XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI.
GT25 - Violência, Polícia e Prisão: olhares, saberes e dimensões institucionais
no Brasil
MEDIDA SÓCIO EDUCATIVA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE, QUE
RESSOCIALIZAÇÃO É ESSA?
Alessa Cristina Pereira de Souza (UFCG/UFPB)
([email protected])
Resumo
Este trabalho discute os limites dos processos de institucionalização e de
subjetivação dos adolescentes em conflito com a lei internos no Centro
Educacional do Adolescente, CEA – PB. Através da observação participante e
de entrevistas semi estruturadas, realizadas com os funcionários e os
adolescentes, buscamos compreender qual a função e o que significa a medida
sócio educativa de privação de liberdade. Deste modo, a questão que move a
nossa proposta de estudo é: que processo de ressocialização é proposto pela
instituição e que processo de ressocialização é vivenciado pelos adolescentes?
Esta pesquisa nos fez perceber que os adolescentes desenvolvem uma série
de estratégias para burlar o processo de ressocialização proposto pela
instituição, e construir ou dar continuidade a um processo de socialização
característico do “mundo do crime” no qual estavam inseridos antes da
privação de liberdade.
Introdução
Refletir e problematizar sobre o fenômeno da institucionalização dos
adolescentes em conflito com a lei, quando do cumprimento das medidas sócio
educativas de privação de liberdade tem sido, para mim, uma tarefa de grande
fôlego, mas bastante envolvente.
O mundo do crime, das prisões e dos internatos, sempre me fascinou.
Ao longo da minha trajetória acadêmica, eu construí uma relação indireta com
“esse mundo do crime e da violência”, tendo em vista as pesquisas que
desenvolvi durante quase cinco anos em um dos bairros mais violentos da
cidade de João Pessoa1.
A escolha deste objeto traz à tona uma inquietação, que pulsa motivada
pela vontade de compreender a vida dentro desse espaço delimitado e
“enclausurado” do internato.
1
Estas pesquisas foram realizadas no bairro de Cruz das Armas e resultaram em meu
Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais e em minha Dissertação de Mestrado
em Sociologia.
Desse modo, nosso desafio aqui é compreender o processo de
institucionalização e de subjetivação dos adolescentes infratores, na sua
complexidade, no Centro Educacional do Adolescente – CEA/PB, a partir das
práticas e dos dados colhidos nas entrevistas, que circundam tal processo.
Nesse sentido, buscamos compreender tanto o modelo de ressocialização
proposto pela instituição quanto o modelo de ressocialização vivenciado pelos
adolescentes, internos, que ali se encontram.
Nosso propósito, nas linhas que seguem, será justamente o de mostrar as
aproximações e os distanciamentos desses dois processos que, em última
instância, constroem a medida sócio educativa de privação de liberdade
existente no CEA e, consequentemente, o processo de (re) socialização
vivenciado pelos adolescentes que ali se encontram.
Do aporte metodológico
A pesquisa da qual resulta este trabalho vem sendo realizada desde
meados do ano de 2007, quando começamos a realizar uma revisão
bibliográfica básica acerca da temática “o adolescente em conflito com a lei”.
Vencidos os trâmites burocráticos para conseguir a permissão para
realizar a pesquisa, iniciamos a pesquisa de campo, propriamente dita, no
início do ano de 2008. No primeiro ano de pesquisa, as visitas ao CEA
aconteciam de segunda a sexta-feira, alguns dias no período da manhã e
outros dias no período da tarde, abarcando o cotidiano da instituição nos
períodos em que eu havia permissão para estar lá. Aqui, vale ressaltar que, de
início, não me permitiram realizar nenhuma atividade da pesquisa no período
da noite nem nos finais de semana.
Levando em consideração as especificidades do nosso objeto, ao longo
do processo de pesquisa adotamos uma abordagem predominantemente
qualitativa, pois esta nos permite compreender melhor, valores, motivações e
significados, a partir de uma coleta de dados interativa, compreendendo
elementos de caráter simbólico.
No entanto, vale ressaltar que realizamos, também, um levantamento
quantitativo com o objetivo de traçar o perfil sócio-econômico dos
adolescentes internos no CEA. Para isso, elaboramos uma ficha de
catalogação contendo os principais dados existentes nas pastas dos
adolescentes internos e, em seguida, fizemos a leitura e a coleta de dados
das pastas de todos os adolescentes que ali se encontravam, na situação de
sentenciados.
Nessa primeira imersão no campo, buscamos nos utilizar, quase que
exclusivamente da observação participante 2 , na tentativa de compreender
aquela instituição, seus atores, seu cenário e seu cotidiano.
