de escolaridade. As mulheres negras estão sub-representadas entre os
servidores de nível fundamental, seja a referência a proporção delas na
população de 20 a 69 anos ou na PEA de mesmo nível de escolaridade. Mas
estão sobre-representadas entre os servidores de escolaridade média e
superior. E a sub-representação das mulheres negras entre os servidores de
nível fundamental parece se afigurar antes uma questão de gênero do que
de raça.
Sem considerar a escolaridade, as mulheres brancas estão
adequadamente representadas se a referência é a população de 20 a 69 anos
e sobre-representadas se a referência é a PEA. Mas, se a escolaridade for
considerada, as mulheres brancas passam a ser o grupo mais sub-representado
em todos os níveis de escolaridade, seja qual for a população de referência.
A única exceção acontece no caso dos servidores de nível médio comparados
à PEA, quando o grupo mais sub-representado passa a ser o dos homens brancos.
Curiosamente, ao se considerar a escolaridade, o grupo com
representação mais próxima da adequada em quase todas as situações
definidas pelas duas populações de referência e pelos três níveis de
escolaridade é o dos homens brancos. A exceção é a já mencionada subrepresentação entre os servidores de nível médio tomando-se a PEA como
referência.
A representação das mulheres brancas e dos homens brancos tem
aumentado ao se considerar os servidores de ingresso mais recente, às
expensas da redução da representação dos homens negros e das mulheres
negras. Essa tendência pode vir a contrapor a sobre-representação dos negros,
tornando a composição do serviço público civil por raça, por sexo e
condicionada aos níveis de escolaridade mais próxima à observada na PEA.
Essa composição é provocada pelo ingresso de homens brancos e mulheres
brancas de nível médio e superior concomitante à saída de servidores de
nível fundamental de ambos os sexos e de todos os grupos raciais.
Esses são os fatos estilizados que emergem da análise da representação
dos grupos populacionais considerados no serviço público civil. Entretanto,
deve-se ter em mente que, assim como o quadro mudou radicalmente com
a introdução da educação, a adição de outros fatores na análise, como
carreiras e outros aspectos do enquadramento funcional, aqui
desconsiderados, pode levar a novas descobertas sobre a representação dos
negros e das mulheres no serviço público civil.
4.2. As oportunidades de progredir na carreira
A forma mais correta de se estudar a eventual existência de diferenças
nas probabilidades e no ritmo de progressão funcional de negros e mulheres
no serviço público civil seria abordar o nível em que se encontravam as
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
71
GRPE • OIT
pessoas em suas carreiras, contrastando com o tempo de serviço. Todavia
são muitas, como já dito, as carreiras no serviço público civil e ainda haveria
um complicador adicional que são as revisões por que passaram algumas
delas. Futuros estudos poderão trilhar o caminho aberto pelo presente e ir
mais a fundo nessa questão.
Aqui optou-se, para contornar as dificuldades técnicas, por uma
abordagem indireta baseada em dois diferentes aspectos da carreira dos
servidores. O primeiro é a ocupação de cargos comissionados ou o exercício
de funções gratificadas. Como fora notado no Plano Diretor65 da Reforma
do Estado – em parte devido ao «achatamento» das carreiras – o fato da
diferença entre as remunerações dos que ingressam e dos que estão há muitos
anos na carreira ser atualmente muito reduzida – passou a haver uma espécie
de disputa dos servidores por cargos em comissão e funções gratificadas.
Dessa forma, conseguir um cargo ou uma função é, em certo sentido,
equivalente a uma promoção.
A investidura em cargos de direção e coordenação ou o desempenho
de funções gratificadas representa um acréscimo na remuneração do servidor,
tanto maior quanto mais elevados na hierarquia administrativa forem tais
cargos ou funções. No caso dos servidores que não estão enquadrados em
uma carreira específica que tenha sido criada ou reestruturada, mas na
defasada «carreira genérica» – o Plano de Cargos e Carreiras (PCC) –
conseguir um cargo ou função pode representar um acréscimo extremamente
substantivo no salário. Além disso, a ocupação de cargos indica também o
poder de que desfrutam, na administração e na estrutura do governo, os
servidores neles investidos.
O segundo aspecto que será investigado é o da remuneração dos
servidores. Embora o «efeito» PCC, fato de que grande parte dos servidores
ainda se encontra na carreira geral, conjugado ao achatamento das carreiras,
inviabilize a captação da influência efetiva do tempo de serviço sobre as
remunerações, ver-se-a o grau de sensibilidade à gênero e raça destas,
controlados outros fatores que as fazem variar: nível de escolaridade e,
principalmente, a ocupação de cargos comissionados ou o exercício de
funções gratificadas. Também será controlado o tempo de serviço, a despeito
do problema de seu efeito ser reduzido por não se individualizar carreiras.
4.2.1 Ocupação de cargos comissionados e exercício de funções gratificadas
Todo servidor público, segundo o RJU, tem um cargo, pois esse é o nome
que se dá ao posto de trabalho no serviço público civil. No entanto, quando se fala
em cargo nesta seção, trata-se especificamente de cargos em comissão, que podem
ser ocupados por indicação. As pessoas investidas nesses cargos não precisam
necessariamente ser servidores públicos, nem atender a determinadas exigências,
como a escolaridade compatível. Um ministro de estado, por exemplo, não precisa
ter nível superior para ser investido no cargo. Enquanto está no cargo em comissão,
65
72
Seção 4.3.
CADERNO GRPE • [2]
a pessoa é servidora pública, mas, se não faz parte do quadro permanente, deixa de
sê-la ao perder o cargo. Todavia, sabe-se que a maior parte dos ocupantes de cargos
em comissão é composta por servidores públicos do quadro permanente e isso é tão
mais verdadeiro quanto menor é o nível hierárquico do cargo. Há também as funções
gratificadas. Elas são exercidas, em maioria, por servidores públicos permanentes e,
mesmo que não representem um posicionamento mais elevado nas hierarquias
administrativas,como os cargos, implicam acréscimos em graus variados nas
remunerações. Para simplificar a exposição, deste ponto em diante, o termo cargo
ou a expressão ocupação de cargo significa também o desempenho de funções.
São muitos os cargos e as funções existentes no serviço público civil.
Eles estão divididos em grupos regulados por normas específicas, alguns
particulares de determinadas carreiras ou instituições. Como seria impossível
tratar todos separadamente, foi empreendida, para fins analíticos, uma
classificação dos cargos e funções, levando em consideração o nível de
remuneração proporcionado e o nível hierárquico em que estão situados.
Essa classificação é descrita no apêndice IV.
Lançando mão dessa classificação, foi estudada a associação entre a
pertença a grupos de sexo e raça e a investidura em cargos ou funções
comissionadas no serviço público civil. Essa parte da investigação foi dividida
em duas etapas. Na primeira, o interesse é saber se sexo e raça influenciam
simplesmente em ter ou não ter cargo. Na segunda, o interesse é saber,
dentre os investidos em cargos ou funções, se o sexo e a raça influenciam no
nível hierárquico do cargo ou função em questão.
Dos servidores ativos em abril de 2003, 10% ocupavam cargos. O
gráfico a seguir exibe a porcentagem de servidores ocupando cargos para
cada um dos grupos estudados.
GRÁFICO 20
Servidores ocupando cargos, total e por grupos de sexo e raça
Brasil, 2003
(em%)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
11
10
8
Todos
Mulheres
Homens
Negros
12
8
8
Mulheres
Negras
Homens
Negros
12
11
10
0
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Brancos
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
73
GRPE • OIT
Percebe-se que não há diferenças entre homens e mulheres, que
apresentam percentuais praticamente idênticos de ocupação de cargos.
Dentro de cada grupo racial, as porcentagens de homens e mulheres
ocupando cargos também são praticamente idênticas. Porém, a porcentagem
de negros (de ambos os sexos) ocupando cargos é consideravelmente menor que a
dos brancos.
Há dois fatores adicionais que podem influenciar a ocupação de
cargos: a experiência no serviço público civil, aproximada pelo tempo de
serviço; e a escolaridade. Embora já se tenha constatado que os dois fatores
se encontram relacionados, o impacto de cada um sobre a probabilidade de
ocupação de cargo será analisado. Começando pelo tempo de serviço,
constata-se que os servidores de ingresso mais recente têm probabilidade
ligeiramente maior de ocuparem cargos: 13% dos servidores de 0 a 9 anos
de serviço têm cargos; 10% daqueles de 10 a 19 anos de serviço têm cargos;
e 9% dos servidores de 20 a 29 anos de tempo de serviço têm cargos. Essas
proporções praticamente não se alteram quando os servidores são divididos
em homens e mulheres, como pode ser visto no gráfico 21.
GRÁFICO 21
Servidores ocupando cargos segundo o sexo e o tempo de serviço
Brasil, 2003
(em%)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
13
12
10
10
10
9
10
0
Homens
Mulheres
0 a 9 anos
Homens
Mulheres
10 a 19 anos
Homens
Mulheres
20 a 29 anos
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
O mesmo não pode ser dito quando os servidores são divididos em
negros e brancos. Nesse caso, é possível observar uma dinâmica interessante:
no grupo de menor tempo de serviço, as porcentagens de negros e brancos
ocupando cargos são praticamente idênticas, enquanto nos de maior tempo
de serviço existe uma diferença bem delineada com prejuízo para os negros,
como se vê no gráfico 22.
74
CADERNO GRPE • [2]
GRÁFICO 22
Servidores ocupando cargos segundo a raça e o tempo de serviço
Brasil, 2003
(em%)
100
90
80
70
60
50
40
30
13
20
12
11
Negros
Brancos
11
7
10
7
0
Brancos
0 a 9 anos
Negros
Brancos
10 a 19 anos
Negros
20 a 29 anos
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Passando para os quatro grupos definidos pelo entrecruzamento de
sexo e raça, nota-se que há a conjugação das tendências observadas nos três
gráficos anteriores. Primeiramente, servidores com menos tempo de serviço
têm, em relação aos mais antigos, probabilidade pouco maior de estar
investidos em cargos. Em segundo lugar, controlando-se a faixa de tempo de
serviço e a raça, as diferenças entre homens e mulheres são desprezíveis.
