Ibmec MG Working Paper – WP16
Companhias Privilegiadas de Comércio: Um Esboço Inicial
com Ênfase em Problemas de Agência
Cláudio D. Shikida (Ibmec MG)
[email protected]
(2004)
1
Companhias Privilegiadas de Comércio: Um Esboço Inicial com Ênfase em
Problemas de Agência
Cláudio D. Shikida
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1. Introdução
Este artigo é uma tentativa inicial do autor de reler a história econômica empresarial
brasileira partindo do princípio de que muito de nosso modus operandi empresarial pode
ser melhor entendido sob a ótica da compreensão das companhias de comércio
portuguesas da era colonial.
A existência de companhias monopolistas não foi um recurso exclusivo do mercantilismo
português aplicado ao Brasil, como se pode ver, por exemplo, da existência da
Companhia da Índia e da Companhia das Índias Orientais . Entretanto, a história das
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companhias portuguesas não teve a mesma trajetória das concorrentes inglesa ou
holandesa. Por exemplo, sobre a primeira delas, a Companhia da Índia:
"By the 1620's, Portuguese India was an established operation six
generations old. In one sense, it was already in the hands of a giant
corporation – a crown corporation – but of course it had no charter and
no capital apart from the general finances of the king. Moreover, it was
not subject to the ordinary rules of business, i.e., profit and loss. If it had
been it would have been bankrupt for almost seventy-five years".
[WINIUS, G.D. (1981) : 120]
Apesar disso, a idéia de que incentivos importam para o sucesso de uma companhia como
esta não passou despercebida para alguns contemporâneos como no caso de Duarte
Gomes de Solis:
"Solis came as close as any contemporary did to scorning the crown for
its bureaucratic ineptitude in commercial dealings: he wrote that
fidalguia, or nobility alone, should never be grounds for appointment to
office in India – or even administrative experience. Rather, he suggested,
all administrators should be businessmen or at least should have received
commercial training". [WINIUS, G.D. (1981) : 122]
Criadas cerca de cem anos antes das suas similares pombalinas – ou seja, durante o
período da União Ibérica - ambas companhias mostram algumas das características que
talvez tenham induzido Ekelund & Tollison (1997) a reputá-las como não mais do que
monopólios estatais .
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Após a Restauração (1641), e diante da presença holandesa no Brasil, o padre Antônio
Vieira, influente na corte, propôs a criação de uma nova companhia. Seu principal
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objetivo seria o combate aos holandeses – então predominantes em Pernambuco –
fornecendo aos acionistas, em troca, privilégios monopolistas .
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A escassez de capitais levaria a coroa a apelar aos judeus portugueses (cristãos novos).
Segundo Winius (1981):
"The significant thing to be observed about the Companhia Geral from
the outset is that politico-military reasons, crisis and the crypto-Jews`
hope of protecting themselves from the Inquisition and/or ingrating
themselves with the Portuguese crown were the telling factors in creation
of the Companhia as an economic entity; hope of gain seems to have
been distinctly subordinate as a factor, if not a negligible one".
[WINIUS, G.D. (1981) : 129]
Assim, a abordagem do lado da oferta de Ekelund & Tollison (1997) pode ser
complementada por uma demanda de segurança, oriunda dos cristãos-novos, que
canalizou os capitais necessários para as mãos da Coroa. Contudo, a questão do uso dos
capitais de judeus em algum momento do mercantilismo ibérico não é um fenômeno
exclusivo de Portugal.
Em Faria (1999) os capitais dos judeus aparecem como variável importante na explicação
dos argumentos pró e contra expulsão dos mesmos da Espanha. Não é diferente no caso
português, embora o trecho acima necessite um pequeno reparo no que diz respeito ao
objetivo de obtenção de lucros. Afinal, a expectativa de uma perseguição mais intensa é
compensada pela bem semi-público gerado no caso de se pertencer ao quadro de
acionistas da companhia. Em outras palavras, pode se postular que os judeus agiram
racionalmente trocando lucros incertos no curto prazo por um ambiente mais estável para
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seus negócios no longo prazo dado pela segurança derivada da proteção real .
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As rápidas referências às companhias portuguesas acima mostram uma caracerística do
mercantilismo português, qual seja, a forte predominância de um dos atores, o Estado (ou
a coroa) no uso de sua prerrogativa de alterar, a bel-prazer, os contratos pré-estabelecidos
com o setor privado.
Adicionalmente, a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (doravante CGPM) que
será analisada neste artigo, não foi a primeira companhia monopolista criada em Portugal.
A escolha da mesma para este estudo se deve à existência de dados – embora, como se
poderá ver ao longo do artigo, os mesmos sejam bastante problemáticos – e ao fato de ser
3
a mesma um exemplo útil para a compreensão do objetivo desta pesquisa acerca da
dinâmica dos direitos de propriedade no Brasil colonial, em um caso extremo oposto à
situações descritas anteriormente, ou seja, num ambiente de forte interferência do poder
estatal sobre as relações de mercado.
2. Mercantilismo e Companhias Privilegiadas na Teoria Econômica
As décadas de 80 e 90 mostraram um renovado interesse acadêmico no significado
econômico das chamadas companhias privilegiadas ou monopolistas, não apenas no
aspecto rent-seeking das mesmas (Ekelund & Tollison (1981, 1997)), mas também em
seu aspecto histórico na formação do comércio internacional como demonstram as
coletâneas de trabalhos em Blussé & Gaastra (1981) e Bruijn & Gaastra (1993) .
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Uma outra linha de pesquisa, próxima à nova tradição de análise microeconômica de
Ekelund & Tollison (1997) pretende discutir a eficiência das companhias sob a ótica dos
custos de transação. A literatura, nesta área, resume-se a um debate entre dois grupos de
autores: Ann & Carlos (1988, 1990, 1993, 1996), Carlos (1992) e Jones & Ville (1996a,
1996b) .
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Finalmente, uma outra abordagem microeconômica das companhias se encontra em Irwin
(1991, 1992), que utiliza a teoria do comércio internacional para estudar sua atuação.
Nestes dois artigos, o autor trata da questão da concorrência entre as companhias inglesas
e holandesas na rota das Índias Orientais sob o ponto de vista da teoria da política
comercial estratégica (strategic trade policy). O sucesso dos holandeses relativamente à
companhia inglesa ilustraria a tese proposta de que, sob um duopólio de Cournot,
incentivos ao desvio do lucro máximo podem beneficiar a firma .
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A explicação disto se dá na forma como Irwin modela os objetivos das companhias
inglesa e holandesa. Assim, enquanto na primeira os diretores maximizam os lucros, na
segunda, o que é maximizado é uma combinação linear de lucros e receitas gerando,
como resultado, uma produção maior. Como o objetivo de ambas as firmas, em
concorrência, é adquirir uma parcela maior do mercado, a companhia holandesa pôde,
com sua produção maior, conquistar uma parcela maior do que sua congênere inglesa.
Com relação ao aspecto macroeconômico do mercantilismo também a literatura apresenta
alguns novos estudos. De forma resumida, Zou (1997) reformula o conceito de
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mercantilismo de Hecksher (1943) e Viner (1937) na moderna linguagem
macroeconômica e mostra a existência do efeito Harberger-Laursen-Metzler numa
economia que segue este tipo de política econômica .
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Faria (1999), por sua vez, trabalha com o modelo de Brems (1986) , alterando-o de forma
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a mostrar aspectos de Economia Política (perseguição dos judeus na Espanha) em um
modelo macroeconômico com oferta clássica.
McDermott (1999), finalmente, utiliza-se do conceito de "familiaridade " para mostrar
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que monopólios fortes necessitam de uma sociedade com baixo coeficiente de abertura.
Este último modelo é o que mais se aproxima de uma microfundamentação de um
modelo macroeconômico mercantilista.
Embora tais modelos macroeconômicos sejam interessantes, eles não analisam a
dimensão institucional dos direitos de propriedade no mercantilismo. A vertente
microeconômica, ao contrário, enfatiza bastante este aspecto, embora não trate do caso
português e muito pouca atenção seja dada à relação metrópole-colônia. É exatemente
neste ponto que este artigo procura somar-se à literatura.