Nesse primeiro momento não realizamos nenhuma entrevista gravada,
nossas informações se deram por conversas informais, com os vários atores
que formatam a instituição, desde funcionários do apoio, até técnicos e
diretores, passando pelos agentes sociais e por alguns adolescentes.
A partir das observações realizadas nessa primeira imersão no campo
foram surgindo algumas questões e uma delas perpassava a compreensão
feita pela instituição e pelos adolescentes internos sobre a função e o
significado da medida sócio educativa de privação de liberdade.
Aqui, convém mencionarmos que a observação participante perpassa
todas as fases da pesquisa, tendo em vista que, acreditamos que é nos
momentos
mais
rotineiros,
e
de
forma,
aparentemente,
mais
descompromissada, que conseguimos captar vieses e perspectivas que nem
sempre são ditos formalmente.
No entanto, em um segundo momento, já em meados do ano de 2009,
iniciamos a realização da segunda fase da pesquisa de campo, que se
organizou a partir de entrevistas semi estruturadas, gravadas, com os
funcionários que compõe o quadro técnico administrativo do CEA. Essas
entrevistas
2
tiveram
como
objetivo,
captar
os
discursos
sobre
a
Convém mencionarmos que esta técnica de pesquisa vem sendo utilizada de uma forma
distinta da utilizada por Malinowski, tendo em vista que eu não passei a viver com os meus
pesquisados, passei “apenas” a observar o cotidiano destes, participando, quando possível,
das atividades que estes realizavam, com o objetivo de compreender algumas questões
específicas sobre o modo de vida e o cotidiano dos adolescentes internos no CEA – PB, sem,
jamais, pensar em me tornar um deles (o que seria impossível).
institucionalização e o processo de ressocialização proposto pela instituição.
As entrevistas foram realizadas de forma muito tranqüila, nas salas dos
próprios técnicos, com agendamento prévio, tendo em vista que já havia uma
relação estabelecida entre nós, e os entrevistados já conheciam os objetivos
gerais da pesquisa
No entanto, ao analisar essas primeiras entrevistas, pudemos perceber
que elas eram muito homogêneas e, em alguns pontos, se distanciavam dos
dados coletados a partir da observação participante.
Nesse momento, percebemos que havia algumas lacunas que não
poderiam ser preenchidas apenas a partir dos dados coletados nas entrevistas
com um dos grupos de atores que compõe esse cenário que, por sua vez, é
produzido de forma tão heterogênea.
Partimos, então, para a terceira fase da pesquisa de campo, na qual
realizamos entrevistas com os adolescentes internos no CEA. Estas, por sua
vez, foram divididas em duas etapas, sendo a primeira delas realizada de
Junho a Outubro de 2011 e, a segunda fase, realizada de Janeiro a Março do
ano de 2012.
De início, pensávamos que esta seria a fase mais difícil da pesquisa,
tendo em vista que dialogaríamos com adolescentes, que nem sempre estão
tão abertos assim a conversas, principalmente para falar sobre as suas vidas;
segundo, porque estávamos dialogando com adolescentes específicos,
aqueles que estão em conflito a lei, o que os coloca em uma situação ainda
mais delicada no tocante a falar sobre a sua vida.
Porém, para a nossa surpresa, as entrevistas ocorreram de forma muito
tranqüila. Os entrevistados foram pré selecionados a partir do perfil que
havíamos construído anteriormente, mas ao longo das entrevistas utilizamos
também a técnica da bola de neve, ou seja, quando um adolescente
mencionava ou indicava que seria interessante que entrevistássemos um
adolescente que não estava em nossa lista, logo tratávamos de incluí-lo e,
também, acabamos entrevistando adolescentes que sabiam da pesquisa e
pediam para serem entrevistados.
As entrevistas com os adolescentes foram realizadas sempre em uma
sala cedida por um dos técnicos, de forma individualizada, muito embora, as
primeiras entrevistas tenham sido acompanhadas por um agente social. No
entanto, ao perceber que, a presença do agente social inibia (ou
amedrontava) o adolescente, tratei de dispensar, de uma forma discreta, a
companhia do mesmo.
Nesse momento, acreditávamos que os dados coletados nas
entrevistas com os adolescentes nos permitiriam tapar as lacunas deixadas
pelos dados coletados nas entrevistas com os técnicos, acerca da medida
sócio educativa de privação de liberdade e do processo de ressocialização
decorrente desta, no entanto, mais uma vez nos surpreendemos, havia
algumas questões que ainda não estavam claras, parecia que faltava uma
peça nesse grande quebra cabeça. E foi assim que resolvemos entrevistar o
terceiro grupo de atores que compõe esse cenário, os agentes sociais.
