O adolescente e a indústria televisiva
MELO, Kenia Abbadia de
Resumo: este artigo apresenta o percurso de um estudo realizado em 2005 com o objetivo de, com base na
observação de um grupo de adolescentes, pesquisar as representações sociais construídas e as fontes de mediações atuantes, em especial a escola e a família, no processo de recepção das mensagens televisivas. Apresenta as opções metodológicas da pesquisa e procede a uma análise dos dados, propondo algumas reflexões
que visam contribuir com o trabalho educativo desenvolvido pela escola.
Palavras-chave: adolescentes, televisão, representações sociais, mediações.
Nos dias atuais, ninguém contesta o inegável e fundamental papel que as instituições de mídia e seus
produtos desempenham na vida cotidiana de todos nós. Torna-se difícil imaginar como seria viver sem rádio,
televisão e computador, sem livros e jornais.
Informações sobre acontecimentos locais e para além do ambiente social imediato, as diversas formas
de entretenimento114, indiscutivelmente, atualmente estão entrelaçados com os meios de comunicação que vêm
dividindo espaço e relativizando a atuação das instituições de socialização como a escola e a família, difundindo valores, visões de mundo, estereótipos que, na maioria das vezes, representam interesses dos grupos
hegemônicos.
Nesse contexto, como professora da Rede Municipal de Educação de Goiânia-GO, em minha prática
diária com adolescentes, alunos do ensino fundamental, ministrando o ensino da língua portuguesa, portanto,
com o enorme desafio e responsabilidade de desenvolver nos discentes o gosto e a capacidade de ler, escrever com competência e clareza, a necessidade de considerar as pressões das “linguagens não institucionais
escolares” (CITELLI, 1994, p. 25), sobretudo da televisão, sempre se fez evidente. Dessa percepção, surgiu o
interesse pela pesquisa desenvolvida e apresentada na conclusão do curso de Mestrado em Educação115.
A preocupação com a influência dos meios de comunicação na vida e na formação dos sujeitos não é
recente. Inúmeros pesquisadores têm direcionado seus estudos para a relação entre a educação e a comunicação “tanto por se considerar que a comunicação é intrínseca ao processo educativo, como pelo poder que a
comunicação de massa tem na vida social” (TOSCHI, 2004, p. 93).
No entanto, somente, recentemente, a partir da década de 1980, os pesquisadores na América Latina
passaram a focalizar a recepção, tendo como base os pressupostos formulados por Antônio Gramsci sobre
cultura e hegemonia.
Segundo Jesús Martín-Barbero (2003), um dos mais importantes teóricos da comunicação e da cultura
na América Latina, esse enfoque propõe o deslocamento do eixo que se estabelecia na produção para o âmbito
do consumo e tem o objetivo de verificar como se dá o uso que os receptores fazem dos conteúdos massivos,
re-situando a problemática no campo da cultura.
Nessa perspectiva, a mediação, conceito fundamental, caracteriza-se como um conjunto de influências
que estruturam o processo de ver televisão e são provenientes de diversas fontes mediadoras (OROZCO GÓMEZ, 1998).
114 Mesmo as formas de entretenimento que existem há muitos séculos, como a música popular e a competição esportiva, atualmente não só estão
envolvidos pela mídia, como também são transformadas e, muitas vezes, mantidas por ela.
115 Dissertação de conclusão do curso de Mestrado em Educação pela Universidade Católica de goiás, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Helena
de Oliveira Brito, intitulada O adolescente no contexto sócio-cultural contemporâneo: representações sociais e múltiplas mediações no processo de
recepção televisiva.
A família e a escola estão entre os espaços mediadores mais significativos na vida cotidiana dos adolescentes (TOSCHI, 2004) e, conforme inúmeras pesquisas116, a escola, continua ignorando o papel central
da televisão na vida de seus alunos e o discurso televisivo aparece apenas no subterrâneo (CITELLI, 1994),
porém, reflete-se na formação do adolescente.
Fica evidente o desequilíbrio entre a força e o poder dos meios de produção, de um lado, e a vida cotidiana dos grupos sociais, do outro, sobretudo em uma realidade como a brasileira em que a cultura da resistência, do boicote, parece perder para a cultura da submissão, da aceitação, em especial quando a preocupação
é o adolescente.
Escola é lugar para a busca do conhecimento, lugar em que se aprende. Essa é a concepção preponderante entre os adolescentes participantes deste estudo, pois 66,6% deles apontam a escola como o principal
espaço de aquisição de conhecimento.