3. - A Nova Teoria Econômica das Companhias Privilegiadas
Por que as corporações foram inventadas? Esta pergunta motiva a parte final do estudo de
Ekelund & Tollison (1997). Segundo eles:
"Scholars have hypothesized that these corporations evolved in responde
to an exogenous increase in the demand for capital by the early foreigntrading companies. Our complementary, supply-side hypothesis stresses
the advantages that more readily transferable property rights held for the
owner-managers of these early companies". [EKELUND, R.B. &
TOLLISON, R.D. (1997) : 186]
Sua análise se aplica para o caso particular da East India Company e busca mostrar o
surgimento do formato M-firm como resultado das ações dos membros daquela
companhia na tentativa de coibir problemas de custos de transação e de risco moral .
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De forma similar Ann & Carlos (1988, 1990, 1993, 1996) e Carlos (1992) postulam que
as companhias privilegiadas seriam as antepassadas das firmas multinacionais. Tal como
Ekelund & Tollison (1997), os custos de transação aparecem em sua análise da Muscovy
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Company, Dutch East India Company, East India Company, Hudson`s Bay Company e,
finalmente, Royal African Company. Concluem os autores:
"(...), we argue that in an uncertain world, where information was
imperfect, the charter companies had to equate supply of foreign goods
to European demand and of European goods to the needs of consumers
in Canada, Africa, and Asia. With markets separated by time and space
(...), the salaried managers economized on the market by collecting and
processing information on tastes, commodities, and prices to ensure an
equilibrium in supply and demand. (...) However, though it economized
on the market, the managerial hierarchy itself generated costs – those of
monitoring and assessing the performance of its managers abroad. These
early multinationals experimented in high real wage labor contracts,
bonding of managers, and the use of incentives to motivate and control
overseas factories". [CARLOS, A.M. & NICHOLAS, S. (1988) : 418-9]
Em trabalho posterior (Carlos & Nicholas (1993)), eles apresentam um exercício de
calibragem dos percentuais dos lucros entre a companhia, a direção, o monitoramento e a
ineficiência para dadas probabilidades de detecção. Para os valores 0.6, 0.7 e 0.8 de
probabilidade, os autores encontram um comportamento constante de altos lucros para a
companhia e baixa apropriação privada por parte da direção (e menores valores para
monitoramento e ineficiência).
Esta suposta eficiência das companhias foi contestada por Jones & Ville (1996a, 1996b).
Para estes, as companhias, dados os custos de transação, não seriam a forma mais
eficiente para comércio de longas distâncias, mas sim a forma mais eficiente adotada para
a extração de rendas monopolistas.
Além desta hipótese, os autores acreditam que os problemas de agente-principal não
teriam sido resolvidos – e que Carlos & Nicholas não conseguiram mostrar evidências
empíricas suficientes para provar este ponto . A defesa, feita em Carlos & Ann (1993),
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do uso da cultura empresarial ou cultura da empresa no controle dos agentes é criticada
por Jones & Ville (1996a) com evidências históricas. Embora a hipótese seja interessante,
Carlos & Ann (1993) não apresentam qualquer evidência de que esta cultura teria
efetivamente mitigado problemas de agência nas companhias mercantilistas por eles
examinadas.
Outra crítica feita por Jones & Ville (1996a) refere-se à necessidade de integração
vertical:
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"Frequent episodes of interloping suggest that in most markets for most
of the time, trade might just as easily have been conducted via market
exchanges as through vertically integrated corporations. Companies
chose to adopt the vertically integrated joint-stock form because it was
the most effective mode for capturing and manipulating the size of
monopoly rents". [JONES, S.R.H. & VILLE, S.P. (1996a) : 910]
Note que a crítica refere-se não à existência dos custos de transação na atividade da
companhia, mas sim ao objetivo dos dirigentes da mesma. Vale dizer, mesmo que a
integração vertical seja uma forma de diminuir custos de transação no comércio em
questão, a mesma integração pode resultar de uma decisão distinta, referente não apenas à
possibilidade de uma política de minimização de custos por parte da direção da firma,
mas sim de uma estratégia mais ampla, na qual a obtenção de privilégios governamentais
é uma opção viável. O argumento dos autores lembra bastante o de Ekelund & Tollison
(1997). Assim:
"A regulated company or other type of franchise would have mostly
excluded such investors who had neither the skill nor inclination to
engage directly in mercantile ventures but whose political influence was
instrumental in securing and preserving monopoly charters. The crown
also preferred joint-stock companies both as a medium for investment
and because of the scope for raising loans from such bodies". [JONES,
S.R.H. & VILLE, S.P. (1996a) : 910]
Mesmo o caráter de "bem público" das fortificações e feitorias pode ser reinterpretado
como uma forma de se justificar a exclusão de concorrentes.
O resumo acima, embora sem a pretensão de exaurir a literatura, mostra que existem
questões importantes sobre o papel das companhias no desenvolvimento econômico de
um país. As hipóteses concorrentes sobre se as companhias foram uma resposta eficiente
às pressões de um novo mercado, no qual o comércio era feito a uma distância
considerável para os padrões da época ou se foram predominantemente uma resposta às
pressões de grupos de interesse permanece sem resposta.
A dinâmica dos direitos de propriedade que a criação de uma companhia como estas
desencadeia varia muito, o que pode justificar uma estratégia de pesquisa particularizada,
caso a caso, ao invés de uma regressão, por exemplo, com dados de painel, que ocultaria
boa parte das diferenças institucionais .
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7
O caso específico a ser visto neste artigo é o da Companhia Geral do Grão-Pará e
Maranhão. Antes, porém, pode ser interessante conhecer algumas características das
companhias privilegiadas no mercantilismo ibérico.
4 – Sobre as Companhias Privilegiadas e o Mercantilismo Ibérico
Conforme dito acima, para Ekelund & Tollison (1997), as companhias privilegiadas
espanholas e portuguesas podem ser compreendidas como estatais . Entretanto, é
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interessante analisar um pouco mais detalhadamente o funcionamento das mesmas.
Apesar destes autores afirmarem que as companhias ibéricas foram totalmente
financiadas pelas respectivas coroas , esta não é uma caracterização correta, por exemplo,
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no caso da CGPM. Além disso, não é consensual que os experimentos ibéricos tenham
sido ou não fracassos .
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Desta forma, a sub-seção abaixo serve como contextualização do ambiente institucional
em que se encontrará a CGPM.
4.1. - Companhias na Península Ibérica: problemas de agência
A origem das companhias ibéricas, na historiografia tradicional é normalmente associada
a uma adaptação direta das práticas do mercantilismo francês. Para se ter uma idéia sobre
as companhias na península, observe-se o quadro abaixo.
Companhias
Fundação (Fechamento)
Compania de Honduras
1714 (?)
Real Compania Guipuzcoana de Caracas
1728 (1784) (1)
Compania de Galicia
1734 (1734)
Real Compania de Comercio de la Habana
1740
Real Compania de Comercio de Barcelona
1755 (1785) (2)
Compania de Filipinas
1785 (1834)
Compania Zarza de la Mayor
1746 (2)
Real Compania de Comercio y Fabricas de Zaragoza 1746 (1774)
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Companhias
Fundação (Fechamento)
Real Compania de Fabricas y Comercio de Granada
1747 (1767)
Real Compania de San Fernando de Sevilla
1747 (1780)
Real Compania de Comercio y Fabricas de
Estremadura
1746 (1786)
Real Compania de Comercio y Fabricas de Toledo
1748 (1783) (2)
Compania General y de Comercio de los Cinco
Gremios Mayores de Madrid
1752 (1846)
Real Compania de Comercio y Fomento de Fabricas
de San Carlos
1767 (1773)
Real Compania de Ezcaray
1773 (1785) (3)
Companhia da Índia Portuguesa
1549 (1620?)
Companhia da Índia Oriental
1628 (1635) (*)
Companhia Geral para o Estado do Brasil
1649 (1720)
Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto 1756 (?)
Douro
Companhia Geral das Pescarias Reais do Reino do
Algarves
1773 (?)
Companhia da Ásia Oriental
Companhia de Cacheu e rios de Guiné
1676 (1682)
Companhia do Estanco do Maranhão e Pará
1682 (1685?)
Companhia de Cacheu e Cabo Verde
1690 (1706)
Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão
1755 (1776,1778?)
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba
1759 (?)
Fonte: Para as companhias espanholas, Hussey (1934), Linage (1983), Shakespeare (2001). Para as
companhias portuguesas, Falcon (1981), Winius (1981) e Carreira (1988).
Notas: (1) Absorvida pela Compania de Filipinas.
(2) Fundida com a Compania de Granada, a de Toledo e com a Real Compañia de Comercio y Fabricas de
Estremadura.