Assim, concluímos recentemente a quarta fase da pesquisa de campo,
onde realizamos entrevistas semi estruturadas, gravadas, com os agentes
sociais, durante os meses de Março, Abril e Maio de 2012, e embora ainda
estejamos no processo de análise desse material, ao que parece, ele será
fundamental para a compreensão do processo que estamos analisando, tendo
em vista que podemos perceber outro discurso sobre o processo de
institucionalização e de ressocialização, que ora se aproxima do discurso
construído pelos técnicos e ora se distancia deste.
Acreditamos, pois, que tendo entrevistado os múltiplos personagens
que compõem e formatam o CEA, conseguiremos compreender o processo de
ressocialização proposto pela instituição e o processo de ressocialização
vivenciado pelos adolescentes, no cumprimento da medida sócio educativa de
privação de liberdade.
Apresentando a instituição
O CEA – Centro Educacional do Adolescente é a instituição destinada
ao atendimento de adolescentes privados de liberdade devido ao cometimento
de algum ato infracional considerado grave, ou reincidente, na cidade de João
Pessoa, capital paraibana.
Existe um prédio onde estão internados os adolescentes do sexo
masculino e outro prédio onde estão internadas as adolescentes do sexo
feminino, como prega o Estatuto da Criança e do Adolescente. Em nossa
pesquisa, selecionamos o CEA masculino, como campo de estudo.
O que se denomina, hoje, Centro Educacional do Adolescente foi
fundado ainda na década de 1970, quando era vinculado ao Departamento do
Menor da Secretaria do Trabalho e Serviços Sociais do Estado. Essa instituição
foi criada para funcionar como um internato para crianças e adolescentes,
apenas do sexo masculino, consideradas em “situação irregular", de acordo
com o Código de Menores vigente na época.
No inicio a instituição foi denominada de “Casa de Recuperação do
Menor”, com o tempo essa acepção “recuperar” começou a ser questionada e a
instituição passou a se denominar apenas de “Casa do Menor”. O próprio nome
dessa instituição, de certa forma, já denotava a visão que os órgãos
responsáveis tinham acerca do atendimento que deveria ser destinado às
crianças e aos adolescentes considerados “marginais”. Nesse sentido, eles
eram considerados como “disfuncionais”, “doentes”, e necessitavam de
“recuperação”.
Assim, localizada no bairro Jardim Cidade Universitária, na época de sua
construção, a instituição ficava distante das áreas habitacionais, sendo de difícil
acesso, tendo em vista que existiam poucas linhas de ônibus para o local e a
estrada de terra dificultava ainda mais o acesso dos familiares dos internos,
bem como dos funcionários, principalmente no período do inverno. Hoje, essa
realidade já foi modificada, pois na década de 1980 foram construídos vários
conjuntos habitacionais nessas redondezas e a área, atualmente, é
completamente habitada.
Essa localização demonstra que a maior preocupação quando da época
da criação dessa instituição era a segregação, o isolamento e a não visibilidade
dos adolescentes internos, bem como o controle destes indivíduos,
característica que, assim como outras que aparecerão ao longo desse trabalho,
demonstra que esta instituição foi criada aos moldes de uma “instituição total”
(GOFFMAN, 1999).
No ano de 1993, essa instituição, mais uma vez, muda sua
denominação, tendo em vista a vigência do Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA - datado de 1990, que extingue a categoria “menor”, por
esta ser considerada pejorativa. Assim, os adolescentes deixam de ser tratados
por “menor” e passam a ser tratados “legalmente” como adolescentes, e a
instituição passa a ser denominada de Centro Educacional do Adolescente CEA.
Porém, não foi apenas a denominação da instituição que se modificou
com o advento do ECA, várias foram as modificações ocorridas nessa época,
com vistas a atender as exigências estabelecidas na legislação especifica
vigente.
Nesse sentido, o CEA restringiu o atendimento a adolescentes com faixa
etária entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade, denominados juridicamente
como “autores de atos infracionais”, encaminhados pelo juiz da infância e da
juventude, como preconiza o ECA. Deste modo, o CEA, hoje, atende apenas
àqueles adolescentes que, inevitavelmente, caem na malha do sistema
judiciário, sendo, assim como qualquer presídio, o terminal da infração ou, da
delinqüência.
Ainda como medida de adaptação às novas exigências impostas pelo
ECA, no ano de 1995 o CEA passou por uma reforma em seu prédio, tendo em
vista que as instalações físicas há tempos já vinham sendo questionadas pelas
autoridades competentes3.