É, também, indiscutível a importância da família para esses adolescentes. Que definem suas famílias
como “especiais”, sendo unânimes em considerar que a família é importante “porque ensina”.
Assim, a família e a escola não podem ignorar os poderosos mecanismos de manipulação e sedução das
indústrias de mídia, não podem deixar de denunciar os grandes monopólios que impedem a democratização
da informação, mas, sobretudo, não podem deixar de assumir que uma reação a favor de uma sociedade da
informação mais democrática é possível, pois, como receptores, todos são ativos no processo comunicativo e,
com base nessa constatação, deve-se começar a pensar de que forma essa atividade está ocorrendo.
Trata-se de tarefa árdua e complexa, porém é preciso começar. Portanto, dar voz aos sujeitos adolescentes e verificar como tem sido a atuação desses espaços mediadores, pode ser um começo.
Dessa forma, acreditando na importância da cultura, entendendo a educação e a comunicação como
processos de inter-relação social, este estudo buscou, com base na observação do sujeito receptor das mensagens, investigar que representações sociais das mensagens televisivas estão construindo os adolescentes,
entre 10 e 12 anos de idade, pertencentes às camadas sociais populares. Sabendo-se que essas construções são
elaboradas com base em diversas mediações, buscou-se identificar como tem sido a atuação desses espaços de
mediação.
E, ao dar espaço e voz ao sujeito adolescente, reconhecendo-o como produtor de sentidos no processo
comunicativo, mesmo ciente das limitações e especificidade da pesquisa, este estudo objetiva contribuir para
um processo de mediação mais positivo, mais construtivo.
A pesquisa: opções metodológicas
A pesquisa foi desenvolvida em uma escola pública de Goiânia. A escolha de uma escola pública deuse porque se pretendia investigar adolescentes pertencentes às camadas populares e a maioria desses meninos
e meninas estuda na escola pública.
Mediante autorização da escola, foram selecionados 21 adolescentes, com idade entre 10 e 12 anos,
que foram convidados a compor o grupo da pesquisa.
116
Dentre os estudiosos destacam-se Adilson Citelli, pesquisador da USP, que, desde 1992, se dedica a esse assunto.
Citelli (1994) ressalta que, mesmo sendo ignorado pela escola, ou seja, “sob uma capa de não-presença”, os meios
de comunicação estão na escola confinados ao “subterrâneo” (p. 23). Além disso, pode-se citar, também, a pesquisa
desenvolvida pelo professor Aldimar Jacinto Duarte (1999), em dissertação de mestrado pela Universidade Federal de
goiás (UFG), que enfatiza as dificuldades que a escola pública enfrenta para preparar seus alunos para uma recepção
crítica.
Numa pesquisa qualitativa, “a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto”
(LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 12). Tendo esta premissa como orientação, foram realizados 13 encontros com
os adolescentes, no período de agosto a novembro de 2005, durante os quais, mediante um roteiro previamente
elaborado, foram desenvolvidas diversas atividades.
Durante o trabalho de campo, procurando não perder de vista o rigor necessário, a complexidade do
fenômeno pesquisado, a construção das informações com atenção à acuidade e a veracidade, foram utilizadas
estratégias e técnicas diversas.
A opção em utilizar técnicas e estratégias diversificadas justifica-se porque, além de favorecer a explicitação dos dados, elas permitem a confrontação das informações em momentos e situações distintas.
Segundo Spink (1995), a fidedignidade, no caso de fenômenos sujeitos à historicidade, é a “obtenção
de dados semelhantes mediante o uso de diferentes instrumentos de coletas de dados” (p.105).
Assim, foram utilizadas as seguintes técnicas: produção de textos, questionários, entrevistas grupais ou
grupos focais e entrevistas individuais, bem como os recursos de, videogravação, gravação em áudio e diários
de campo.
Foram realizadas duas sessões de videogravação, nas quais os adolescentes assistiram aos programas
declarados preferidos por eles.
Alguns encontros foram gravados em áudio e, posteriormente, transcritos. Além disso, a pesquisadora
manteve um diário de campo no qual foram registradas algumas observações consideradas pertinentes e alguns
depoimentos que não foram gravados.
Foram realizadas, também, nove entrevistas individuais.
O adolescente: sua rotina, a televisão que assiste, seus hábitos e preferências
Existem definições distintas, tanto de acordo com a perspectiva legal quanto em relação aos aspectos biológicos e psicológicos, quando se pretende estabelecer as faixas etárias de início e término da
adolescência.