(3) Transferida para a Compania General y de Comercio de los Cinco Gremios Mayores de Madrid.
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Observações: As datas de "fechamento" nem sempre correspondem ao efetivo encerramento das atividades
das companhias. Uma causa desta imperfeição diz respeito à distribuição de dividendos, que às vezes
continua além do fechamento da firma. O critério para "fechamento" não é unânime entre os autores.
(*) Criada durante o período da União Ibérica.
O primeiro ponto importante a se observar no quadro acima é que as companhias foram
adotadas como instrumentos mercantilistas de Espanha e de Portugal, antes, durante e
depois do período da União Ibérica. Embora apenas uma das companhias acima tenha
sido criada no período da união – a Companhia da Índia Oriental – a prática prosseguiria
após a separação dos países.
Embora o controle estatal possa ser considerado a tônica de todas estas companhias, isto
não significa que o mesmo se deu facilmente. Assim, problemas de agência e de
tentativas de criação de barreiras à entrada de novos sócios por parte dos insiders são
frequentes nas descrições das companhias. Por exemplo, as companhias espanholas
(Barcelona, Filipinas, Habana e Guipuzcoana de Caracas) requeriam um número mínimo
de ações para votação nas respectivas juntas gerais . Entretanto, no caso da Companhia
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de Caracas e na de Habana, abria-se a exceção para a possibilidade de eleição de
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diretores que possuam qualidades adequadas para o cargo.
O que chama a atenção, neste caso, é que:
"En la Compañía de Caracas 'deberán tener conocimento prático del
comercio y ser acreditados y hábiles para esta dirección'. Sin embargo,
parece existir o querer crearse en la misma un estado de opinión
contrario al desempeño de la dirección por comerciantes particulares
'porque hay muy pocos entre estos últimos que en estudio del comercio
alcancen con su vista más allá de sus intereses particulares'. En la
Compañía de La Habana igualmente 'han de ser bien acreditados y
capaces de desempeñar su obligación'. Tales requisitos se objetivizan en
la Compañía de Barcelona, que exige el ejercer su proprio nombre el
comercio en la ciudad de Barcelona, requisito que en este caso
contribuye a reducir el número de posibles elegidos". [LINAGE, R.R.
(1983) : 37]
Assim, o que a autora constata é a existência de dois tipos de barreiras à entrada. A
primeira, de acesso à direção das companhias, diz respeito ao sistema de votação, no qual
não se segue a tradicional regra de "um homem, um voto" . A segunda delas, no caso da
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Companhia de Barcelona (e também na de Habana), diz respeito ao critério geográfico,
ou seja, mesmo que os acionistas possam ser oriundos de qualquer parte do império
10
espanhol, os membros da direção só poderiam pertencer às respectivas cidades (ou
vizinhança).
À proibição do comércio privado por parte dos diretores segue-se a profissionalização do
cargo de diretor como uma tentativa de minimizar a corrupção. O maior ou menor
sucesso de uma medida como esta, claro, depende da relação entre o salário estabelecido
e o ganho líquido potencial de atividades ilícitas.Uma forma de se coibir o comércio com
para fins particulares, assim, surge com a criação de um horário fixo de trabalho para os
diretores da Companhia de Filipinas. A Companhia de Caracas também adotou medida
similar. Assim, uma proposta era a de que:
"(...) los directores y demás empleados de la Compañía no admitan
empleos concejiles, encargos ni comisiones algunas...para que no se
distraigan del cumplimento de su primera obligación".(...) Sólo en estas
dos companías, que tienen en común la duración indefinida del cargo, se
alude al tema. En las restantes, dada la temporalidad de su desempeño,
no se limita su actuación en otros asuntos, excepto en lo relativo a las
actividades que compitan con las de la compañía". [LINAGE, R.R.
(1983) : 53-4]
Conforme o trecho acima, a tentativa de controlar a ação dos diretores ocorria ou da
forma tradicional – demissão – ou, no caso dos empregos vitalícios, através de restrição
ao exercício de outras atividades .
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Um exemplo de que o controle da atuação da companhia não era perfeito consiste no
surgimento do cargo de presidente da Junta Geral, no caso da companhia de Caracas. Isto
se deu após sucessivas revoltas contra a atuação da companhia e após a transferência da
direção para Madri . O interessante, sobre esta companhia é que o cargo do presidente só
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existia para a celebração da reunião da Junta Geral. Considere os trechos seguintes:
"Una vez determinada por los directores la fecha de la celebración, éstos
solicitan el nombramiento de presidente, que se realiza por real orden,
agotándose sus competencias al cierre de la junta. Al rey parece
interesarle en este caso únicamente vigilar dicha celebración, y lograr
imponer los acuerdos que le convienen". [LINAGE, R.R. (1983) : 173]
"El cargo (...) implica (...) una serie de actuaciones (...). Sus facilidades
concretas en el desarrollo de la junta no son muchas, pero siempre queda
la posibilidad de despachar reales órdenes que modifiquen los acuerdos
que se consideren convenientes". [LINAGE, R.R. (1983) : 177-8]
11
Ou seja, trata-se de uma solução racional, do rei, para um problema de escolha pública.
Fazer da presidência um cargo momentâneo minimiza a possibilidade de conluios e
acordos do presidente com os membros da Junta contra os interesses reais (em termos de
custos de transação, soluciona-se o problema de custos de monitoramento e supervisão do
agente ).
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A intervenção - cada vez maior - da Coroa e/ou seu progressivo entrelaçamento com os
interesses da direção da companhia se traduz na progressiva diminuição de comunicação
das decisões da firma aos acionistas sendo, por exemplo, no caso da Companhia de
Caracas, a ata substituída por "extratos" .
25
Um problema não tratado por Ekellund & Tollison (1997) consiste no papel das
companhias no desempenho econômico das colônias . Segundo Hussey (1934), um dos
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mais famosos proponentes das companhias na Espanha, Uztariz, era contrário ao seu uso
além da metrópole. Além disso, a adoção das companhias para o comércio marítimo não
necessariamente implica em uma preocupação com o bem-estar da colônia. Conforme o
autor:
"Ministerial favor for the Company and indifference to colonial
displeasure may be inferred from facts already recited. The great
extension of the Company`s scope and privileges by 1742, no less than
the evidences of royal desire to aid it during war-time troubles, all
indicate a status firmly established and unshaken in the minds of the
Spanish Court". [HUSSEY, R.D. (1934) : 104]
Nos anos finais desta companhia, contudo, o monopólio seria secretamente estabelecido,
um procedimento que, como se poderá ver abaixo, no caso da CGPM, não era incomum
nos impérios ibéricos.
Desta sub-seção se conclui que compreender as companhias monopolistas ibéricas como
monopólios públicos é um passo necessário, mas não suficiente para o estudo da
economia política subjacente ao seu funcionamento. Entretanto, pouco foi dito até agora
sobre as características institucionais das companhias portuguesas. Embora a CGPM seja
o principal objeto de estudo deste artigo, outra companhia estabelecida por Pombal
apresenta características interessantes que valem a pena serem expostas, para que se
possa verificar alguns aspectos indicativos de rent-seeking.
4.2. - Companhias Privilegiadas em Portugal e rent-seeking: uma evidência?
12
Tal como na Espanha, em Portugal, as companhias monopolistas são uma constante nas
políticas mercantilistas, notadamente sob Pombal . De forma distinta à Uztariz, o
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poderoso secretário via este tipo de instituição não apenas como útil para Portugal, como
também nas colônias.
Em relação aos monopólios que atuavam apenas na metrópole, vale a pena destacar o
problema relacionado à Companhia Geral das Agriculturas das Vinhas do Alto Douro,
relativo aos cereais e vinhos. A literatura tradicional trata estes dois casos através do
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seguinte prisma: no primeiro caso, trata-se de um problema de excesso de demanda de
trigo por parte de Portugal enquanto que, no segundo caso, a preocupação se volta para o
problema da dependência em relação à Inglaterra.