Finalmente, é digno de ressalva o fato de que, embora entre os servidores de
mais tempo de serviço os negros tenham uma probabilidade menor de
ocuparem cargos, na faixa de 0 a 9 anos de tempo de serviço o percentual de
servidores dos quatro grupos investidos em cargos é virtualmente o mesmo.
Essas três assertivas são confirmadas pelo gráfico 23.
GRÁFICO 23
Servidores ocupando cargos segundo o sexo, a raça e o tempo de
serviço
Brasil, 2003
(em%)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
13
12
12
12
11
12
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Mulheres
Negras
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
10
7
8
Homens
Negros
Mulheres
Negras
10
12
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
7
7
Homens
Negros
Mulheres
Negras
0
Homens
Brancos
0 a 9 anos
10 a 19 anos
20 a 29 anos
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
75
GRPE • OIT
Como já se sabe que quanto menor o tempo de serviço maior é a
escolaridade dos servidores e também que muitos cargos e funções
gratificadas exigem nível superior, pode-se prever, a partir dos resultados
apresentados nos últimos gráficos, que os servidores com nível superior terão
maior probabilidade de ocupar cargos. De fato, apenas 3% dos servidores
de escolaridade fundamental ou menor ocupam cargos. Esse percentual
sobe para 10% entre os servidores de nível médio e para 13% entre aqueles
com nível superior. Embora as diferenças entre os que pertencem às diferentes
classes de escolaridade sejam mais intensas do que as verificadas entre os
que pertencem a intervalos distintos de tempo de serviço, praticamente
não existem diferenças nas probabilidades de homens e mulheres ocuparem
cargos, o que pode ser conferido no gráfico 24.
GRÁFICO 24
Servidores ocupando cargos segundo o sexo e a escolaridade
Brasil, 2003
(em%)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
3
3
Homens
Mulheres
10
10
Homens
Mulheres
13
13
Homens
Mulheres
0
Fundamental
Médio
Superior
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
As diferenças entre brancos e negros de acordo com a escolaridade
também seguem o padrão delineado pela análise segundo o tempo de serviço.
Ou seja, os percentuais de ocupantes de cargos são praticamente iguais entre
negros e brancos com escolaridade superior, mas maiores entre os brancos
de escolaridade média e fundamental. O gráfico 25 ilustra a situação.
76
CADERNO GRPE • [2]
GRÁFICO 25
Servidores ocupando cargos segundo a raça e a escolaridade
Brasil, 2003
(em%)
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
11
4
10,0
13
8
13
2
0,0
Brancos
Negros
Brancos
Negros
Fundamental
Brancos
Negros
Médio
Superior
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Considerando os quatro grupos de interesse, é possível perceber,
mais uma vez, que não há diferenças significativas entre homens e mulheres
do mesmo grupo racial e de escolaridade, mas que as porcentagens de negros
(de amobos os sexos) com escolaridade fundamental ou média ocupando
cargos são menores que as dos brancos, ainda que praticamente idênticas
para todos os grupos de os servidores com nível superior (gráfico 26).
GRÁFICO 26
Servidores ocupando cargos segundo o sexo, a raça e a
escolaridade
Brasil, 2003
(em%)
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
4
4
3
2
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Mulheres
Negras
11
11
9
8
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Mulheres
Negras
13
13
14
13
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Mulheres
Negras
0,0
Fundamental
Médio
Superior
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
77
GRPE • OIT
As diferenças entre os percentuais globais de ocupação de cargos de
negros e brancos (pois não há diferenças entre homens e mulheres nesse
quesito) se devem principalmente ao perfil menos escolarizado dos servidores
negros e a um pouco de discriminação contra os negros de escolaridade
fundamental e média, visto não haver diferenças entre os grupos raciais ao
se considerar os servidores de nível superior. Todavia, não se deve perder de
vista o fato de que, por haver menos servidores negros de escolaridade
superior, mesmo sobre-representados em relação às populações de referência,
a maior parte dos cargos é ocupada por brancos. Devido à menor
representação das mulheres, os homens também são maioria dentre os
ocupantes de cargos. A distribuição dos cargos pelos grupos formados por
sexo e/ou raça está representada no gráfico 27. Para possibilitar a comparação
com os percentuais globais dos servidores de cada grupo apresentado
anteriormente no gráfico 5, excepcionalmente o grupo «outros», que agrega
servidores que se declararam indígenas ou amarelos, também foi representado
no gráfico 27. E para facilitar tal comparação, a parte do gráfico 5 relativa à
composição racial do serviço público civil foi reproduzida à direita.
GRÁFICO 27
Distribuição dos ocupantes de cargos e servidores do serviço
público civil segundo sexo e raça
Brasil, 2003
(em%)
Ocupantes de cargos - SPC
Homens
Brancos
38%
Outros
2%
Mulheres
Negras
12%
Homens
Negros
15%
Mulheres
Brancas
33%
Serviço Público Civil
Homens
Brancos
35%
Homens
Negros
19%
Outros
2%
Mulheres
Negras
15%
Mulheres
Brancas
29%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Para finalizar a análise sobre a probabilidade de uma pessoa – de
um determinado grupo de cor ou raça e sexo – ocupar cargo, é interessante
calcular o indicador «S», tendo como referência o conjunto dos servidores.
Entretanto, conhecendo a importância da escolaridade para a ocupação de
cargos, esse fator será incorporado como terceira dimensão, além de sexo e
raça. O resultado pode ser visto no gráfico 28. Pode-se, então, concluir que
os negros estão sub-representados entre os ocupantes de cargos com nível
fundamental de escolaridade; as mulheres negras mais que os homens negros;
78
CADERNO GRPE • [2]
e, neste nível, embora haja sobre-representação dos brancos, as mulheres
brancas apresentam um grau menor que o dos homens brancos. Dentre os
servidores com nível médio, as disparidades entre os sexos são menores,
mas existem no sentido da maior representação dos homens, com persistência
da sobre-representação dos brancos e da sub-representação dos negros. Já os
valores de «S» para os servidores de nível superior permitem concluir pelo
balanceamento da representação de homens e mulheres, negros ou brancos,
dentre os ocupantes de cargos.
GRÁFICO 28
Indicador «S» de sub ou sobre-representação entre os ocupantes
de cargos dos grupos definidos pelo entrecruzamento de sexo,
raça e escolaridade, tendo como referência o conjunto dos
servidores públicos
Brasil, 2003
1,00
0,75
0,50
0,24
0,25
0,14
0,08
0,07
0,00
0,01
0,00
0,00
-0,07
-0,25
-0,17
-0,02
-0,12
-0,30
-0,50
-0,75
-1,00
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Fundamental
Mulheres
Negras
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Médio
Mulheres
Negras
Homens
Brancos
Mulheres
Brancas
Homens
Negros
Mulheres
Negras
Superior
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Antes de passar para a análise da influência do sexo e da raça dos
servidores sobre a hierarquia do cargo ocupado no serviço público civil,
convém sumarizar em tópicos as principais conclusões acerca da ocupação
de cargos pura e simples, desconsiderando o nível hierárquico:
?não existem diferenças sensíveis nas probabilidades de homens e
mulheres de um mesmo grupo racial ocupar cargos;
?a probabilidade de negros – homens ou mulheres – ocuparem cargos
é menor que a de brancos;
?todavia, ao se considerar o nível de escolaridade, os dois tópicos
acima valem para os níveis de escolaridade fundamental e médio.
No nível fundamental, é relativamente maior a disparidade das
proporções de brancos e negros ocupando cargos, com prejuízo dos
últimos;
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
79
GRPE • OIT
?entre os servidores de nível superior não há diferenças significativas
de probabilidades de homens brancos, mulheres brancas, homens
negros e mulheres negras ocuparem cargos;
?com a escolaridade, a probabilidade de ocupação de cargos aumenta
para todos os grupos;
?a probabilidade de ocupação de cargos é maior entre os servidores
de menos tempo de serviço, o que pode ser atribuído ao perfil mais
escolarizado daqueles de ingresso mais recente.
4.2.2 Hierarquia dos cargos
A partir deste ponto, passa-se para a análise do subgrupo que ocupa
cargos. Ou seja, excluindo aqueles que não ocupam cargos, será estudada a
influência do pertencimento aos diferentes grupos de sexo e raça sobre a
distribuição dos servidores pelos níveis hierárquicos de cargos, com ênfase
especial na probabilidade de ocupação de cargos elevados.
Os cargos podem ser vistos como posições hierarquizadas da estrutura
administrativa, para a qual a metáfora de uma pirâmide é adequada. Uma
pirâmide de base bem larga e topo bem estreito, representada no gráfico 29
sob duas formas: uma considerando a enorme massa de servidores sem cargo
e outra apenas aqueles com cargo.
GRÁFICO 29
Distribuição dos servidores segundo o nível do cargo ocupado
Brasil, 2003
(em%)
Cargos
Superiores - 0%
Cargos MédioSuperiores - 0%
Cargos Médios 1%
Cargos MédioInferiores - 3%
Cargos
Inferiores - 6%
Sem Cargo - 90%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
80
Cargos
Superiores - 0%
Cargos MédioSuperiores - 4%
Cargos Médios 8%
Cargos MédioInferiores - 25%
Cargos
Inferiores - 62%
CADERNO GRPE • [2]
A despeito de serem próximas as probabilidades de homens e
mulheres ocuparem cargos, na medida em que se considera os níveis mais
elevados de cargos, aumenta a proporção de homens. Curiosamente, embora
fosse esperado algo parecido ao se verificar a proporção de negros em cada
nível, a tendência de redução da proporção deles existe, mas não parece, a
princípio, ser tão intensa ou definida quanto a verificada para as mulheres.