A legislação brasileira, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelece como adolescente a pessoa que tem entre 12 e 18 anos incompletos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde
(OMS), a adolescência ocorre em duas fases: a primeira, dos 10 aos 15 anos e a segunda, dos 16 aos 20 anos
(VIVARTA, 2004).
Em seu livro Adolescer – estudos revisados sobre a adolescência, o psicanalista José Outeiral (2003),
divide a adolescência em três fases: adolescência inicial, de 10 a 14 anos, adolescência média, de 14 a 17 anos
e, adolescência final, de 17 a 20 anos.
Baseando-se, então, nessa classificação este trabalho considera como adolescentes na fase inicial, 21
garotos e garotas que participaram da pesquisa.
Na tentativa de delinear um perfil dos adolescentes, o relatório do Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef) caracteriza diferenciações relativas às múltiplas adolescências que compõem a população
brasileira, considerando as diversas realidades quanto às regiões e camadas sociais do país, portanto, reconhecendo o fenômeno da adolescência em sua heterogeneidade (VIVARTA, 2004).
Validando a idéia de múltiplas adolescências, a psicóloga e pesquisadora Márcia Mareuse (apud VIVARTA, 2004), analisa que, como todas as pessoas, os adolescentes pertencem a contextos específicos e estão
sujeitos a mediações específicas, mesmo considerando a idéia pós-moderna de que cada vez mais todas as
pessoas vivem em um universo globalizado.
Dessa forma, reconhecendo a existência das múltiplas adolescências que hoje compõem a população
brasileira, o presente estudo buscou superar uma visão que trata essa etapa da vida como um fenômeno homogêneo (VIVARTA, 2004).
Nessa perspectiva, os 21 adolescentes que participaram desta pesquisa, que pertencem a um contexto
específico e sujeitos a mediações específicas, representam uma pequena parcela dentre as inúmeras que compõem as múltiplas adolescências na sociedade brasileira.
Morando com familiares em pequenas casas, em média de quatro a seis cômodos, 57,1% dos adolescentes declararam morar com o pai e a mãe, 28,5% apenas com a mãe, 9,5% com outros parentes e 4,7%
responderam que moram com a mãe e o padrasto.
Embora todos possuam televisão em casa, apenas 28,5% declararam ter computador e, dentre esses,
um, posteriormente, em uma conversa informal, informou que o computador de sua casa “tinha pifado”. Além
disso, pôde-se também observar, pelos diálogos mantidos posteriormente com o grupo, que aqueles que possuíam computador não tinham acesso à Internet e usavam o computador, de vez em quando, para jogar.
Considerando o grupo total, 21 adolescentes, 71,4% disseram ajudar nas tarefas domésticas e 23,8%
informaram que já trabalham fora117.
Dentre os garotos que disseram trabalhar fora, um declarou ser bombeiro mirim, um outro informou
que trabalha em uma empresa ajudando a arrumar os computadores e um terceiro disse trabalhar fazendo caixas de presentes e outras embalagens. Já dentre as garotas, uma informou ser babá de uma criança e a outra,
que vende pulseira.
A maioria, 85,7% dos adolescentes, não faz nenhum curso extra-escola.
Durante as discussões realizadas, observou-se, que apesar de a grande maioria afirmar que gosta de ler,
os adolescentes não têm o hábito da leitura e não possuem muitos livros em casa, apenas livros didáticos.
Em seus relatos, ao descreverem sua rotina, sobre os programas televisivos preferidos, a maioria alegou assistir a televisão, em média, quatro horas diárias.
Seus depoimentos indicam, ainda, que alguns assistem a programas de televisão, às vezes, até de madrugada.
Nenhum deles informou possuir televisão a cabo, por assinatura, em casa.
Perguntados se gostam de assistir televisão, 57,1% responderam gostar muito, 19% disseram gostar
pouco e 9,5% afirmaram gostar às vezes. Outros 14,2% marcaram duas alternativas, dizendo gostar pouco e,
às vezes. Nenhum adolescente marcou a alternativa negativa – não gosto.
Ao informarem seu programa preferido, 57,1% elegeram os desenhos animados ou programas em que
estes são apresentados, e 23,8% elegeram as novelas.
A maioria dos adolescentes (71,4%) informaram assistir a seu programa preferido todos os dias.