A solução, neste sentido, foi:
"(...) em termos reais, a maximização da produção de cereais, a expensas
da redução duma cultura excedentária – a vinha – e duma actividade
considerada subalterna – a pecuária. Esta foi consideravelmente limitada,
em especial pela legislação referente ao Alentejo, posterior a 1764. O
arranque de vinhas e a sua substituição imediata por sementeiras
cerealíferas, foram compulsivamente ordenadas para várias regiões do
país, a partir de 1765. Também a cultura do linho cânhamo foi objecto de
disposições similares". [SERRÃO, J.V. (1989) : 243]
Embora os problemas sejam os cereais e o vinho, como explicar a substituição de um
pelo outro de forma generalizada? Falcon (1993) levanta a hipótese de que possivelmente
isto se deva à conjugação do incentivo de plantações de cereais em todo o país com a
política de monopolização da produção do vinho por parte da Companhia Geral das
Agriculturas das Vinhas do Alto Douro .
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Segundo Serrão (1993), estudos recentes mostram que a justificativa aceita por parte da
historiografia tradicional portuguesa (seguindo a argumentação de Pombal) de que a
escassez dos cereais se devia à disseminação do vinho nos mesmos terrenos não é
totalmente correta. Assim, muito do crescimento da produção de vinhos teria ocorrido:
"(...) à custa de terrenos virgens (encostas, socalcos, terras marginais) ou
da intensificação policultural (uveiras, latadas), mesmo quando se fez
para compensar a baixa dos rendmentos cerealíferos. (...) De qualquer
modo, é importante notar que a regressão da área cerealífera, ou a sua
substituição por outras culturas (...) não constituiu um fenómeno
generalizado (...). Em boa verdade, apenas o terão feito aqueles que
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dispunham de excedentes comercializáveis, para os quais prevaleceram
os ditames do cálculo económico (...). Para a larga maioria, porém, cuja
produção era igual ou inferior às próprias necessidades, o trigo
continuava a ser o 'mal necessário'(...). Presos, como estavam, à
necessidade de garantirem a auto-subsistência, a substituição de culturas
não apresentava qualquer atractivo". [SERRÃO, J.V. (1993) : 82-3]
O trecho acima não parece corroborar o alegado motivo de Pombal para a "substituição"
das vinhas pelos cereais, dando algum suporte para uma hipótese mais próxima da idéia
rent-seeking aventada por Falcon (1993).
Contudo, o controle estatal não abandonou a produção cerealífera. Além de incentivar a
disseminação da produção de cereais, Pombal agiu no sentido de facilitar a
comercialização destes produtos, mantendo o controle público para minimizar a
participação de comerciantes estrangeiros, fiscalizar a qualidade e controlar a ocorrência
de especulação.
Maxwell (1995), em relação à esta companhia, chama a atenção para a forma em que ela
foi estabelecida:
"All opposition was ruthlessly repressed on a day-to-day basis by the
stringent enforcement of the Douro company`s monopoly rights and
more generally by the vigorous exercise of military and judicial
authority. (...) And the demarcated zone included one very remarkable
exception, the wine produced on Pombal`s own estate at Oeiras, an estate
bordering not the Douro river, but the Tagus some hundred miles to the
south of the Port wine area. It was a lucrative arrangement for Pombal`s
property and added greatly to the wealth of his family". [MAXWELL, K.
(1995) : 63]
A inclusão da propriedade do próprio Pombal numa área geograficamente distante é um
forte indício a favor da hipótese de rent-seeking.
Neste sentido, a política agrícola parece ter seguido um padrão de criar uma vasta
economia concorrencial no caso de produtos agrícolas, embora sujeita à regulação para
evitar a ação dos estrangeiros e com fiscalização pública, ao mesmo tempo em que
Pombal promovia a concentração geográfica do monopólio do vinho no Alto Douro –
30
com a notável exceção da anexação de suas próprias terras dedicadas à cultura do vinho.
5 - A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e o Mercantilismo Português
14
A CGPM, independente de ter se originado como uma forma minimizadora de custos de
transação no comércio intercontinental da época ou como o fruto de uma ação
cartelizadora, apresenta, como um monopólio artificial , problemas de agência.
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Alterar a estrutura de mercado de uma forma concorrencial para uma monopolista
significa transformar – caso não haja exclusão - o antigo proprietário de uma firma em
um acionista da nova companhia monopolista, gerando todos os problemas que a teoria
de agente-principal propugna . Em outras palavras, o monopólio é um problema de
32
coordenação e não uma estrutura monolítica concentrada na busca de rendas, no qual o
interesse de todos está perfeitamente conjugado.
Quais eram, então, os incentivos da CGPM? A melhor forma de se examinar este
problema é observar o contrato que deu origem à firma. Mais ainda, no caso específico
desta companhia, existe o chamado Alvará Secreto, feito apenas dois anos o lançamento
do estatuto inicial da CGPM. Este Alvará modifica alguma das prerrogativas
estabelecidas inicialmente. Inicialmente, considere-se o quadro abaixo, que resume os
principais incentivos que, efetivamente, guiavam a ação dos membros da CGPM.
Quadro 1 – Estrutura Legal da CGPM (Estatuto de 1755)
Regras do Jogo (corpo diretor e processo decisório) e formação do capital inicial da CGPM, detalhes
burocráticos (art.1,2, 3, 5, 6, 7, 37, 39, 41, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54 )
1 Provedor
8 Deputados
3 Conselheiros
1 Secretário
1 Juiz Conservador
Trienal, com eleitores restritos a um montante maior ou igual a cinco mil cruzados em ações (com
possibilidade de formação de grupos entre pequenos acionistas). Critério da "pluralidade" dos votos .
33
Para o início da CGPM, o provedor, os deputados e os conselheiros foram escolhidos pelo rei.
Propostas de negócios também deveriam ser votadas sob a regra da pluralidade.
Privilégios sociais diversos, frisando que a atividade comercial não "prejudicaria" o caráter nobre do
acionista (apenas para os que investissem dez mil cruzados ou mais).
Fundo e capital da CGPM seria de um milhão e duzentos mil cruzados (repartidos em mil e duzentas ações).
As ações poderiam ser repassadas a terceiros. Capital investido não poderia ser retirado em 20 anos mas, em
compensação, eram permitidos recebimentos de juros.Poderia haver capital de estrangeiros na companhia.
Fretes e avarias seriam cobrados a favor da companhia.
15
Infra-estrutura (art. 9, 10, 11, 14, 15, 16, 33, 34, 35, 36, 43, 45)
A Coroa fornece armazéns inicialmente e permite que a CGPM corte madeira para a fabricação de navios.
Em caso de excesso de produtos, outros armazéns poderiam ser usados.
Fornecimento inicial de duas fragatas de guerra de empréstimo. Navios capturados passam a integrar a frota
da companhia. Em casos de guerra, a CGPM deveria apoiar a Coroa.
Permissão para uso de fornos e moinhos para produção de provisões (idem para carnes). No caso de vinhos,
apenas o pagamento dos direitos de entrada e saída.
Barateamento dos custos para fabricação de pólvora para uso próprio.
Autonomia Administrativa e Judiciária (art. 4, 12, 13, 18, 38, 40, 44, 46, 47)
Permissão para contratar mão-de-obra para o comércio e para a defesa, com autonomia na nomeação dos
oficiais). A Coroa observa de perto estas contratações através da aprovação dos regimentos dados aos
comandantes e capitães-de-mar-e-guerra.
Autonomia jurídica perante governadores, capitães-generais e demais autoridades.
Tribunal próprio, sob o Juiz Conservador, para julgamentos de ofensas a quaisquer oficiais da companhia.
Imunidade, exceto em caso de flagrante delito, para os deputados, conselheiros e secretário da CGPM.
Ofensas a qualquer oficial da companhia seriam passíveis de punição pelo próprio Juiz Conservador
Regras Comerciais (art. 8, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 42)
Problemas com insumos (madeira, mão-de-obra) resolvidos pela ação do Juiz Conservador que pagaria a
madeira pelo "preço que valerem", não especifica sobre os salários.
Fixação dos dias de partida dos navios da CGPM a partir do Grão-Pará e Maranhão, bem como proibição de
comércio particular por parte dos membros da companhia.
O exclusivo comercial é especificado no art. 22. Detalhamento sobre procedimentos de venda de fazendas
secas e molhadas, bem como prestação de contas aos residentes na colônia.
A CGPM se encarrega de monopolizar a oferta de escravos (art. 30).
Tarifas e incentivos para importação/exportação de produtos especificadas, desburocratização na alfândega
para a companhia.
Fonte: Carrera (1988).
Notas: O art.55 não foi incluído na classificação acima pois se tratava apenas da
aprovação real para a Companhia.