Nesse sentido, alguns funcionários antigos lembram que o juiz da vara
especializada, na época, defendia a necessidade de a instituição ser “fechada”,
rodeada por muitas grades, como forma de evitar as fugas que aconteciam
constantemente. Por outro lado, os técnicos da área social alegavam que, se a
reforma fosse feita com base nessa lógica de um maior encarceramento, ficava
praticamente inexeqüível a realização de qualquer trabalho de cunho
educativo, como preconiza o ECA.
3
Aqui, vale ressaltar que, atualmente, as instalações físicas do CEA foram duramente
criticadas por uma comissão de avaliação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Em meio a essas discussões a reforma foi realizada, e durou cerca de
um ano e dois meses. Durante esse período, os adolescentes internos no CEA
foram transferidos para um prédio localizado no centro da cidade de João
Pessoa, onde funcionava o antigo CETRIM – Centro de Triagem, e a Delegacia
da Infância e da Juventude. Esse prédio, por sua vez, não possuía condições
físicas adequadas para o desenvolvimento de qualquer trabalho educativo,
tendo em vista que ele fora arquitetado para o funcionamento de uma
delegacia.
Hoje, o CEA ocupa um espaço físico consideravelmente grande, com
muros externos e internos com altura média de 4 (quatro) metros, tendo sua
segurança externa feita por policiais militares que ocupam as guaritas de
vigilância, e a interna por funcionários de uma empresa terceirizada que
ocupam desde a recepção principal até as alas da instituição, onde se alocam
os adolescentes.
A quantidade de adolescentes internos no CEA varia muito a cada
semana, mas geralmente, esse número gira em torno de 130 adolescentes,
entre aqueles sentenciados e os que estão em medida provisória, aguardando
julgamento; muito embora, a instituição tenha sido projetada para alocar,
apenas, 62 adolescentes. Assim, percebemos que o CEA funciona,
frequentemente, com uma superlotação, atendendo mais que o dobro da sua
capacidade.
Estruturalmente, o CEA é formado por vários blocos e alas interligados
umas as outras por uma área comum, mas separados por portas e portões de
ferro. Entre os espaços físicos, existem aqueles que são comuns a todos os
adolescentes, como por exemplo: as salas de aula, o auditório, o campo de
futebol e o refeitório e, aqueles que se destinam a adolescentes específicos,
como por exemplo, os dormitórios, quartos ou “celas”.
Vejamos trechos de uma entrevista onde o diretor do CEA descreve as
instalações físicas da instituição:
Nós temos, a parte da entrada, a recepção, e o portão principal, da
unidade. Tem a guarita, tem uma sala de espera, e sala de revista,
masculina e feminina, e de alimentos, na entrada, no lado esquerdo.
No lado direito, tem um alojamento que é pros educadores guardarem
seus materiais, porque eles não entram com celular, com carteira, com
nenhum material, só entram realmente, fardados, e com caneta, que é
o material que eles utilizam lá dentro. É...recepção, com recepcionista,
onde é feito a revista com detector de metal, e bolsa, enfim, ninguém
entra ou armado, ou algo desse tipo, ou até mesmo com celular pra ala
de internação, a não ser, o supervisor, né? O vice-diretor, e o diretor.
Normalmente, como a gente está sempre sendo acionado, né? Entra
com o celular, certo? Fora isso, mais ninguém.
Tal fala nos remete a ênfase dada pela instituição à questão da
segurança e do controle, bem como, do isolamento por parte de quem está
dentro da instituição, pois demonstra que nem mesmo os educadores, ou
agentes sociais, podem portar telefone celular ou qualquer outro objeto
pessoal, de modo que, dentro da instituição eles se encontram quase que tão
isolados quanto os adolescentes internos.
Continuando, o diretor do CEA descreve a área técnica e administrativa
da instituição.
Aí, tem a secretaria, que é onde é recebida documentação, é verificada
a procedência dessa documentação. Depois, setor social, setor
psicológico, defensoria pública, coordenação psicossocial, Direção e
Vice Direção, tá certo? Entrando, tem a parte de saúde, que tem uma
sala de reuniões, tanto pra ser utilizada pela parte de saúde quanto
pelos outros setores da unidade, tem um dispensário para
medicamentos, que é tipo uma mini farmácia, certo? (...), depois temos
uma sala de curativos. Tenho a sala do médico, e tenho gabinete
odontológico, com banheiro pessoal, tenho dois banheiros naquela
área. Tenho alojamento pros adolescentes, que tem um banheiro, né?
É um quarto, uma suíte, com 3 beliches, onde ficam aqueles que tem
algum tipo de problema de saúde.
