“A inclusão das pessoas com deficiência e/ou limitação funcional no mercado de trabalho brasileiro em 2000 e 2010 – Panorama e mudanças em uma década ♦” ♠ Vinicius Gaspar Garcia • Alexandre Gori Maia Palavras chave: pessoas com deficiência; inclusão e cidadania; mercado de trabalho. ♦ Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP – Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012. ♠ Doutor em Economia Social e do Trabalho (Unicamp). Pesquisador na Faculdade de Campinas (Facamp). • Doutor em Economia Social e do Trabalho (Unicamp). Professor no Instituto de Economia da Unicamp. 1 Resumo: Este trabalho analisa a dinâmica da inserção no mercado de trabalho brasileiro das “pessoas com deficiência” (PcD) e de um grupo distinto de “pessoas com limitação funcional” (PLF), entre os anos de 2000 e 2010, com base nos resultados dos últimos Censos Demográficos. O contingente de “pessoas com deficiência” (PcD) é dado por aqueles que disseram ter “total” ou “grande” incapacidade para enxergar, ouvir e/ou andar/subir escadas; acrescidos daqueles que assinalaram “sim” quanto à “deficiência intelectual/mental”. Já as “pessoas com limitação funcional” (PLF) declararam ter apenas “alguma” dificuldade para enxergar, ouvir e/ou andar/subir escadas, nos termos do questionário amostral do IBGE. Tal separação busca apurar com mais precisão a dinâmica populacional e de inserção no trabalho de um contingente de pessoas com níveis maiores de limitação física, sensorial ou cognitiva, separando-o do conjunto de indivíduos com impedimentos “mais leves”. Para ambos, entre 2000 e 2010, busca-se avaliar: a) a freqüência absoluta e relativa no conjunto da população; b) indicadores de atividade, ocupação e desocupação no mercado de trabalho; c) características sociais e de escolaridade; d) distribuição da população ocupada pela posição na ocupação, setores de atividade econômica e classes de rendimento. Serão feitas também comparações com os indicadores de um terceiro grupo populacional que não declarou qualquer tipo de deficiência e/ou incapacidade funcional (PsDLF). A hipótese do trabalho é que as pessoas com deficiência (PcD) – ao enfrentarem condições mais adversas em termos de formação escolar e acesso ao trabalho, decorrentes, muitas vezes, das barreiras e obstáculos ainda existentes na sociedade – apresentem desvantagens em termos da dinâmica dos indicadores sócio-econômicos observados tanto na população em geral (PsDLF) como no segmento populacional com limitações funcionais (PLF). A apresentação dos dados é precedida por uma seção teórica em que se pretende recuperar as principais características do processo histórico de auto-afirmação e conquista da cidadania das pessoas com deficiência. Fundamentalmente, a ideia é descrever como, ao longo do tempo, foi sendo alterado o “status social” dessas pessoas, vistas durante décadas – e mesmo recentemente – como “inválidas” ou “incapazes” e hoje compreendidas como cidadãos com direitos e deveres, aptos a contribuir no mercado de trabalho e outras esferas sociais. Ao final, discutem-se políticas e ações que poderiam incrementar e aprimorar as condições de participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro. 2 Introdução A partir do Censo Demográfico de 2000, o IBGE inclui no questionário da amostra o tema das pessoas com deficiência e limitação funcional. Pôde-se, pela primeira vez de forma mais abrangente e detalhada, conhecer a prevalência de limitações de ordem física, sensorial e/ou cognitiva na população brasileira. Além da freqüência absoluta e relativa na população, conheceram-se aspectos sócios-econômicos deste segmento populacional caracterizado por um histórico de marginalização, invisibilidade e exclusão social 1. Até então, os problemas e mazelas sociais pelos quais passavam as pessoas com deficiência estavam inseridos na questão mais ampla da exclusão e desigualdade social brasileira. Paulatinamente, este grupo populacional foi superando uma condição de invisibilidade e passou a se organizar politicamente, assim como ocorreu com outros segmentos ou “minorias sociais” (mulheres, negros e homossexuais, por exemplo). Dentre outros direitos conquistados, exigiu-se dos órgãos públicos a introdução da temática da deficiência nos Censos Demográficos, no intuito de conhecer melhor esta população e as especificidades que as envolvem. Nesse artigo, será apresentada uma série de resultados observados nos Censo Demográficos de 2000 e de 2010, que mais uma vez tratou da questão da deficiência e funcionalidade no questionário amostral. Especificamente, busca-se avaliar: a) a freqüência absoluta e relativa no conjunto da população das pessoas com deficiência; b) indicadores de atividade, ocupação e desocupação no mercado de trabalho; c) características sociais e de escolaridade; d) distribuição da população ocupada pela posição na ocupação, setores de atividade econômica e classes de rendimento. A apresentação desses dados será precedida por uma seção teórica em que se pretende recuperar as principais características do processo histórico de auto-afirmação e conquista da cidadania das pessoas com deficiência. Fundamentalmente, a ideia é descrever como, ao longo do tempo, foi sendo alterado o “status social” dessas pessoas, vistas durante décadas – e até recentemente – como “inválidas” ou “incapazes” e hoje compreendidas como cidadãos com direitos e deveres, aptos a contribuir no mercado de trabalho e outras esferas sociais (Figueira, 2008). Para que se possa apurar com mais precisão a dinâmica populacional e de inserção no trabalho de um contingente de pessoas com níveis maiores de limitação física, sensorial e/ou cognitiva, separando-o do conjunto de indivíduos com impedimentos “mais leves”, optou-se pela seguinte metodologia de análise: 1) “pessoas com deficiência” (PcD) são aqueles que disseram ter “total” ou “grande” incapacidade para enxergar, ouvir e/ou andar/subir escadas; acrescidos daqueles que assinalaram “sim” quanto à “deficiência intelectual/mental”, nos termos do questionário da amostra do IBGE; 2) “pessoas com limitação funcional” (PLF) declararam ter apenas “alguma” dificuldade para enxergar, ouvir e/ou andar/subir escadas; 3) pessoas que não declararam qualquer tipo de deficiência e/ou incapacidade funcional (PsDLF). A hipótese do trabalho é que as pessoas com deficiência (PcD) – ao enfrentarem condições mais adversas em termos de formação escolar e acesso ao trabalho, decorrentes, muitas vezes, das barreiras e obstáculos ainda existentes na sociedade – apresentem 1 Na verdade, cumprindo uma determinação legal – artigo 17 da Lei 7.853/89 – já no Censo de 1991 foi incluída uma questão para estimar a incidência da deficiência na população. Mas isso se fez de maneira limitada e pouco aprofundada, ao passo que no Censo de 2000 estabeleceu-se uma parceria entre o IBGE e a então Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), órgão de assessoria da Presidência da República nessa área. Foram feitos estudos prévios e se definiu que a investigação sobre o tema seria feita com base na CIF – Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidades e Saúde, em consonância com pesquisas realizadas em outros países (estratégia repetida para o Censo de 2010). 