O gráfico 30 permite essas leituras.
GRÁFICO 30
Distribuição dos cargos segundo sexo e raça
Brasil, 2003
(em%)
49
51
Cargos
Inferiores
31
41
40
59
60
Cargos
MédioInferiores
Cargos
Médios
Homens
69
Cargos
MédioSuperiores
21
79
Cargos
Superiores
29
25
27
22
22
69
73
71
77
78
Cargos
Inferiores
Cargos
MédioInferiores
Cargos
Médios
Cargos
MédioSuperiores
Cargos
Superiores
Mulheres
Brancos
Negros
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Lembrando que a porcentagem de mulheres no serviço público civil
é de 45% (gráfico 3), percebe-se que apenas nos cargos inferiores a proporção
delas é maior, sendo inferior em todos os outros níveis. Já a proporção de
negros em todos os níveis de cargos é inferior àquela em que eles se
apresentam no serviço público civil: 35% (gráfico 4).
Mais uma vez, os resultados sugerem que, ao se entrecruzar sexo e
raça, devem surgir panoramas distintos para os quatro grandes grupos
resultantes. Então, a partir do gráfico 31, nota-se o franco crescimento da
proporção de homens brancos entre os ocupantes dos cargos mais elevados.
A proporção de homens negros é aproximadamente a mesma em todos os
níveis, aparentando uma tendência leve, quase desprezível, de crescimento
nos cargos superiores. Já a proporção de mulheres brancas e negras decresce
com o aumento do nível do cargo.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
81
GRPE • OIT
GRÁFICO 31
Distribuição por nível do cargo, segundo sexo e raça
Brasil, 2003
(em%)
11
14
6
12
4
16
25
30
28
14
15
43
44
Cargos Médio-Inferiores
Cargos Médios
35
17
16
15
35
Cargos Inferiores
Homens Brancos
Homens Negros
62
52
Cargos Médio-Superiores
Mulheres Brancas
Cargos Superiores
Mulheres Negras
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Para que se tenha uma noção mais precisa do quão desbalanceadas
estão as proporções em que se apresentam os grupos em cada nível de cargos,
pode-se calcular o indicador «S». O gráfico 32 o apresenta calculado para
cada grupo em cada nível, tendo como referência a proporção de cada grupo
entre os ocupantes de cargo (gráfico 27) e a proporção de cada grupo no
serviço público civil (gráficos 5 e 27).
Se a referência é a proporção em que os grupos se apresentam entre
os ocupantes de cargos, percebe-se que, embora homens e mulheres ocupem
cargos na mesma proporção, a distribuição dos ocupantes pelos cargos de
diferentes níveis favorece francamente os homens, pois tanto os brancos
quanto os negros estão sobre-representados nos cargos de nível mais elevado.
Mas a intensidade da sobre-representação dos homens brancos é superior à
dos homens negros. Já as mulheres brancas e negras estão sub-representadas
em todos os níveis de cargos, exceto no mais baixo – único em que os homens
brancos estão sub-representados. Ressalve-se que a sub-representação das
mulheres negras, nos cargos médio-superiores e superiores, é maior que a
das mulheres brancas.
82
CADERNO GRPE • [2]
GRÁFICO 32
Indicador «S» de sub ou sobre-representação nos cinco níveis de
cargos dos grupos de sexo e raça, tendo como referência a
proporção deles entre os ocupantes de cargos e no serviço
público civil
Brasil, 2003
Referência: Ocupantes de Cargos
1,00
0,75
0,44
0,50
0,26
0,25
0,10
0,11
0,08
0,01 0,05
0,01
0,06
0,05
0,00
-0,25
-0,04
-0,08
-0,06
-0,12
-0,09
-0,03
-0,18
-0,50
-0,38
-0,42
-0,51
-0,75
-1,00
Homens Brancos
Cargos Inferiores
Homens Negros
Cargos Médio-Inferiores
Mulheres Brancas
Cargos Médios
Mulheres Negras
Cargos Médio-Superiores
Cargos Superiores
Referência: Serviço Público Civil
1,00
0,75
0,50
0,50
0,33
0,18 0,19
0,25
0,13
0,03
-0,01
0,00
-0,09 -0,06
-0,13 -0,18 -0,13
-0,25
-0,03
-0,07
-0,09
-0,21
-0,15
-0,35
-0,50
-0,48
-0,59
-0,75
-1,00
Homens Brancos
Cargos Inferiores
Homens Negros
Cargos Médio-Inferiores
Cargos Médios
Mulheres Brancas
Cargos Médio-Superiores
Mulheres Negras
Cargos Superiores
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Se a proporção em que os grupos se apresentam no serviço público
civil é tomada como referência, a figura muda, pois «S» passa a receber
também a carga da sub-representação dos homens negros e das mulheres
negras entre os ocupantes de cargo, constatada na seção anterior. A sobrerepresentação dos homens brancos nos níveis mais elevados de cargos fica
mais intensa. Os homens negros passam, então, a ser sub-representados em
todos os grupos de cargos, todavia a intensidade diminui na medida em que
se consideram aqueles de nível mais elevado. Para as mulheres brancas,
permanece, com mudanças de intensidade, o quadro de sobre-representação
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
83
GRPE • OIT
nos cargos inferiores e sub-representação nos demais níveis. Já as mulheres
negras, por efeito da sub-representação dos negros (de ambos os sexos) entre
os ocupantes de cargos, passam a estar sub-representadas com mais
intensidade em todos os grupos de cargos.
Como se viu anteriormente, no gráfico 28, não se podia concluir pela sub
ou sobre-representação de quaisquer um dos grupos formados pelo entrecruzamento
de sexo e raça entre os ocupantes de cargos caso se considerasse apenas os servidores
de nível superior. Portanto, parte das diferenças apresentadas no gráfico 32 pode se
dever ao fato de estarem misturados os servidores de todos os níveis de escolaridade.
Como apenas os servidores de nível superior podem ser encontrados em todos os
grupos de cargos e por serem maioria no serviço público civil, será analisada a
distribuição deles pelos níveis de cargos.
Começando pelas porcentagens de homens e mulheres, negros e
brancos, com nível superior em cada grupo de cargos, é possível perceber, a
partir do gráfico 33, que não há grandes diferenças nas proporções de homens
e mulheres em relação ao total dos ocupantes de cargos (gráfico 30). Já as
proporções de negros se reduzem nos cargos inferiores e nos médio-inferiores,
permanecendo praticamente idênticas às verificadas entre todos os ocupantes
de cargo (gráfico 30) nos níveis mais elevados.
GRÁFICO 33
Servidores com nível superior por nível de cargo,
segundo sexo e raça
Brasil, 2003
51
49
Cargos
Inferiores
32
40
40
60
60
Cargos
MédioInferiores
Cargos
Médios
Homens
68
Cargos
MédioSuperiores
(em%)
22
22
21
26
22
22
79
76
77
73
77
78
Cargos
Superiores
Cargos
Inferiores
Cargos
MédioInferiores
Cargos
MédioSuperiores
Cargos
Superiores
Mulheres
Cargos
Médios
Brancos
Negros
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Em relação à porcentagem de homens brancos, homens negros,
mulheres brancas e mulheres negras entre todos os ocupantes de cargos,
pode-se prever, a partir do gráfico 33, que as proporções em que se apresentam
os servidores de nível superior e ocupantes de cargos devem ser semelhantes,
todavia com menores proporções de mulheres e homens negros nos cargos
inferiores e médio-inferiores, com o correspondente acréscimo nas
proporções de homens brancos e mulheres brancas. Efetivamente, é o que
ocorre, como se depreende a partir da comparação do gráfico31 ao gráfico 34.
84
CADERNO GRPE • [2]
GRÁFICO 34
Servidores com nível superior segundo nível do cargo,
sexo e raça
Brasil, 2003
(em%)
9
11
6
11
5
17
25
31
28
18
39
16
12
15
46
44
Cargos Médio-Inferiores
Cargos Médios
11
37
Cargos Inferiores
Homens Brancos
Homens Negros
62
52
Cargos Médio-Superiores
Mulheres Brancas
Cargos Superiores
Mulheres Negras
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Finalmente, calcula-se o indicador «S» para comparar as proporções em que
se apresentam os quatro grupos de servidores de nível superior em cada grupo de
cargos com as proporções em que se apresentam entre os ocupantes de cargo com
nível superior, e entre os servidores de nível superior. As duas últimas distribuições
mencionadas ainda são representadas no gráfico 35. Em relação aos ocupantes de
cargo com nível superior, constatou-se (gráfico 28) a inexistência de sub ou sobrerepresentação de quaisquer um dos grupos formados por sexo e raça. Portanto, as
proporções em que tais grupos se apresentam entre os ocupantes de cargo com nível
superior são praticamente iguais às verificadas entre os servidores de nível superior,
apresentadas anteriormente no gráfico 17 e repetidas no gráfico 35 para facilitar a
comparação.
GRÁFICO 35
Servidores com nível superior nos cargos e no serviço público
civil segundo sexo e raça
Brasil, 2003
(em%)
Ocupantes de cargos - SPC
Homens
Brancos
41%
Homens
Negros
12%
Outros
2%
Mulheres
Negras
10%
Serviço Público Civil
Homens
Brancos
40%
Outros
2%
Mulheres
Brancas
35%
Mulheres
Negras
11%
Homens
Negros
12%
Mulheres
Brancas
35%
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
85
GRPE • OIT
Dada a semelhança observada no gráfico 35, não teria sentido
calcular «S» para ambos os grupos de referência, como realizado no gráfico
32. São apresentados, portanto, apenas os resultados relativos aos ocupantes
de cargo com nível superior no gráfico 36 para a comparação com o gráfico 32.
Afora a sobre-representação das mulheres negras de nível superior
entre os ocupantes – também de nível superior – de cargos médios, que foge
ao padrão, parece ficar bem caracterizado o fato de que quanto maior é o
nível hierárquico do grupo de cargos considerado, menor é a proporção de
mulheres, brancas ou negras. Isso ocorre tendo como contrapartida óbvia a
sobre-representação dos homens em graus progressivos nos níveis mais
elevados. As relações de gênero travadas dentro do serviço público civil
parecem mais preponderantes que as raciais na determinação da ocupação
de cargos elevados, dado o fato de que os homens negros de nível superior
– ainda que em intensidade menor que a dos homens brancos – também
estão sobre-representados em todos os grupos de cargos acima dos inferiores.
GRÁFICO 36
Indicador «S» de sub ou sobre-representação nos cinco níveis de
cargos dos grupos de sexo e raça, tendo como referência
proporção deles entre os ocupantes de cargos – somente
servidores de nível superior
Brasil, 2003
1,00
0,75
0,50
0,39
0,21
0,25
0,13
0,10 0,06
0,16
0,21
0,10
0,05
0,00
0,05
0,00
-0,25
-0,06
-0,10
-0,09
-0,15
-0,07
-0,22
-0,50
-0,27
-0,42
-0,46
-0,75
-1,00
Homens Brancos
Cargos Inferiores
Homens Negros
Cargos Médio-Inferiores
Cargos Médios
Mulheres Brancas
Cargos Médio-Superiores
Mulheres Negras
Cargos Superiores
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
4.2.3 Conclusões da primeira parte da análise de progressão
Assim como na análise da representação, esta parte do estudo revelou
algumas características um tanto quanto surpreendentes sobre a influência
do sexo e da raça dos servidores sobre a ocupação de cargos e sobre o nível
hierárquico deles. A primeira é que não existem diferenças sensíveis nas
probabilidades de homens e mulheres de um mesmo grupo racial ocupar
cargos. Porém, ao se considerar os grupos de cargos, as mulheres, negras ou
brancas, estão sobre-representadas no grupo dos cargos inferiores, o de maior
86
CADERNO GRPE • [2]
número de cargos, o que faz com que estejam sub-representadas em todos
os grupos de cargos mais elevados.
A probabilidade de que negros – homens ou mulheres – ocupem
cargos é menor que a dos brancos. Entretanto, embora efetivamente a
proporção de negros de ambos os sexos entre os ocupantes de cargos seja
menor que a dos brancos, tomando como referência o grupo dos ocupantes
de cargos (ou ao se considerar apenas os servidores de escolaridade superior),
constata-se que os homens negros se encontram sobre-representados nos
grupos de cargos mais elevados. As mulheres negras estão, todas ou só as de
nível superior, ao contrário e como as mulheres brancas, via de regra, sobrerepresentadas entre os ocupantes de cargos inferiores e sub-representadas
nos demais grupos de cargos.
Considerando a escolaridade, entre servidores de nível fundamental
é relativamente maior a disparidade das proporções de brancos e negros
ocupando cargos, com o prejuízo dos últimos. Também há diferenças entre
os servidores de nível médio. Porém, entre os servidores de nível superior
não há diferenças significativas nas probabilidades de homens brancos,
mulheres brancas, homens negros e mulheres negras ocuparem cargos. Mas,
ao se considerar as probabilidades de ocupação dos cargos mais elevados,
constata-se o mesmo padrão verificado para o conjunto dos ocupantes de
cargos, isso é, a sobre-representação dos homens, brancos e negros, nos cargos
elevados, sendo a dos brancos de intensidade maior que a dos homens negros.
Deve-se ressalvar que a probabilidade de ocupação de cargos aumenta
para todos os grupos com a escolaridade. Mas isso se dá com a manutenção
da diferença entre homens e mulheres de ambos os grupos raciais na
ocupação dos cargos mais elevados. A probabilidade de ocupação de cargos
também é maior entre os servidores de menos tempo de serviço, todavia
essa característica pode ser atribuída ao perfil mais escolarizado daqueles de
ingresso mais recente.
4.2.3 A remuneração dos servidores
A remuneração dos servidores é um tema tão complexo que
mereceria um estudo particular. São muitas as variáveis que podem influir
na remuneração total final: o valor bruto que aparece no contracheque,
como a inserção em determinadas carreiras; a ocupação de cargos ou o
desempenho de funções; promoções recebidas que determinam a posição
atual de um servidor em sua carreira e o tempo de serviço. Somente esses
aspectos já tornariam difícil o estudo, pois todos comportam um imenso
número de possibilidades – são muitas carreiras, todas com distinções
internas, muitos cargos possíveis, etc. Além disso, soma-se a esse obstáculo
outro ainda maior, configurado pelo que se convencionou denominar
vantagens pessoais – VPs. Elas produzem distinções incontroláveis na
remuneração dos servidores. Possuem VPs, por exemplo, servidores que
incorporaram aos salários parte ou toda a remuneração de cargos ocupados
ou ainda servidores que entraram na Justiça para garantir algum aumento
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
87
GRPE • OIT
ou correção a que consideravam fazer jus e ganharam. Esses servidores
ganhariam mais que colegas da mesma carreira, com o mesmo tempo de
serviço e número de promoções. São muitas as situações que podem gerar
vantagens pessoais. Somente um estudo que comparasse a série histórica
das remunerações, acompanhando-as mês a mês, conseguiria identificar a
origem e a razão de todas as VPs.
Mas estudar em detalhe a composição da remuneração dos servidores
não é o objetivo desta seção. O objetivo é simplesmente averiguar se,
controlados alguns aspectos que influem nas remunerações, as médias
salariais do serviço público civil apresentam sensibilidade ao sexo e a raça
dos servidores. Para realizar tal tarefa, primeiro será apresentada uma
descrição da distribuição dos salários. Depois serão propostos dois modelos
de variação das remunerações.
Todos
Homens
Mulheres
Brancos
Mediana
Homens
Brancos
Homens
Negros
Mulheres
Brancas
R$ 1.447
R$ 1.184
R$ 1.931
R$ 1.492
R$ 1.659
R$ 1.258
R$ 2.295
Negros
R$ 1.738
R$ 1.565
R$ 1.218
R$ 2.129
R$ 1.609
R$ 1.767
R$ 1.363
R$ 2.074
R$ 1.522
R$ 1.440
R$ 1.935
GRÁFICO 37
Mediana e média das remunerações mensais no
serviço público civil
Brasil, 2003
(em valores nominais)
Mulheres
Negras
Média
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Começando com as medidas descritivas, no gráfico 37 são
apresentadas a mediana e a média da distribuição das remunerações, global
e para os vários grupos de interesse.
Não há surpresas aqui: os homens ganham, em média, mais que as
mulheres; os brancos mais que os negros; e os homens brancos mais que as
mulheres brancas, que, por sua vez, ganham mais que os homens negros,
que ganham mais que as mulheres negras. A distância da remuneração média
dos negros à dos brancos é maior que a distância da remuneração das
mulheres à dos homens. As medianas seguem exatamente o padrão descrito
para as médias, mas para todos os grupos oscilam de 73% a 82% da média
correspondente. Os desvios padrão das distribuições variam de 67% a 74% da média.
88
CADERNO GRPE • [2]
No gráfico 38, são apresentados os valores do salário nos percentis
das distribuições dos quatro grupos formados pelo entrecruzamento de sexo
e raça. Nota-se que abaixo da mediana (percentil 50), os valores dos grupos
se encontram razoavelmente próximos, sendo os dos brancos superiores aos
dos negros. É por volta e a partir da mediana que os homens brancos e as
mulheres brancas começam a demonstrar uma maior distância em relação
ao valor do percentil correspondente dos negros, com os homens brancos
também se distanciando das mulheres brancas. Somente por volta do
percentil 78 os homens negros começam a apresentar salários maiores que
os das mulheres negras de percentil correspondente. Nos últimos percentis,
os valores dos homens negros convergem para os das mulheres brancas.
GRÁFICO 38
Curva dos percentis para as distribuições de salários dos grupos
formados por sexo e raça
Brasil, 2003
R$ 8.000
Homens Brancos
R$ 7.000
Homens Negros
R$ 6.000
Mulheres Brancas
R$ 5.000
Mulheres Negras
R$ 4.000
R$ 3.000
R$ 2.000
R$ 1.000
R$ 1
8
15
22
29
36
43
50
57
64
71
78
85
92
99
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
A despeito das diferenças nas distribuições de salários, ainda é cedo
para concluir pela discriminação salarial por sexo ou por raça. O
conhecimento prévio sobre as disparidades entre os perfis de escolaridade
dos negros e dos brancos e sobre a pouca permeabilidade do topo da estrutura
hierárquica de cargos às mulheres já permitiria prever as diferenças, supondose que a remuneração cresça com a escolaridade e com a ocupação de cargos.
Efetivamente, o gráfico 39 mostra que a média dos salários aumenta com o
nível de escolaridade, com a ocupação de cargo e com o nível do cargo
ocupado, exatamente como esperado.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
89
GRPE • OIT
GRÁFICO 39
Salários médios segundo a escolaridade e o nível do cargo
ocupado
Brasil, 2003
(em valores nominais)
Superior
Cargos
Superiores
R$ 2.569
Cargos
MédioSuperiores
R$ 1.377
Médio
Fundamental
R$ 6.632
R$ 4.424
Cargos
Médios
R$ 1.130
Fundamental
incompleto
R$ 1.029
Cargos
MédioInferiores
Alfabetizado
sem curso
regular
R$ 998
Cargos
Inferiores
Analfabeto
R$ 941
Sem cargo
R$ 3.347
R$ 3.124
R$ 2.034
R$ 1.867
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
GRÁFICO 40
Salários médios segundo o tempo de serviço
Brasil, 2003
R$ 4.000
R$ 3.500
R$ 3.000
R$ 2.500
R$ 2.000
R$ 1.500
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Escolaridade e ocupação de cargos são, portanto, variáveis a serem
levadas em consideração no momento da elaboração dos modelos de salários.
Porém, antes de passar à especificação de tais modelos, é importante conhecer
o comportamento dos salários segundo outra variável, de antemão
considerada importante: o tempo de serviço. A média salarial por tempo de
serviço está representada no gráfico 40.
90
CADERNO GRPE • [2]
É possível perceber que a média salarial por tempo de serviço,
representada pela linha fina pontilhada, varia bastante. Representando a
seqüência como uma média móvel de seis anos – a linha grossa no gráfico
40 – a tendência de variação dos salários segundo o tempo de serviço fica
mais delineada. Assim, percebe-se que os servidores com menos tempo de
serviço tendem a ter médias salariais superiores àqueles que se encontram
na faixa intermediária de tempo e que os servidores com bastante tempo
também têm médias mais elevadas. Tal comportamento pode ser atribuído
à mudança das regras relativas a promoções por antiguidade e incorporação
de gratificações aos salários, que beneficiaram servidores no passado, alguns
deles ainda na ativa (aqueles com muito tempo de serviço); e também a
maior ocupação de cargos e maior escolaridade dos servidores de ingresso
mais recente. Outra possível explicação seria o perfil histórico das seleções e
dos concursos, isto é, para que carreiras os servidores ingressaram mais em
períodos específicos de tempo. Assim, por exemplo, recentemente poderia
ter havido mais concursos para carreiras que pagam mais, o que faria com
que os servidores com menos tempo ganhassem, em média, mais que
servidores com mais tempo de serviço, mas em carreiras menos remuneradas.
Algumas carreiras podem ser menos remuneradas de fato e outras podem
estar no PCC e não ter sido revistas.
Sabendo como as médias de remuneração se comportam, foram
especificados dois modelos de análise para avaliar o comportamento das
remunerações segundo os fatores que vêm sendo estudados. Os dois são
praticamente iguais. A diferença é que, no primeiro modelo, há uma variável
dicotômica para sexo e outra para raça; no segundo, há três variáveis
dicotômicas, uma para cada combinação, ou interação, de sexo e raça,
excluída a categoria base homens brancos. A especificação dos modelos e os
seus resultados estão no apêndice V.
Antes de prosseguir, convém reafirmar que o objetivo da presente
análise não é fornecer o modelo definitivo de explicação da variação das
remunerações no serviço público civil, mas tão somente verificar se, isolando
as diferenças devidas ao nível de escolaridade, à ocupação de cargos e ao
tempo de serviço, as desigualdades de remuneração média persistem entre
homens e mulheres, negros e brancos. Ou, melhor, averiguar se existe uma
sensibilidade das remunerações diferenciada pela raça e pelo sexo dos
servidores. Também, dadas as características particulares das relações de
trabalho no serviço público civil, como a ocupação de cargos por indicação,
não é possível interpretar as desigualdades salariais como sendo devidas às
diferenças de produtividade.
Como os dois modelos são praticamente idênticos, assim também
as estatísticas deles. Os dois explicam 31,4% da variação das remunerações.
Dadas as já aludidas complexidades salariais do serviço público civil e o fato
de uma série de outros determinantes do salário (em especial a inserção em
carreiras distintas) não estar sendo controlada, pode-se considerar que os
modelos são satisfatórios para os fins aqui pretendidos. O salário base, dado
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
91
GRPE • OIT
pelo intercepto, seria de R$1.150,50. No modelo, é o valor previsto para um
servidor homem, branco, com escolaridade fundamental ou inferior, sem
cargo com nenhum ano de serviço. O tempo de serviço, a julgar os parâmetros
estimados para o polinômio que o representa, não parece ser um fator
responsável por grandes variações nos salários. Os valores estimados
confirmam que as pessoas com pouco ou com muito tempo de serviço
tendem a ganhar mais que as pessoas com tempo de serviço mediano, como
representado no gráfico 40. No gráfico 41, está representada a variação relativa
na remuneração média, tudo o mais mantido constante, segundo o tempo
de serviço, conforme a previsão do modelo 1.
GRÁFICO 41
Variação relativa da remuneração média
segundo o tempo de serviço
(em %)
16%
12%
VARIAÇÃO-
8%
4%
0%
-4%
-8%
-12%
-16%
0
5
10
15
20
- ANOS Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
92
25
30
35
40
CADERNO GRPE • [2]
Os salários apresentam uma sensibilidade razoável à ocupação de
cargos, que cresce com o nível do cargo. Em relação aos que não ocupam
cargos, com todos os demais fatores controlados mantidos constantes, as
pessoas que ocupam:
?cargos inferiores: ganham, em média, 5,6% a mais;
?cargos médio-inferiores: ganham, em média, 45,3% a mais;
?cargos médios: ganham, em média, 53,9% a mais;
?cargos médio-superiores: ganham, em média, 93,1% a mais;
?cargos superiores ganham: em média, 167,3% a mais.
A escolaridade também é um fator segundo o qual os salários podem
variar bastante. Em relação àqueles que têm escolaridade fundamental, tudo
o mais mantido constante, os servidores que têm:
?escolaridade média: ganham, em média, 23,5% a mais;
?escolaridade superior: ganham, em média, 111,7% a mais.
Finalmente, no que toca às variáveis de interesse, tudo o mais
mantido constante:
?as mulheres ganham, em média, 11,9% a menos que os homens;
?as pessoas negras ganham, em média, 8,4% a menos que as pessoas
brancas.
A remuneração apresenta, portanto, sensibilidade ao sexo e à raça
dos servidores, porém há que se registrar que a escolaridade e a ocupação de
cargos podem influenciar bem mais o valor médio da remuneração.
O segundo modelo possui variáveis para comparar aos homens
brancos os homens negros, as mulheres brancas e as mulheres negras, grupos
que a análise pregressa mostrou serem bem distintos em vários aspectos.
Uma comparação entre os valores dos parâmetros comuns do modelo 2 e
do modelo 1 permite constatar que são praticamente os mesmos (vide
apêndice V). Isso permite ir direto à análise dos parâmetros específicos do
modelo 2. Segundo eles, tudo o mais mantido constante, em relação aos
homens brancos:
?homens negros ganham, em média, 9,3% a menos;
?mulheres brancas ganham, em média, 12,6% a menos;
?mulheres negras ganham, em média, 19% a menos;
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
93
GRPE • OIT
94
CADERNO GRPE • [2]
V. Conclusões
Antes de passar para as conclusões deste estudo, convém novamente
lembrar que o objetivo deste foi o de apenas delinear um primeiro panorama
das desigualdades raciais e de gênero no âmbito do serviço público civil.
Isso foi feito e os resultados apontam a existência de tais desigualdades, algo
que deve ser objeto de preocupação das autoridades governamentais, tanto
por uma questão legal e moral quanto de «exemplo». O governo é signatário
de vários tratados internacionais de não-discriminação. A Constituição e a
lei que rege o trabalho no serviço público, o Regime Jurídico Único (RJU),
também vedam a discriminação. Mas os resultados ora coligidos sugerem
que a discriminação, apesar das normas contrárias, acontece. Logo, o governo
deve adotar medidas para contrapô-la. Além disso, há que se considerar a
dimensão do exemplo. O governo que pretende adotar ações afirmativas
deve ser o primeiro a implementá-las. Recorrendo à sabedoria popular, nesse
caso não é aceitável que em «casa de ferreiro, o espeto seja de pau». É bem
verdade que as desigualdades entre os servidores parecem não ser tão intensas
quanto aquelas verificadas entre os grupos de raça e de gênero no mercado
de trabalho em geral. Mas, ao que tudo indica até o momento, a
administração pública não tem se esmerado em praticar para seus próprios
trabalhadores o que prega para os trabalhadores do setor privado.
Ao se analisar os dados oriundos do SIAPE - sistema de controle de
pessoal do próprio governo – viu-se que a população brasileira não tem sua
diversidade demográfica representada no serviço público civil. As mulheres
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
95
GRPE • OIT
brancas são o grupo que mais se aproxima de uma representação equilibrada,
os homens brancos estão francamente sobre-representados e as pessoas
negras, de ambos os sexos, sub-representadas.
Mas, ao se introduzir a escolaridade na análise, percebe-se que essa
sub-representação das pessoas negras não pode ser atribuída a algum tipo de
viés na seleção para o serviço público civil. De fato, a composição racial do
serviço público civil reflete um problema estrutural causado pela
discriminação institucional anterior ao momento da entrada no serviço
público civil, cristalizado nas desvantagens educacionais da população negra.
Curiosamente, ao se considerar a escolaridade, percebe-se que as pessoas
negras de nível médio e superior participam do serviço público civil em
maior proporção do que participam da PEA, algo que ocorre principalmente
devido ao perfil de maior escolaridade do serviço público civil. Poderia se
dizer que para essas pessoas é relativamente mais fácil trabalhar no serviço
público civil que em outras atividades e, em especial, para os homens negros
de nível superior. Não seria absurdo atribuir essa diferença à impessoalidade
do concurso público, que a despeito de todas as imperfeições de que possa
ser acusado, é com certeza um mecanismo de seleção muito menos sujeito à
influência negativa das visões estereotipadas sobre a suposta falta habilidade
de negros e mulheres para o desempenho de certas ocupações, em especial
as de alto nível de poder e responsabilidade.
Outro resultado surpreendente, ao se levar em conta a escolaridade,
é a caracterização das mulheres brancas de nível superior como o grupo
com maior déficit de representação no serviço público civil. Todavia como,
ao se analisar a composição do serviço público civil por tempo de serviço,
nota-se que é justamente o grupo das mulheres brancas que mais tem
ampliado sua representação. Portanto, esse déficit talvez já esteja sendo
compensado. A sobre-representação dos negros, considerando o nível de
escolaridade, também deve estar reduzindo, tendo em vista não só o aumento
do peso relativo das mulheres brancas entre os servidores de ingresso mais
recente, mas também o dos homens brancos, ainda que esse grupo tenha
sua representação ampliada em menor intensidade.
Portanto, no que toca à representação da diversidade demográfica,
tudo indica que o serviço público civil está caminhando espontaneamente
para o equilíbrio. Entretanto, essa representação equilibrada esbarra em
dois limites sociais que ultrapassam a esfera do serviço público civil: a menor
taxa de participação das mulheres e as desvantagens educacionais da
população negra. Não são barreiras internas ao equilíbrio da representação,
mas externas, sendo que os processos seletivos para o serviço público civil
parecem mesmo contrapor um pouco essas limitações. Assim, frente a tal
situação, não se afiguraria justificável a adoção de medidas afirmativas
generalizadas para o ingresso no serviço público civil, ao menos enquanto
não houver informações mais detalhadas sobre a representação da diversidade
demográfica da população em carreiras específicas. Ou seja, a adoção de
cotas fixas para todas as carreiras de todos os concursos públicos não é
96
CADERNO GRPE • [2]
recomendável de forma alguma. Mas talvez para determinadas carreiras essas
cotas possam ser estabelecidas até que uma meta suficiente de equilíbrio da
representação dos grupos demográficos seja atingida.
A sobre-representação das pessoas negras de nível superior e médio
no serviço público civil, porém, não implica igualdade de tratamento aos
servidores de ambos os grupos raciais. Tampouco há igualdade de tratamento
entre os sexos. Ingressar no serviço público civil é uma coisa; outra é, uma
vez dentro, seguir uma carreira, ganhar promoções que se traduzirão em
aumentos de salários ou ocupar cargos. Nesses aspectos, os servidores
pertencentes aos distintos grupos de raça e sexo se diferenciam, pois tanto
existe associação entre o sexo e a raça das pessoas e a ocupação de cargos ou
o recebimento de funções gratificadas, como a remuneração dos servidores
apresenta razoável sensibilidade ao sexo e à raça das pessoas.
Ao se considerar simplesmente a probabilidade de ocupar um cargo,
ignorando o nível hierárquico deste, constatou-se a existência de diferenças
entre negros e brancos, mas não entre mulheres e homens do mesmo grupo
racial. Mas, quando o interesse se deslocou para o nível do cargo, percebeuse a barreira que se coloca ante a ocupação por elas dos cargos mais elevados.
Essa barreira é mais intensa para as mulheres negras que para as brancas.
E, por outro lado, poderia se dizer que há um trampolim para alçar homens
brancos e negros aos cargos mais elevados, que funciona com maior
intensidade para os primeiros.
Tal situação se manteve apenas parcialmente quando foram
investigadas somente as características do subconjunto de servidores de nível
superior que podem ocupar cargos em quaisquer um dos níveis definidos.
Nesse grupo, especialmente entre os servidores com menor tempo de serviço,
não existem diferenças na probabilidade de simplesmente ocupar cargos: é
a mesma para homens e mulheres, brancos e negros. Todavia, persiste a
barreira de gênero para ascender na hierarquia, bem como a diferença racial
no favorecimento dos homens.
As evidências da existência de algum grau de discriminação
institucional no serviço público civil não se limitaram às diferentes
probabilidades de ocupação de cargos hierarquicamente mais elevados. Ao
se analisar a remuneração dos servidores isolando as variações devidas ao
tempo de serviço, à escolaridade e à ocupação de cargos, verificou-se mais
uma vez o prejuízo das mulheres brancas e das pessoas negras.
Muitos resultados apresentados neste estudo levam a
questionamentos sobre outros aspectos das desigualdades raciais e de gênero
aqui não abordados, como as inserções em carreiras distintas e as
características das trajetórias dos servidores em suas carreiras (vezes que
ocupou cargos, recebeu promoções, etc). Como dito repetidas vezes, esperase que tais questionamentos venham a ser contemplados por investigações
futuras. Por ora, as informações aqui apresentadas sugerem que eventuais
medidas afirmativas a serem tomadas no âmbito do serviço público civil
visem a compensar as desigualdades raciais e de gênero existentes no corpo
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
97
GRPE • OIT
de servidores, pois elas se afiguram intensas. Em outras palavras, o serviço
público civil se beneficiaria de um programa de Gerenciamento da
Diversidade, voltado à equiparação de diferenças entre carreiras e a vieses
afirmativos na distribuição de promoções, de funções, nas designações para
os cargos e também ao aumento quantitativo de mulheres e negros nos
cargos de maior poder discricionário.
No momento, tal programa não existe. Mas, medidas tomadas no
passado, embora sejam atualmente letra morta, mostraram o caminho e
também que o programa seria possível. O fato de tribunais de alto nível e
ministérios já terem realizado licitações que incluíam disposições para
favorecer firmas que tivessem algum tipo de ação afirmativa voltada para
seus funcionários é um indício alentador dessa possibilidade. Também é
um sinal de que, mais do que mudanças no ordenamento jurídico, precisase de vontade política para atuar sobre o problema das desigualdades raciais
e de gênero entre os servidores. Entretanto, o governo não pode se limitar a
coagir, com seu poder de compra, os fornecedores de bens e serviços a adotem
ações afirmativas, tampouco a estabelecerem cotas para a ocupação de cargos,
as principais disposições de suas primeiras iniciativas. Esses tipos de medida
afetam apenas incidentalmente os servidores. São complementares, portanto,
e não devem constituir o eixo principal de uma política de recursos humanos
que vise a mudar o estado de coisas aqui delineado.
Ao assumir que não é dentro do serviço público que devem ser
resolvidos problemas estruturais da sociedade, como a desvantagem
educacional dos negros e a menor taxa de participação das mulheres, viu-se
que não existe nenhum grupo populacional que sofra de déficit severo em
sua representação no serviço público. O único grupo ligeiramente subrepresentado, o das mulheres brancas com nível superior, tem aumentado
seu ingresso relativo em tempos recentes, o que autoriza a concluir que sua
representação se adequará no curto, talvez no médio prazo. O nó górdio das
desigualdades raciais e de gênero, portanto, está nas diferenças entre as
carreiras. Os estudos adicionais que serão necessários para o desenho de
uma política de pessoal potencialmente eficaz terão que se preocupar,
necessariamente, com as desigualdades entre as carreiras e entre os servidores
dos diferentes grupos populacionais.
São duas, por consegüinte, as perguntas cruciais que ficam para as
investigações futuras, perguntas cujas respostas necessariamente suscitam
muitas outras. A primeira seria quanto das desigualdades aqui constatadas
e apresentadas devem-se ao fato de mulheres e negros estarem mais
representados em determinadas carreiras? Em outras palavras, no agregado
do serviço público existe uma representação quase adequada de todos os
grupos populacionais, mas isso ocorre também nas diferentes carreiras?
Responder a esta pergunta envolveria responder outras como: há
relativamente mais negros no PCC do que entre os técnicos do IPEA ou do
Banco Central? Quais são as carreiras mais valorizadas e por quê? Existindo
a segmentação do trabalho no serviço público, ela apresenta peculiaridades
98
CADERNO GRPE • [2]
que a distinguem daquela constatada no mercado de trabalho em geral? A
segunda pergunta seria: uma vez isoladas as diferenças entre carreiras, dentro
delas existem diferenças nas oportunidades de mulheres e negros? Ou seja,
comparando servidores que entraram no mesmo concurso para uma carreira
particular e que possuem características semelhantes, não deve haver
diferenças na quantidade de promoções recebidas por cada grupo, no número
de vezes que pessoas do grupo ocuparam cargos e na hierarquia dos cargos
ocupados, etc. Se elas existirem, devem-se buscar os mecanismos de gestão
que permitirão eliminá-las.
Ainda há muito trabalho a ser feito para que se entenda em
profundidade as desigualdades raciais e de gênero no serviço público. Esperase, sinceramente, que o estudo ora apresentado venha a ser debatido,
discutido, confirmado ou desmentido por outros. Que contribua para
aprofundar o debate sobre esse tema tão importante, que não pode, de
forma alguma, cair no esquecimento.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
99
GRPE • OIT
100
CADERNO GRPE • [2]
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Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
103
GRPE • OIT
104
CADERNO GRPE • [2]
VII. Apêndice
APÊNDICE I - O cadastramento racial dos servidores e a construção
da base de dados empregada no estudo (Capítulo IV)
O cadastramento racial dos servidores no SIAPE
Embora já existisse, no Sistema Integrado de Administração de
Pessoal (SIAPE), um campo destinado à cor ou raça dos servidores desde
meados da década de 1990, até 2002 essa informação não fora coletada.
Com a instituição do Programa Nacional de Ações Afirmativas (vide Capítulo
III), o IPEA e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (então um órgão
do Ministério da Justiça), respectivamente Secretaria-Executiva e Presidência
do Comitê de Avaliação e Acompanhamento do programa, iniciaram uma
discussão com o Ministério do Planejamento para decidir sobre a melhor
forma de proceder com o cadastramento racial dos servidores. Esse
cadastramento forneceria as informações necessárias para dar seqüência ao
Programa Nacional de Ações Afirmativas. A partir daí, durante o segundo
semestre de 2002, foi elaborada uma grande campanha interna em prol do
cadastramento racial dos servidores. O ápice foi uma teleconferência nacional
com os responsáveis pelos departamentos de recursos humanos de vários
órgãos, a qual contou com uma abertura gravada pelo então Presidente da
República, Fernando Henrique Cardoso. Ele enfatizou a importância do
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
105
GRPE • OIT
registro da cor. Os servidores receberam informações sobre a campanha e
foram estimulados a declarar sua cor, enfatizando-se o acesso ao SIAPE, via
internet, para a atualização do cadastro. Por servidores deve-se entender o
conjunto dos servidores federais da União em órgãos da administração direta
(ministérios) e indireta (autarquias e fundações)
O SIAPE é, essencialmente, um sistema desenhado para manter
um cadastro funcional dos servidores públicos da administração direta e
indireta e para gerenciar a folha de pagamentos. Contudo, serve também a
outros fins implicados pelas relações de trabalho. Seus dados são alimentados
por muitas pessoas em vários órgãos, de todas as unidades da federação.
Como contém tanto informações sobre os servidores ativos como inativos,
possui mais de um milhão de pessoas registradas. Considerando-se que cada
servidor possui um extenso conjunto de características e dados individuais
e que todo mês são lançados os salários (que podem ser compostos por mais
de vinte itens de remuneração ou desconto), pode se ter uma idéia da
magnitude do sistema. Tudo isso tornou extremamente lento e trabalhoso o
processo de recuperação dos dados para a construção de uma base específica
para a pesquisa. Optou-se, então, por trabalhar apenas com os dados de um mês:
abril de 2003; com as informações de remuneração sendo relativas a março.
Os resultados do cadastramento e a montagem da base
Ainda que a campanha pelo cadastramento racial dos servidores
não tenha fracassado, não se pode dizer que foi um sucesso absoluto. Embora
em muitos órgãos o nível da resposta à campanha de cadastramento tenha
sido elevado (como se pode ver na tabela no final deste apêndice) no agregado
do serviço público apenas 40% dos servidores ativos em abril de 2003
declarou sua cor. Somando-se isso ao fato de que há muitas imperfeições em
vários registros, como por exemplo, pessoas na ativa que têm idade superior
a da aposentadoria compulsória e pessoas para as quais uma informação
particular não existe, acaba-se com 31% dos registros de servidores ativos ao
se selecionar aqueles que têm completas as informações. Assim, não seria
possível lidar com essa parcela dos casos como se o universo fosse e isso
levou a considerar esse subconjunto de registros como uma amostra dos
servidores ativos.
Todavia, testes empreendidos revelaram que o subconjunto de
registros completos não podia ser considerado uma amostra aleatória simples
do universo dos servidores ativos. Essas pessoas eram um pouco mais novas
e de nível de escolaridade também ligeiramente maior do que o conjunto
dos servidores ativos. Assim, optou-se por tratar os registros completos como
uma amostra estratificada por sexo, idade, tempo de serviço, investidura em
cargo ou função e escolaridade, atribuindo fatores de ponderação – pesos –
às pessoas. Testes subseqüentes sugeriram a adequação dessa estratégia e,
portanto, todos os resultados a serem apresentados levam em consideração
106
CADERNO GRPE • [2]
a amostra expandida pelos pesos definidos. Alguns desses procedimentos
de teste da base são detalhados a seguir.
Ao analisar o nível de resposta ao cadastramento racial, como já
dito, constatou-se que não fora tão alto como inicialmente esperado. A tabela
2, a seguir, mostra que, dos 584 mil ativos do Executivo Civil Federal, apenas
237 mil responderam, o que perfaz um nível de resposta de aproximadamente
40%.
TABELA 2 - Preenchimento do quesito cor/raça no SIAPE –
somente servidores ativos
Cor/raça
Total
Homem
Mulher
Responderam
237 171
131 038
106 133
Ignorado
347 233
190 805
156 428
584 404
321 843
262 561
Total
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Desconsiderando o problema dos registros com informação de cor
que eram incompletos em outros aspectos, o que levou a uma redução
adicional do tamanho da amostra para 31%, fica a pergunta: 40% é um
bom nível de retorno? A resposta a essa pergunta obviamente depende de
quão representativos são estes 40%. Uma primeira hipótese seria a de que
esse percentual corresponderia a uma amostra aleatória do universo total.
Ou seja, segundo essa hipótese, quem não respondeu não o fez porque estava
de férias, porque o computador não funcionou no dia, por ter o pneu do
carro furado ou qualquer outra razão que pode levar as pessoas a não
preencher uma informação administrativa.
Para a confirmação de tal hipótese, seria preciso que a probabilidade
de não responder ao quesito fosse a mesma para negros e para brancos, para
servidores com alta ou baixa instrução, para ocupantes de cargos e servidores
sem cargo e assim por diante. Se assim fosse, uma amostra de 40% em um
universo de 584 mil leva a uma variância na média amostral de 0,00025%
da média populacional. Para estimar, por exemplo, a idade média da
população de servidores a partir da amostra com a mesma variância e com
um erro de 0.1% sobre a estimativa, bastaria que a amostra tivesse
aproximadamente 28,4 mil pessoas. Em outras palavras, 237 mil servidores
constituiriam uma amostra excelente, quase dez vezes maior que a necessária,
se tal amostra fosse efetivamente aleatória.
Para saber se essas 237 mil pessoas podiam ser consideradas uma
amostra aleatória representativa dos 584 mil servidores do Executivo Civil
Federal para fins do estudo das desigualdades raciais e de gênero, o método
mais simples consistia em averiguar se a variação de aspectos observáveis
para toda a população se correlaciona com o nível de não resposta. Seguindo
essa estratégia, foram realizados testes estatísticos para as seguintes variáveis:
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
107
GRPE • OIT
idade, sexo e nível de instrução. Observe-se que o nível de resposta variou
bastante por órgão, como pode ser constatado na tabela apresentada ao fim
desta seção. Porém, como optou-se por tratar o serviço público civil de forma
agregada, sem a distinção de órgãos, o preenchimento por órgão não foi
considerado entre os fatores que poderiam introduzir vieses amostrais.
O gráfico a seguir mostra a distribuição de idade daqueles que responderam
e que não responderam ao quesito cor. Fica bem caracterizado o fato de que os
respondentes são um pouco mais jovens que os não respondentes.
GRÁFICO 42 - Preenchimento do quesito cor/raça no SIAPE –
somente servidores ativos
0.060
População
Amostra
0.050
Diferença
Porcentagem (%)
0.040
0.030
0.020
0.010
0.000
20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
-0.010
Idade
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Essa diferença nos perfis de idade, visível no gráfico, é um forte
indício de que os respondentes não constituem amostra aleatória simples
do universo. Entretanto, apenas um teste estatístico formal pode dizer se,
do ponto de vista da idade, isso é verdade. O teste clássico consiste em
calcular a estatística z, dada pela equação a seguir:
Onde x1 e x2 representam as médias de idade da amostra e a
população, ? 12 e ? 22 representam as variâncias das idades, n1 e n 2
108
CADERNO GRPE • [2]
representam o número de observações e a estatística z se encontra distribuída
normalmente. Quanto menor o valor de z, maior é a probabilidade de que
o subconjunto de respondentes seja realmente uma amostra aleatória do
universo.
A tabela 3 exibe os valores necessários para a realização do teste
baseado na idade dos respondentes.
TABELA 3 - Estatísticas relativas à idade
Média
Número de Observações
Variância (%)
População
46.1
584362
74.43
Amostra
45.0
237169
71.93
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
A partir dos números da tabela 3, foi calculada a estatística z, que
no caso tem o valor 54,6. É um valor bem elevado, ou seja, não há chance
alguma dos 237 mil respondentes constituírem uma amostra aleatória do
universo de 584 mil para fins de estimação da idade média da população.
É importante frisar que, categoricamente falando, não se pode jamais afirmar
que os respondentes são uma amostra, apenas podemos dizer se não são.
No caso da idade, o resultado de z torna obrigatório rechaçar a idéia de que
os respondentes sejam uma amostra.
Ao considerarmos o sexo, a situação é contrária à da idade, isto é,
não se pode negar a possibilidade de que os respondentes constituam uma
amostra. A proporção de homens entre os respondentes é de 55,2% e no
universo é de 55,1%. A variância é de 0,00042 em ambos os grupos de
servidores e, por conseguinte, a estatística z vale 0,07. Com este valor, enfatizase, não se pode afirmar que para sexo os respondentes constituam amostra,
mas também não se pode afirmar que não sejam. A decisão final está sempre
a cargo daquele que toma decisões com o auxílio da estatística.
Finalmente, foi feita a mesma coisa para o nível de instrução.
A tabela 4 mostra o mesmo teste para a proporção pessoas em cada categoria
educacional, já com z calculada. A partir das baixas estatísticas z de cada
nível educacional, seria possível afirmar que não se poderia concluir
categoricamente que o conjunto de respondentes não constitui uma amostra
do universo, no que diz respeito à escolaridade dos servidores. Todavia, a
tabela mostra que entre os respondentes a proporção de servidores com
nível superior é ligeiramente maior que no universo. Por conta dessa
discrepância, z assume um valor um pouco maior, o que contribui para
deixar um pouco de dúvida no ar sobre a possibilidade de negarmos o caráter
amostral dos respondentes.
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
109
GRPE • OIT
TABELA 4 - Estatísticas relativas às categorias de escolaridade
População
Categoria Educacional
Proporção
p(1-p)/n
972
0.00
0.0002
Alfabetizado
10,769
0.02
Fundamental Incompleto
Fundamental Completo
41,951
55,325
0.07
0.09
Analfabeto
Casos
Amostra
Casos
Proporção
p(1-p)/n
z
240
0.00
0.0004
0.03
0.0002
3,979
0.02
0.0004
0.07
0.0002
0.0002
13,925
19,459
0.06
0.08
0.0004
0.0004
0.54
0.52
Médio
175,454
0.30
0.0002
69,516
0.29
0.0004
0.29
Superior
299,910
0.51
0.0002
130,051
0.55
0.0004
1.45
Total
584,381
1.00
237,170
1.00
Fonte: MPOG/SRH, SIAPE, abril de 2003.
Portanto, como já adiantado, os testes revelam que a amostra não
pode ser considerada aleatória simples, pois há um tipo de comportamento
de não resposta sistemático. Os servidores que não respondem são, em média,
mais velhos e menos educados que aqueles que respondem, embora tenham
quase que exatamente a mesma composição por sexo. Entretanto, os
resultados informam que seja qual for o viés causado por essas probabilidades
diferenciadas de resposta, ele deve ser bem pequeno. É interessante ainda
ressaltar que a ênfase na internet como meio do cadastramento pode ter
influído no perfil dos servidores que responderam à campanha, pois é lícito
supor que pessoas mais jovens e mais educadas tenham mais facilidade de
acesso a computadores, daí serem ligeiramente mais freqüentes entre os
respondentes.
Dadas as características da base de dados obtida, existiriam três
formas distintas de proceder a inferências sobre o universo dos servidores a
partir da amostra de respondentes:
?Sabendo-se que, a despeito de os respondentes não constituírem
amostra aleatória, as diferenças nas probabilidades de se encontrar
certos grupos na amostra são muito pequenas, poderia se tratar a
amostra como aleatória com a consciência de que eventuais
resultados poderiam ser ligeiramente enviesados.
?Poderia se tirar dos respondentes uma outra amostra, menor, na
qual as proporções do universo estivessem respeitadas, perdendo
assim informação, mas ganhando representatividade.
?Poderia se ponderar os dados usando as relações entre o universo e
a amostra e calcular todas as estatísticas usando os pesos obtidos,
mantendo informação e garantindo mais representatividade.
Por acreditar-se do que a terceira solução seria a melhor, uma vez
que não perdemos precisão e ganhamos representatividade, optou-se por
adotá-la análise. Antes, porém, de calcular os pesos, foi selecionado um
subconjunto dos respondentes que possuía o registro completo, isto é, que
possuíam todas as informações que seriam empregadas no estudo. Devido a
110
CADERNO GRPE • [2]
essa filtragem final, a base de estudos ficou com 177.841 casos.
APÊNDICE II – Indicador «S» de sub ou sobre-representação
(Capítulo IV)
O indicador «S» usado para aferir a existência e a intensidade da sub
ou da sobre-representação de determinados grupos é uma espécie de Q de
Yule adaptado. Ele mede a discrepância entre as proporções em que um
grupo se apresenta em uma população de referência e na população de
interesse, no caso os servidores do serviço público civil. Em essência, é uma
normalização da razão entre a chance de se encontrar alguém do grupo em
foco na população em estudo e a chance de se encontrar alguém deste mesmo
grupo na população de referência. Chance é a razão entre a probabilidade
de ocorrência de um evento e a probabilidade de que esse mesmo evento
não ocorra. A fórmula de cálculo desse indicador é a seguinte:
S?
ln p spc ? ln(1 ? p spc ) ? ln p ref ? ln(1 ? p ref ) ? 1
ln p spc ? ln(1 ? p spc ) ? ln p ref ? ln(1 ? p ref ) ? 1
Onde pspc é a probabilidade de encontrar alguém do grupo em
questão no serviço público civil e pref a probabilidade de encontrar um
membro do grupo na população de referência. No caso do estudo
apresentado no Capítulo 4, a população de referência podia ser a população
brasileira de 20 a 69 anos ou a população economicamente ativa da mesma
faixa etária. Na análise da distribuição dos servidores pelos níveis da
hierarquia dos cargos, usou-se também a população de ocupantes de cargos
como referência.
O indicador «S» pode ser positivo, neutro ou negativo. O valor «0»
indicaria a neutralidade, a ausência de sub ou sobre-representação. Valores
negativos indicam sub-representação e valores positivos, sobre-representação.
«S» se aproximaria dos valores extremos (+1 ou –1) na situação
hipotética em que a probabilidade de um grupo no serviço público civil
fosse próxima a zero e no grupo de referência próxima a 1 ou o contrário.
APÊNDICE III – Classificação de Cargos e Funções (Capítulo IV)
A classificação de cargos em comissão e funções gratificadas,
empregada no Capítulo IV, contempla os seguintes grupos (em ordem
alfabética):
?Cargo de Direção das Instituições Federais de Ensino Superior - CD
?Cargos de Natureza Especial – NES
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
111
GRPE • OIT
?Função Comissionada Técnica – FCT
?Função Gratificada – FGR
?Função Gratificada das Instituições Federais de Ensino Superior –FG
?Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS
Existem alguns outros grupos de cargos e funções que não constam
da relação acima, mas são «raros»: 96% dos cargos e funções dos servidores
ativos em abril de 2003 se enquadravam em um desses grupos. Todos têm
distinções internas de nível. Assim, um DAS 6 é bem similar a um CD 1,
tanto em nível hierárquico dos que os ocupam na estrutura de poder de
suas instituições, como na remuneração integral ou na parcela recebida. A
classificação final levou em consideração o nível hierárquico e a remuneração
(adicional ou integral) ficando com seis categorias:
#
Categoria
Remuneração
Cargos e funções incluídos
1
Sem cargo
---
---
2
Cargos Inferiores
R$ 26 a R$ 476
FCT 13 a 15; FGR 1 a 3; FG 2 a 9
3
Cargos Médio-Inferiores
R$ 500 a R$ 1.390
DAS 1 e 2; FCT 7 a 12; FG 1
4
Cargos Médios
R$ 1.560 a R$ 2.800
DAS 3; CD 4; FCT 3 a 6
5
Cargos Médio-Superiores
R$ 3.300 a R$ 4.850
DAS 4; CD 2 e 3; FCT 1 e 2
6
Cargos Superiores
R$ 5.600 a R$ 8.000
NES; DAS 5 e 6; CD 1
Esses eram os valores vigentes em abril de 2003. As principais normas
jurídicas reguladoras desses cargos e funções eram as seguintes:
?Lei nº 9.640, maio de 1998
?Lei nº 10.470, junho de 2002
?Decreto nº 4.567, janeiro de 2003
112
CADERNO GRPE • [2]
APÊNDICE IV – Equação de salários (Capítulo IV)
Foram especificados dois modelos para o estudo da variação dos
salários:
ln(s) = ? + ßS + ßR + ßEm + ßEs + ßCi + ßCmi + ßCm + ßCms + ßCs + ßT2 + ßT + e
[1]
ln(s) = ? + ßHn + ßMb + ßMn + ßEm + ßEs + ßCi + ßCmi + ßCm + ßCms + ßCs + ßT2 + ßT + e
[2]
Os termos comuns aos dois modelos são:
ln(s) = Logaritmo do salário
a = Intercepto
bT 2 + bT = Tempo de serviço
bCi a bCs = Variáveis dicotômicas para o nível hierárquico do cargo
ocupado segundo a classificação adotada para o estudo. A categoria
de base é sem cargo; i = inferior, m = médio e s = superior
bE m e bE s = Variáveis dicotômicas para o nível de escolaridade, médio
e superior. A categoria base é «fundamental»
e = resíduo
No primeiro modelo [1]:
bS = Variável dicotômica para sexo; categoria base: homens
bR = Variável dicotômica para raça; categoria base: brancos
No segundo modelo [2]:
bHn = Variável dicotômica para homens negros;
bM b = Variável dicotômica para mulheres brancas;
bM n = Variável dicotômica para mulheres negras;
Categoria base das três variáveis acima: homens brancos
Tabela 5 - Estatísticas dos modelos 1 e 2
Casos
Graus de
Liberdade
2
R
Soma dos Quadrados
Explicada
Residual
F
Modelo 1
177841
11
0,314
74467,13
162898,6
7390,26
Modelo 2
177841
12
0,314
74481,41
162884,4
6776,26
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
113
GRPE • OIT
Tabela 6 - Estimativas dos parâmetros do modelo 1
Modelo 1
?
Erro padrão
t
Intercepto - ?
7,0480
0,0054
1318,4629
Escolaridade média - ? Em
0,2113
0,0038
55,4361
Escolaridade superior - ? Es
206,3450
0,7501
0,0036
Cargo inferior - ? Ci
0,0545
0,0052
10,5513
Cargo médio inferior - ? Cmi
0,3735
0,0
080
46,4872
Cargo médio - ? Cm
0,4314
0,0136
31,6290
Cargo médio superior- ? Cms
0,6580
0,0200
32,8949
Cargo superior- ? C s
0,9832
0,0674
14,5894
Tempo de serviço - ? T
0,0004
0,0000
28,1180
Tempo de Serviço - ? T
-0,0135
0,0005
26,0389
-
Sexo - ? S
-0,1270
0,0026
49,3036
-
Raça - ? R
-0,0881
0,0028
31,8497
-
2
2
Tabela 7 - Estimativas dos parâmetros do modelo 2
Modelo 2
Erro padrão
t
Intercepto - ?
7,0520
0,0054
1295,8674
Escolaridade média - ? Em
0,2106
0,0038
55,2244
Escolaridade superior - ? Es
0,7495
0,0036
206,0282
Cargo inferior - ? Ci
0,0547
0,0052
10,5896
Cargo médio inferior - ? Cmi
0,3734
0,0080
46,4762
Cargo médio- ? Cm
0,4312
0,0136
31,6121
Cargo médio superior- ? Cms
0,6579
0,0200
32,8930
Cargo superior- ? Cs
0,9827
0,0674
14,5813
Tempo de serviço - ? T
2
114
?
2
0,0004
0,0000
28,1150
Tempo de serviço - ? T
-0,0136
0,0005
-26,0585
Homens negros - ? Hn
-0,0976
0,0037
-26,6094
Mulheres brancas - ? M b
-0,1344
0,0032
-42,2285
Mulheres negras - ? M n
-0,2109
0,0039
-53,8380
CADERNO GRPE • [2]
Desigualdades
raciais e de
gênero
no serviço
público civil
115
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Este caderno foi composto em maio de 2006 com as fontes Goudy Old Style para o texto e Franklin
Gothic Demi Cond para os destaques.
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Desigualdades raciais e de gênero no serviço público