É interessante mencionarmos que essa área constitui a área mais visível
da instituição, sendo a sua porta de entrada, deste modo, está sempre muito
bem conservada, limpa e organizada. Nesta, os adolescentes só circulam, na
companhia de um agente (um agente para cada adolescente), quando
convidados (ou convocados).
Em seguida, o diretor descreve a parte da área interna da instituição,
onde ficam os alojamentos, e a escola que é alojada ao lado do setor dos
alojamentos.
Indo já pra parte da internação, eu tenho fora dos alojamentos, eu
tenho, uma sala, a diretoria da escola, uma sala de professores, uma
sala de vídeo, indo para essa parte da escola, tenho um auditório
antes era uma sala de aula, e tenho 5 salas de aula, certo?
No setor de alojamentos, existem, basicamente, três áreas que, por sua
vez, são divididas, existindo, na verdade, sete setores de alojamentos no CEA,
quais sejam: o setor de internação propriamente dito, que se subdivide em três
alas: o setor da Paz, o Setor da Luz e o setor da Felicidade, mais a Harmonia –
antigo seguro, destinado a adolescentes que tem problema de convivência nas
alas de internação; o setor da Esperança – que é uma espécie de isolamento,
sendo chamado, muitas vezes, pelos adolescentes de isolado, destinado aos
adolescentes que estão cumprindo medida disciplinar (castigo), por terem
cometido alguma falta considerada grave por parte da instituição; e, por fim, o
setor da Provisória – destinado aos adolescentes que ainda não foram
sentenciados e o setor da Saúde – destinado aos adolescentes que estão se
recuperando de problemas de saúde considerados graves, como por exemplo,
de alguma cirurgia. Nas linhas que seguem, o diretor descreve essa área dos
alojamentos, de uma forma um pouco distinta, vejamos:
Na parte da internação, eu tenho três alas, quatro, né? que é a
provisória, tenho 8 quartos, né? que é um espaço que é pequeno e
inadequado pra demanda, certo? São 8 quartos individuais, onde eu já
tive 78, né? Mas hoje, eu estou com 28, então, tem quarto com 4, tem
quarto com 3. (...) Tenho o setor da Paz, que é a antiga ALA A, que
tem 5 quartos, com capacidade para 15, tá certo? Mas hoje eu tenho
em torno de 30, tá? Tem o setor da luz que 6 quartos com capacidade
para 18. E eu também tenho, em média 30, 31. E tenho o setor da
felicidade, que são 7 quartos, com capacidade pra 21. Eu tenho
também em média de 30 a 32, certo? Eu tenho um quarto da
enfermaria, que é o setor da saúde, que eu tenho 4 adolescentes hoje,
e Um quarto da harmonia que funciona como um antigo seguro, tá
certo? (...) Eu tenho 4 quartos pra medida disciplinar, tá certo? É, que é
chamado setor da esperança, né?
Ainda descrevendo as instalações físicas da instituição, o diretor do CEA
fala sobre a área onde ficam as oficinas “ocupacionais”.
(...) Indo pra parte das oficinas. Eu tenho, uma oficina de material de
limpeza, uma oficina de cerâmica, tenho oficina de produção gráfica,
que faz pequenos impressos, é, pequenos impressos, a parte de
encadernação, de plastificação, a oficina de produção gráfica, depois
tem a coordenação das oficinas.
Convém mencionarmos que, na área das oficinas existe ainda a oficina
de bola de futebol e a oficina de artes, que funcionam constantemente. No
entanto, a oficina de produção gráfica, encontra-se absolutamente parada,
devido à falta de manutenção das máquinas que, ao que me parece já estão
obsoletas e, a oficinas de material de limpeza, nem sempre funciona, devido à
falta de material básico.
Finalizando a descrição da estrutura física da instituição, o diretor fala
sobre a lavanderia, a área esportiva e a horta.
Tem uma lavanderia, onde é lavada, a roupa dos adolescentes, que é
um uniforme fornecido pela unidade. Saindo das oficinas, pra parte
esportiva, eu tenho um galpão que tem uma sala de equipamentos, um
banheiro com vestiário, né? Tenho um chuveiro externo, que é pra
tomar aquela ducha quando tá jogando vôlei, e futebol, vem e se
banha; tem bebedouro e uma TV no galpão que é justamente, para os
dias de visita, que funciona fora dos quartos(...). Na parte de esportes
nós temos um Mini-Campo, tenho uma quadra de vôlei, uma quadra de
futebol de salão, certo? Tenho outros espaços, uma caixa de salto, pra
salto a distância, uma área pra lançamento de disco, arremesso de
peso, mas nós não estamos trabalhando ainda com essas
modalidades. (...) Tem uma horta, que começou com o apoio da
EMATER, mas recentemente, tá um pouco parado (...).Então, a
estrutura física, eu acredito que eu não esqueci nada, sim, esqueci,
tenho o refeitório, certo? Tenho a sala de espera, antes do refeitório,
com bebedouro. Então eu tenho cozinha, refeitório e almoxarifado.