3 desvantagens em termos da dinâmica dos indicadores sócio-econômicos observados tanto na população em geral (PsDLF) como no segmento populacional com limitações funcionais (PLF). Em termos da estrutura do artigo, além desta seção introdutória, apresentam-se os seguintes itens: 1) contexto histórico de luta pela cidadania das pessoas com deficiência; e 2) dados e indicadores sócio-econômicos com base nos Censos Demográficos de 2000 e 2010. Ao final, discutem-se políticas e ações que poderiam incrementar o processo de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro. I – Contexto histórico, luta pela superação da invisibilidade e conquista da cidadania As sociedades sempre conviveram com a existência de indivíduos com diferentes graus de limitação física, sensorial (visual ou auditiva) e/ou cognitiva. Desde os primórdios de nossa história, existem registros da presença de pessoas com deficiência nas mais variadas culturas (Silva, 1987). Tal constatação pode parecer óbvia ou desnecessária, mas é necessária porque, muitas vezes, o tema das pessoas com deficiência é tratado como algo “novo”. Na verdade, embora sempre tenham existido indivíduos nessa condição, o que muda ao longo da história – e recentemente – é a “percepção social” em relação a essas pessoas, tidas durante muito tempo como “desafortunadas”, “inválidas” e “incapazes” de qualquer contribuição produtiva e/ou participação social (consideradas quase sempre como um peso ou fardo individual para suas famílias). Nessa seção, busca-se pontuar aspectos chaves deste processo histórico, identificando mudanças no “status social” das pessoas com deficiência. Para tanto, utilizam-se as contribuições de Silva (1987) e Figueira (2008), que recorrem ao estudo da História para localizar referências e diferentes formas de participação social deste grupo populacional. Curiosamente, tais autores se referem a essa trajetória histórica de uma forma que caracteriza aquilo que parece ser o principal aspecto da luta pela cidadania e inclusão das pessoas com deficiência: a superação da invisibilidade. Silva (1987) descreve o que ele chama de “epopéia ignorada” e Figueira (2008) trata do “caminhar em silêncio” daqueles com limitações físicas, sensoriais e/ou cognitivas ao longo da História 2. I.1 – A “epopéia ignorada” na História Mundial As pessoas com deficiência, via de regra, receberam dois tipos de tratamento quando se observa a História Antiga e Medieval: a rejeição e eliminação sumária, de um lado, e a proteção assistencialista e piedosa, de outro. Na Roma Antiga, tanto os nobres como os plebeus tinham permissão para sacrificar os filhos que nasciam com algum tipo de deficiência. Da mesma forma, em Esparta, os bebês e as pessoas que adquiriam alguma 2 É preciso observar que o percurso histórico no qual, gradativamente, pessoas com deficiência foram sendo incorporadas ao tecido ou estrutura social foi, de maneira geral, um processo errático, não-linear e marcado, invariavelmente, por trajetórias individuais. Não se pode visualizar um movimento único e homogêneo de integração, pois os sentimentos e a maneira pela qual a sociedade enxergava as pessoas com deficiência variavam também de um país para outro num mesmo período. Durante o século XX, por exemplo, pessoas com deficiência foram submetidas a “experiências científicas” na Alemanha nazista de Hitler. Ao mesmo tempo, mutilados de guerra eram considerados heróis em países como os EUA, recebendo honrarias e tratamento em instituições do governo. Mesmo com essa ressalva, utilizando as referências citadas acima, vale a pena tentar descrever, de maneira bastante objetiva, tendências mais gerais desse movimento histórico que culmina com a emancipação social das pessoas com deficiência e sua organização enquanto grupo político reivindicatório de direitos civis, sociais e econômicos. 4 deficiência eram lançados ao mar ou em precipícios. Já em Atenas, influenciados por Aristóteles – que definiu a premissa jurídica até hoje aceita de que “tratar os desiguais de maneira igual constitui-se em injustiça” – os deficientes eram amparados e protegidos pela sociedade. Silva (1987) descreve inúmeros episódios e/ou referências históricas aludindo ao contingente de pessoas com deficiência. Não cabe aqui reproduzir esta narrativa, que parte da História Antiga e termina já no final do século XX. Mas é interessante realçar alguns aspectos trabalhados por este autor na “epopéia ignorada” das pessoas com deficiência ao longo da História. Depois de relatar práticas de eliminação sumária ao nascer de crianças com deficiência na Grécia Antiga e a exploração, sexual inclusive, de pessoas com deficiência na Roma Antiga, Silva (2007) chama atenção para o fato de que o advento do Cristianismo significou, em diferentes aspectos, uma mudança na forma pela qual as pessoas com deficiência eram vistas e tratadas pela sociedade. De maneira geral, tal mudança deveu-se ao próprio conteúdo da doutrina cristã, voltado para a caridade, humildade, amor ao próximo, para o perdão das ofensas, para a valorização e compreensão da pobreza e da simplicidade da vida. Estes princípios encontraram respaldo na vida de uma população marginalizada e desfavorecida, dentro da qual estavam aqueles que eram vítimas de doenças crônicas, de defeitos físicos ou de problemas mentais. A influência cristã e seus princípios de caridade e amor ao próximo contribuíram, em particular a partir do século IV, para a criação de hospitais voltados para o atendimento dos pobres e marginalizados, dentre os quais indivíduos com algum tipo de deficiência. O período conhecido como Idade Média, entre os séculos V e XV, traz algumas informações e registros (preocupantes) sobre pessoas com deficiência. Continuaram a existir, na maioria das vezes controlados e mantidos por senhores feudais, locais para o atendimento de doentes e deficientes. As referências históricas enfatizam, porém, o predomínio de concepções místicas, mágicas e misteriosas sobre a população com deficiência. As incapacidades físicas, os sérios problemas mentais e as malformações congênitas eram considerados, quase sempre, como sinais da ira divina, taxados como “castigo de Deus”. A própria Igreja Católica, que havia contribuído positivamente para ao menos pregar solidariedade em relação às pessoas com deficiência, adota comportamentos discriminatórios e de perseguição, substituindo a caridade pela rejeição àqueles que fugiam de um “padrão de normalidade”, seja pelo aspecto físico ou por defenderem crenças alternativas, em particular no período da Inquisição nos séculos XI e XII. No final do século XV, a questão das pessoas com deficiência estava completamente integrada ao contexto de pobreza e marginalidade em que se encontrava grande parte da população. É claro que exemplos de caridade e solidariedade para com pessoas com deficiência também existiram durante a Idade Média, mas as referências gerais desta época situam pessoas com deformidades físicas, sensoriais ou mentais na camada mais ampla de excluídos, pobres, enfermos ou mendigos. Dando seqüência ao seu percurso histórico, Silva (1987) argumenta que o período conhecido como “Renascimento” não resolveu, naturalmente, esta situação de maneira imediata. Mas, sem dúvida, ele marca uma fase mais esclarecida da humanidade e das sociedades em geral, com o advento de direitos reconhecidos como universais, a partir de uma filosofia humanista e com o avanço da ciência. Entre os séculos XV e XVII, no mundo europeu cristão, ocorreu uma paulatina e inquestionável mudança sócio-cultural, cujas marcas principais foram o reconhecimento do valor humano, o avanço da ciência e a libertação quanto a dogmas e crendices típicas da Idade Média. De certa forma, o homem deixou de ser um escravo dos “poderes naturais” ou da ira divina. Esse novo modo de pensar, revolucionário sob muitos aspectos, “alteraria a vida do homem menos privilegiado também, ou seja, a imensa legião de pobres, dos enfermos, enfim, dos marginalizados. E