É possível aprender com a experiência de uma crise? Quando Robert Shiller, autor do livro "Exuberância Irracional", esteve no Brasil, em 2007, perguntei se ele acreditava que as pessoas poderiam aprender com a experiência de atravessar crises no mercado financeiro, como o crescimento de bolhas e os inevitáveis estouros, em geral acompanhados de pânico. Sua resposta: "Sou cético a esse respeito". No livro, Shiller analisa a "bolha especulativa" do mercado americano dos anos 90 com base em fatores estruturais, culturais e psicológicos (ele é casado com uma psicóloga!). Hoje sabemos que a euforia das empresas pontocom daquela época desabou em 2000, dando tombos espetaculares em muitos investidores. O fato foi amplamente noticiado pela mídia, além de ser alvo de inúmeros estudos acadêmicos. Isso nos vacinou contra bolhas? O cenário atual mostra que não. Desta vez, foi a bolha das hipotecas que inchou até a atual derrocada. Faz diferença serem papéis atrelados a empresas pontocom ou a hipotecas lastreadas por crédito duvidoso? Parece que não. O processo talvez seja: "eu topo entrar na parada, a despeito das sinalizações de que pode ser uma fria, desde que mantenha aspectos desconfortáveis da situação, como seu potencial de risco, por exemplo, distantes da minha consciência". Observe este outro raciocínio: "estes títulos representam promessa de pagamento por parte de indivíduos que não têm condições de honrá-los e, ao se tornarem inadimplentes, terão suas propriedades confiscadas; quando muitas delas tiverem esse destino, o mercado imobiliário viverá um grande aumento de oferta e isso costuma induzir queda de preço; logo, estes títulos perderão valor no curto e médio prazos e minhas aplicações ficarão ameaçadas". Neste caso, um raciocínio como este não permanece acessível na mente do investidor. Warren Buffett, aliás, teria dito que, para ter sucesso em investimentos, ter QI 25 já basta. (A faixa normal de QI fica entre 90 e 110). Então, se a dificuldade não é cognitiva, onde buscar explicação para ela senão na dimensão emocional, que é a matriz de nossos pensamentos? Aí, encontramos pistas mais consistentes, embora não sejam as mais simpáticas do mundo. Por outro lado, entrar pelo cano feio é simpático? Portanto, vamos aproveitar esta oportunidade para pensar, pois sabemos que só nos mexemos mesmo quando a água bate no nariz. Se passamos pela crise atribuindo a responsabilidade só aos outros, ao azar, à falta de regulamentação e ao excesso de crédito, e nos eximirmos de qualquer participação na encrenca, abriremos mão de aprender com essa experiência - e seremos condenados a repeti-la cedo ou tarde. Sim, houve má fé, ganância e inconseqüência por parte de inúmeros gestores, privados e públicos, que empurraram o lixo em efeito dominó até não ter mais como segurar. Mas isso também ocorreu porque outros desejaram acreditar que aquela folia podia emplacar. A brincadeira só acabou, e mal, porque não caiu grana para todos. Ao contrário, é uma conta de trilhões que ameaça aterrissar em nosso colo. Mas é bom lembrar: os agentes econômicos somos todos nós e, se não nos apropriarmos de nossas decisões, reconhecendo-as como nossas e sendo capazes de examinar com isenção o que nos conduziu àquelas escolhas, não seremos capazes de aprender com elas e seguiremos vulneráveis a novas investidas. Sim, foi mais um caso do velho rosário de vieses, do otimismo excessivo à dificuldade de entrar em contato com equívocos passados e com cenários que não encaixam em nossas expectativas, passando por auto-confiança exagerada, inapetência pelo contato com a realidade em todos os seus aspectos. Isso tudo dentro do funcionamento mental mais primitivo, que só obedece à lei cega do desejo e à intolerância à frustração, e opera aquelas divisões radicais em nossa mente - o paraíso ou o inferno. Em geral, nem uma coisa, nem outra. Mas se dar conta das nuances implica mais trabalho psíquico, por isso simplificamos a tarefa de perceber e avaliar os dados - e depois amargamos prejuízos. Se a crise tiver algum aspecto positivo, acredito que seria este: como as visões de sempre não dão conta de explicar, nem de reduzir, a angústia reinante, abrem-se frestas para outros modelos de pensamento, quiçá mais sustentáveis, para o investidor e para o planeta. Fonte: Valor Econômico Autora: Vera Rita de Mello Ferreira