É interessante frisarmos que, embora exista a lavanderia, muitas vezes,
os adolescentes fazem questão de lavar a própria roupa, utilizando o sabão e o
amaciante de sua preferência, trazidos pela família; e a cozinha serve apenas
de apoio para servir as refeições e para preparar pequenos lanches, tendo em
vista que a alimentação do CEA é terceirizada. Por fim, enfatizamos que a área
esportiva é a área preferida pelos adolescentes, pois nesta, além deles
praticarem atividades que eles dizem gostar muito, eles ficam “livres”, em um
espaço mais amplo, em contato com a natureza e o sol, muito embora existam
agentes sociais por todos os lados, posicionados em pontos estratégicos, e
guaritas de vigilância, ao redor, ocupadas por policiais militares.
Como já mencionamos, e como fica claro na fala do diretor da unidade, o
CEA se estrutura a partir da lógica de uma instituição total - local onde o
adolescente centraliza todas as suas atividades: moradia, estudo, trabalho e
lazer (GOFFMAN, 1999). Convém mencionarmos, também, que esses
adolescentes estão submetidos a regras de comportamento e horários fixos e
rígidos, sofrendo punições pelo descumprimento dos mesmos, a partir da
lógica da ressocialização proposta pela instituição, como veremos a seguir.
O processo de ressocialização proposto pela instituição
Para compreendermos o processo de ressocialização proposto pelo
CEA aos adolescentes que ali se encontram, cumprindo medida sócio
educativa de privação de liberdade, analisaremos a instituição a partir de seu
caráter de instituição total. Segundo Goffman:
O aspecto central das instituições totais pode ser descrito com a
ruptura das barreiras que comumente separam essas três esferas da
vida. Em primeiro lugar, todos os aspectos da vida são realizados no
mesmo local e sob uma única autoridade. Em segundo lugar, cada fase
da atividade diária do participante é realizada na companhia imediata
de um grupo relativamente grande de outras pessoas, todas elas são
tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em
conjunto. Em terceiro lugar, todas as atividades diárias são
rigorosamente estabelecidas em horário, pois uma atividade leva, em
tempo pré determinado, à seguinte, e toda a sequência de atividades é
imposta de cima, por um sistema de regras formais e explícitas (1999:
17-18).
Segundo o diretor da instituição, ao ingressar no CEA, no momento em
que o adolescente é recepcionado por algum técnico ou, na ausência destes,
por algum agente social, o interno é informado sobre os procedimentos e
normas da unidade, de forma verbal, não existindo, ainda, um documento que
torne visível tais procedimentos e normas para os adolescentes e/ou família.
Esses procedimentos e normas vão servir de guia para a manutenção da
ordem e, consequentemente, do bom funcionamento da instituição, bem como,
vão ser o parâmetro utilizado pelos funcionários para analisar e avaliar as
ações e atividades diárias de todos e de cada adolescente.
Como toda e qualquer instituição com caráter totalitário, no CEA todas
as atividades diárias realizadas pelos internos são vigiadas e controladas,
segundo as tecnologias disciplinares ou de controle, discutidas por Foucault
(1999), na tentativa de transformar “corpos rebeldes” em “corpos dóceis”,
“úteis” e socialmente produtivos.
Deste modo, no CEA o poder disciplinar (FOUCAULT, 1999), utiliza o
“olhar vigilante” e a “sanção normalizadora” como instrumentos para a
construção do modelo de ressocialização, estabelecendo uma relação não
apenas punitiva, mas principalmente retributiva.
Assim, aqueles adolescentes que cumprem as normas e regras gerais
da instituição, participando de modo efetivo e tendo bom comportamento, nas
atividades de cunho obrigatório, como a escola, por exemplo, acabam sendo
privilegiados, beneficiados, podendo participar de diversas atividades que não
são de cunho obrigatório e que agradam muito os adolescentes, como por
exemplo, as oficinas. Vejamos o que a coordenadora das oficinas nos diz sobre
os critérios utilizados na seleção dos adolescentes para participar das oficinas:
A gente olha assim, primeiramente a gente vê o tempo que ele tá na
casa, o que tá há mais tempo. Segundo assim, não por essa ordem
mas, também vemos o comportamento deles da escola, se ele tá indo
pra escola, ele tem que estar freqüentando a escola, como tá o
comportamento dele na aula, se num ta tendo nenhuma medida
disciplinar, né, e quando ele tá na oficina, se ele tiver, chamada
atenção é chamado o social, o psicólogo pra atender, pra ele inibir isso
e continuar na oficina. Senão ele é retirado, porque têm outros, que
têm um comportamento excelente, e a gente tem que priorizar aqueles
que tão querendo crescer né, mas a gente dá a chance, mas a gente
quando, é umas 3 vezes a gente tira.