dentre eles, 5 sempre e sem sombra de dúvidas, os portadores de problemas físicos, sensoriais ou mentais” (Silva, 1987, p. 226). A partir desse momento, fortalece-se a idéia de que o grupo de pessoas com deficiência deveria ter uma atenção própria, não sendo relegado apenas à condição de uma parte integrante da massa de pobres ou marginalizados. Isso se efetivou através de vários exemplos práticos e concretos. No século XVI, foram dados passos decisivos na melhoria do atendimento às pessoas portadoras de deficiência auditiva que, até então, via de regra, eram consideradas como “ineducáveis”, quando não possuídas por maus espíritos. Ao longo dos séculos XVI e XVII, em diferentes países europeus, foram sendo construídos locais de atendimento específico para pessoas com deficiência, fora dos tradicionais abrigos ou asilos para pobres e velhos. A despeito das malformações físicas ou limitações sensoriais, essas pessoas, de maneira esporádica e ainda tímida, começaram a ser valorizadas enquanto seres humanos. Chegando ao século XIX, é interessante registrar a forma como o tema das pessoas com deficiência era tratado nos EUA. Neste país, já em 1811, foram tomadas providências para garantir moradia e alimentação a marinheiros ou fuzileiros navais que viessem a adquirir limitações físicas. Assim, desde cedo, estabeleceu-se uma atenção específica para pessoas com deficiência nos EUA, em especial para os “veteranos” de guerras ou outros conflitos militares. A assistência e a qualidade do tratamento dado não só para pessoas com deficiência como para população em geral tiveram um substancial avanço ao longo do século XX. No caso das pessoas com deficiência, o contato direto com elevados contingentes de indivíduos com seqüelas de guerra exigiu uma gama variada de medidas. A atenção às crianças com deficiência também aumentou, com o desenvolvimento de especialidades e programas de reabilitação específicos. No período entre Guerras é característica comum nos países europeus – Grã-Bretanha e França, principalmente, e também nos EUA – o desenvolvimento de programas, centros de treinamento e assistência para “veteranos” de guerra. Na Inglaterra, por exemplo, já em 1919, foi criada a Comissão Central da Grã-Bretanha para o Cuidado do Deficiente. Depois da II Guerra, esse movimento se intensificou no bojo das mudanças promovidas nas políticas públicas pelo Welfare State. Dado o elevado contingente de amputados, cegos e outras deficiências físicas e mentais, o tema ganha relevância política no interior dos países e também internacionalmente, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). A “epopéia ignorada” das pessoas com deficiência passaria a ser objeto do debate público e ações políticas, assim como outras questões de relevância social, embora em ritmos distintos de um país para o outro. Em suma, nesse panorama histórico – objetivo e pontual – buscou-se apenas resgatar elementos para uma visão geral acerca da temática das pessoas com deficiência. Da execução sumária ao tratamento humanitário passaram-se séculos de história, numa trajetória irregular e heterogênea entre os países (e entre as próprias pessoas com deficiência). Apesar disso, é possível visualizar uma tendência de humanização desse grupo populacional. É verdade que, até na atualidade, existem exemplos de discriminação e/ou maus-tratos, mas o amadurecimento das civilizações e o avanço dos temas ligados à cidadania e aos direitos humanos provocaram, sem dúvida, um novo olhar em relação às pessoas com deficiência 3. 3 Deve-se registrar que, mesmo nos dias de hoje, a situação das pessoas com deficiência em países com alto grau de subdesenvolvimento e pobreza, como em algumas regiões da África, ou, por exemplo, países envolvidos em confrontos militares, como o Iraque ou o Afeganistão, possivelmente não difere muito das condições de vida daqueles com limitações físicas, sensoriais ou cognitivas em períodos remotos da nossa História, em que pessoas com deficiência eram obrigadas a conviver com situações desumanas e degradantes. 6 I. 2 – A trajetória das pessoas com deficiência na História do Brasil – “Caminhando em silêncio” Os arquivos da História brasileira registram referências variadas a “aleijados”, “enjeitados”, “mancos”, “cegos” ou “surdos-mudos”. No entanto, assim como ocorria no continente europeu, a quase totalidade dessas informações ou comentários está diluída nas menções relativas à população pobre e miserável. Ou seja, também no Brasil, a pessoa com deficiência foi incluída, por vários séculos, dentro da categoria mais ampla dos “miseráveis”, talvez o mais pobre entre os pobres. Figueira (2008) realiza trajetória semelhante àquela de Silva (1987), mas concentra-se na história do Brasil. Em linhas gerais, observa, em primeiro lugar, três dimensões: a) a política de exclusão ou rejeição das pessoas com algum tipo de deficiência praticada pela maioria dos povos indígenas; b) os maus-tratos e a violência como fatores determinantes da deficiência nos escravos africanos; c) a disseminação de doenças, particularmente dentre os europeus, como causadora de seqüelas incapacitantes. Sobre o primeiro aspecto, são reproduzidos relatos históricos que atestam condutas, práticas e costumes indígenas que significavam a eliminação sumária de crianças com deficiência ou a exclusão daquelas que viessem a adquirir algum tipo de limitação física ou sensorial. Tais costumes, como vimos, não diferem muito daqueles também observados em outros povos da História Antiga e Medieval, onde a deficiência, principalmente quando ocorria no nascimento de uma criança, “não era vista com bons olhos”, mas sim entendida como um mau sinal, castigo dos deuses ou de forças superiores. As crendices e superstições associadas às pessoas com deficiência continuaram a se reproduzir ao longo da história brasileira. Assim como os curandeiros indígenas, os “negrofeiticeiros” também relacionavam o nascimento de crianças com deficiência a castigo ou punição. Porém, longe de ser um mal sobrenatural, a deficiência física ou sensorial (visual ou auditiva) nos negros escravos decorreu, inúmeras vezes, dos castigos físicos a que eram submetidos. Os documentos oficiais da época não deixam dúvidas quanto à violência e crueldade dos castigos físicos aplicados tanto nos engenhos de açúcar como nas primeiras fazendas de café. O rei D. João V, por exemplo, em alvará de 03 de março de 1741, define expressamente a amputação de membros como castigo aos negros fugitivos que fossem capturados (Figueira, 2008). Uma variedade de punições, do açoite à mutilação, eram previstas em leis e contavam com a permissão (e muitas vezes anuência) da Igreja Católica. Talvez o número de escravos com deficiência só não tenha sido maior porque tal condição representava prejuízo para o seu proprietário, que não podia mais contar com aquela mão-deobra. Os colonos portugueses, desde o momento em que chegaram à “América Portuguesa”, sofreram com as condições climáticas, como o forte calor, além da enorme quantidade de insetos. Estas características tropicais repercutiram na saúde e bem-estar dos europeus, sendo que “algumas dessas enfermidades de natureza muito grave chegaram a levá-los a aquisição de severas limitações físicas ou sensoriais” (Figueira, 2008, p. 55). Observando a formação da população no Brasil Colonial, o historiador da medicina Licurgo Santos Filho acentua que: “tal e qual como entre os demais povos, e no mesmo grau de incidência, o brasileiro exibiu casos de deformidades congênitas ou adquiridas. Foram comuns os coxos, cegos, zambros e corcundas” (Santos Filho apud Figueira, 2008, p. 56). As condições de tratamento da maioria das enfermidades não eram adequadas e continuariam assim por várias décadas. Já no século XIX, a questão da deficiência aparece de maneira mais recorrente em função do aumento dos conflitos militares (Canudos, outras revoltas regionais e a guerra contra o Paraguai). O general Duque de Caixas externou ao Governo Imperial suas preocupações com os soldados que adquiriam deficiência. Foi então inaugurado no Rio de 7 Janeiro, em 29 de julho de 1868, o “Asilo dos Inválidos da Pátria”, onde “seriam recolhidos e tratados os soldados na velhice ou os mutilados de guerra, além de ministrar a educação aos órfãos e filhos de militares” (Figueira, 2008, p. 63). Apesar da intenção humanitária, as referências históricas expressam um quadro de extrema precariedade no funcionamento da instituição durante o período imperial . Mesmo assim, e certamente com alguma melhora nas condições de atendimento, o Asilo Inválidos da Pátria permaneceu funcionando por 107 anos, somente sendo desativado em 1976. O avanço da medicina ao longo do século XX trouxe consigo uma maior atenção em relação aos deficientes. A criação dos hospitais-escolas, como o Hospital das Clínicas de São Paulo, na década de 40, significou a produção de novos estudos e pesquisas no campo da reabilitação. Nesse contexto, havia uma clara associação entre a deficiência e a área médica, que por vezes permanece até os dias atuais e traz dificuldades para o entendimento moderno de que pessoas com deficiência não são doentes e/ou incapazes. Mesmo com o desenvolvimento de pesquisas e técnicas de reabilitação, o grau de desconhecimento sobre as deficiências e suas potencialidades permaneceu elevado na primeira metade do século XX, o que se percebe pelo número considerável de pessoas com deficiência mental tratadas como doentes mentais 4. A falta de exames ou diagnósticos mais precisos resultou numa história de vida trágica para milhares de pessoas nesta condição, internadas em instituições e completamente apartadas do convívio social. Até meados do século XX, em grande medida, as pessoas com deficiência tiveram sua trajetória de vida definida quase que exclusivamente pelas respectivas famílias. Paulatinamente, foi percebendo-se que esta temática não poderia ser de responsabilidade única da família, passando a ser um “problema” do Estado. Mas não enquanto uma questão geral de política pública, pois o que ocorreu foi a transferência dessa responsabilidade para instituições privadas e beneficentes, eventualmente apoiados pelo Estado. Estas instituições ampliaram sua linha de atuação para além da reabilitação médica, assumindo a educação das pessoas com deficiência (Figueira, 2008). Na década de 40, cunhou-se a expressão “crianças excepcionais”, cujo significado se referia a “aquelas que se desviavam acentuadamente para cima ou para baixo da norma do seu grupo em relação a uma ou várias características mentais, físicas ou sociais” (Figueira, 2008, p. 94). O senso comum indicava que estas crianças não poderiam estar nas escolas regulares, do que decorre a criação de entidades até hoje conhecidas, como a Sociedade Pestallozzi de São Paulo (1952) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE do Rio de Janeiro (1954). Essas entidades passaram a pressionar o poder público para que este incluísse na legislação e na dotação de recursos a chamada “educação especial”, o que ocorre, pela primeira vez, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Felizmente, percebeu-se com o tempo que, assim como acontecia em outros países, as pessoas com deficiência poderiam estar nos ambientes escolares e de trabalho comuns a toda população, freqüentando também o comércio, bares, restaurantes ou prédios públicos, enfim, não precisariam estar sempre circunscritas ao espaço familiar ou das instituições especializadas. Esta percepção está refletida na expansão de leis e decretos sobre os mais variados temas a partir, principalmente, da década de 80. 4 Sobre este aspecto, a confusão entre pessoas com deficiência mental (síndrome de down e outras patologias identificadas desde o nascimento) e doença mental (esquizofrenia, psicose e outros distúrbios ocorridos já na vida adulta) foi tão grande que, hoje em dia, utiliza-se o termo “deficiência intelectual” (ou cognitiva) para fazer distinção quanto à doença mental. Vale registrar também que a terminologia para se referir a esse grupo populacional foi mudando ao longo do tempo, mas hoje há um consenso quanto ao uso do termo “pessoas com deficiência” (Sassaki, 2008). 8 A nossa trajetória histórica, quando as pessoas com deficiência eram “ignoradas” ou “caminhavam em silêncio”, se encerra no ano de 1981, declarado pelas Nações Unidas como Ano Internacional da Pessoa Deficiente (AIPD). De acordo com Figueira (2008): “Se até aqui a pessoa com deficiência caminhou em silêncio, excluída ou segregada em entidades, a partir de 1981 – Ano Internacional da Pessoa Deficiente -, tomando consciência de si, passou a se organizar politicamente. E, como conseqüência, a ser notada na sociedade, atingindo significativas conquistas em pouco mais de 25 anos de militância” (grifos nossos. Figueira, 2008, p. 115). A palavra-chave do AIPD foi “conscientização”, tendo sido organizadas várias manifestações para alertar sobre a própria existência e os direitos das pessoas com deficiência, contra a invisibilidade que as caracterizava. Como afirma Figueira: “boa ou má, a situação das pessoas com deficiência começou a ser divulgada a partir de 1981. Inclusive, elas mesmas começaram a tomar consciência de si como cidadãos, passando a se organizar em grupos ou associações” (Figueira, 2008, p. 119). Portanto, o percurso histórico das pessoas com deficiência no Brasil, assim como ocorreu em outras culturas e países, foi marcado por uma fase inicial de eliminação e exclusão, passando-se por um período de integração parcial através do atendimento especializado. Gradativamente, exemplos individuais e manifestações coletivas chamaram a atenção para o fato de que as pessoas com deficiência não precisavam ficar restritas à uma posição secundária e tutelada por suas famílias e pela própria sociedade. Nesse sentido, o ano de 1981 representou um marco histórico importante e, nos últimos 30 anos, cada vez mais, pessoas com deficiência estão presentes nas escolas regulares, nas empresas, universidades e outros espaço sociais. A recuperação deste contexto histórico buscou dar respaldo para discussão sobre a realidade contemporânea que se fará a seguir em relação ao acesso ao trabalho da população com deficiência e/ou limitação funcional. Conquistada a emancipação social como cidadã detentora de direitos e deveres, de que forma se insere no trabalho a pessoa com deficiência? Os dados demográficos dos Censos de 2000 e 2010 apresentados na seqüência ajudam a responder esta questão. 9 II – Dinâmica dos indicadores sócio-econômicos da população com deficiência e limitação funcional em 2000 e 2010 Essa seção se divide em duas partes: na primeira, propõe-se a metodologia de trabalho para identificar grupos populacionais com diferentes níveis de deficiência e/ou limitação funcional; na segunda, apresentam-se os dados e resultados obtidos nos Censos demográficos para tais segmentos populacionais. Pretende-se, assim, especialmente com base no Censo de 2010, traçar um panorama atual sobre o cenário de participação das pessoas com deficiência no conjunto da população, enfatizando características sócio-econômicas e condições de acesso trabalho (estabelecendo-se também um comparativo com as situações observadas no Censo de 2000). II. 1 – Conceitos e metodologia A definição sobre quem são pessoas com deficiência não é tarefa simples nem consensual. Existe uma gama variada de limitações físicas, sensoriais e cognitivas, que correspondem a diferentes níveis de dificuldade funcional. Ademais, atualmente trabalha-se com o chamado “paradigma social” da deficiência que postula o entendimento de que, para além dos impedimentos de ordem física, o que determina a condição de deficiência é o entorno social, o grau de acessibilidade e autonomia disponível para aquele indivíduo com deficiência 5 (Sassaki, 2008). Porém, quando se trata da avaliação de políticas públicas, da concessão de benefícios e exercício de direitos concedidos por Lei, é preciso definir critérios técnicos e mais objetivos para que não se cometam injustiças. No caso da “Lei de Cotas”, por exemplo, são consideradas pessoas com deficiência aqueles que, mediante a apresentação de laudo médico, se enquadram nas definições de deficiência física, visual, auditiva, mental ou múltipla que 6 constam do Decreto Federal 5.296/04 . Ocorre que nos Censos Demográficos não seria viável a utilização de critérios técnicos para indagar a população sobre o tema. Em outras palavras, não seria possível que o recenseador avaliasse a condição clínica da deficiência. Assim, quando da preparação para o Censo de 2000, em acordo com a então Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora 5 A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com o Deficiência (CDPD), primeiro tratado sobre direitos humanos aprovado pela ONU no século XXI, traz a seguinte definição: “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, sensorial ou cognitiva, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (artigo 1º., CDPD, 2006). Tal documento foi ratificado pelo Brasil com o status de emenda constitucional (Decreto Legislativo 186, de 09 de Julho de 2008). Nessa definição, está presente a idéia de avaliar a deficiência para além da condição médica-clínica, considerando as barreiras existentes na sociedade. 6 Os critérios para a caracterização de pessoas com deficiência segundo o Decreto 5.296/04 são os seguintes: a) Deficiência física: paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida. b) Deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. c) Deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; e ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores. d) Deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: 1. comunicação; 2. cuidado pessoal; 3. habilidades sociais; 4. utilização dos recursos da comunidade; 5. saúde e segurança; 6. habilidades acadêmicas; 7. lazer; e 8. trabalho. e) Deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências. 10 de Deficiência (CORDE), órgão de assessoria da Presidência da República nessa área, optouse pela utilização da CIF – Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidades e Saúde, para avaliar a questão da deficiência a partir da auto-declaração do morador de cada domicílio, como ocorre para as demais variáveis. Dessa forma, as questões do Censo avaliaram o grau de dificuldade (total, grande, algum ou nenhum) para andar/subir escadas, ouvir e enxergar, além de uma pergunta específica sobre a deficiência mental. O desafio para estudiosos e pesquisadores do tema foi tentar compatibilizar as informações do Censo com as “condições tradicionais” de deficiência física, sensorial ou mental. Na pesquisa “Retratos da Deficiência no Brasil (2003)”, por exemplo, desenvolvida pelo Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS/FGV), propõe-se uma análise com base em dois grupos distintos: a) o universo geral de pessoas portadoras de deficiência (PPD´s) – que declararam qualquer tipo de deficiência ou incapacidade no Censo de 2000 (total, grande ou alguma); b) pessoas perceptoras de incapacidade (PPI´s), restringindo apenas aqueles que declararam ter incapacidade “total” para andar, ouvir e enxergar, além dos indivíduos com deficiência mental Para que se tenha uma idéia, o primeiro grupo representava 14,5% da população pelo Censo de 2000, enquanto este último contingente – PPI – correspondia a apenas 2,5% (Neri, 2003). Além da tentativa de captar as “deficiências convencionais”, tal proposta metodológica de divisão num subgrupo para considerar apenas deficiências mais severas decorreu da seguinte constatação: “há um inflacionamento das deficiências no Censo de 2000, pois ao incorporar no universo dos deficientes as pessoas com alguma ou grande dificuldade de caminhar, enxergar ou ouvir, o Censo acabou por classificar grande parte da população idosa como tal, uma vez que essas dificuldades funcionais tendem a acompanhar o processo natural de envelhecimento” (Neri, 2003, p.53). Isso sem dúvida é correto, mas essa proposta metodológica, no nosso entendimento, limita ao extremo a população com deficiência. Além daqueles que se declararam totalmente incapazes para encaminhar, enxergar ou ouvir, nos parece apropriado incluir os indivíduos que disseram ter “grande” dificuldade para realizar tais ações, deixando de fora apenas os que afirmaram ter alguma dificuldade (Garcia, 2010). Assim sendo, nesse artigo trabalha-se com os seguintes grupos populacionais: 1. PcD: o contingente de “pessoas com deficiência”, dado por aqueles que disseram ter “total” ou “grande” incapacidade para enxergar, ouvir e/ou andar/subir escadas; acrescidos daqueles que assinalaram “sim” quanto à “deficiência intelectual/mental”; 2. PLF: as “pessoas com limitação funcional”, que declararam ter apenas “alguma” dificuldade para enxergar, ouvir e/ou andar/subir escadas. 3. PsDLF: o contingente de pessoas que não declararam qualquer tipo de deficiência ou limitação funcional. A hipótese a ser testada é que as pessoas com deficiência (PcD) – ao enfrentarem condições mais adversas em termos de formação escolar e acesso ao trabalho, decorrentes, muitas vezes, das barreiras e obstáculos ainda existentes na sociedade – apresentem desvantagens em termos dos indicadores sócio-econômicos observados tanto na população em geral (PsDLF) como no segmento populacional com limitações funcionais (PLF). Os indicadores relativos à ocupação, desemprego, rendimentos, dentre outros, obtidos nos Censos Demográficos de 2000 e 2010, podem nos auxiliar nessa tarefa. 11 II.2 – Evolução dos indicadores sócio-econômicos da população com deficiência e limitação funcional – 2000 e 2010 Segundo dados do último Censo Demográfico, o número de pessoas com deficiência (PcD) no Brasil girava em torno de 12,7 milhões em 2010 (6,7% da população), enquanto o número de pessoas com limitação funcional (PLF) era de aproximadamente 32,9 milhões (17,2%) (Tabela 1). Em conjunto, portanto, 45,6 milhões de pessoas (23,9% da população) disseram ter pelo menos algum grau de dificuldade permanente motor, sensorial e/ou cognitivo. Há um substancial crescimento no percentual de pessoas que declararam algum tipo de deficiência ou incapacidade. O percentual de PcD passou de 4,2% em 2000 para 6,7% em 2010 e o de PLF passou de 10,1% para 17,2% (no agregado, de 14,3% para 23,9%). Tabela 1 – População segundo tipo de deficiência – Brasil 2000 e 2010 2000 2010 Tipo Categorias N (1.000) Problema mental permanente Sim Não Ignorado 2,845 1.7 2,612 1.4 166,472 98.0 188,100 98.6 556 0.3 44 0.0 Capacidade de enxergar (permanente) Incapaz Grande dificuldade Alguma dificuldade Nenhuma Dificuldade Ignorado 148 0.1 506 0.3 2,436 1.4 6,057 3.2 14,061 8.3 29,211 15.3 152,667 89.9 154,915 81.2 561 0.3 67 0.0 Capacidade de ouvir (permanente) Incapaz Grande dificuldade Alguma dificuldade Nenhuma Dificuldade Ignorado 166 0.1 344 0.2 883 0.5 1,799 0.9 4,686 2.8 7,574 4.0 163,474 96.2 180,992 94.9 664 0.4 47 0.0 Capacidade de Incapaz caminhar/subir Grande dificuldade escadas (permanente) Alguma dificuldade Nenhuma Dificuldade Ignorado 574 0.3 734 0.4 1,773 1.0 3,699 1.9 5,593 3.3 8,832 4.6 161,426 95.0 177,440 93.0 507 0.3 50 0.0 Classificação 7,066 4.2 12,749 6.7 17,196 10.1 32,857 17.2 144,308 85.0 145,085 76.1 1,303 0.8 65 0.0 Pessoa com deficiência Pessoa com limitação funcional Pessoa sem def. ou lim. func. Ignorado Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE. 12 % N (1.000) % Quando se considera o tipo de deficiência, o grupo mais representativo é daqueles com “deficiência visual”, entendido como as pessoas com total incapacidade para enxergar (506 mil) mais aqueles com grande dificuldade (6,0 milhões), totalizando cerca de 6,5 milhões de pessoas (3,5% da população brasileira em 2010). Na seqüência aparecem as pessoas com “deficiência física”, sendo 734 mil com total incapacidade para andar/subir escadas e 3,7 milhões com grande dificuldade para essas ações, totalizando 4,4 milhões de pessoas (2,3% da população). As pessoas com “deficiência mental” ou cognitiva representam 1,4% da população (2,6 milhões de indivíduos), e a “deficiência auditiva” tem uma incidência de 1,1% no conjunto da população brasileira em 2010, sendo 344 mil com total dificuldade e 1,8 milhões com grande dificuldade permanente para ouvir (2,1 milhões de pessoas 7). No que tange aos indicadores de trabalho e emprego, há uma evidente subrepresentação do universo de pessoas com deficiência (PcD) no mercado de trabalho (tabela 2). A taxa de participação – que mede a proporção de ocupados ou desempregados em relação à população em idade ativa (10 anos ou mais de idade) – é de apenas 35,7% para as PcD, contra 55,4% para as pessoas com limitação funcional (PLF) e 60,9% da população sem deficiência ou incapacidade (PsDLF). Tal situação já ocorria em 2000, quando a taxa de participação das PcD era de 28,2% e das PLF e PsDLF, respectivamente, 51,6%e 59,0%. O dado positivo é que, embora muito pequena, cresceu a taxa de participação das pessoas com deficiência nesses dez anos 8. Tabela 2 – População (N em 1000) e indicadores do mercado de trabalho segundo condição de atividade e condição de deficiência– Brasil 2000 e 2010 Condição de atividade População em Idade Ativa (N, 1000) População Ocupada (N, 1000) População Desempregada (N, 1000) Taxa de Participação (%) Taxa de Desemprego (%) PCD 6,599 1,532 328 28.2 17.6 2000 PLF 16,611 7,389 1,180 51.6 13.8 PSDLF PCD 112,750 12,265 56,286 4,022 10,238 359 59.0 35.7 15.4 8.2 2010 PLF PSDLF 31,808 117,847 16,344 65,968 1,278 5,850 55.4 60.9 7.3 8.1 Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE. Como se observa na tabela 2, entre 2000 e 2010, há uma expressiva diminuição na taxa de desemprego para todos os segmentos populacionais. Interessante notar que, em 2000, a taxa de desemprego das PcD situava-se num patamar elevado (17,6%) e superior aos demais grupos, havendo em 2010, além da redução para 8,2%, uma aproximação com as PLF e PsDLF. Nessa última década intensifica-se o trabalho de fiscalização quanto ao cumprimento da chamada “Lei de Cotas”, que garante vagas reservadas às pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o que pode ter contribuído para diminuição do desemprego deste segmento populacional. 7 Importante observar que a somatória de cada tipo de deficiência ultrapassa o total observado de pessoas com deficiência (12,7 milhões). Isso ocorre porque o mesmo indivíduo pode ter declarado mais de um tipo de deficiência ou incapacidade (configurando a chamada “deficiência múltipla”). Nesse artigo, não trabalharemos com a avaliação dos resultados para cada tipo de deficiência – o que poderá ser feito em estudos posteriores – nos limitando a investigar o universo de pessoas com deficiência (PcD) e pessoas com limitação funcional (PLF). 8 Clemente (2008) e Garcia (2010) utilizaram, respectivamente, dados da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e dados da RAIS – Relação Anual de Informações Sociais – e também constataram a baixa participação das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho brasileiro. 13 De qualquer forma, a informação mais relevante dos indicadores acima é que, proporcionalmente, as pessoas com deficiência (PcD) ainda participam pouco do mercado de trabalho. Dos 12,3 milhões em idade ativa em 2010, apenas 4 milhões, ou 32,8% estão ocupados. O mesmo percentual para as pessoas com limitação funcional é de 51,4% (e de 56,0% para aqueles sem deficiência ou incapacidade), evidenciando uma condição desfavorável aos indivíduos com maiores graus de limitação física, sensorial ou cognitiva para o acesso ao trabalho 9. Em 2010, as PcD ocupadas caracterizavam-se pela baixa escolaridade e maior frequência relativas de mulheres e pessoas da cor parda (Tabela 3). Por exemplo, 45,8% das PcD ocupadas em 2010 eram do sexo feminino, contra 41% das PsDLF. Entre as PcD ocupadas, 43,5% eram da cor parda, contra 39,6% das PsDLF. As diferenças de escolaridade eram ainda mais acentuadas. A frequência de PcD ocupadas sem escolaridade (10,7%) era mais de 3 vezes superior à das PsDLF, enquanto que a frequência de PcD com nível superior completo ou incompleto (10,3%) era duas vezes inferior à das PsDLF. Acompanhando as transformações observadas no universo dos ocupados no Brasil, houve melhores substanciais na inserção dos grupos sociais menos favorecidos. Por exemplo, entre as PcD ocupadas, a participação das mulheres aumentou 9 pontos percentuais, a das pessoas de cor parda aumentou 3 pontos percentuais. Ademais, aumentou a participação das pessoas mais escolarizadas. Enquanto, entre as PcD, aumentou sobretudo a participação de pessoas com 2º grau de escolaridade (7 pontos percentuais), entre as PsDLF, destacou-se o crescimento da participação das pessoas com 3º grau de escolaridade (8 pontos percentuais). Tabela 3 – Distribuição (% coluna) da população ocupada segundo características sociais e condição de deficiência– Brasil 2000 e 2010 Característica Social PCD 2000 PLF PSDLF PCD 2010 PLF PSDLF Sexo Masculino Feminino 63.5 61.1 36.5 38.9 62.4 37.6 54.2 53.3 45.8 46.7 59.0 41.0 Cor Branca Preta Amarela Parda Indígena 50.1 50.4 8.4 7.6 0.4 0.4 40.5 41.1 0.6 0.5 56.9 6.6 0.5 35.6 0.4 44.9 47.2 9.8 8.7 1.3 1.3 43.5 42.4 0.5 0.4 51.0 7.9 1.1 39.6 0.3 20.5 14.6 60.4 60.9 13.6 17.0 6.3 54.3 26.8 10.7 6.3 58.2 51.5 20.8 26.2 3.2 41.1 35.2 12.5 10.3 16.0 20.6 Escolaridade Sem Escolaridade 1o Grau 2o Grau 3o Grau 5.6 7.5 Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE. 9 Pode-se supor que uma fração destas pessoas, em decorrência de limitações mais graves e comprometedoras do ponto de vista físico, sensorial e/ou cognitivo, não tenha de fato condições de exercer uma atividade produtiva. Mas dados os recursos de acessibilidade hoje existentes, a maior parte das pessoas com deficiência tem plenas condições de trabalhar ou realizar alguma ocupação. 14 Ainda sobre a escolaridade, embora as pessoas com deficiência (PcD) ocupadas, conforme colocado acima, possuam níveis mais baixos em comparação aos outros grupos populacionais, há uma clara melhora entre 2000 e 2010. Observando as faixas extremas de escolaridade, naquele ano 20,5% das PcD ocupadas eram sem escolaridade – percentual que se reduz para 10,7% em 2010; ao mesmo tempo, PcD ocupadas com nível superior (3º. Grau) passam de 5,6% para 10,3% do total. As PcD associam-se ainda às formas mais precárias de inserção no mercado de trabalho: emprego sem carteira, conta-própria e, sobretudo, emprego não remunerado (incluindo construção para o próprio uso e em atividade agrícola para o auto-consumo). Por sua vez, em 2010, a participação das PcD no emprego com carteira era 14 pontos percentuais inferior à das PsDLF e 5 pontos percentuais inferior à das PLF. Tal precariedade encontra respaldo nas imagens cotidianas e, infelizmente, freqüentes de pessoas com deficiência vendendo produtos em semáforos, por exemplo. Embora isso ocorra, pode-se afirmar que a dinâmica econômica favorável nos anos 2000 contribuiu para o crescimento da mão de obra em empregos estruturados com carteira de trabalho assinada. O crescimento da formalização entre 2000 e 2010 foi expressivo em todos os grupos de ocupados. A participação de empregados com carteira foi de 8 pontos percentuais entre as PcD e de 10 pontos percentuais entre as PLF e PsDLF. Tabela 4 – Distribuição (% coluna) da população ocupada segundo posição na ocupação e condição de deficiência– Brasil 2000 e 2010 Posição na ocupação Empregado C/C CLE ou Militar Empregado S/C Conta-própria Empregador Não Remunerado PCD 25,5 4,3 24,5 30,7 2,0 13,0 2000 PLF PSDLF PCD 28,7 37,8 33,3 5,5 5,7 4,5 23,0 24,2 22,5 30,3 22,4 26,8 2,6 3,0 1,3 9,9 7,1 11,7 2010 PLF PSDLF 38,7 47,6 5,8 5,3 20,7 19,9 25,4 20,2 1,7 2,1 7,6 4,9 Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE. Em 2010, refletindo, em grande medida, a elevada participação das PcD no emprego não remunerado em atividade para o auto-consumo, estes caracterizam-se pela relativa concentração no emprego agrícola (22,3%, dos ocupados, contra 16,8% das PLF e 13,1% das PsDLF) (Tabela 5). A concentração relativa das PcD também é elevada no segundo grupo mais precário da estrutura de atividades: o serviço doméstico. Por sua vez, estes estão em menor proporção no setor de comércio e serviços (14,2%, contra 17,7% das PsDLF). A mecanização da agriculutra e o êxodo rural contribuíram para a expresiva redução da participação do emprego agrícola. A redução foi ainda mais intensa entre as PcD e PLF (7,5 e 8,7 pontos percentuais, respectivamente, contra 4,6 pontos percentuais das PsDLF). Cresceram as participaçãoes no serviço, sobretudo serviços classificados no grupos outras atividades (por exemplo: atividades administrativas, financeiras, imobiliárias, profissionais, científicas e técnicas). 15 Tabela 5 – Distribuição (% coluna) da população ocupada segundo grupos de atividade e condição de deficiência– Brasil 2000 e 2010 Posição na ocupação Agrigultura Indústria da transformação Outras atividades industriais Contrução Comércio e reparação Alojamento e alimentação Transporte, armazenagem e comunic. Administração pública Educação, saúde e serviços sociais Outros serv. coletivos, sociais e pes. Serviços domésticos Outras atividades PCD 29.8 11.2 0.8 7.0 14.3 5.3 3.2 4.5 6.8 3.7 8.3 5.0 2000 PLF PSDLF PCD 25.5 17.7 22.3 11.8 13.9 9.9 0.8 0.9 1.5 7.1 7.1 7.3 14.4 17.4 14.2 5.1 4.7 3.7 4.0 4.5 3.3 5.4 5.5 4.6 8.4 9.5 7.6 3.7 3.7 3.3 8.2 7.7 9.5 5.5 7.4 12.8 2010 PLF PSDLF 16.8 13.1 10.5 12.2 1.3 1.4 7.0 7.4 14.8 17.7 3.5 3.5 4.2 4.5 5.6 5.4 9.7 9.6 4.0 4.5 8.7 6.3 13.8 14.6 Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE. Rendimento no trabalho principal das PcD Para avaliar a dinâmica da distribuição de renda, os grupos de ocupados foram inicialmente classificados em cinco (5) classes de renda, segundo valores proporcionais ao valor do salário mínimo (SM) de 1º de setembro de 2010 (referência para deflacionamento dos valores): A - 10 SM ou mais; B – 5 a 10 SM; C – 2 a 5 SM; D – 1 a 2 SM; E – menos de 1 SM. (Tabela 6) Primeiro, os resultados destacam a concentração relativa das PcD na classe de ocupados com rendimento inferior a um salário mínimo de 2010, refletindo a elevada informalidade deste grupo populational. Em 2010, praticamente 39% das PsD recebiam menos de 510 reais mensais em 2010, frequência 17 pontos percentuais superior à das PsDLF. A participação de PcD com rendimento entre 1 e 2 SM era ainda mais elevada (42,6%). Em outras palavras, mais de 81% das PcD recebiam menos de 2 SM em 2010, freqûencia 10,8 pontos percenutais superior à das PsDLF e 7,7 pontos percentuais superior à das PLF. Tabela 6 – Distribuição (% coluna) da população ocupada segundo classes de renda e condição de deficiência– Brasil 2000 e 2010 Classes de renda A - 5.100 ou mais B - 2.550 a 5.100 C - 1.020 a 2.550 D - 510 a 1.020 E - menos de 510 PCD 1,8 2,8 10,4 21,1 63,9 2000 PLF PSDLF PCD 2,6 3,4 1,5 4,2 5,5 3,4 13,8 17,1 13,7 24,1 27,9 42,6 55,3 46,1 38,8 2010 PLF PSDLF 2,6 2,9 5,5 6,1 18,3 20,4 44,6 48,4 29,1 22,2 Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE. Valores em 1º de setembro de 2010, INPC/IBGE 16 Todos os grupos apresentaram evolução positiva na distribuição dos ocupados entre as classes de renda entre 2000 e 2010. Entretanto, esta evolução ficou praticamente restrita à mobilidade da classe E para a D. Por exemplo, o percentual das PcD na classe E reduziu-se em 25,1 pontos percentuais entre 2000 e 2010, de 63,9% para 38,8%; havendo na classe D crescimento de 21,4 pontos percentuais. Entre as PsDLF, essas variações foram, respectivamente, de 23,9 e 20,5 pontos percentuais. Fatores chaves para compreender essa dinâmica seriam a valorização do salário mínimo e a maior formalização no mercado de trabalho. Outra forma de constatar o fato de que a maior parte da mobilidade ascendente tenha ocorrido entre as classes mais baixas de rendimento é analisar as variações nos estratos A e B. A diminuta participação das PcD ocupadas nessa faixa de rendimento mais alta – acima de R$ 2.550 – permanece entre 2000 e 2010 (de 4,6% para 4,9%, somando-se as duas faixas). Os mesmos percentuais para as PLF e PsDLF são, respectivamente, de 6,8% para 8,1% e de 8,9% para 9,0%. Embora o rendimento médio das PcD cresceu expressivamente no período (Tabela 7), permanece ainda substancialmente inferior ao das PLF e PsDLF 10. Em 2010, os R$ 852 mensais recebidos, em média, pelas PcD, eram 34% inferiores aos R$ 1.137 das PLF e 46% inferiores aos R$ 1.245 das PsDLF. Contribuíam para essa desigualdade no rendimento médio tanto a maior participação das PcD nas posições de menor rendimento (não remunerados, contra-própria e empregado sem carteira), quanto as diferenças observadas dentro de uma mesma posição ocupacional. Por exemplo, entre os empregados com carteira, o rendimento médio das PcD era 17% inferior ao das PsDL. A maior diferença era observada entre os conta-própria, onde não há um sistema de proteção trabalhista em favor das PcD e o rendimento médio destes era 36% inferior ao das PLF e 59% inferior ao das PsDLF. Tabela 7 – Rendimento médio do trabalho principal segundo posição na ocupação e condição de deficiência– Brasil 2000 e 2010 Posição na ocupação Empregado C/C CLE ou Militar Empregado S/C Conta-própria Empregador Não Renumerado Total PCD 958 1.273 439 787 5.562 0 761 2000 PLF PSDLF 1.104 1.210 1.468 1.736 517 575 969 1.293 5.629 6.169 0 0 957 1.166 PCD 1.077 1.910 509 878 4.552 0 852 2010 PLF PSDLF 1.254 1.263 2.342 2.451 618 640 1.190 1.393 4.922 5.026 0 0 1.137 1.245 Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE. Valores em 1º de setembro de 2010, INPC/IBGE 10 Interessante observar que quando consideramos apenas o mercado formal de trabalho – observado pelos dados da RAIS – tal discrepância não é tão acentuada e em algumas situações as pessoas com deficiência auferem rendimentos até mais elevados do que os demais ocupados (Garcia, 2010). Talvez isso ocorra também por diferentes definições sobre quem são consideradas pessoas com deficiência no Censo Demográfico e na base da RAIS. 17 De maneira geral, a variação no rendimento médio das PcD foi superior à das PsDLF (crescimento de 12%, de R$ 761 para R$ 852, contra 7% das PsDLF, de R$ 1.166 para R$ 1245). O crescimento foi ainda mais intenso entre as PLF (19%, de R$ 957 para R$ 1.137). O rendimento cresceu em praticamente todas as posições ocupacionais (com exceção dos empregadores), sobretudo entre os funcionários públicos estatutários e militares (50% de crescimento entre as PcD, 49% entre as PLF e 41% entre as PsDLF). O baixo rendimento médio das PcD ocupadas – 46% inferior aquele observado para as pessoas sem qualquer tipo de deficiência ou limitação funcional (PsDLF) – também é explicado por sua maior concentração nos dois grupos de atividade de menor rendimento: agrícola e serviço doméstico (Tabela 8). Outro fato relevante é que a diferença entre os rendimentos médios das PcD e das PsDLF é observada justamente nas atividades agrícolas, onde a concentração relativa das PcD é maior (diferença de 65% entre o rendimento médio das PcD e PsDLF). Contribuiriam para explicar essa maior desigualdade a elevada informalidade, o caráter conta-própria e a falta de proteção trabalhista que caracterizam o setor agrícola. Tabela 8 – Rendimento médio do trabalho principal segundo grupo de atividade e condição de deficiência– Brasil 2000 e 2010 Grupo de Atividade Agrigultura Indústria da transformação Outras atividades industriais Contrução Comércio e reparação Alojamento e alimentação Transporte, armazenagem e comunic. Administração pública Educação, saúde e serviços sociais Outros serviços coletivos, sociais e pes. Serviços domésticos Outras atividades Total PCD 315 889 1.375 720 1.048 756 1.210 1.214 1.157 733 322 1.731 761 2000 2010 PLF PSDLF PCD PLF PSDLF 409 441 314 430 516 1.119 1.225 947 1.141 1.225 1.635 1.730 1.026 1.556 1.730 894 965 840 1.037 1.060 1.243 1.348 929 1.150 1.171 924 1.055 766 899 950 1.428 1.515 1.193 1.378 1.408 1.478 1.772 1.732 2.196 2.237 1.246 1.541 1.340 1.593 1.713 911 1.175 1.094 1.312 1.419 341 358 425 460 471 1.963 2.163 1.203 1.606 1.680 957 1.166 852 1.137 1.245 Fonte: microdados do Censo Demográfico, IBGE. Valores em 1º de setembro de 2010, INPC/IBGE Pode-se ainda afirmar que o crescimento do rendimento médio das PcD entre os setores de atividade acompanhou a dinâmica observada para as PLF e PsDLF. Entretanto, na maioria dos setores, as variações observadas para as PcD foram ligeiramente superiores às das PLF e PsDLF. A maiores variações foram observadas na adminsitração pública (43%, 49% e 26%, respectivamente), serviços coletivos, sociais e pessoais (49%, 44% e 21%) e serviços domésticos (32%, 35% e 32%). 18 Considerações finais Na última década, houve um expressivo crescimento no número de pessoas que declarou ter algum tipo de deficiência ou limitação funcional. De acordo com a metodologia proposta, em 2010, as pessoas com deficiência (PcD) perfaziam cerca de 12,7 milhões de indivíduos (6,7% da população) com grande ou total dificuldade para andar, ouvir e/ou enxergar, além daqueles com deficiência mental. Já as pessoas com limitação funcional (PLF) – que alegaram ter apenas alguma dificuldade para realizar tais ações – eram 32,9 milhões em 2010 (17,2% da população). Assim sendo, pelo último Censo Demográfico, 45,6 milhões de pessoas – ¼ da população brasileira – tinha algum nível de deficiência e/ou limitação funcional (em 2000, tínhamos 24 milhões de pessoas nessa condição, representando 14,3% da população). Para avaliação da dinâmica dos indicadores sociais e econômicos, nos pareceu apropriado não trabalhar este contingente de forma homogênea, fazendo esta distinção conforme os níveis de dificuldade funcional. Procedendo desta forma, conforme era previsto, observou-se condições desfavoráveis de acesso ao trabalho e obtenção de rendimentos mais altos para o grupo de PcD, isto é, aqueles com maiores graus de limitação e portanto sujeitos a enfrentar barreiras mais severas para sua plena inserção social. Para os indicadores pesquisados, o contingente de PLF ficou numa posição intermediária, melhor do que as pessoas com deficiência mas com resultados ainda aquém aos observados para população em geral, sem deficiência ou incapacidade declarada (PSDLF). Em síntese, as pessoas com deficiência apresentam uma baixa participação no mercado de trabalho, tem um nível de escolaridade inferior aos demais grupos de ocupados, concentram-se em atividades mais precárias e auferem rendimentos médios menores. É verdade que, quando se comparam os indicadores de 2010 com de 2000, há uma evolução positiva, mas insuficiente para deixar este contingente populacional em condições similares as dos demais trabalhadores. Existem resultados equivalentes apenas na taxa de desemprego, que é similar para todos os grupos pesquisados em 2010, em torno de 8% . Ademais, a discrepância é evidente e mais gritante quando se compara o universo de PcD com a população em geral, PSDLF. A taxa de participação do primeiro grupo é de 35,7%, sendo de 60,9% para PSDLF; dentre os ocupados com deficiência, 10,7% não possuem escolaridade e 10,3% tem nível superior (percentuais que são de, respectivamente, 3,2% e 20,6% para PSDLF); o rendimento médio das pessoas com deficiência, por estarem concentradas em setores e atividades mais precárias, é de R$ 852 em 2010, o que equivale a apenas 68,4% da renda média da PSDLF ocupada (R$ 1.245). Tal cenário demanda uma discussão sobre questões que poderiam aumentar e melhor qualificar a participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. De maneira bastante resumida, ao menos cinco aspectos poderiam ser mencionados: a) aumento do conhecimento da realidade sócio-econômica das pessoas com deficiência (com a inclusão, por exemplo, da variável “deficiência” na base de dasdos on-line do MTE); b) mudanças na legislação previdenciária que permitiriam o retorno ao trabalho de pessoas com deficiência precocemente aposentadas; c) intensificação do processo de inclusão escolar e melhora na formação e capacitação das pessoas com deficiência; d) fortalecimento do conceito de acessibilidade nos municípios, em seus espaços públicos e privados, com a remoção de barreiras físicas e de comunicação que dificultam a inserção das pessoas com deficiência; e) sensibilização dos empregadores para romper com estereótipos negativos ainda associados às pessoas com deficiência (Garcia, 2010). Em paralelo, deve continuar o trabalho de fiscalização quanto à chamada “Lei de Cotas” e não se pode perder de vista que, assim como os demais trabalhadores, as pessoas com deficiência serão também beneficiadas por uma expansão positiva da economia e dos indicadores do mercado de trabalho em geral. 19 Referências Bibliográficas CLEMENTE, Carlos Aparecido – Trabalho decente: leis, mitos e práticas de inclusão – Osasco, SP. Ed. do Autor, 2008. FIGUEIRA, Emílio – Caminhando no Silêncio – Uma introdução à Trajetória das Pessoas com Deficiência na História do Brasil - Giz Editora, São Paulo, 2008. GARCIA, Vinicius Gaspar – Pessoas com Deficiência e o Mercado de Trabalho – Histórico e o Contexto Contemporâneo - Tese de Doutoramento apresentada no Instituto de Economia da Unicamp. Dezembro de 2010 NERI, Marcelo...[et al.] – Retratos da Deficiência no Brasil – FGV/CPS, Rio de Janeiro, 2003. SASSAKI Romeu Kazumi. “Artigo 19” - A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada / Coordenação de Ana Paula Crosara Resende e Flavia Maria de Paiva Vital _ Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008. SILVA, Otto Marques – A Epopéia Ignorada - A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje - CEDAS/São Camilo, São Paulo, 1987. 20