Como se verificou que a maioria tinha citado como programas preferidos os desenhos animados e as
novelas, o grupo foi consultado para indicar a novela e o desenho animado de que mais gostavam.
Dos 19 adolescentes presentes, 89,4% elegeram a novela América, veiculada pela Rede Globo de
Televisão. Ao indicarem o desenho animado de sua preferência, 36,8% elegeram o seriado Power-Rangers,
também veiculado pela Rede Globo de Televisão, pelas manhãs.
Apesar de indicado pelos adolescentes como o desenho de sua preferência, o programa Power-Rangers
não é um desenho animado, mas um seriado de produção estrangeira.
Essa preferência deflagra o fenômeno da mundialização da cultura analisado por Renato Ortiz (1998).
Um artigo escrito por Mike Jempson (2002), jornalista, diretor executivo do órgão de ética da mídia do Reino
Unido (PressWise), publicado no livro A criança e a mídia – imagem, educação, participação, organizado por
Cecília Von Feilitzen e Ulla Carlsson, citando, entre outros o seriado Power-Rangers, aponta a vulnerabilidade
das crianças do Reino Unido diante das mensagens subliminares presentes nesses programas.
117 De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), apesar da proibição constitucional do trabalho de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos, estima-se que cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e dezesseis anos trabalham no Brasil de
forma irregular.
Power-Rangers é um seriado que, como vários outros, é assistido por crianças e adolescentes em diversas partes do mundo e, dessa maneira, conforme acentua o artigo citado, está influenciando a construção de
valores culturais mundializados.
Apesar de os adolescentes terem demonstrado que gostam muito dos desenhos animados, sempre que
se falava sobre a televisão, a maioria fazia referência aos acontecimentos da novela América, de autoria da
dramaturga Glória Peres.
Com o claro propósito de agendar temas do cotidiano, sem romper totalmente com o esquema melodramático, a novela América enquadra-se no modelo moderno da telenovela brasileira e aborda questões como
a imigração ilegal, o homossexualismo, a deficiência física e outros.
Nas respostas, alguns adolescentes informaram assistir à televisão “com minha família”, e seis disseram assistir à televisão sozinhos porque seus pais costumam trabalhar até muito tarde da noite.
Foi possível, também, verificar que os adolescentes costumam assistir à televisão realizando outras
atividades, pois 76,1% informaram que costumam comer enquanto assistem à TV, e 42,8% disseram fazer suas
tarefas escolares em frente da televisão, ficando, portanto, evidenciada a importância da televisão nas vidas
cotidianas desses adolescentes, conforme ilustra o texto escrito por uma adolescente:
Na televisão eu assisto jornal, desenhos (variados), novelas, mini-séries, filmes, programas
como vídeo show, é muito importante a televisão. Eu penso que a televisão é muito importante, me alegra quando estou triste, eu aprendo também com as novelas e jornais, eu penso
que sem a televisão iria ficar muito triste, não tem nada para fazer, o tempo passa mais devagar, é um tédio sem ela, amo a televisão. (Texto escrito em 23 ago. 2005)
A escola, a família e os amigos
Mediante a análise dos dados, percebe-se que a família e a escola, fontes importantes de mediação
institucional118, segundo a classificação feita por Orozco Gómez (1998), são reconhecidas, pelos adolescentes,
como espaços de formação e de aprendizado.
Nesse sentido, o lugar que os adolescentes estabelecem para a escola, para a família nesse processo
dinâmico em que se produzem os sentidos, dando-lhes legitimidade e reconhecimento, torna-se relevante e se
evidencia como extremamente estratégico para o grande desafio de obtenção do equilíbrio de forças diante dos
diversos agentes sociais contemporâneos.
No entanto, quando os adolescentes falam sobre a forma que a escola tem atuado, confirma-se a posição dos pesquisadores segundo a qual os meios de comunicação estão na escola confinados ao “subterrâneo”
em uma “capa de não-presença” (CITELLI, 1994, p. 23).
Nos grupos de discussão, ao discorrerem sobre sua rotina na escola, os adolescentes declararam que
raramente conversam sobre seus hábitos cotidianos, e vários adolescentes afirmaram que a escola, os professores nunca conversam com eles sobre o que costumam assistir na televisão: “Deixam os alunos falarem poucas
vezes”.
Além disso, a escola não possui laboratório de informática e a biblioteca, conforme depoimento dos
adolescentes, não é utilizada por eles.
118
As mediações institucionais são realizadas pelas instituições a que pertence o receptor, a escola, a igreja, a família, a
empresa em que trabalha, o bairro. Em virtude de o receptor pertencer, simultaneamente, a várias instituições provoca um referencial múltiplo e inter-relacionado no qual cada instituição luta por impor sua produção de sentido como
a mais legítima e, nessa luta, às vezes, as instituições reforçam-se e, às vezes, anulam-se (OROZCO GÓMEZ, apud
JACKS, 1996).
A perspectiva dos adolescentes demonstra que a escola, mesmo possuindo legitimidade e poder de
fala, não tem conseguido superar as dificuldades para a criação de espaços que favoreçam o exercício da crítica, do debate, e continua considerando muito pouco, ou quase nada, as experiências cotidianas dos garotos
e garotas.
Em relação à família, percebe-se que, mesmo demonstrando preocupação em participar da formação
dos adolescentes, geralmente, adota uma atitude autoritária e não consegue criar ou permitir espaços que possibilitem a eles exporem suas idéias, dúvidas e conflitos, levando-os a se sentirem desvalorizados e tolhidos em
seus direitos de expressão e participação.
Ao comentarem sobre a atitude adotada por seus pais e familiares, em relação aos programas de televisão a que assistem, os adolescentes falaram que não sofrem nenhuma restrição, mas declararam que, às vezes,
os adultos demonstram constrangimento quando aparecem cenas de sexo na TV: “Minha mãe me manda pegar
água para ela”, “Meu pai disfarça e troca de canal”.
Sobre o costume de conversar com seus familiares acerca dos programas de televisão, os adolescentes responderam negativamente, pois “quase nunca estão em casa” e dentre aqueles que disseram conversar,
percebe-se que apenas quando fazem alguma pergunta seus pais lhes respondem, mas não costumam dialogar
ou trocar idéias com freqüência.
Assim, pode-se inferir que a família tem dificuldades para estabelecer um diálogo que possibilite o
pensamento mais questionador diante das mensagens da TV por diversas razões, mas, sobretudo por não
dispor de tempo para essa prática e, também, por não conseguir adotar uma postura que propicie o diálogo
aberto, preferindo lançar mão de subterfúgios e de atitudes de escape, que são percebidas e denunciadas pelos
adolescentes.
Ao falarem sobre sua diversão preferida, 19% declararam gostar de brincar em casa, 14,2% brincar na
rua e, apenas, 4,7% declararam preferir assistir televisão.
No questionário, respondendo à pergunta “Qual sua brincadeira preferida?” 76,1% citaram o futebol,
a queimada, o vôlei, soltar pipa, andar de bicicleta evidenciando uma grande preferência por essas atividades,
sobretudo em grupos. Pode-se, assim, inferir que as tradições culturais e práticas esportivas atuam reduzindo
o espaço e a presença da televisão e suas mensagens em suas vidas cotidianas.
Nesse sentido, a mediação exercida pelos pares demonstra uma participação importante na elaboração
de suas representações, de seus valores, pois, antes de assistir à televisão, preferem outras atividades, como estar com seus amigos, realizar brincadeiras e atividades em grupo e, no processo de relação com o outro, novas
possibilidades de construção do sentido apresentam-se.
Conforme Orozco Gómez (1998), aquilo que se assiste na TV é sempre comentado e discutido entre
amigos, e o ato de assistir televisão não se encerra depois de desligado o aparelho, mas continua em outros
lugares e momentos, quando, então, o sentido é transformado e construído socialmente.
Dessa forma, pela fala dos adolescentes, ao comentarem sobre sua rotina, sobre os espaços de mediações presentes em suas vidas cotidianas, percebe-se que eles estão inseridos em um contexto no qual lhes
faltam condições para a elaboração de um conhecimento mais adequadamente estruturado e crítico acerca das
mensagens que recebem pela televisão.
Como sujeitos em formação, os adolescentes são altamente dependentes das mediações e os agentes de
mediação institucional de que dispõem – a família e a escola – têm dificuldades para superar entraves que impedem a criação de espaços de diálogo imprescindíveis para a construção de uma atitude mais questionadora,
perante uma linguagem televisiva carregada de estereótipos, apresentada de forma a naturalizar certas visões e
a difundir modelos glamourizados.
No entanto, observa-se também que, nessa fase de suas vidas, o estar com os amigos, as brincadeiras,
os jogos apresentam-se como mediadores significativos, os quais parecem relativizar e minimizar a presença
da televisão em suas vidas cotidianas.
O adolescente e suas representações sociais
Moscovici (1978) define as representações sociais como “uma modalidade de conhecimento particular
que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos” (p. 26).
Mesmo existindo diferentes tentativas de apreensão e formalização de um conceito sobre as representações sociais, segundo Celso Pereira de Sá (1995), parece haver um amplo acordo no interior da comunidade
de seus estudiosos sobre a definição apresentada por Jodelet (1989), segundo o qual as representações sociais
constituem “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (p. 36).
“Todas as características humanas são adquiridas na sua vida em sociedade”, assim, a sua capacidade
de representar e, também, todo o conhecimento representativo que decorre dessa capacidade são adquiridos e
carregam a marcas da sociedade na qual são produzidos (LOUREIRO, 2003, p. 111).
Exercendo uma mediação competente com o objetivo de atingir seus objetivos e interesses, sobretudo
mercadológicos e comerciais, a mensagem televisiva está presente na vida dos adolescentes apresentando modelos, valores, conceitos e atitudes.
O mundo que chega editado aos receptores, pelos meios de comunicação, conta a realidade por meio
de relatos impregnados de estereótipos, isto é, apresenta uma descrição carregada de aspectos valorativos, de
juízos de valor.
Esses estereótipos que, na maioria das vezes, não são favoráveis (BACCEGA, 1998) e, como observa
Orozco Gómez (1996), são apresentados como metáfora, naturalizando certas conexões e utilizando uma linguagem que se aproxima das rotinas cotidianas e das ambigüidades da história (MARTÍN-BARBERO, 2001),
criam uma verossimilhança que acaba por tornar tênue e confusa a distinção entre o ficcional e o real.
O estilo moderno da telenovela brasileira funciona como um espelho da realidade e, pelos depoimentos
dos adolescentes, percebe-se como eles identificam aspectos do cotidiano nessas mensagens, o que contribui,
sensivelmente, para dificultar uma crítica eficaz.
Diante do poder metafórico da televisão, das complexas formas pelas quais exerce sua mediação, sobretudo pela verossimilhança presente nos programas de ficção, que invadem também os noticiários e a publicidade, exercer uma atividade crítica e autônoma é um desafio até para o adulto que, teoricamente, dispõe de
maiores recursos para formar juízos mais elaborados.
Dessa forma, alijados das ferramentas necessárias para o exercício de uma leitura crítica das imagens,
os adolescentes consomem os modelos apresentados pela televisão, muitas vezes, relacionando aquilo que
vêem na TV às suas vidas e às suas expectativas cotidianas como em um “ensaio dramático”119 dos problemas
morais e sociais que eles terão que enfrentar na vida.
Vale, porém, ressaltar que, em alguns momentos, percebeu-se que lançando mão de suas experiências
contextuais diárias, os adolescentes questionavam o que assistem na TV, demonstrando que, já na adolescência
existe a possibilidade de uma leitura crítica em relação à programação televisiva, no entanto, a forma que a
crítica se constrói depende das possibilidades sócio-culturais, das mediações que cada ambiente apresenta.
Conforme analisa Orozco Gómez (1996), as pessoas não nascem receptores, trata-se de um processo, e
se elas forem influenciadas somente pelas mensagens dos meios de comunicação, sem a concorrência de outras
influências efetivas, é provável que se tornem os receptores que esses meios desejam. Portanto, se enquanto o
adolescente assiste à TV:
119 Expressão utilizada pelo jornalista Mike Jempson (2002, p.120), referindo-se à forte identificação dos adolescentes de 11 a 13 anos com os enredos
e personagens das novelas, em um estudo realizado pela Comissão de Padrões de Teledifusão do Reino Unido.
(...) os adultos que o rodeiam vão orientando-o, se na escola recebe comentários de seus
professores e vai formando juízos e opiniões diferentes, pelo menos mais pensadas, menos
espontâneas, seguramente em algum momento poderá distinguir a programação de qualidade
da que não é (OROZCO GÓMEZ, 1996, p. 67).
Os adolescentes são capazes de perceber que as notícias na TV são rápidas e superficiais, porém, apesar de conseguirem perceber a superficialidade das notícias, de uma maneira geral, adotam uma atitude que
confere àquilo que foi veiculado pela televisão, pelo jornal um estatuto de verdade inquestionável, conferindo
aos meios de comunicação a condição do discurso competente120que pode mostrar e direcionar a apresentação
dos acontecimentos, ou seja, adotam uma atitude que questiona a fragmentação das notícias, mas não questiona
sua veracidade.
Os meios de comunicação, segundo Maria Aparecida Baccega (2000), referenciam-se uns aos outros,
com o intuito de que um fato noticiado em um jornal, também o seja no rádio e na televisão formando a temática que compõe a agenda pública e a edição de notícias obedece a interesses de diferentes tipos, na maioria das
vezes, econômicos e políticos, o que, quase sempre, não é percebido pelos receptores.
Percebe-se, também, pelos posicionamentos externados pelos adolescentes que, embora alguns deles
façam referência aos interesses econômicos e ideológicos das mensagens televisivas, têm uma capacidade de
análise crítica pouco elaborada, e na maioria das vezes, não percebem os reais objetivos que movimentam a
mídia televisiva.
Ainda, analisando as falas dos adolescentes nos diversos momentos, percebe-se que a questão da violência aparece quando analisam aquilo que vêem na TV e quando falam sobre sua vida cotidiana, relatando,
com freqüência, experiências violentas vividas em família, por conhecidos, por amigos, além, de constantemente, demonstrarem reações agressivas entre si durante a participação nos encontros.
Dessa forma, as atitudes e comportamentos agressivos e violentos dos adolescentes são também dados
a serem considerados juntamente com suas preocupações e referências verbais feitas sobre o tema.
A violência é uma preocupação que atinge a sociedade como um todo, porém, parece sobretudo
um tema recorrente quando se realizam pesquisas com grupos focais com pessoas mais jovens (VIVARTA,
2004).
Porém, seria um reducionismo, uma afirmação simplista, considerar que as mensagens televisivas que
veiculam cenas de violência, explicam o comportamento agressivo dos adolescentes, o que não significa dizer
que essas mensagens não participem dessa dinâmica, não significa que sejam isentas de responsabilidade,
pois,
todos os meios educam. Não há dúvida de que existe uma verdadeira pedagogia dos meios.
Uma pedagogia do sistema de comunicação. De maneira distinta da pedagogia da escola, mas
igualmente responsável pela socialização e pela aprendizagem de quantos com eles mantêm
contatos (SOARES, 1996, p.22).
Fica, também, evidente que, os participantes da pesquisa consideram que o excesso de cenas de sexo
na TV é condenável, influenciando de maneira negativa as crianças e os adolescentes. Mas, ao demonstrarem
dificuldades para conversar sobre o assunto, além de evidenciarem uma visão preconceituosa que relaciona o
sexo à pornografia, os adolescentes denunciam a carência de espaços que lhes permitam expor suas dúvidas e
conflitos diante do volume de informação que recebem, geralmente, de forma inadequada.
120 Expressão utilizada por Marilena Chauí (1997) para referir-se ao discurso que, munido da ciência e da técnica, ganha caráter de neutralidade e
competência para falar a verdade, produzi-la contra a ideologia ou as falsidades discursivas.
Interessante ainda ressaltar que, no período em que a pesquisa foi realizada, a mídia, de uma maneira
geral e, sobretudo a televisão, apresentava um verdadeiro bombardeio de denúncias envolvendo políticos de
todos os escalões do poder, deflagrando uma crise que atingia um governo recém-eleito com grande apoio
popular.
Mesmo sendo a corrupção, conforme Martín-Barbero (2001), uma obsessão freqüente dos meios de
comunicação atuais, naqueles dias, era o assunto principal e recorrente na pauta da mídia e, mesmo assim, os
adolescentes fizeram referência ao problema em poucas oportunidades.
Nos textos que escreveram, apenas uma garota referiu-se à corrupção e, nos grupos focais, apenas no
último encontro, um garoto, falou sobre o assunto.
A rara referência feita pelos adolescentes à questão da corrupção demonstra a complexidade e a dificuldade de prever como as representações construídas pela produção serão compreendidas e interpretadas por
receptores inseridos em uma sociedade tão heterogênea e fragmentada.
Assim, conforme analisa Martín-Barbero (2001):
a diferença entre a representação da corrupção pelas mídias e a aparente e criticada distância
assumida por significativa percentagem de cidadãos não pode ser explicada pela simples
“despolitização” e muito menos por uma “conivência” de cidadãos imorais ou amorais com
o crime. Talvez as respostas estejam nas relações entre mídias, representações sociais e governabilidade em sociedades heterogêneas e fragmentadas, em que os vínculos entre compreensões e decisões se tornam muito mais complexos e menos previsíveis (p. 100; grifos
do autor).
Além disso, apesar de, em suas falas e em seu relacionamento entre os pares, demonstrarem, freqüentemente, posicionamentos preconceituosos, os adolescentes não fazem referência à questão dos preconceitos
sociais que implícita e explicitamente estão presentes nas mensagens da televisão e apresentam dificuldades
para avaliar essas mensagens.
Fica ainda ressaltado, mediante os dados, que a televisão constrói modelos, determina o que está na
moda, desperta desejos de consumo, porém, para os adolescentes participantes da pesquisa, a realidade cotidiana, as limitações de ordem econômica e financeira são mediadoras importantes ao fazerem suas escolhas,
ao falarem de seus desejos, como ilustra a fala de um adolescente: “Ah, se eu tivesse muito dinheiro, primeiro
eu ajudaria lá em casa, na comida, aí depois o que sobrasse eu comprava de brinquedo” (Grupo focal do dia
1º nov. 2005).
Em suas falas, quando discutiam sobre a felicidade, sobre os valores que consideram importantes, ao
falarem sobre suas famílias, não se percebe revolta ou sentimento de exclusão por terem limitações financeiras;
ao contrário, eles se declaram felizes por terem uma casa, por terem uma família, por terem o que comer.
No entanto, quando se analisa a preocupação de alguns pesquisadores que vêem nessa condição de, ao
mesmo tempo em que são impelidos ao consumo pelas mensagens televisivas, serem alijados dele e de outras
possibilidades oferecidas pela sociedade contemporânea, uma situação de risco que pode conduzir os adolescentes para o mundo da criminalidade, é preciso considerar que a adolescência constitui um processo no qual
os participantes da pesquisa, estão em fase inicial.
Segundo as pesquisas, os apelos ao consumo são importantes em todas as camadas sociais, e o poder
aquisitivo dos consumidores não pode ser percebido como determinante, pois o contexto sócio-cultural, as
mediações são fundamentais para evitar os problemas decorrentes da lógica perversa imposta pela sociedade
de consumo (TEIXEIRA, 2003). Nesse sentido, mesmo que em seus discursos, os adolescentes não explicitem sentimentos de revolta
ou de descontrole diante dos apelos do consumo veiculados pela mídia televisiva, faz-se necessária a atenção
daqueles que detêm a responsabilidade de orientá-los, no longo e decisivo processo de formação humana, pois,
ao promover uma cultura de consumo, a televisão, por meio de seus produtores e anunciantes, busca sempre
encontrar novas formas de mudar o comportamento de consumo em seu favor.
Algumas reflexões finais
Considerando que a capacidade crítica passa pelo exercício de observar, de comparar, de analisar e
de elaborar uma posição e, portanto, exige espaço e oportunidade para ser exercitada, a fala dos adolescentes
demonstra que além de fazerem parte de um contexto social repleto de limitações no tocante ao acesso aos
livros, aos jornais, à Internet, resta-lhes pouco espaço para falarem, para serem ouvidos, espaços nos quais
sejam convidados a se posicionarem, ou seja, que lhes permitam exercitar seu potencial crítico, desenvolvendo
a consciência de que são cidadãos autônomos capazes de fazer suas escolhas, lutar por seus direitos e buscar
contribuir para construir um mundo em que o acesso à informação e à tecnologia seja direito de todos.
O desafio é enorme! “Nosso pensamento ainda nos amarra ao passado”, assinala Mead (1972 apud
BARBERO, 2000, p. 58) e os adolescentes, em seu processo de formação, pedem ao sistema educativo que os
capacitem a ler as infinitas e diversas linguagens mundializadas que os meios de comunicação lhes apresentam
e que terminam por afetar suas vidas cotidianas.
No entanto, mais que dar receitas ou apontar caminhos, o que seria totalmente inapropriado e contraditório diante dos processos dinâmicos e complexos da educação e da comunicação, este trabalho pretende contribuir para dar continuidade ao debate que convoca a todos os envolvidos neste processo desafiador a lutarem
pelo fortalecimento de um trabalho educativo que permita a valorização da escola e de seus profissionais, mas
sobretudo que seja um compromisso efetivo para a formação da cidadania
Um trabalho educativo que precisa, urgentemente, traduzir-se em educação para a democracia. Uma
educação que permita aos cidadãos adolescentes se tornarem sujeitos autônomos, capazes de tomar as rédeas
da condução da própria vida.
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O adolescente e a indústria televisiva