Do mesmo modo, aquele adolescente que descumpre as regras e
normas institucionais, não frequentando as atividades de cunho obrigatório
e/ou tendo um mau comportamento nestas, sofre punições de forma direta e/ou
indireta, pois além de não ter a chance de participar de atividades que ele
considera prazerosa, ele pode vir a sofrer uma medida disciplinar (castigo).
Estas vão variar em grau e intensidade, podendo ir desde uma “simples”
advertência, até um castigo mais “pesado”, como o encaminhamento para uma
ala isolada, denominada “Esperança”, com quartos pequenos e escuros, onde
o adolescente ficará trancado, sem participar de nenhuma atividade e sem
receber visitas, por um determinado período de tempo, que será calculado de
acordo com a infração cometida.
Além do “olhar vigilante” e da “sanção normalizadora”, o CEA utiliza as
avaliações individuais, realizadas pelo assistente social e pelo psicólogo, sobre
cada adolescente, a cada seis meses, para ser encaminhada ao Juizado, com
vistas a uma possível progressão de medida sócio educativa ou a permanência
do adolescente na medida de privação de liberdade, como outro instrumento,
fundamental, na instituição do poder disciplinar.
Deste modo, podemos dizer que, no CEA, a instituição constrói a sua
lógica ressocializadora a partir da tentativa de “domesticar” os adolescentes
através do controle total de suas ações, pautando-se na detenção de um
poder-saber legítimo que a instituição possui (FOUCAULT,1999).
Assim, percebemos que o regime de punições e recompensas existente
no CEA, tem como função não apenas o cumprimento das normas e regras
institucionais, mas também, e principalmente, de tornar efetiva a ação da
instituição sobre os internos.
Entretanto, para Foucault (1999), o castigo e a punição, ou seja, a lógica
do controle total sobre os indivíduos estão intimamente relacionados a uma
proposta ultrapassada de ressocialização, de modo que, ao invés de promover
uma ressocialização pautada em mudanças valorativas, desajusta ainda mais o
comportamento dos internos que, em alguns casos, buscam se adequar,
momentaneamente, ao processo institucional apenas para obter vantagens, e
em outros, estabelecem verdadeiros embates frente a este processo, mas de
todos os modos, acabam por (re) produzir a delinqüência.
O processo de ressocialização vivenciado pelos adolescentes
Para compreendermos o processo de ressocialização vivenciado pelos
adolescentes internos no CEA, foi preciso, antes de qualquer coisa,
compreender o processo de institucionalização proposto pela unidade, tendo
em vista que, todo o processo criado, recriado e vivenciado pelos
adolescentes, formata-se a partir, e como resposta, a proposta institucional.
No entanto, as regras e normas criadas pelos adolescentes, para que a
convivência entre eles, no CEA, durante o cumprimento da medida sócio
educativa de privação de liberdade, seja tranquila, ou como eles mesmos
dizem, “para que eles possam tirar a cadeia deles, de boa”, não podem ser
compartilhadas, pois não devem ser “descobertas” pela instituição, muito
embora, pelo que pudemos perceber, a instituição as conheça e, se reconstrua,
cotidianamente, também, a partir delas.
Assim, as regras dos internos, em última instância, acabam por formatar
o próprio funcionamento da instituição, como podemos observar a partir de
alguns casos exemplares.
No CEA existe, hoje, adolescentes que pertencem a duas facções
criminosas rivais da cidade de João Pessoa, qual sejam: os Estados Unidos e a
Alqaeda. Esses adolescentes que, muitas vezes, nem se conhecem, se
percebem e se colocam como inimigos, construindo o seu cotidiano na
instituição a partir dessa rivalidade.
Nesse sentido, embora o ECA direcione o cumprimento da medida sócio
educativa de privação de liberdade e, embora o CEA possua regras específicas
que buscam garantir o processo de ressocialização dos adolescentes internos,
na prática, faz-se necessário um ajustamento entre aquilo que a unidade prega
e aquilo que os adolescentes “aceitam” vivenciar.