A divisão do contrato acima nos itens citados, apesar de algo arbitrária, permite uma
avaliação das preferências de Pombal quando da formação da CGPM. Primeiramente,
observe-se que, as definições burocráticas ocupam 30% do contrato. Sobre a infraestrutura inicial, 22%. As regras do comércio ocupam 33% e, finalmente, apenas 15% do
contrato trata da autonomia jurídico-administrativa da companhia.
16
Em termos de incentivos, as definições burocráticas e as regras comerciais mostram a
preocupação da Coroa em controlar a ação da companhia. Embora o item "autonomia"
represente um pequeno percentual na divisão proposta, ela não ilustra perfeitamente os
amplos poderes dados à CGPM relativamente às administrações locais. Finalmente, a
questão da infra-estrutura acima citada, ocupa uma posição intermediária no contrato
inicial. Entretanto, o mesmo foi suplantado pelo Alvará Secreto, de 1757, que apontou
novos incentivos para a CGPM . Este alvará surgiu em resposta a uma petição feita pela
34
companhia no mesmo ano, na qual se solicitava uma extensão do monopólio comercial
para determinadas áreas na África .
35
O novo alvará forneceu à CGPM não apenas o monopólio comercial, mas também a
jurisdição político-militar da região, o que ilustra seu caráter fortemente estatal (e altera a
percepção dos percentuais acima). Assim a CGPM:
"(...) viu anuladas as disposições dos artigos 23 e 24 do estatuto de 1755,
com relação à África, segundo os quais a empresa só podia contabilizar
um lucro de 45%, a recair sobre o custo, em Lisboa, das chamadas
'fazendas secas' (art. 23); e um lucro de 15% sobre o custo, em Lisboa,
das 'fazendas molhadas' (...) (art. 24). Ora, nos termos dos artigos 10, 11
e 12 (...) do Alvará secreto, ela beneficiaria de total isenção de direitos
sobre todos os gêneros procedentes do setor (...) podendo descarregá-los
e armazená-los sem qualquer interferência das alfândegas, quer as
locais, quer as do Reino, mesmo quando destinadas a exportar para o
estrangeiro. Como o Alvará secreto é omisso quanto a preços de venda
(...), as fazendas e os gêneros eram onerados discricionariamente com
elevadas margens de lucro". [CARREIRA, A. (1988) : 71-2] (grifos
meus)
Assim, em termos de incentivos, o que o alvará secreto fez foi ampliar a autonomia da
CGPM na costa africana bem como, na prática, liberá-la do encargo dos preços fixos,
dando-lhe a flexibilidade clássica de um monopólio . Verifica-se que, novamente, como
36
no caso das capitanias hereditárias, a administração portuguesa optou pelo uso do capital
privado na administração de suas posses no ultramar. Contudo, ao invés de donatários,
desta vez o ministro Pombal criou uma companhia monopolista.
As responsabilidades da CGPM com infra-estrutura (fortificações, feitorias, etc) foram
interpretadas por Dias (1970) como uma forma de auxílio da companhia ao rei na
preservação do patrimônio real no além-mar, em troca dos privilégios concedidos.
Entretanto, como já dito acima, as feitorias podem ser encaradas como uma forma de
17
ereção de barreiras à entrada em defesa de seu monopólio geográfico por parte da
companhia, muito mais do que uma atitude "patriótica" (defesa do Império) ou de algum
tipo de "acordo de cavalheiros" entre a CGPM e o rei, pelos privilégios ganhos.
A dissipação de recursos na defesa de seu monopólio – tanto através da responsabilidade
no pagamento dos insumos quanto na manutenção de seu monopólio geográfico - não é,
assim, uma hipótese irrealista na história da CGPM:
"A luta contra a pirataria, a cobertura bélica das frotas e a defesa das
bases continentais e insulares do monopólio, bem como o pagamento dos
'filhos da folha' – eclesiásticos, civis e militares – pesaram grandemente
nos rendimentos da Companhia. (...) O prejuízo de certos anos do giro
mercantil da empresa explica-se , pois, pelo ônus oriundo do
entrincheiramento do ultramar e dos aprestos das naus de guerra".
[DIAS, M. N. (1970b) : 52]
Além do autor não apresentar evidências de que os prejuízos comerciais da CGPM
estejam relacionados com os gastos em itens de infra-estrutura e defesa, há ainda sua
hipótese de que a companhia teria suprido o problema de demanda de capitais no Pará.
Entretanto, como o autor avalia a melhoria do bem-estar na região? Apenas mostrando
uma lista de devedores da companhia que ainda esperavam receber algum retorno após a
extinção da mesma . Além disso, o autor não atenta para o fato de que se existiu algum
37
mercado de capitais na região, a companhia teve poder monopólico, com todas as
implicações de bem-estar que a teoria econômica prevê.
Outra evidência que Dias (1970), vol.2 aponta para explicar o "sucesso econômico" da
CGPM na região teria sido o aumento de arrecadação. Entretanto, não há, a priori,
qualquer motivo para se supor que um aumento de arrecadação implique em aumento de
bem-estar.
6 - Problemas de Agência e Rent-seeking: algumas evidências
Em seu Diretório econômico para os administradores da Companhia nas cidades de
Belém e Grão-Pará, datado de 25 de junho de 1765 , a CGPM apresenta suas diretrizes
38
para coibir atividades ilegais de seus funcionários no Brasil. Nestas, uma medida
interessante diz respeito à tentativa de se criar um auto-controle por parte dos
18
administradores locais, estabelecendo-se sempre uma atuação conjunta de dois
administradores.
Assim, além de se exigir uma proximidade geográfica dos mesmos relativamente à sede
local da companhia, o acesso ao cofre era feito com o uso de duas chaves . O comércio
39
particular era expressamente proibido, mas não se observa, na literatura investigada,
qualquer referência quanto às punições que seriam adotadas.
Outro argumento em prol da eficiência da companhia no controle de problemas de
agência é exposto em Dias (1970a), quando o mesmo examina o fato de os
administradores de Cacheu terem sua forma de pagamento alterada do originalmente
contratado (5% do tráfico de escravos para um pagamento anual):
"Que teria levado a Companhia a abolir, na medida do possível, o
sistema de pagamento a seus administradores em Cacheu na base de
percentagem sôbre o movimento das carregações? Acontecia (...) que os
feitores, ganhando segundo o giro mercantil, tinham interêsse em remeter
maior número de escravos para Belém e S. Luís, não lhes importando as
condições físicas dos mesmos". [Dias (1970), vol.1 : 275]
Ou seja, a qualidade do produto e a forma de remuneração dos vendedores possivelmente
foi um problema bem percebido pela diretoria da CGPM.
Em termos das operações comerciais da CGPM, recomendava-se que os administradores
evitassem operações arriscadas, i.e., negociações a prazo ("a crédito ou fiadas") com
pessoas de má reputação financeira.
Outra questão frequentemente associada à atuação das companhias privilegiadas diz
respeito à sua (in)efetividade com respeito ao fornecimento de defesa para as regiões do
império. O trabalho mais sério a este respeito, na bibliografia consultada, é o de Carreira
(1988) e, mesmo neste, as informações são escassas, embora indiquem que o problema de
ataques estrangeiros tenha sido real no norte do Brasil.
Em uma perspectiva distinta à tradicional ("companhias eram uma forma de se produzir
bens públicos como defesa") ou à de Ekelund & Tollison (1997) ("companhias só
produziram bens públicos na medida em que os mesmos lhes protegiam enquanto
cartéis"), Mechner (1999), propõe, usando o caso da Espanha (Casa de Contratación, em
Sevilha) que:
19
"Piracy helped the monopolists maintain their control of the trade by
forcing merchant ships to travel in great, armed fleets that both protected
and insured them. Operating such convoy was an undertaking of such
scale and expense that it required the monarch`s support and cooperation.
Only the Casa, therefore, could organize such a fleet. Sailing with the
Casa`s fleet meant sailing to and from Seville, and thus the Casa could
effectively tax the trade". [MECHNER, E. (1999) : 6-7]
Ou seja, para esta autora, o efetivo poder de monopólio da companhia era, na verdade,
devido à existência da pirataria. Teria sido ótimo para os comerciantes privados
juntarem-se ao comboio protegido pela frota da companhia evitando, inclusive,
problemas de risco moral .
40
No caso da CGPM, em relação a qualquer uma das três teses, é difícil se concluir
favoravelmente ou não devido a problemas nos dados apresentados tanto por Carrera
(1988) quanto por Dias (1970a) . Segundo Carreira (1988), 13 navios naufragaram ou
41
foram capturados por piratas. O valor total dos prejuízos apenas com estes navios foi de
40.181$026. Em relação ao total do valor dos 42 navios listados , estes prejuízos foram
42
da ordem de 26%.
Entretanto, Dias (1970a) apresenta uma análise bem mais otimista da frota. O autor
procurou listar não apenas os navios da companhia, mas também os navios fretados. Em
sua desagregação anual, considera não apenas o estoque de navios, mas o fluxo de
construção/destruição(ou devolução) de navios. Neste sentido, os 13 navios de Carreira
(1988) coincidem com o número de navios "perdidos" mais a devolução da nau de guerra
Nossa Senhora da Atalaia .
43
A confusão nos números aumenta quando, então, este autor considera apenas 3 navios
vitimados por naufrágios ou vítimas de pirataria. Assim, subtraindo-se a nau devolvida à
Coroa, Dias (1970a) considera que 10 navios teriam se perdido por depreciação.
De qualquer forma, Carreira (1988) nos dá algumas informações úteis sobre a pirataria.
Segundo ele, dos 42 navios, 27 eram usados em viagens de longa distância em:
"(...) comboios de 10 a 15 navios, escoltados pelas duas naus de guerra
que a Coroa oferecera (...) e por outros de maior tonelagem, armados
com peças de artilharia ou com pedreiros. Era a forma de defesa contra
os freqüentes ataques de corsários, em especial de origem argelina e
outros". [CARREIRA, A. (1988) : 97-9]
20
Conforme visto acima, a efetividade na defesa contra os piratas não é uma questão de
fácil resposta. Considerando-se um dos autores, a CGPM teria sido bastante eficaz na
defesa dos comboios, tendo perdido apenas três naus por causa dos ataques piratas. Já
Carreira (1988) seria mais cético com relação ao mesmo tema ao considerar 14 (ou 13)
naufrágios .
44
Apesar de tudo, existe uma interessante evidência sobre a concorrência de portugueses e
outros europeus em uma das regiões nas quais a CGPM operava, a de Bissau-Cacheu, na
África. Em 1756, apesar da ausência de recursos financeiros necessários, tanto por parte
da CGPM quanto por parte do rei, a companhia solicitou autorização real para a
construção de uma fortaleza em Bissau. O motivo alegado era a presença de navios
estrangeiros (notadamente ingleses e franceses) na região.
Resumidamente, a justificativa se baseava na suposta proteção do interesse público da
CGPM no comércio real através do aumento do poder militar português na região.
Entretanto, parece ter havido uma convivência frutífera entre a CGPM e os concorrentes.
"(...) supõe-se que houvesse um modus vivendi entre os agentes da
Companhia e as tripulações de navios estrangeiros. Aqueles usufruíam,
todavia, de uma grande vantagem em relação aos últimos. Como estavam
fixados em terra, na margem dos rios, em permanência, aproveitaram-se
desta situação. Na ausência dos concorrentes, vendiam e compravam em
tranqüilidade. (...) a Companhia condescendia com os ingleses, os
franceses e os holandeses (...)". [CARREIRA, A. (1988) : 116-7]
Assim, o que Carreira (1988) mostra é que a justificativa da CGPM como instrumento
para a manutenção do comércio português como um "bem público" não é uma explicação
satisfatória acerca das origens da companhia. Como um monopólio estatal – e tendo o rei
como residual claimant principal - a companhia buscou maximizar seus lucros mesmo
que, para isso, tivesse de consentir com ação de outros comerciantes em regiões nas quais
seu poder militar era relativamente menor . Fica também, descartada, a hipótese de
45
Mechner (1999) sobre a pirataria. Longe de a CGPM garantir proteção aos comerciantes
contra piratas e/ou ataques estrangeiros, a atuação da mesma em conjunto com estes
ocorreu, sempre que a maximização de lucros se mostrasse uma boa opção.
Entretanto, conforme dito acima – e destacado por Lee & McKenzie (1999) – o fato de os
principais da CGPM usufruirem da convivência algo pacífica de concorrentes em Bissau
21
não significa que os agentes tenham se comportado de forma monoliticamente obediente.
Evidências de comportamentos oportunistas são apontadas por Carreira (1988) em
diversos trechos:
1. Ocultamento da margem de lucro através da não-indicação da quantidade de bens
fornecida em troca de escravos (p.108) [bc]
2. Atraso no envio de contas para a contabilidade em Lisboa (p.119)[bc]
3. Tentativa de obter, de forma ilegal, recursos da Fazenda Real, após o fim do
monopólio (p.140 e p. 204) [cv]
46
4. Comércio clandestino de panos por parte dos capitães dos navios da CGPM
(p.150) [cv]
No julgamento de Carreira (1988), o monopólio da CGPM não teria agido sempre a favor
dos colonos como na prática de preços elevados para o sal no Maranhão e Pará (p.167)
47
ou mesmo na existência de comércio ilegal, gerado justamente porque a companhia não
supriu as necessidades de comércio dos colonos. Esta visão contrasta com a de Dias
(1970a), que considerava a CGPM como um:
"A instituição representa, com efeito, a terapêutica do despotismo
pombalino para salvaguarda e segurança de um patrimônio ultramarino
ameaçado, de um lado, pela ingerência das Ordens Religiosas nas
questões seculares e, de outro, pela partilha política e econômica do
Atlântico afro-brasileiro pelas grandes potências mercantilistas do século
XVIII". [Dias (1970), vol.1 : 225]
Este último autor parece acreditar mais na hipótese da CGPM como uma estatal voltada
para a proteção da soberania portuguesa no além-mar enquanto Carreira (1988) parece
mais inclinado – embora nem sempre - a uma hipótese mais próxima à uma abordagem
de Escolha Pública. Um exemplo disto é a citação a seguir:
"(...) a atuação da empresa, longe de permitir um bom relacionamento
com os pequenos agentes econômicos da região, produziu no Brasil um
clima de conflitualidade permanente que estes aproveitaram para
avolumar a navegação costeira ilegal, as remessas de gêneros em
contravenção às estipulações dos estatutos do monopólio e mesmo o
negócio clandestino (...)".[CARREIRA, A. (1988) : 189]
Outro episódio interessante diz respeito à questão monetária. Segundo Barata (1973), a
economia do Pará, previamente à CGPM, era uma economia de escambo, baseada no
22
cacau, cujo preço relativo à moeda oficial estava estabelecido, arbitrariamente, em 3$600
réis . A companhia, assim, teria colaborado para a monetização da região.
48
Entretanto, Carreira (1988) parece ter percebido o caráter pouco altruísta da posição
monopolística da companhia. Enquanto no arquipélago de Cabo Verde, a CGPM
aproveitou-se da ausência de moeda para extrair maiores ganhos nas trocas pois, dado seu
monopólio oficial, podia fixar a taxa de câmbio conforme sua percepção do potencial de
lucro. Se a ausência de moeda foi percebida, como diz o autor, como vantajosa pela
companhia, como explicar seu papel de promotora do uso de moeda no Pará? Uma
explicação possível é, segundo Dias (1970):
"A colonização das capitanias do norte do Brasil acha-se, portanto,
fundamentalmente ligada à instauração e eficiência da gigantesca
emprêsa ultramarina paraninfada por Pombal. [Dias (1970), vol.2 : 5960]
Este autor apresenta, anualmente, as quantias de moeda enviadas para o Pará como prova
de sua hipótese de que a companhia teria contribuído para o aumento do bem-estar na
região. Contudo, é importante lembrar que a moeda utilizada no Brasil estava
relativamente desvalorizada, com flutuações conforme o mercado até o final de 1773,
quando estabeleceu-se o câmbio fixo entre as duas moedas, sendo a circulante no Brasil
desvalorizada em 10 por cento. Apesar de não apresentar uma prova empírica definitiva,
Carreira (1988) mostra que era possível à companhia aumentar artificialmente seus lucros
através de um artifício contábil simples. Assim, se o pagamento dos insumos era feito em
moeda local (i.e., a desvalorizada), bastava não aplicar a taxa de câmbio para se diminuir
todos os custos em dez por cento .
49
Outro episódio interessante diz respeito à tentativa de monopolizar todo o comércio afrobrasileiro. Em 1761, além de conceder a isenção alfandegária para o gengibre, anil e café
tranportados pela CGPM:
"Criou-se uma escala obrigatória no retorno das naus para Lisboa cujo
sentido era impedi-las de ir ao Brasil na volta do Oriente (...). A escala
seria na capital angolana, Luanda, onde deveria ser estabelecida uma
alfândega e um arsenal para consertar as naus. Ao mesmo tempo, a
Coroa tentou reprimir o embarque de mercadorias brasileiras nas naus
que faziam escala no Brasil no caminho para a Índia". [FERREIRA, R.
(2001) : 358]
23
Ainda segundo o mesmo autor, comerciantes brasileiros do Rio de Janeiro, Salvador e
Pernambuco, possuiam uma frota equiparável à frota portuguesa (320 e 300 navios,
respectivamente). Note-se como a escala obrigatória e a "alfândega" e o "arsenal" tinham
como objetivo forçar uma diminuição da concorrência brasileira. Neste sentido, os planos
de Pombal de aumentar a área de atuação da CGPM se parecem mais com uma tentativa
de monopolização do comércio marítimo do que, propriamente, o de facilitar o transporte
e o comércio .
50
7. Conclusões
Este artigo pretendeu contextualizar a história da CGPM dentro do arcabouço teórico
institucional, mostrando que as companhias de navegação européias eram bem diferentes
entre si. Ekelund & Tollison (1997) não entraram em detalhes sobre a colonização
portuguesa em seu estudo sobre o mercantilismo. Talvez este artigo seja útil para o início
de estudos sobre o tema.
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Notas
1 Agradeço a William Summerhill (UCLA) por sua paciência na leitura e orientação.
2Ver Winius (1981). Para uma análise mais genérica do comércio com as Índias, ver Godinho (1993).
3Os autores dedicam apenas duas páginas a estas companhias. Além disso, não fazem referência a qualquer
companhia específica. Embora seja razoável seguir a citação de Heckesher acerca do caráter ineficiente
das companhias portuguesas, pode ser que os autores estejam deixando de lado diferenças do contexto
institucional no qual surgem as companhias o que pode (ou não) gerar diferenças para o desempenho
das mesmas. Afinal, a Companhia do Brasil surgiu num contexto de disputa por um território (o "Brasil
Holandês") enquanto a CGPM surgiu em uma época na qual o domínio da colônia estava mais
consolidado.
4Além da referência de Winius (1981), ver também Boxer (1961), cap.6.
5Barzel (2002).
6Entretanto, a história da companhia parece mostrar que a mesma não gerou os lucros esperados e a quebra
contratual, por parte do rei, foi uma das responsáveis por isso. Os incentivos aos judeus foram retirados
em 1673 e, segundo Winius (1981), a companhia teria uma existência inexpressiva, até 1720,
provavelmente apenas para o pagamento de dividendos.
7É bom lembrar que não se pretende que estes dois autores representem uma resenha completa do assunto.
8Ekelund & Tollison (1997) podem ser vistos como uma leitura complementar à de Jones & Ville (1996a,
1996b). Curiosamente, Carlos & Nicholas e Ekelund & Tollison não parecem ter travado contato entre
si, na literatura, apesar de ambos discutirem as idéias de Williamson sobre a integração vertical
apresentada na East India Company inglesa. Ver Anderson, McCormick & Tollison (1983) e os citados
artigos de Carlos & Nicholas acima para maiores detalhes.
9O modelo segue Dixit (1988a, 1988b).
10O efeito Haberger-Laursen-Metzler diz respeito à deterioração permanente dos termos de troca que gera
um déficit de curto prazo na conta corrente. Para detalhes, ver Zou (1997).
11Brems (1986) pretende expor o que poderia ser chamado de modelo canônico do pensamento
mercantlista, baseado nas idéias de Thomas Mun.
33
12Segundo o autor: "(...) familiarity (...) measures the degree of which the country has become open to, or
familiar with, the outside world in the sense of ideas, not physical commodities". [McDermott (1999) :
58]
13A literatura tradicional sobre as Companhias encontra um bom exemplo na coletânea de textos em
Blussé & Gaastra (1983). Uma tese que aparece neste livro e que não foi examinada em nenhum dos
autores citadas neste artigo é a relação entre a criação destas companhias e o grau de desenvolvimento
econômico do país, proposta por Klein (1983). Basicamente, o autor propõe que a criação de
companhias em países com baixo grau de desenvolvimento econômico, na época, levaria ao fracasso
das mesmas, vale dizer, apenas países desenvolvidos poderiam criar companhias (caso os dirigentes
políticos desejassem o desenvolvimento econômico). Colocada desta forma a pergunta ignora o fato de
que as companhias poderiam ter surgido justamente por causa da existência de grupos de interesse
olsonianos, o que geraria menor desenvolvimento econômico para o país, ceteris paribus. A
consideração de instituições e do processo de rent-seeking alterando a distribuição dos direitos de
propriedade na história das companhias – o melhor exemplo sendo Ekelund & Tollison (1997) –
certamente é uma forma de recolocar a preocupação de Klein (1983) sob nova perspectiva. Entretanto,
até onde este autor conhece, não existe um estudo empírico de corte longitudinal ou com dados de
painel para tentar responder esta pergunta.
14Um exemplo interessante é: "Carlos and Nicholas emphasize the large volume of information generated
by companies but give little indication as to how it was used". [JONES, S.R.H. & VILLE, S.P. (1996a) :
906]
15Note que não se trata de um argumento baseado na ausência de dados, embora este também seja um
argumento razoável no caso das Companhias Privilegiadas.
16Adicionalmente, tanto para Ekelund & Tollison (1997) como para Hussey (1934) e Linage (1983), as
companhias espanholas seguiram de perto o modelo colbertista.
17"In these cases the crown completely financed the companies and was the sole residual claimant in the
returns of their trading adventures". [EKELUND, R.B. & TOLLISON, R.D. (1997) : 167]
18Ver Hussey (1934) e Piñero (1988), por exemplo, para a Companhia de Caracas.
19Normalmente as companhias tinham órgãos de administração e representação (diretores ou diretores e
junta de deputados), órgãos de assessoramento (revisores ou junta particular) e, finalmente, órgãos de
deliberação (presidentes e junta geral).
20É interessante destacar que o rei jamais se comprometeu a garantir o monopólio para esta companhia,
reservando para si o direito de conceder direitos similares a outros vassalos. Não se trata de uma ameaça
informal de revogação dos privilégios monopolista. Segundo Hussey (1934), este era um dos artigos no
contrato de criação da companhia, especificamente, o artigo quinto.
21Este tipo de regra, segundo Barzel (2002) facilita a adoção das decisões tomadas, por exemplo, sob regra
da maioria pois a identificação da fonte do poder é clara (apenas aqueles com um número de ações
maior do que certo montante votam) e os perdedores sabem que a oposição é inútil.
22Pode-se, contudo, supor que o desempenho de ambos os tipos de diretores não sejam necessariamente
iguais, dada a forma distinta de contrato entre eles. Isto, contudo, não invalida o fato de que, em
qualquer dos casos, os acionistas tentaram minimizar o problema de comportamento oportunista por
parte dos diretores. Conflitos entre diretores e acionistas são bem relatados em Linage (1983) e, no caso
da Companhia de Caracas, um ponto importante na tentativa de controle da ação dos diretores está na
transferência da direção para Madri (entretanto, esta transferência não ocorreu apenas com esta
companhia). Sobre este evento ver Linage (1983) e Hussey (1934).
23Ver Linage (1983), cap VI.
24Embora mostre que a Coroa estava atenta aos problemas de agente-principal, isto não significa,
necessariamente, que esta atenção represente alguma evidência de que a companhia tenha sido a forma
mais eficiente de se realizar comércio transatlântico. Observe-se que, segundo a autora, a maioria dos
acionistas residentes na Corte possuíam cargos públicos.
34
25A Companhia de Caracas, em 1736, chega a pedir ao rei o direito de não submeter suas contas à revisão
pública, substituindo-a por informes individuais. Adotando esta prática, a Companhia dificultava o real
conhecimento de suas contas por parte de seus acionistas, dado que o conhecimento sobre a prática
contábil não era homogêneo entre os mesmos. Adicionalmente, mesmo as contas eram apresentadas em
caráter precário. Sobre esta última observação, ver Hussey (1934), cap. 4.
26Hussey (1934) chama a atenção para o fato de que o contrabando holandês, existente em Caracas, ao
contrário de ter sido totalmente eliminado, persistitiu, o que explica que os colonos tenham aceitado o
monopólio da companhia. Em outras palavras, ao contrário do que se poderia acreditar, o autor postula
que os momentos de menor nível de reclamação por parte dos colonos se deveram à ineficiência do
monopólio no combate ao contrabando.
27É importante, aqui, lembrar que Pombal não foi o primeiro a implementar políticas mercantilistas em
Portugal. Antes dele, Duarte Ribeiro de Macedo assessorou o 3o Conde de Ericeira (Dom Luís de
Menezes), ministro de Dom Pedro II, tendo, portanto, implementado algumas políticas de caráter
colbertiano. Mesmo a proteção aos vinhos portugueses, abaixo citada, não foi uma idéia original de
Pombal. Para detalhes, ver Soares (1961) e Falcon (1993).
28Por exemplo, Serrão (1989) e Falcon (1993). Uma diferença, contudo, entre os autores – aparentemente
de ênfase – é a de que enquanto Serrão busca destacar a importância da política agrícola no período de
Pombal, Falcon parece seguir o que Serrão chama de "historiografia tradicional portuguesa" que associa
a política agrícola com o período que se segue ao fim da era pombalina, no qual a influência dos
fisiocratas teria sido maior.
29Embora, inexplicavelmente, o mesmo autor despreze a hipótese de Pombal ter interesses em rendimentos
pessoais com a produção do vinho. Segundo Falcon (1993): "Inaceitável, todavia, é tentar reduzir tudo a
uma simples manobra de especulação do próprio Oeiras, a fim de melhorar os seus rendimentos
pessoais como produtor de vinhos..." [FALCON, (1993) : 456-7. Ou seja, a hipótese é rejeitada a priori,
sem a apresentação de qualquer justificativa para tal. Algumas páginas adiante, o mesmo autor admite:
"Ainda está por se feita a história completa, minuciosa, dessa Companhia" [FALCON, (1993) : 462]. É
verdade que o autor não teve contato com a literatura rent-seeking, pelo menos no que tange à
bibliografia consultada, contudo, a rejeição da hipótese de maximização individual do Marquês, neste
caso, parece um tanto quanto precipitada conforme se pode ver a seguir.
30Outra característica peculiar da companhia dos vinhos foi a de exercer a função arrecadatória, em sua
região, do imposto conhecido como "subsídio literário". Um outro exemplo da intervenção
governamental na cultura por parte de Pombal refere-se ao teatro: "(...) a intervenção no campo teatral
não ficava assim pelas traduções e publicações possibilitadas ou ainda pelo estímulo a autores. Note-se
também que, curiosamente, a acção censória da Real Mesa não atendeu apenas a razões de ordem
política ou moral, mas ainda a critérios de bom gosto e qualidade". [SANTOS, J.J.C. (1991) : 27]
31Ou seja, um monopólio criado por redelimitação dos direitos de propriedade por parte do governo.
32Ver Lee & McKenzie (1999).
33Pluralidade, no caso, é sinônimo de maioria simples. As complicações que esta regra traz à análise de
decisão política e a possibilidade de controle de agenda pode ajudar a explicar o porquê de sua adoção
por parte da Coroa/Pombal.
34Dias (1970) e Carreira (1988) representam os dois principais estudos sobre a CGPM. Entretanto, apenas
o último autor parece ter tomado contato com este novo documento.
35"(...) Ilhas de Cabo Verde e suas anexas, e da Costa da Guiné, desde o Cabo Branco até o Cabo das
Palmas, inclusive". [CARRERA, A. (1988) : 67]
36A CGPM, entretanto, teve de se responsabilizar pelo pagamento dos seculares e eclesiásticos na região
(ilhas de Cabo Verde e costa da Guiné).
37Ver, especialmente, Dias (1970), vol.2, pp: 70-77.
38Carreira (1988), v.2., p.115.
39Em Lisboa, o mesmo expediente foi utilizado, mas com nove chaves e dois cadeados.
35
40Segundo Mechner (1999), os piratas podiam oferecer a chance de não atacar militarmente os navios
propondo a entrega pacífica da mercadoria transportada. Daí a possibilidade de risco moral.
41Aparentemente, Boxer (1961) tem problemas similares com os dados da frota portuguesa para a época da
Companhia do Estado do Brasil.
42Em Carreira (1988), vol.2., documento n.8, existe um erro que faz com que se conte um total de 43
navios. Ocorre que a nau Santa Ana e São Francisco Xavier Atalaia é uma só, e não duas. Ainda em
consequência (ou como causa do) deste erro, o valor de custo da nau Nossa Senhora da Atalaia aparece
erradamente na tabela, causando uma confusão no custo de Santa Ana e São Francisco Xavier Atalaia.
Outro problema consiste no anexo a este documento, que dá como naufragada a galera Nossa Senhora
da Atalaia que, segundo Dias (1970a) e o próprio Carreira (1988), vol.1, foi devolvida à Coroa.
43Além do problema na diferença do tamanho da frota, existe a diferença no "custo" de cada navio.
Checando os dados dos dois autores e considerando o maior de detalhamento de Dias (1970a), é
possível concluir-se que o "total da perda" de Carreira (1988) é igual ao "custo" de Dias (1970a)
subtraído de gastos com recuperação e adicionado de gastos com custeio. Ainda assim, os dados são
bastante problemáticos.
44Não é fácil se ter uma idéia comparativa da tonelagem da CGPM com suas congêneres. Por exemplo,
considerando a média de 350 t. (hipótese de Dias (1970a) para cada navio, em 1760, 5 navios saíram de
Belém e 3 de São Luís, com destino à Lisboa. Isto nos dá 2800 de tonelagem. Considerando uma frota
de 10 ou de 15 navios, conforme Carreira (1988), para contar a defesa do comboio, a tonelagem é,
respectivamente, de 3500 e 5250 toneladas. Qualquer um dos números é inferior, por exemplo, à
tonelagem dos chegaram na Inglaterra, pela East India Company no mesmo ano: 8982.
45Observe que isto não contradiz o fato de que a CGPM tenha experimentado problemas de agência.
46Esta é uma hipótese de Carreira (1988), baseado na diferença encontrada no valor das despesas da
CGPM em Cabo Verde, segundo duas fontes distintas, a primeira, a contabilidade da CGPM e a
segunda, o Arquivo Histórico Ultramarino.
47Vale a pena citar Carreira (1988) aqui: "O sal, num total de 19.856 moios (cada moio com 960 quilos),
constituía produto de grande procura em determinadas regiões, dada a circunstância de ter sido proibida,
por decisão régia, a organização de marinhas. (...) Para fingir que dispensava alguma proteção às gentes
(...), o alvará de 7 de julho de 1757 determinou a 'proibição da venda de sal aos moradores do Maranhão
e do Pará, por preços elevados'. Era uma má compensação (...). A Companhia vendia-o a 540 réis o
alqueire, pelo que cada moio rendia 8.460 réis, quando ele ficava no Pará a 1.749 réis o moio!".
[CARREIRA, A. (1988) : 167]
48O caráter artificial desta taxa de câmbio é destacado pelo próprio autor: "(...) logo que se queria vender
como genero, para passar a Europa, ninguem dava mais por elle que oito, dez, até doze tostoens a arroba
(...). Era uma moeda falsa". [BARATA, M. (1973) : 126]
49Trata-se de uma situação peculiar, pois a moeda é a mesma para a metrópole (Portugal) e para a colônia
(Brasil). A justificativa tradicional para este diferencial é a de que o mesmo teria sido criado para evitar
a fuga de moeda para a metrópole. Neste sentido, a ação da CGPM, ao aumentar a oferta de moeda no
Brasil – e aceitando-se a hipótese de Carreira (1988) – agiu em interesse da direção da empresa,
diminuindo, artificialmente, seus custos. A ação da companhia, sob a hipótese de Carreira (1988), é
interessante do ponto de vista da teoria econômica porque ilustra um caso no qual uma instituição bem
distinta do que seria um Banco Central, pode ter incentivos para ganhar com aumentos na oferta de
moeda.
50Na visão de Dias (1970a), estes planos teriam sido elaborados tendo em vista a (sic) a distância e a
dificuldade de caminho. Ver Dias (1970a), p.394. Um argumento seria a CGPM desenvolveria a
economia destas regiões. Entretanto, conforme Ferreira (2001), alguns negociantes brasileiros
chegavam a ter feitorias na África. Ver Ferreira, R. (2001), p.356.
51A repressão da Coroa aos lançados da Guiné pode ser, assim, entendida como uma precursora desta
medida.
36
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