Como exemplo, podemos citar a maneira como acontece a divisão dos
adolescentes dentro da instituição. O ECA preconiza que os adolescentes,
internos em centros educacionais, devem ser divididos, nas alas e nos
dormitórios, a partir de três critérios: gravidade do ato infracional cometido,
compleição física e idade. No entanto, o que percebemos, na prática, é que
hoje, no CEA, os adolescentes são divididos nas alas e nos dormitórios de
acordo com as suas afinidades pessoais. Assim, quando um adolescente é
sentenciado, o agente social questiona para que ala ele quer ir e se ele já tem
um quarto certo lá, e o encaminha, de acordo com a vontade dele, para a ala
onde estão os seus amigos, ou segundo os próprios adolescentes, os seus
parceiros.
Outro exemplo interessante desse “poder” dos adolescentes na
construção do cotidiano vivenciado por eles no cumprimento da medida sócio
educativa de privação de liberdade, no CEA, é com relação ao funcionamento
das atividades.
O ECA preconiza que todos os adolescentes internos em centros
educacionais para o cumprimento de medida sócio educativa de privação de
liberdade, devem estar, obrigatoriamente, matriculados na escola. Para isso, no
CEA funciona uma unidade escolar estadual com o regime do EJA - Educação
para Jovens e Adultos, presencial, no qual os adolescentes deveriam ter aulas
diariamente.
No entanto, as aulas, hoje, estão restritas a dias e horários reduzidos,
tendo em vista que, os adolescentes se recusam a frequentar a mesma sala de
aula que os seus inimigos. Deste modo, os horários escolares tiveram que ser
fracionados para que os adolescentes das facções rivais não se encontrem em
uma mesma sala de aula. Tal fato, mais uma vez, demonstra que o processo
de ressocialização proposto pela instituição, pautado na idéia do controle
acaba (re) produzindo a delinqüência (FOUCAULT, 1999).
O mesmo ocorre com as oficinas e as demais atividades rotineiras que
acontecem na instituição, como as refeições, os atendimentos psicossociais e
as atividades “recreativas”, como o banho de sol, por exemplo. Todas as
atividades rotineiras da unidade passaram a ser organizadas de modo a não
permitir que adolescentes de facções rivais se encontrem.
E eis que nos deparamos com uma questão fundamental: que
ressocialização é essa, que legitima e, por vezes, até fortalece os vínculos
construídos por esses adolescentes no mundo do crime?
Os exemplos que citamos acima nos fazem perceber que os
adolescentes internos no CEA, embora “institucionalizados”, não se rendem as
regras e normas impostas pela lei e/ou pela unidade de internação, recriando o
processo de ressocialização proposto pela instituição e vivenciando um
processo de (re) socialização pautado na sua vivência para além dos muros do
centro educacional.
Em busca de um arremate
Não pretendemos ser, aqui, conclusivos, posto que além de a temática
que estamos discutindo ser bastante complexa, nossa pesquisa ainda está em
andamento.
No entanto, buscando compreender e discutir os limites dos processos
de institucionalização e de subjetivação dos adolescentes em conflito com a lei,
internos no Centro Educacional do Adolescente – CEA/PB, pudemos perceber
que existe uma proposta de ressocialização proposta pela instituição e um
processo de ressocialização vivenciado pelos adolescentes, que nem sempre
se aproximam.
Nesse sentido, o CEA, como toda e qualquer instituição de caráter
totalitário, possui e produz uma série de dispositivos disciplinares com vistas a
manter um controle total do comportamento dos adolescentes, pautando-se em
uma lógica retributiva/punitiva ultrapassada.
Por outro lado, os adolescentes desenvolvem uma série de estratégias
para burlar o processo de ressocialização proposto pela instituição, e construir
ou dar continuidade a um processo de socialização característico do “mundo do
crime” no qual estavam inseridos antes da privação de liberdade.
Deste modo, percebemos que, as medidas sócio educativas de privação
de liberdade e, consequentemente o processo de ressocialização, vivenciado
pelos adolescentes internos no CEA, hoje, não constituem um fator de ruptura
com a socialização proveniente do mundo do crime, mas sim a reprodução
e/ou manutenção desse mesmo processo de socialização.
A grande questão que podemos levantar nesse contexto é: Como propor
um novo modelo de ressocialização diante dessa realidade concreta?
Percebemos, claramente, a necessidade de uma reconfiguração na
proposta de ressocialização institucional, tendo em vista que esta não vem
cumprindo o seu papel primordial. Deste modo, pensamos que, esta nova
proposta deve ter como foco não apenas o adestramento dos corpos dos
adolescentes em conflito com a lei, mas deve pautar-se, principalmente, em
despertar nos adolescentes, internos, o desejo de mudança com vistas a uma
nova perspectiva de vida e de construção identitária.
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ALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina