0 UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ CLAUDIA MARIA MACEDO PERLINGEIRO DOS SANTOS OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA AÇÃO COLETIVA DE IMPROBIDADE Rio de Janeiro 2008 1 CLAUDIA MARIA MACEDO PERLINGEIRO DOS SANTOS OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA AÇÃO COLETIVA DE IMPROBIDADE Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá. ORIENTADOR: PROF. DR. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES Rio de Janeiro 2008 2 A dissertação OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA AÇÃO COLETIVA DE IMPROBIDADE elaborada por CLAUDIA MARIA MACEDO PERLINGEIRO DOS SANTOS e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Curso de Mestrado em Direito como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM DIREITO Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2008 BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr. Aluísio Gonçalves de Castro Mendes Presidente Universidade Estácio de Sá __________________________________________ Prof. Dr. Rogério José Bento Soares do Nascimento Universidade Estácio de Sá Prof°. Dr°. Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva Universidade Federal Fluminense 3 DEDICATÓRIA DEDICO Ao meu pai, Carlos Alberto, com quem tudo começou (in memoriam), À minha mãe, Maria Anette, imprescindível em todos os momentos, pelo incansável amor, Aos meus irmãos, Carlos Alexandre, Carla Maria e Carlos Frederico, pelo permanente apoio e confiança, Ao meu amor Emiliano pelo apoio, pelas grandes idéias e pela fé depositada. 4 AGRADECIMENTOS Inicio agradecendo a Deus, por tudo. Agradeço ao meu orientador, professor Aluisio Gonçalves de Castro Mendes pelo conhecimento transmitido, pela confiança e, sobretudo, pela compreensão nos momentos difíceis. Em nome de todos os professores do Mestrado da Universidade Estácio de Sá, agradeço à professora Maria Teresinha pelo incentivo e incansável apoio. Agradeço ainda aos meus amigos que cooperaram de diversas maneiras para que este trabalho pudesse ser concluído: Alexandre Schott, Claudio Henrique, Cristiane Rocha, Eduardo Carvalho e Rogério Pacheco. Agradeço ainda a Silvia Disitzer. 5 RESUMO A presente dissertação, que faz parte da Área de Concentração: Direito Público e Evolução Social e da Linha de Pesquisa: Acesso à Justiça e Efetividade do Processo do Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá, tem o objetivo de analisar os fundamentos conceituais e efeitos da consagração da probidade como direito fundamental difuso no ordenamento jurídico brasileiro. Para alcançar esse propósito, partiu-se do princípio constitucional de que o Estado tem o dever de atuar no interesse da coletividade e promover o bem comum. Ainda com base na Constituição da República, o direito fundamental à probidade demanda tratamento jurídico próprio no Estado Democrático e republicano e abre espaço à proposição de Ação Coletiva de Improbidade, em face de qualquer agente estatal, quando, entre outras omissões e ações, descumprir obrigações prestacionais, violando o dever de probidade. De igual forma, a compreensão do conceito de probidade deve observar o princípio da proibição da proteção deficiente, inerente à efetividade do processo, sob a perspectiva das demandas coletivas. Palavras-chave: Probidade administrativa; direitos fundamentais; Estado Democrático de Direito; Governo Republicano; 6 ABSTRACT This paper, that is related to the area of Public Law And Social Evolution and the research field of Access To Justice And Effectiveness Of Procedure in the Master of Law Course at Estácio de Sá University, proposes to analyze the conceptual foundations and the effects regarding the establishment, in Brazil’s legal system, of the right to probity as fundamental collective right. To that effect, this paper draws from the constitutional principle that the State is required to act on behalf of the interests of the community and promote the common good. Still according to the Republic’s Constitution, the fundamental right to probity demands appropriate juridical treatment within a Democratic and Republican State, prompting the filing of Collective Improbity Actions against any government agents, whenever, among other omissions or actions, they do not comply with rights to social services, infringing the duty to act with probity. Likewise, acknowledgement of the concept of probity should consider the principle of prohibition of insufficient protection, inherent to the effectiveness of procedure, within the perspective of collective actions. Key words: Administrative probity. Fundamental collective rights. Democratic State of Right. Republican government. 7 SUMÁRIO Página INTRODUÇÃO...........................................................................................................09 PARTE I – A EVOLUÇÃO DO ESTADO E DO GOVERNO NA PERSPECTIVA DA PROBIDADE..............................................................................................................14 CAPÍTULO 1 O ESTADO MODERNO: DA ORIGEM AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO...............................................................................................................14 CAPÍTULO 2 – O MODELO REPUBLICANO E A PROBIDADE..............................35 PARTE II – A NATUREZA, O CONTEÚDO E O CONCEITO DE PROBIDADE..............................................................................................................42 CAPÍTULO 3 – NATUREZA: A PROBIDADE COMO DIREITO DIFUSO.................43 CAPÍTULO 4 – O PATRIMÔNIO PÚBLICO TUTELADO PELO PRINCÍPIO DA PROBIDADE..............................................................................................................50 CAPÍTULO 5 – PROBIDADE: CONCEITOS FUNDAMENTAIS...............................56 PARTE III – A PROBIDADE, O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS.....................................................................................82 CAPÍTULO 6 – A TUTELA DA PROBIDADE: ORIGEM E EVOLUÇÃO..................82 CAPÍTULO 7- OS DESTINATÁRIOS DO DEVER DE PROBIDADE........................97 CAPÍTULO 8 – A PROBIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DIFUSO....................................................................................................................112 CAPÍTULO 9 – A PROBIDADE E A EFICÁCIA DAS OBRIGAÇÕES PRESTACIONAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO............................127 8 10- CONCLUSÕES..................................................................................................137 REFERÊNCIAS........................................................................................................142 9 INTRODUÇÃO O princípio da probidade administrativa expressamente adotado pela Constituição de 1988 deve ser compreendido dentro do protótipo de estrutura do Estado Democrático de Direito, especificamente sob a forma republicana. Com base nessa premissa, pretende-se contribuir para a compreensão dos contornos da responsabilização dos agentes estatais em face da prática de atos que violam o dever de probidade a eles constitucionalmente imposto, levando-se em conta a necessidade de assegurar efetiva proteção à res publica, a ser judicialmente tutelada através das ações coletivas, especificamente da Ação de Improbidade Administrativa. A vida em sociedade, sob o enfoque das limitações necessárias, quer na relação do cidadão com o Estado, quer nas relações horizontais, há muito, suscita profundas reflexões ante a complexidade do tema. No tocante à interação do Estado com o indivíduo, impõe-se examinar os limites estabelecidos ao exercício do poder, concretizado pelos agentes públicos e políticos e o correspondente modus faciendi. Nessa linha de pensamento, cumpre analisar a evolução do dever de probidade e o seu conteúdo visando à responsabilização dos agentes públicos e políticos. O estudo analisa fundamentos teóricos para que se compreenda a probidade como direito fundamental difuso, consagrado no ordenamento jurídico pátrio e corresponde a uma das vertentes do efetivo exercício da cidadania, indissociável do real cumprimento do regime democrático,1 em todas as suas dimensões. Neste diapasão, confere-se destaque à concretização do princípio da 1 O regime democrático pressupõe que o povo seja o titular e detentor do poder estatal. MARTINS, Fernando Barbalho. Do Direito à Democracia. Neoconstitucionalismo, Princípio Democrático e a Crise no Sistema Representativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.53. 10 soberania popular, com o largo alcance abraçado pela Carta Magna ao assegurar, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.2 Nessa linha de argumentação, reitera-se, o dever de probidade por parte dos agentes do Estado é direito fundamental – base da presente investigação – e encontra fecundo habitat no Estado Democrático de Direito3. Essa ideologia confere ao ente estatal a responsabilidade de atuar dentro de balizas constitucionalmente estabelecidas, visando à promoção do bem de todos. Pretende-se, ainda, face à relevância do tema, demonstrar a ligação umbilical entre a imperiosa necessidade de observância do dever de probidade na condução dos atos públicos e a implementação dos direitos sociais – objeto de intensas discussões que se espraiam para além dos limites do campo do direito – corolários do princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, em sua expressão coletiva, portanto, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. A concepção da probidade como direito fundamental reclama, pois, a aplicação do tratamento próprio dispensado aos direitos fundamentais, principalmente no tocante à garantia de efetividade, sob a perspectiva da demanda coletiva, sempre tendo como norte a assertiva de que a observância do dever de probidade é condição sine qua non para que o Estado Democrático de Direito cumpra o seu mister, em especial em relação à concretização dos reconhecidos direitos fundamentais sociais. 2 Cf. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estado e Município e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constiutição.” 3 Luis Roberto Barroso ressalta ser um mau investimento de tempo especular sobre as diferenças (sutilezas semânticas) entre os conceitos de Estado Democrático de Direito, Estado Constitucional de Direito, Estado Constitucional Democrático. Cf artigo Neoconstitucionalismo. Site Consultor Jurídico, 2006. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br>. Acesso em: 28/03/2007. 11 Não se pode olvidar, frente à realidade vivenciada no trato da coisa pública que, conquanto não se configure regra absoluta, a corrupção4 5 constitui uma das mais devastadoras causas dos graves problemas sociais detectados, primordialmente, nos países periféricos6. Representa, em verdade, sério obstáculo à efetivação das políticas públicas, imprescindíveis ao desenvolvimento social, um dos pressupostos7 inarredáveis à implementação do Estado Democrático de Direito, portanto, evidentemente imbricado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Em paralelo, cumpre admitir que a corrupção conduz ao desgaste da legitimidade, imprescindível à constituição de um Estado Democrático de Direito. Cabe relevar que a inobservância do dever de probidade não se restringe ao combate à corrupção, por mais elástica que seja a conotação de tal conceito. A despeito dessa premissa, como afirmado, a prática da corrupção está presente em parcela expressiva das condutas enquadradas como ímprobas. É exatamente a partir das considerações de que o dever de probidade é direito fundamental e sua violação constitui grave problema, é que ganha relevo a 4 Sob a ótica da etimologia, deriva do latim rumpere, ou seja, romper, dividir, vindo a gerar a palavra corrumpere, que, por sua vez, significa depravação, alteração, deterioração. Aqui é entendida de forma a abarcar as condutas ilícitas praticadas pelos agentes políticos e públicos, assim conceituadas de forma ampliativa, indicando “... o uso ou omissão, pelo agente público, do poder que a lei lhe outorgou em busca da obtenção de uma vantagem indevida para si ou para terceiros, relegando a plano secundário os legítimos fins contemplados na norma. Desvio de poder e enriquecimento ilícito são elementos caracterizadores da corrupção.” GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 5. A corrupção pode ainda ser definida, segundo Gianfranco Pasquino, como “fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troco de recompensa. Corrupto é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estadual.” O referido autor divide a corrupção em três espécies: o suborno, entendido pelo autor como a prática da peita ou uso da recompensa para modificar o atuar do agente público; o nepotismo, ou concessão de empregos ou contratos públicos, dissociados do mérito, portanto, por razões distintas do interesse público; e o peculato, seja ele através da apropriação ou desvio para destinação privada. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmem C. Varriale et al. 13 ed. Brasília: Editora UNB, 2007, p. 291-292. 5 Ainda de acordo com Emerson Garcia, “A corrupção, em verdade, é um fenômeno social que surge e se desenvolve em proporção semelhante ao aumento do meio circulante e à interpenetração de interesses entre os componentes do grupamento. Sob esta ótica, os desvios comportamentais que infrinjam a normatividade estatal ou os valores morais de determinado setor em troca de uma vantagem correlata, manifestar-se-ão como formas de degradação dos padrões ético-jurídicos que devem reger o comportamento individual nas esferas pública e privada.” Ibidem, p. 3. 6 Vide análise detalhada feita pela Transparência Internacional. Disponível em: <http://www.transparency.org/publications/gcr/download_gcr#downloadhttp://www.transparency.org/p ublications/gcr/download_gcr#download>. Acesso em 20/06/2008. 7 Como será relatado posteriormente, o Estado Democrático de Direito não se equipara ao Estado Social – Wellfare state – razão pela qual a concretização das obrigações prestacionais, voltadas para a implementação dos direitos fundamentais sociais, não constitui seu único pressuposto conformador. 12 percepção de que sua inobservância fortalece a cronicidade das dificuldades relativas à concretização dos direitos sociais assegurados na Carta Magna. Nessa linha de argumentação, pode-se inferir que o problema precisa ser enfrentado através de instrumentos eficazes – acoplados à idéia de vedação da proteção deficiente. Nesse passo, como se abordará ao longo do estudo, o princípio da Proibição da Proteção Deficiente deve ser compreendido sob duplo aspecto: sob um ângulo, impede a revogação de normas cujo conteúdo seja indispensável ao cumprimento das disposições constitucionalmente asseguradas, mormente dentro do núcleo fundamental em relação ao qual não é permitido retrocesso. Por outra vertente, trata de impor a atuação comissiva, com o intuito de conferir efetividade aos deveres impostos pela Carta Magna ao Estado, a serem cumpridos pelos agentes públicos e políticos, na qualidade de delegatários de parcela de poder conferida pelo cidadão, quer através do sufrágio ou dos demais mecanismos previamente legitimados pelo próprio poder constituinte originário. Com esses fundamentos, a pesquisa se orienta para demonstrar a importância e alcance emprestado pelo legislador originário ao combate à improbidade, a ponto de acarretar a suspensão8 dos direitos políticos, expressamente prevista no artigo 15, inciso IV, da Carta Magna, em dispositivo autônomo e distinto dos efeitos decorrentes da condenação penal definitiva. Conforme o exposto, o presente estudo pretende contribuir para a redução da impunidade no campo da gestão da res publica, auxiliando, destarte, a mobilização dos segmentos organizados da sociedade, com o fito de concretizar a efetividade das normas constitucionais pertinentes à gestão pública.9 8 A despeito do caput do referido artigo admitir a perda ou suspensão, é imperiosa a sua conjugação com o artigo 37, § 4º, da própria Constituição de 1988, no qual não houve inclusão da perda dos direitos políticos, limitando-se, na hipótese de improbidade administrativa, à suspensão dos mesmos. 9 Cabe aqui, por oportuno, o seguinte registro: “Certamente dez anos não são suficientes para sedimentar todas as virtualidades que vicejam desse importante instrumental normativo. Apenas uma certeza já se obteve ao longo dessa década: recai sobre o intérprete-aplicador – advogados, juízes, membros do Ministério Público, enfim, toda a comunidade jurídica – a indelegável missão de extrair a máxima efetividade da matéria-pública apresentada por esse diploma legal, definindo, com responsabilidade, a medida de sua importância na regulação compartilhada da atividade pública.” SAMPAIO, José Adércio Leite et al. (org.). Improbidade Administrativa 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.XII. 13 Do ponto de vista estrutural, a investigação está organizada em três partes: a primeira, composta por dois capítulos, recebeu o título de A Evolução do Estado e do Governo na perspectiva da probidade. No Capítulo 1, aborda-se o Estado Moderno, desde sua origem até o Estado Democrático de Direito, com o intuito de contextualizar o objeto de investigação. Em continuidade, no capítulo 2, trata-se do Modelo Republicano em seus nexos com a probidade. Por sua vez, a Parte II, denominada A Natureza, o Conteúdo e o Conceito da Probidade, está subdividida em três capítulos, os quais versam sobre a probidade como direito difuso; o patrimônio público considerado como objeto da tutela da probidade; e o conceito do princípio da probidade. Já a Parte III, intitulada como A Probidade, o Estado Democrático de Direito e os Direitos Fundamentais, está composta de quatro capítulos, com ênfase na análise da tutela da probidade, assegurada pela Constituição da República de 1988 como direito fundamental difuso, pressuposto basilar para a eficácia das obrigações prestacionais da entidade estatal. Por derradeiro, apresentam-se algumas conclusões, cujos alicerces repousam nas fontes consultadas. 14 PARTE I A EVOLUÇÃO DO ESTADO E DO GOVERNO NA PERSPECTIVA DA PROBIDADE CAPÍTULO 1 O ESTADO MODERNO: DA ORIGEM AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO A análise do direito à exigência de um atuar probo por parte de todos os agentes do Estado10 11 que se qualifica como republicano e coerente com os requisitos de Estado Democrático de Direito, adotado pela Constituição da República de 1988, remete, inicialmente, a uma breve retrospectiva à formação do próprio Estado moderno,12 marco relevante do surgimento de um ente organizado política e administrativamente para a construção do bem comum. Esse alicerce se configura através da transferência do centro de poder, anteriormente sob o comando privado, evoluindo para a dimensão participativa do exercício do poder.13 Nessa perspectiva analítica, o bem comum não é algo pronto e acabado: eis que precisa ser conquistado mediante atuação consciente de diversos atores sociais. Ele resulta da adoção persistente de comportamentos destinados a assegurar a todo indivíduo e aos diversos grupos condições para viver dentro de parâmetros hauridos dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, explicitados pela Carta Magna, ao inaugurar o paradigma definido pelo texto constitucional. 10 A denominação “Estado” (do latim status) foi difundida por Maquiavel, em sua obra “O Príncipe”, elaborada em 1513, ao afirmar “Todos os estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados”. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade – Para uma teoria geral da Política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.65-66. O uso, à época, desta expressão acabou por substituir os conceitos de civitas, que traduzia o grego polis e res publica, através da qual os romanos denominavam o conjunto das instituições políticas. Entretanto, o emprego deste termo indicando uma sociedade política permanente somente foi consagrado com a crise da sociedade medieval, portanto, quando se dá o nascimento do chamado Estado Moderno. 11 Segundo Georg Jellinek, “Un Estado es uma comunidad com própio território, propios súbditos y própio poder supremo de gobierno.”, esclarecendo que a ausência de um desses elementos afasta o conceito de Estado. JELLINEK, Georg. Fragmentos de Estado. Trad. Michael Forster; Miguel Herrero de Miñón; José Carlos Estebam. Madrid: Editorial Civitas, 1981, p.59. 12 Na visão de Norberto Bobbio, o Estado Moderno surge com a dissolução da sociedade medieval” BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico – Lições de Filosofia do Direito. Trad. Márcio Pugliesi; Edson Bini; Carlos E. Rodrigues, São Paulo: Ícone Editora, 2006, p. 26. 13 A passagem da Idade Média para a Modernidade marca o surgimento da idéia “de povo como unidade e fonte de direitos e de poder”. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 43. 15 Tendo em vista as diversas formulações acerca do significado de “bem comum”, mostra-se bastante esclarecedora e de grande alcance a lição formulada pelo Papa João XXIII,14 para quem “... consiste no conjunto de todas as condições de vida que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”. A concepção acima enunciada nada mais é do que o reconhecimento, na ótica coletiva, do princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, explicitado no art. 1º, inciso III, da Constituição da República de 1988, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Alguns estudiosos referidos na seqüência do capítulo identificam o Estado como espécie de sociedade política15 16 destinada à criação de condições para o desenvolvimento de seus integrantes; vale afirmar, um conjunto de instituições que atuam de forma coordenada e sistemática, sempre em função do bem coletivo. Jorge Miranda17 reconhece o Estado como sociedade política, “consistente na organização de governantes e de governados, ou comunidade dos cidadãos.” Segundo o doutrinador mencionado, pode-se compreender o Estado como sociedade política sob dupla vertente: Estado-poder”. “como Estado-comunidade e como Todavia, o pensador lusitano alerta para que não devam ser separadas, sob pena de se perder a unidade, necessária à compreensão política. Conquanto se reconheça polêmica a idéia da existência de um verdadeiro Estado, com as características próprias à sua constituição no período medieval, ou mesmo na polis grega, merecendo realce para a existência de monopólio na formulação do direito, como proclamado por Norberto Bobbio,18 previsão de 14 Papa João XXIII. Pacem in Terris. Carta Encíclica,2ª parte, item 58, 1963. Site oficial do Vaticano. Disponível em: <HTTP://www.vatican.va/holy_father/john-xxiii/encyclicals/documents/hf_jxxiii_enc_11041963_pacem_po_html>. Acesso em: 13/04/2008. 15 Segundo definição de Dalmo de Abreu Dallari, (...) “são sociedades políticas todas aquelas que, visando a criar condições para a consecução dos fins particulares de seus membros, ocupam-se da totalidade das ações humanas, coordenando-as em função de um fim comum.” Ibidem, p. 48-49. 16 Jorge Miranda ressalta que alguns estudiosos tratam o conceito de Estado como equivalente ao de sociedade política e não como espécie, numa relação de conteúdo para continente. Vide referido autor in: Teoria Geral do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.19. 17 MIRANDA, Jorge. Teoria Geral do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.1. 18 Segundo Bobbio, “A sociedade medieval era uma sociedade pluralista, posto ser constituída por uma pluralidade de agrupamentos sociais cada um dos quais dispondo de um ordenamento jurídico próprio: o direito aí se apresentava como um fenômeno social, produzido não pelo Estado, mas pela 16 instrumentos coativos para a aplicação do direito, com destaque para o Exército destinado à proteção do território e o pagamento de tributos indispensáveis à manutenção dessas atividades, insta consignar que a presente pesquisa tem como ponto de referência o advento da Modernidade, a partir da qual se evidencia um modelo de organização reconhecido como Estado stricto sensu.19 Lênio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais20 identificam o momento de transferência das relações de poder, outrora exercidas no campo exclusivamente privado, para o âmbito público, com o rompimento do antigo modelo instalado no período medieval para uma nova estrutura de poder, na qual as “relações de poder” (autoridade, administração da justiça, etc.) deixam o campo privado dos senhores feudais e passam para a esfera pública do Estado centralizado. Um dos propulsores da referida passagem repousa na alteração do modo de produção da sociedade civil, no qual se fizeram necessárias estruturas específicas (“comunicações, justiça, exército, cobrança de impostos, etc.”) que lhes dessem as garantias. Segundo os supracitados autores21, não se pode fixar data exata de nascimento do Estado Moderno como resultado da transformação do período medieval, já que ambos coexistiram durante alguns séculos na Europa Central e Ocidental. O modelo dos feudos, constituído por diversos grupos sociais,22 caracterizado pela fragmentação dos poderes (na medida em que cada feudo possuía um ordenamento jurídico), marcado principalmente pela existência de exército próprio e pela aplicação de justiça privada pelos senhores feudais23, esvaiuse, cedendo lugar ao nascimento de um Estado centralizado, denominado de Estado sociedade civil. Com a formação do Estado moderno, ao contrário, a sociedade assume uma estrutura monista, no sentido de que o Estado concentra em si todos os poderes, em primeiro lugar aquele de criar o direito: não se contenta em concorrer para esta criação, mas quer ser o único a estabelecer o direito, ou diretamente através da lei, ou indiretamente através do reconhecimento e controle das normas de formação consuetudinária. Assiste-se, assim, àquilo que em outro curso chamamos de processo de monopolização da produção jurídica por parte do Estado.” BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico, Ibidem, p.27. 19 De acordo com Bobbio, segundo a concepção Weberiana, os elementos constitutivos do Estado são a presença de um aparato administrativo para a execução dos serviços públicos e monopólio do uso da força com legitimidade. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade.Ibidem, p.69. 20 STRECK, Lênio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 5 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 43. 21 Ibidem, p. 25. 22 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Ibidem, p.27. 23 “O direito era produzido pela sociedade civil.” Ibidem, p. 27. 17 Moderno, cujo surgimento decorre, sobremaneira, da necessidade de segurança para a nova forma de produção, intitulada de capitalismo. A rigor, pode-se admitir que foi o processo de instabilidade política, econômica e social do período medieval que criou as condições que impulsionaram o nascimento do Estado Moderno. O novo modelo de produção, que não se limitava à finalidade do próprio consumo, marcou-se pelo início da comercialização dos produtos, situação que acabou por induzir a unificação das regras mercantis que deveriam ser controladas, ainda que de forma incipiente, por um poder político centralizado. Surgiram, assim, os primeiros reinos que culminaram, posteriormente, nas monarquias absolutistas.24 Nesse momento histórico, é possível identificar, embora de forma bastante limitada, a transferência do exercício do poder a um terceiro, visando à fixação de regras imprescindíveis à implementação de uma mercancia, embora ainda precária. Essa transmissão justificou-se, desde o início, para o benefício da coletividade, embora consubstanciada, naquele período, por pequena parcela da sociedade e voltada para o indivíduo. A nova classe social que começou a se formar, posteriormente cunhada de burguesia, em nome da segurança da mercantilização, reforçou a necessidade de centralização do poder político e administrativo, na figura do monarca soberano. A centralização e concentração do poder caracterizavam-se pelo monopólio da prestação de serviços considerados essenciais à garantia da segurança em âmbito interno e externo. Nesse processo, o Estado Moderno, segundo José Antônio Giusti Tavares25, formou-se como resultado de quatro movimentos, a saber: 01) a centralização do poder, 02) neutralização ou fragilidade das associações, comunidades intermediárias e das instituições de nível intermediário, dotadas de alguma autonomia, 03) extinção das distinções sociais em estamentos, com a 24 Paulo Bonavides divide o Estado Moderno Absolutista em duas fases: a primeira fundada no poder divino – embora sejam identificadas, à época, as obras de Maquiavel e Jean Bodin, dois intelectuais leigos – na qual a soberania é vista como instrumento de poder e não como qualidade, idéia defendida por Georg Jellinek; e a segunda, secularizada em bases filosóficas, principalmente através das teorias contratualistas, com a qual se introduz novo fundamento para o poder, ou seja, a origem transmuda-se da divindade para o homem, segundo critérios racionais. Vide referido autor in: Teoria do Estado. 6 ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p.35-36. 25 TAVARES, José Antonio Giusti. A estrutura do Autoritarismo Brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p. 55 e 56. 18 unificação da população (igualdade abstrata), subordinando-os a um poder direto e 04) implementação do poder centralizado, denominado Estado, distinto da sociedade. Conforme o citado autor26, “a organização burocrática foi o elemento fundamental” que deu substância aos demais elementos que, por sua vez (reunidos), deram a realidade material do Estado, configurada no monopólio dos sistemas monetário e fiscal, no monopólio da realização da justiça e na existência de um exército nacional. A prestação destes serviços pelo Estado, de forma concentrada, efetivou-se através dos agentes que o representam, configurando cada qual o próprio Estado em atuação.27 Conquanto o Estado Moderno tenha se constituído desde a origem como instituição autônoma, distinto da sociedade civil, em verdade, essa cisão é aparente, eis que sua organização política e administrativa, em essência, está voltada para o atendimento dos reclames desta mesma sociedade civil, particularmente dos segmentos hegemônicos em cada época28. É dentro do quadro exposto que, como se haure da doutrina de Paulo Bonavides29 e Dalmo de Abreu Dallari,30 o aspecto teleológico, que dá relevância aos fins a serem perseguidos pelo Estado, deve ser valorizado e considerado, a par das costumeiras referências ao território, povo e soberania. Nessa perspectiva de análise, não se pode esquecer, destarte, que a finalidade determina as ações 26 A estrutura do Autoritarismo Brasileiro. Ibidem, p. 55 e 56. Ao comentar o conceito de órgão estatal Georg Jellinek esclarece que “Entendemos que órganos de Estado son los individuos ou colégios cuya voluntad está llamada a realizar y crear immediatamente la voluntad estatal o a participar em el processo de formación y ejecución de la misma em el marco de las competências legales”. Vide o referido autor in: Fragmentos de Estado, Ibidem, p. 69. Ajustada à contemporaneidade, a idéia de vontade do Estado não pode estar hoje dissociada de sua finalidade, qual seja, o bem comum, como já salientado e aposta como imperativo no artigo da Carta de 1988: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: Iconstruir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobrezas e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,raça,sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; 28 Não se pode olvidar, que ao longo de muitos anos, somente se ouviam os reclames de pequena parcela da sociedade, negando-se voz a diversos grupos. 29 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6 ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 114-115. 30 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27 ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 103-104. 27 19 concretas do Estado, cabendo, aqui, sublinhar que os fins “contribuem (...) sobretudo com o padrão valor, mediante o qual toda a atividade estatal há de aferir-se”.31 Atualmente, conforme principiologia da Carta da República vigente no país, é clara a natureza instrumental32 do Estado, uma vez que a sua finalidade é positivada expressamente no artigo 3º, inciso IV, da Lei Maior de 1988, ao estabelecer que a promoção do bem de todos constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil enquanto elemento do Estado.33 34 Foi exatamente com o surgimento do Estado Moderno que se identificou a noção de povo (posteriormente enquadrado como elemento essencial do Estado), compreendido como unidade (ente) de direitos e poder, incorporada pelos teóricos contratualistas. Com efeito, o ingresso na Modernidade foi marcado pelo florescimento das teorias contratualistas,35 para as quais tem o Estado função instrumental, decorrente da vontade racional, dirigido à concretização de objetivos. Nesse sentido, realçando a função instrumental, Cesar Luis Pasold36 afirma que: 31 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. Ibidem, p.115. Dentre as funções instrumentais do Estado está a prestação jurisdicional a ser orientada pela regra disposta no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual, “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, de onde se depreende que toda a lei visa ao bem comum, sendo este o pressuposto de todo o ordenamento jurídico e, em útima análise, do atuar do Estado. BRASIL. Decreto-Lei 4.657, de 04.09.42. In: NEGRÃO, Theotonio; Gouvêa, José Roberto F. Código Civil e legislação civil em vigor. 27 ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 23. 33 A idéia de probidade no âmbito do Estado, objeto desta pesquisa, está diretamente ligada ao conceito de finalidade. 34 Acerca da finalidade do Estado, Vanice Lírio do Valle, valendo-se das lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, registra que “a reconfiguração do papel da constituição, seu lugar de organização, defere igualmente ao Estado – e no plano da concretização mais direta à Administração – um elemento finalístico, uma tarefa a cumprir, valores a alcançar, todos determinantes de sua estruturação e atuação. São tempos de constitucionalismo axiologicamente comprometido, em que o agir do poder não se legitima pela simples expressão desse mesmo poder, mas pela harmonia entre as finalidades pretendidas, e aqueles propósitos comprometidos com a jusfundamentalidade dos direitos que as Cartas de Princípios agora lhes apresentam.” Vide referida autora. “Direito fundamental à boa administração, políticas públicas eficientes e a prevenção do desgoverno”. In: Revista Interesse Público. Belo Horizonte, Forum, nº 48, mar/abr/2008, p. 87-109. 35 Embora se tenha ciência da existência de outras teorias voltadas para a explicação e fundamentação da origem do Estado,trabalhou-se nesta pesquisa com as concepções contratualistas, a despeito das especificidades de cada qual, com destaque para Thomas Hobbes, Jonh Locke e Rousseau. 32 20 “se a condição instrumental do Estado advém do fato dele ser criação da Sociedade, ela se consolidará somente na serventia aos anseios sociais e justificar-se-á por uma conformação jurídica, dinâmica e conveniente na sua origem, e coerente com a sua utilidade para a Sociedade. Se o Estado Contemporâneo não tem tido, em determinados momentos e territórios, comportamentos compatíveis com tal condição, as causas devem ser identificadas e, compete à respectiva sociedade a tarefa de (re)tomar o domínio sobre a sua criatura. Tal fato, contudo, não invalida a postulação de que diante da complexidade crescente da vida contemporânea, este instrumento, disponível e estruturado (o Estado), possa e deva ser útil à realização do Bem Comum ou ao Interesse Coletivo.”37 O pensamento contratualista38 foi inaugurado com Thomas Hobbes,39 em sua obra “Leviatã”, da qual se pode extrair a assertiva de que o agir do Estado, por ele identificado como o “homem artificial”, representa, na verdade, a ação de todos os homens que, individualmente, cederam parcela da liberdade de cada qual em favor de um pacto para todos, denominado de contrato social.40 Passa-se do estado de natureza, caracterizado pela guerra de todos contra todos41 - no qual o medo não permitia antever a possibilidade da congregação entre os indivíduos através da ordem e da segurança – para o estado civil – a 36 PASOLD, Cesar Luis. Função Social do Estado Contemporâneo. 3 ed., Florianópolis: Ed. OAB/SC e Diploma Legal, 2003, p. 46-47. 37 Nessa mesma linha, Jorge Miranda sustenta que a única finalidade do Estado é “dar realização política às aspirações de determinado grupo humano, dar-lhe a virtualidade de livremente definir e prosseguir o interesse colectivo.” Vide referido autor in: Teoria do Estado e da Constituição”. Ibidem, p. 186. Em igual sintonia, Vicente Ráo, afirma que “A origem do Estado coincide, como fato social e histórico, com o momento da transformação da vontade coletiva, ou social, em vontade política, com o momento, isto é, em que se sentiu a necessidade de submeter a disciplina da convivência social a um Poder organizado pelo povo e por êle investido da faculdade de mando e de coerção”. Vide referido autor in: O Direito e a Vida dos Direitos. 2º vol., São Paulo: Max Limonad, 1958, p. 98. 38 Alguns autores vislumbram remoto antecedente do contratualismo na obra de Platão, “A República”, uma vez que a organização social por ele identificada se forma a partir do pensamento racional. 39 A principal obra, “O Leviatã”, foi publicada no ano de 1651. 40 “A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama CONTRATO.” HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de uma República Eclesiástica e Civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2 ed., São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 115. 41 A razão do pensamento de Thomas Hobbes “O Homem é o lobo do homem”, encontrado em sua obra O Leviatã, decorre, segundo ele, da situação de desordem própria da natureza humana, caso não existissem as regras, por ele representado através do estado de natureza, no qual todos são igualmente capazes de investidas contra o outro, acarretando permanente estado de tensão. Segundo alguns, a partir de registro do próprio Hobbes, sequer houve uma ocorrência real do estado de natureza, tratando-se de hipótese teórica. “Mas mesmo que jamais tivesse havido um tempo em que os indivíduos se encontrassem numa condição de guerra de todos contra todos, em todos os tempos os reis e as pessoas dotadas de autoridade soberana, por causa de sua independência, vivem em constante rivalidade e na condição e atitude de gladiadores...” Ibidem, p.110. 21 sociedade politicamente organizada, através do contrato social, que nada mais é do que a corporificação do acordo fundado em bases puramente racionais (modelo de dominação legal-racional) em substituição aos modelos orientados pela tradição e pela religião (modelo de dominação carismática42), marcado pela recíproca transferência de direitos. Hobbes43 atribui ao Estado –o Leviatã – a missão de assegurar a paz aos indivíduos, através de mecanismos designados como cadeias artificiais – corporificadas nas leis civis – cuja obediência decorre de acordo entre as partes. Conforme análise desse filósofo contratualista, pode-se afirmar que a existência do Estado está voltada para a própria preservação do homem.44 A cessão de todos em direção a um terceiro (que pode ser um homem ou uma assembléia de homens), de forma a que os ideais estejam reunidos numa só vontade, extrapola os limites do mero consentimento, pois equivale a uma verdadeira unidade de desígnio, na qual cada qual expresse ao outro: “Autorizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa chama-se REPÚBLICA,45 em latim CIVITAS. É esta a geração daquele grande Leviatã (...). É nele que consiste a essência da república...”46 Nesse passo, cumpre refletir sobre o conceito de Estado, tal como formulado por Hobbes:47 42 STRECK, Lênio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 5 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 46. 43 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de uma República Eclesiástica e Civil. Ibidem, p.113. 44 Ibidem, p. 115. 45 Segundo nota do tradutor, a expressão original usada pelo autor é commonwealth. Embora tenha ele usado civitas como “Estado” e “República”, a preferência por esta pode ser extraída do texto. 46 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de uma República Eclesiástica e Civil. Ibidem, p. 147. 47 Ibidem, p. 148. 22 “uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por todos como autora, de modo que ela pode usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comuns.” Não obstante as críticas à teoria de Hobbes, em decorrência do seu emprego como substrato ideológico para o modelo de Estado absolutista48, no qual o limite ao poder do soberano no cumprimento do seu mister é tão-somente a preservação da vida, – exposta a risco no estado de natureza –, é possível inferir do seu pensamento um esboço, ainda que bastante precário, de uma das idéias que norteiam esta pesquisa: de que o Estado não tem um fim em si mesmo, sendo verdadeira criação destinada à manutenção da vida em sociedade e, portanto, o seu atuar deve estar sempre dirigido ao bem da coletividade49. Não se olvida aqui que a incondicional transferência de poderes defendida por Hobbes justificou diversos equívocos perpetrados pelos governantes.50 Todavia, ao menos em tese, a principal razão do governante deveria ter como fim garantir a paz e o bem comum; em última análise, a preservação dos indivíduos em comunidade, já que, segundo ele, um mau governo era melhor do que o estado de natureza, caracterizado pela guerra de todos contra todos, como registrado anteriormente. Ainda no campo do pensamento contratualista, impõe-se trazer à baila o pensamento de John Locke, para quem o estado de natureza não estava marcado pela guerra de todos contra todos. 48 Em verdade, segundo Locke, o estado pré- Segundo Danilo Marcondes, Hobbes não pregava o exato conceito de monarquia absolutista, baseada nas teorias tradicionais do direito divino dos reis, e sim que o poder somente seria eficaz se exercido de forma absoluta. “Este poder absoluto resulta, no entanto, da transferência dos direitos dos indivíduos ao soberano, e é em nome desse contrato que deve ser exercido, e não para a realização da vontade pessoal do soberano”. MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. 10 ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, p.198. Em sintonia com a assertiva ora exposta, pode ser destacado da obra de Thomas Hobbes o seguinte registro: “Em todas as repúblicas o legislador é unicamente o soberano, seja este um homem, como numa monarquia, ou uma assembléia, como numa democracia ou numa aristocracia. Porque o legislador é aquele que faz a lei, e apenas a república prescreve e ordena a observância daquelas regras a que chamamos leis. Portanto a república é o único legislador.” HOBBES, Thomas. Ibidem, p. 226. 49 Aqui entendido a partir do pensamento anteriormente exposto do Papa João XXIII. 50 Este é o pensamento apresentado por Paulo Bonavides ao afirmar que a obra de Hobbes constitui “o mais engenhoso tratado de justificação dos poderes extremos, servidos de uma lógica perversa, em que a segurança sacrifica a liberdade e a lei aliena a justiça, contanto que a conservação social de que é fiador o monarca seja mantida a qualquer preço.” Vide referido autor in: Teoria do Estado. Ibidem, p. 36. 23 político e social surge com um grau de racionalidade, podendo afirmar-se que há uma dose de compreensão entre os indivíduos e parcela de consciência acerca de limite ao comportamento humano. Entretanto, o pacto social se faz necessário para solução dos possíveis conflitos.51 Extrai-se de sua obra “Dois Tratados sobre o Governo”, a idéia de que cada indivíduo, ao consentir com os demais para a formação de um ente político sob um governo, impõe-se a obrigação de se submeter a este governo, na qualidade de expressão da maioria, sob pena de se retornar ao estado de natureza.52 Insta consignar que, no dizer do referido autor, o contrato social traz consigo o reconhecimento de direitos que se apresentam como limites para a constituição do estado social e político. A partir da premissa de Locke, constata-se que o Estado, como decorrência do pacto social, sob a ótica jurídica, nasce circunscrito aos limites impostos pelos direitos pré-existentes no estado de natureza.53 Como afirmou textualmente o referido pensador,54 “Sendo todos os homens, como já foi dito, naturalmente livres, iguais e independentes, ninguém pode ser privado dessa condição nem colocado sob o poder político de outrem sem o seu próprio consentimento. A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestir-se dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens em juntar-se e unir-se em uma comunidade, para viverem confortável, segura e pacificamente uns com os outros, num gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte” Destarte, a natureza instrumental do Estado é reconhecida no pensamento de Locke, uma vez que despido de fim em si mesmo. Diferentemente 51 “Através dele, os indivíduos dão seu consentimento unânime para a entrada no estado civil e, posteriormente, para a formação do governo quando então, se assume o princípio da maioria”.STRECK, Lênio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Ibidem, p.33. O princípio da Maioria será objeto de cotejo frente ao direito fundamental da probidade assegurado pela Lei Maior, em momento oportuno. 52 LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo. Trad. Julio Fischer. São Paulo, Martins Fontes, 2005, p.470. 53 “Os direitos naturais são, por conseguinte, limites à ação do estado, cuja validade independe de terem sido reconhecidos em textos juridico-positivos. Por conta disso, as normas de direito positivo, com eles contrastantes, são consideradas inválidas”. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa. Um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 25. 54 LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo. Ibidem, p.468. 24 de Hobbes, o primeiro, ao publicar a sua obra-prima, em 1690, introduziu a idéia de que o Estado, por ele representado como o estado civil, deve estabelecer leis que assegurem o exercício dos direitos antecedentes à sua criação. “O estabelecimento da lei civil, do juízo imparcial e da força comum tem um papel de reforço dos direitos naturais não alienados através do contrato social.”55 Em verdade, pode-se afirmar que, ao contrário de Hobbes, visto como um dos patronos intelectuais do modelo de poder absolutista, Locke é reconhecido na doutrina como um dos pensadores de base do Estado liberal - que surge, desde a origem, circunscrito à observância dos direitos fundamentais imanentes56 - e defensor do controle do governo pelos cidadãos, como corolário da premissa de que o consentimento legitimador do exercício do poder pressupõe a observância dos ditos direitos fundamentais que lhe antecedem. No estado de natureza57, visto a partir do ideário lockeano – grande inspirador das Declarações de Direitos do Homem – os homens nascem iguais e é exatamente esta idéia de igualdade que dá fundamento ao reconhecimento dos direitos de liberdade (direitos negativos a serem respeitados pelo Estado e pelos demais indivíduos), identificados como direitos do homem, posteriormente, alargados em direção aos direitos sociais, hoje qualificados como direitos difusos. 55 STRECK, Lênio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Ibidem. p.34-35. 56 À época, com alcance ainda limitado, restritos à vida e a propriedade. 57 “A hipótese do estado de natureza – enquanto estado pré-estatal e, em alguns escritos, até mesmo pré-social – era uma tentativa de justificar racionalmente, ou de racionalizar, determinadas exigências que se iam ampliando cada vez mais; num primeiro momento, durante as guerras de religião, surgiu a exigência da liberdade de consciência contra toda a forma de imposição de uma crença (imposição freqüentemente seguida de sanções não só espirituais, mas também temporais); e, num segundo momento, na época que vai da Revolução Inglesa à Norte Americana e à Francesa, houve demanda de liberdades civis contra toda a forma de despotismo. O estado de natureza era uma mera ficção doutrinária, que devia servir para justificar, como direitos inerentes à própria natureza do homem (e, como tais, invioláveis por parte dos detentores do poder público, inalienáveis pelos seus próprios titulares e imprescritíveis por mais longa que fosse a duração de sua violação ou alienação), exigências de liberdade provenientes dos que lutavam contra o dogmatismo das Igrejas e contra o autoritarismo dos Estados.” BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 68-69. 25 Com efeito, encontra-se em Locke a idéia, ainda que embrionária, do direito de controle da atividade pública,58 vale dizer, da possibilidade de fiscalização do respeito ao dever de probidade por parte dos agentes públicos e políticos. Igualmente enquadrado como teórico do contratualismo, Jean-Jacques Rousseau entende o estado de natureza como registro hipotético, no qual o homem nasce livre e degenera ao longo da história, cabendo ao contrato a função de limitação do próprio homem, como condição de lhe restituir a liberdade, através da consciência de todos, na qual se vê inserido o sentimento de justiça. Nessa linha de pensamento, o direito, corporificado pelo contrato social, substitui o atuar marcado pelo instinto. A legitimidade do poder do Estado, de acordo com Rousseau, deriva da vontade geral, viabilizada através do contrato social, que, como referido, decorre da livre associação de seres humanos inteligentes que cedem parcela da liberdade individual, conscientes do cerceamento que esta representa, com o escopo de assegurar a todos os integrantes desta sociedade, cuja finalidade é o bem comum, a garantia de uma liberdade decorrente do pensamento racional, caracterizado pela defesa do interesse coletivo. Pode-se inferir que cada qual, unindo-se a todos, obedece a si mesmo e permanece livre.59 Em Rousseau, a renúncia à liberdade total resulta em favor da coletividade, cabendo ao Estado o uso do poder para implementação desta vontade geral, que não se confunde com o somatório das vontades individuais, pois alcança o bem comum. “Como se pode observar, a defesa do bem comum sufoca as possibilidades individuais do cidadão”.60 O Estado, portanto, deve materializar a vontade geral, expressão do desejo coletivo de convivência em harmonia. 58 Destarte, atribui-se, através da Aqui empregada em sentido amplo, englobando todas as atividades desenvolvidas pelos agentes públicos e políticos. 59 "Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unido-se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social.” ROUSSEAU. Jean-Jacques. O Contrato Social e outros escritos. Trad. Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 30. 60 STRECK, Lênio, Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Ibidem, p.38. 26 vontade geral, conteúdo de moralidade no agir do Estado (a vontade geral faz com que os cidadãos passem a pertencer a um corpo moral coletivo, chamado de Estado), entendendo-se a obediência como concretização da liberdade e a soberania como sinônima da “ação do povo que dita a vontade geral, cuja expressão é a lei”.61 “O soberano, portanto, continua a ser o conjunto das pessoas associadas, mesmo depois de criado o Estado, sendo a soberania inalienável e indivisível.”62 Assim definido o conceito, a enunciação do contrato social, nos moldes da idealização de Rousseau, constitui a semente de um Estado Democrático, na medida em que o poder pertence à coletividade e não mais a um monarca ou a uma oligarquia.63 Dentro da linha de pensamento de Rousseau, a soberania desloca-se do monarca para as mãos do povo, dando início ao princípio da soberania popular, hoje largamente difundido e expressamente adotado pela Constituição da República de 1988. Igualmente, encontra-se a presença das idéias difundidas por Rousseau como base do pensamento democrático64 e no reconhecimento da existência de interesses da coletividade – difusos – que nem sempre coincidem com os interesses individuais e que necessitam, portanto, de uma releitura em que a tutela desses direitos seja o paradigma, face à sua evidente relevância.65 Nesse diapasão, tem pertinência nos tempos atuais o alerta formulado por José Eduardo Faria,66 ao examinar a estrutura do Poder Judiciário, concluindo que ainda prevalece o modelo voltado, primordialmente, para solução das disputas 61 Ibidem, p.38. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Ibidem, p.17. 63 STRECK, Lênio, Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Ibidem, p.38. 64 Embora ainda de alcance limitado, porquanto restrito à idéia de democracia formal, vale dizer, o governo do povo, consubstanciado no princípio da maioria, posteriormente alargado para se incluir o sentido substancial, qual seja, “o governo para o povo”.BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. vol. II, Ibidem, p. 328. 65 Com efeito, não se pretende o abandono dos direitos individuais assegurados na Constituição da República de 1988. Apenas, pretende-se chamar a atenção para a necessidade de reposicionamento do Poder Judiciário de forma a estar aparelhado para o deslinde de demandas destinadas à proteção dos interesses que pertencem à coletividade (real interesse público). 66 FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Série Monografias do Centro de Estudos Judiciários, nº 3. Brasília, Conselho da Justiça Federal, 1995, p. 14. 62 27 interindividuais, a partir da idéia de que “a parte precede o todo; ou seja, de que os direitos do indivíduo estão acima dos direitos da comunidade.” Conquanto se reconheça expressivo avanço com o conteúdo das balizas traçadas por Rousseau, sinônimo da prevalência do princípio da maioria, impõe-se o seu questionamento frente à necessidade de garantia do núcleo irrestrito dos direitos fundamentais, a ser mais à frente examinado neste estudo. No mesmo sentido, Kant67 assinala que o ato pelo qual um povo se constitui num Estado é o contrato original, que lhe confere legitimidade. Nos termos do contrato original, todos os indivíduos renunciam (povo, na qualidade de elemento do Estado) à liberdade externa para reassumi-la, em seguida, como partícipes da coisa pública; ou seja, de um povo que passa a fazer parte de um ente intitulado de Estado. Em verdade, não se está diante do sacrifício de uma parte da liberdade externa em prol de uma finalidade, mas da renúncia à liberdade irracional, decorrente do impulso e desprovida de lei, para usufruir da liberdade, que não está reduzida à dependência às leis, uma vez que esta dependência surge da própria vontade legisladora.68 Tendo-se analisado a origem do Estado, sob o enfoque das teorias contratualistas, passa-se a um breve exame acerca dos modelos identificados de Estado, partindo-se do Estado absolutista até o Estado Democrático de Direito, locus da análise a ser enfrentada no tocante à probidade como direito fundamental. Como assinalado, a primeira forma de Estado Moderno, o Estado absolutista, nasceu da idéia de concentração de todos os poderes nas mãos do monarca, em razão da qual se notabilizou a célebre frase “L’ Etat c’ este moi”. 67 Acrescentou ainda o referido pensador, que não se pode dizer: “o ser humano num Estado sacrificou uma parte de sua liberdade externa inata a favor de um fim, mas, ao contrário, que ele renunciou inteiramente à sua liberdade selvagem e sem lei para se ver com sua liberdade toda não reduzida numa dependência à leis, ou seja,numa condição jurídica, uma vez que essa dependência surge de sua própria vontade legisladora. KANT. Immanuel. A Metafísica dos Costumes. A Doutrina do Direito e a Doutrina da Virtude. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, p. 158. 68 Segundo Bobbio, encontra-se na teoria de Kant a conclusão da primeira fase da história dos direitos do homem, compreendidos como direitos de liberdade (direitos negativos). A Era dos Direitos. Ibidem, p. 68. 28 O modelo absolutista teve papel de fundamental importância para assegurar a unidade territorial dos reinos e o monopólio dos serviços essenciais, que deveriam ser prestados de forma centralizada, em substituição aos diversos núcleos de poder dos senhores feudais. Como bem assinalam Lênio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais69, o Estado Absolutista caracterizou-se pela mudança do modelo de dominação carismática para o de dominação legal-racional. A doutrina em uníssono tem esclarecido que o Estado, forma moderna de exercício e organização do Poder político, encontra no Direito instrumento e limite para as suas atuações. Fala-se, in casu, de dualismo, embrião do conceito de Estado de Direito, como instituição jurídico-política. A relação de tensão e dialética é o pressuposto básico do modelo de organização do poder político denominado Estado de Direito, cujos pilares são racionalidade, secularização e governo pelo direito (legalidade), todos situados no marco histórico-sociológico da Modernidade. A racionalidade decorre da possibilidade do conhecimento a ser produzido pelo homem; a secularização, por sua vez, está representada pela separação do poder entre o Estado e a Igreja, segundo a idéia de humanidade, ao passo que o governo pelo direito significa que há regras pré-estabelecidas para a realização dos objetivos pactuados pela comunidade. A partir das idéias de muitos pensadores, entre os quais merecem destaque Locke, Rousseau, Montesquieu70, inaugurou-se nova fase no Estado Moderno, marcado, primordialmente, pela implantação de um modelo de organização política, com diversa fundamentação para a legitimação do exercício do poder, que resultou no nascimento da democracia representativa.71 Historicamente, 69 STRECK, Lênio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Ibidem, p.46 70 Não se pode desconsiderar a contribuição da obra “Enciclopédia” de Diderot e D’Alembert, segundo registra Paulo Bonavides. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6 ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 40. 71 “A concepção moderna de representação popular advém da Revolução Francesa. Sieyès, defensor da democracia representativa, afirmava: ‘a nação é uma associação de homens que vivem sob uma lei comum e cuja posição é representada por uma e a mesma assembléia legislativa; a legislação 29 registra-se esse movimento transformador com as Revoluções Gloriosa (1688), Americana (1776) e Francesa (1789). A nova forma de gestão política, denominada de Estado Liberal, abeberou-se da idéia do contrato social como alicerce da luta pela elaboração de uma Constituição. Nasceu, assim, o Estado Constitucional.72 A primeira modalidade de Estado Constitucional73 iniciou a sua construção ao redor da noção de povo,74 titular do poder e respaldado na legislação.75 Este novo ente funcionou como embrião do percurso que se vem trilhando para a concretização do regime democrático participativo, construído sob o fundamento de respeito aos direitos fundamentais, dentre os quais o de se exigir a probidade dos agentes estatais. À luz do parâmetro constitucional,76 o Estado liberal evoluiu concretamente para o que se define como Estado mínimo; isto é, não intervencionista. Caracteriza-se pela limitação do poder monárquico e pelo concomitante crescimento das liberdades individuais civis e religiosas. Foi nesse período que veio a lume a idéia de sufrágio, embora ainda restrito a determinada parcela dos cidadãos, posteriormente estendido ao estágio universal, como se vê nos dias atuais. Em síntese, identifica-se o Estado Liberal pela idéia de separação de Poderes e pela disciplina de relações entre Estado e sociedade, entre o público e o privado, cabendo ao primeiro a preocupação com a segurança, sem que tal mister atua pela vontade geral representativamente formada;”. FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 125. 72 Conquanto a primeira Constituição tenha sido a Americana, o seu surgimento se dá concomitantemente com o nascimento do Estado Americano, portanto com fundamento distinto das revoluções vivenciadas pela Europa ocidental, destinadas à transformação do modelo estatal. 73 Ora inaugurado através de Constituições decorrentes de Assembléias Constituintes, ora a partir de textos constitucionais outorgados. 74 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado, ibidem, p. 38. 75 Acerca do tema, registra Luigi Ferrajoli que: “É assim que a transformação do Estado absoluto em Estado de direito ocorre simultaneamente à transformação do súdito em cidadão, isto é, em um sujeito titular de direitos não mais exclusivamente ‘naturais’ mas ‘constitucionais’ em relação ao Estado, que se torna, por sua vez, vinculado àquele. O denominado contrato social, uma vez traduzido em pacto constitucional, não é mais uma hipótese filosófico-política, mas um conjunto de normas positivas que obrigam entre si o Estado e o cidadão, tornando-os dois sujeitos de soberania reciprocamente limitada. Vide referido autor, in: Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 793. 76 Inicialmente sem o alcance que hoje se lhe empresta. 30 acarrete a intervenção nas relações contratuais estabelecidas entre particulares. Com isso, pode-se afirmar que a formalização de um documento acerca dos limites do poder político foi de grande relevância para a garantia dos direitos fundamentais,77 ainda restritos ao plano das liberdades individuais, bem como para o início da fixação dos contornos das atividades estatais. Como esclareceu Norberto Bobbio,78 “por ‘liberalismo’ entende-se uma determinada concepção de Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de social”. Não se pode ignorar que, não obstante o clássico conceito do Estado liberal acima delineado, o papel do Estado – de liberdade negativa, circunscrito à manutenção da paz e da segurança – aos poucos, adquiriu novo alcance, no sentido de que a idéia de liberdade do cidadão não poderia ficar restrita a um papel meramente absenteísta, reclamando, também, atuação positiva visando a assegurar o efetivo gozo dos direitos de liberdade nos planos da religião, da economia, do pensamento, de associação e de participação no poder político.79 Desta forma, alargou-se o papel do Estado, sendo-lhe atribuída a missão de criar condições mínimas para que os indivíduos, de fato, tenham acesso aos direitos de liberdade, os quais não se restringem ao plano formal. Teve início, então, a ampliação do espectro de atenção, que evoluiu do plano estritamente individual para o social. A despeito da mudança evidenciada, a prática desenvolvida no âmbito das relações sociais, econômicas e políticas do Estado Liberal agravou a enorme desigualdade social, fazendo com que, no início do século XX, o Estado passasse de absenteísta a intervencionista, em decorrência das reivindicações das parcelas excluídas economicamente, assumindo tarefas que eram antes próprias do mercado. No mesmo sentido, ressalta Daniel Sarmento que, diante ”(...) da desigualdade 77 STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Ibidem, p. 59. 78 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6 ed., Brasiliense: São Paulo, 1995, p.7 79 STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência Política e Teoria Geral do Estado, ibidem, p. 62 31 existente no campo das relações privadas, o Poder Público abandona a sua posição de absenteísmo, e passa a nela intervir, no afã de proteger as partes mais débeis”.80 Nascia, assim, o Estado do Bem-Estar Social, também chamado de Estado Providência81 ou Welfare state, responsável pela liderança e implementação de políticas orientadas para o interesse coletivo, principiado com as Constituições Mexicana (1917) e de Weimar (1919).82 Como é compreensível, diante das diferenças culturais, ideológicas e econômicas entre países, o modelo constitucional do Welfare State não alcançou caráter universal, nem homogêneo; ao contrário, na prática, verificam-se diferentes níveis de concretização de seu ideário, adaptando-se a situações diversas. A despeito disso, como ressaltou Lênio Luiz Streck 83 “(...), é correto pretender que há um caráter que lhe dá unidade, a intervenção do Estado e a promoção de serviços.” Nesse contexto, identifica-se um atuar do Estado visando à promover melhores condições de vida ao indivíduo. Como ressaltou Norberto Bobbio:84 “O Estado do bem-estar (Welfare State), ou Estado assistencial, pode ser definido, à primeira análise, como Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo o cidadão, não como caridade, mas como direito político”. Também é muito oportuno ressaltar que a história do Estado Social de Direito está associada, especialmente, à luta social da classe operária. Compreende-se o fato, pois o Estado Social – como campo fecundo para a emergência dos direitos sociais, culturais e econômicos – abriu espaço à substituição do paradigma de percepção do Homem apenas no plano individual e 80 SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos vs. Interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Daniel Sarmento (org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 40. 81 STRECK, Lênio Luiz. A Necessária Constitucionalização do Direito: o óbvio a ser desvelado.In: Revista Direito Santa Cruz do Sul, nº 9/10, p. 53, jan./dez. 1998. 82 Idem, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 56 83 STRECK, Lenio Luis, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica.p. 56. 84 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmem C. Varriale et AL. 13 ed., Brasília: Editora UNB, 2007, p. 416. 32 abstrato, passando a considerá-lo também de forma real, vale dizer, a partir das suas necessidades concretas para uma existência digna, inclusive no âmbito da coletividade.85 Com a evolução da sociedade e de suas demandas e exigências, as premissas do Estado Social, dirigidas ao bem-estar coletivo, já não são admitidas como suficientes para suprir as aspirações da sociedade, agora voltada para a transformação do status quo. Nesse contexto sócio-histórico e ideológico, conquista relevo o conceito de Estado Democrático de Direito, no qual “ao mesmo tempo em que se tem a permanência em voga da já tradicional questão social, há como que a sua qualificação pela questão da igualdade.”86 O reconhecimento do Estado Democrático de Direito, em verdade, traz à tona a necessidade de limitações ao exercício do Poder pelo Estado, cujo significado, sob a ótica das limitações materiais, identifica-se com o modo de concretização dos direitos fundamentais. Examinado a partir das limitações formais, representa o controle dos poderes constituídos, a ser implementado através do postulado da separação dos poderes.87 No dizer de J.J. Gomes Canotilho,88, a idéia de Estado Democrático de Direito é “como uma ordem de domínio legitimada pelo povo”. A junção do direito e do poder dentro do Estado Constitucional importa em exercício do poder, que pertence ao povo, através de uma ordem estabelecida a partir de parâmetros democráticos, com destaque para a igualdade. Conforme lição do citado pensador lusitano89, fazendo referência a E. W. Böckenförde, “o princípio da soberania popular é, pois, uma das traves mestras do Estado constitucional. O poder político deriva do “poder dos cidadãos”. 85 LYRA, Bruna. “Os Direitos Metaindividuais Analisados sob a Ótica dos Direitos Fundamentais.” LEITE, Carlos Henrique Bezerra (coord.). In: Direitos Metaindividuais. São Paulo: LTr, 2005, p. 26. 86 STRECK, Lênio Luiz, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Ibidem, p. 57. 87 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. “Improbidade Legislativa”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al. (org.). Improbidade Administrativa: 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 416. 88 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed.,Coimbra: Almedina, 2003, p. 98. 89 Ibidem, p. 98. 33 Vê-se, destarte, o Estado Democrático de Direito como aprimoramento do Welfare State, no qual o centro de gravidade radica na democracia participativa, com primazia à res publica,90 e observância dos direitos fundamentais. Nesse sentido, o Estado Democrático de Direito extrapola a abrangência de concretização dos aspectos materiais para se garantir uma vida digna – sem descuidar um só minuto do aspecto social – o que requer a efetiva integração do cidadão na efetividade das conquistas sociais, através de diversos instrumentos assegurados pelo ordenamento jurídico, inclusive com a possibilidade de controle do rumo que lhe é dado. Aliás, cabe o alerta formulado por Paulo Bonavides,91 in verbis: “não importa a qualificação ou o adjetivo que se lhe acrescente – Liberal, Democrático ou Social. Se não garantir nem concretizar a liberdade, se não limitar o poder dos governantes, se não fizer da moralidade administrativa artigo de fé e fé pública, ou princípio de governo, se não elevar os direitos fundamentais ao patamar de conquista inviolável da cidadania, não será Estado de Direito.” Mais do que qualquer outro modelo, em razão do projeto de participação do cidadão, a legitimidade do Estado constituído em bases democráticas exige reconhecimento popular92 dos valores e das aspirações que emanam do povo, real detentor do poder. Vê-se, assim, o Estado Democrático de Direito com a missão de ultrapassar o modelo do Estado Liberal de Direito e, ainda, a formulação do Estado Social de Direito, “impondo à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico de transformação da realidade”.93 90 Não como patrimônio do ente Estatal e sim como patrimônio do povo. BONAVIDES, Paulo, Ibidem, p. 43. 92 Nesse sentido, CALAZANS, Paulo Murillo. “Participação e Deliberação Democrática: acomodando diferenças e superando as dificuldades de efetivação dos princípios fundamentais.” In: Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. MAIA, Antônio Cavalcanti et al. (org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 548. 93 STRECK, Lênio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria do Estado. Ibidem, p.99. 91 34 Percebe-se, portanto, que a introdução do conceito de democracia teve a finalidade de conferir legitimação ao poder político que agora já se situava dentro de balizas constitucionais. Nesse sentido, Rogério Gesta Leal ressalta que o Estado Democrático de Direito no Brasil reclama a adoção de instrumentos que viabilizem “(...) o surgimento de uma ordem pública fundada na representação plural dos interesses e na garantia dos direitos fundamentais”.94 Em abono, Gregório Assagra Almeida95 atribui ênfase a essa garantia instrumental, ao afirmar que “(...) o direito processual coletivo é concebido como instrumento de proteção e de efetivação do Estado Democrático de Direito Brasileiro”. Dentro desse processo coletivo, está a Ação de Improbidade administrativa, como garantia da defesa da probidade. ´ 94 LEAL, Rogério Gesta. Direitos Humanos no Brasil. Desafios à Democracia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 143. 95 ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. XXIX. 35 CAPÍTULO 2 O MODELO REPUBLICANO E A PROBIDADE A empreitada de definir traços teóricos essenciais da República como forma de governo não constitui, evidentemente, tarefa original96. Nem se pretende, ao caminhar em terreno consideravelmente explorado por pensadores de escol, introduzir novas miradas no que concerne aos aspectos teóricos que são essenciais ao conceito sob exame, ainda que não se tenha como deixar de, mesmo fazendo referência ao muito do que já foi dito, abordar o assunto para dele extrair fundamentos relevantes para o presente trabalho. Destarte, pretende-se recolher, na doutrina e no pensamento que através dos séculos delinearam o modelo republicano e lhe agregaram os valores essenciais, os elementos que permitam inferir que a postulação da existência de um direito fundamental à observância da probidade por parte dos agentes estatais se coaduna inteiramente com as assim chamadas virtudes republicanas, tidas como parte integrante do edifício conceitual, usualmente designado como modelo republicano. Retomando a questão concernente à busca dos traços fundamentais da República, segundo Nicola Matteucci, 97 o sentido geral mais persistente ao longo da história é derivado da dupla conjunção feita por Cícero (103-46 a.c.), orador romano para quem a República se constrói em torno da articulação conseqüente das idéias de “utilidade comum” (communis utilitatis) e “consenso do direito” (iuris consensu). 96 A propósito da busca de elementos essências da República, confira-se, dentre outros que se lançaram à tarefa: Edwin T Haefele, “What constitutes the American Republic?”, in Stephen L. Elkin/Karol E. Soltan, A new Constitutionalism”, 1993, p. 207, apud CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 223. 97 MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Política. Ibidem, p. 1108-1109. 36 A passagem em que Cícero98, após mencionar o perigo de desagregação advindo da ausência de concórdia entre governantes e governados, introduz o binômio referido como sustentáculo da República está assim redigida: “A unidade do povo (...) a do Senado, são coisas possíveis, e sua ausência acarreta todos os perigos. Pois bem: vemos que a dupla concórdia não existe, e sabemos que ao restabelecê-la teríamos mais sabedoria e mais felicidade (...) É pois (...) a República coisa do povo, considerando tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamento no conhecimento jurídico e na utilidade comum.” O “consenso do direito” cumpre, no ideário de Cícero, absorvido e desenvolvido no âmbito da história das idéias políticas, a função de indicar o papel do direito para que a res publica não se esboroe pela violência e, sobretudo, pelo arbítrio, noção retomada em Kant99, ao localizar na constituição (constitutio) a idéia reguladora da razão prática, necessária para que se estabeleça um estado de direito, entre uma multiplicidade de homens, em relação recíproca na República.100 Soa de todo pertinente a observação de Nicola Matteucci101 quando ressalta que, ao construir sua noção de República a partir do consenso e da utilidade comum, Cícero acabaria por promover uma sensível inovação em relação ao modo como a questão era tratada pelos gregos. Assim, se os gregos erigiam seu modelo a partir da contraposição entre monarquia e república, isto é, a partir da contraposição entre o governo de um homem só ou de vários, Cícero agrega à concepção romana outra clivagem, mais coerente com a dicotomia justiça x injustiça, expressa na idéia do iuris consensu. Tais idéias encontram, na modernidade, a Constituição, definida como idéia-força de um “consenso de direito”, emanado de uma constituinte livre e soberana, ungida pela legitimidade, derivada da vontade popular. 98 Extraído do Livro Primeiro, parágrafo XIX a XXV. CICERO, Marco Tulio. Da República. Trad. Amador Cisneiros. São Paulo: Escala, 2001, p. 29-30 99 KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. A Doutrina do Direito e a Doutrina da Virtude. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, p.153-154 (§ 43). 100 LAFER, Celso. “O significado de República”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: FGV, n.º 4, v. 2, 1989, p. 214-224. 101 MATTEUCCI, Nicola. República. Dicionário de Política”. Ibidem, p.1108. 37 Por seu turno, o elemento “communis utilitatis”, também mencionado por Cícero, evoca a “virtude republicana” como fator de coesão e de estabilidade da res publica, assim entendida como a virtude política e cívica, assentada no sentimento de respeito às leis e devoção do indivíduo à coletividade, o que, na sensata advertência de Celso Lafer102, pressupõe um populus frugal e incorruptível. Este aspecto da “communis utilitatis” de que fala Cícero, entendido como a virtude cívica e política essencial à estabilidade da República, foi, mais tarde, revisitado por Montesquieu. De fato, segundo a aguda observação de Paulo Bonavides103, no pensamento de Montesquieu a virtude é princípio do qual emana a ordem republicana, apresentando-se bem explícita como “virtude moral dirigida para o bem público (...), como sentimento de civismo (...) como sujeição do interesse privado ao interesse social.” Evidenciadas as bases teóricas em que se estruturou inicialmente o modelo republicano, cumpre registrar os caracteres que atualmente individualizam tal modelo, dando-lhe as feições essenciais. Ao elencar os fatores que dão densificação à forma republicana de governo, J. J. Gomes Canotilho104 propõe a conjugação dos seguintes aspectos: a) dimensão antimonárquica, radical incompatibilidade entre o governo republicano e o princípio monárquico, fundamentado em privilégios hereditários e títulos nobiliárquicos; b) existência de uma estrutura político-organizatória no âmbito da qual se verifique um arranjo de competências e funções dos órgãos políticos visando à existência de um sistema de balanceamento de freios e contrapesos; c) existência de um “catálogo de liberdades”, em que se articulem as liberdades inerentes aos direitos de participação política e aos direitos de defesa individuais; d) legitimação do poder político, baseada no povo, auto-determinado e articulado com o “governo de leis”, o que sobrepuja o “governo dos homens”; e) existência de princípios ordenadores do acesso às funções públicas, com base em critérios de eletividade, 102 LAFER, CELSO. “O significado de República”. Ibidem, p. 214-224. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. Ibidem, p. 259. 104 CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 229 103 38 pluralidade e temporariedade, em oposição a critérios, tais como designação, hierarquia e vitaliciedade, estranhos a este modelo. Adotando-se abordagem menos analítica, hodiernamente são aceitas como características essências do modelo republicano a representatividade, decorrente da eleição, a transitoriedade, ínsita na aceitação de que os mandatos são exercidos por tempo certo e, a que mais interessa ao presente estudo, a responsabilidade dos representantes. As três características acima enunciadas são geralmente evocadas em contraposição àquelas próprias do regime monárquico, a saber, respectivamente, hereditariedade, vitaliciedade e irresponsabilidade, distinção esta que se encontra bastante esmaecida desde que, como rememora Celso Lafer105, as monarquias européias se constitucionalizaram e se parlamentarizaram. Portanto, mais do que evocar aquelas três características descritas linhas acima (representatividade, transitoriedade e responsabilidade) em busca de uma pura e simples contraposição com características historicamente associadas ao regime monárquico, o que se pretende aqui é encontrar, na essência daqueles elementos que estão na origem e constituem o modelo republicano, o cerne do direito que têm os cidadãos de exigir de seus governantes um atuar probo. Buscando definição capaz de articular tais elementos, Geraldo 106 Ataliba , autor de obra de referência nesta seara, propõe a república como o regime “em que os exercentes de funções políticas (executivas ou legislativas) representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com responsabilidade, eletivamente e mediante mandatos renováveis periodicamente”. Anote-se que, no que concerne ao aspecto da representatividade, ou da eletividade, o modelo republicano não se compadece com qualquer título de legitimação metafísico, de sorte que o acesso aos cargos executivos e legislativos investidos no poder de tomar as decisões políticas essenciais só se sustenta quando aquela representação é alcançada de acordo com critérios previamente aceitos, 105 106 LAFER, Celso. “O significado de República”. Ibidem, p.214-224. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 13. 39 expressando a vontade popular, isto é, quando a investidura dos representantes reflete a deliberação democrática de cidadãos livres e iguais. Conforme bem rememora J.J. Gomes Canotilho107, a rejeição de legitimação metafísica “abrange não apenas as tradicionais justificações de domínio de caráter dinástico-hereditário (...) ou divino-dinástico, mas também as experiências modernas de ‘condução dos povos’ assentes na ‘vontade do chefe’ (Führerprinzip) ou na ‘vontade de deus’ (fundamentalismo)”. Da mesma forma que a representatividade se mostra estruturada em bases nas quais o acesso aos cargos e funções públicos pressupõe critérios previamente definidos e legitimados pela vontade popular, o exercício do poder afeto a tais cargos também se mostra limitado pela mesma força motriz que, na origem, se revela legitimadora da investidura. Por outro ângulo, se é certo que somente a vontade popular legitima o acesso dos representantes aos cargos e funções públicas, é igualmente admissível que, por força de insuperável injunção lógica, o exercício do poder inerente a tais cargos seja inexoravelmente pautado pela idéia de que a República constitui organização política a serviço daquele mesmo povo, e não dos interesses e negócios privados dos agentes públicos de um modo geral. Debruçando-se sobre os 108 Portuguesa, J. J. Gomes Canotilho aspectos constitutivos da República traz a lume observações que podem perfeitamente aplicar-se ao ordenamento jurídico pátrio, conforme se depreende do conteúdo da seguinte passagem: “A República Portuguesa incorpora aquilo que sempre se considerou um princípio republicano por excelência: a concepção de função pública e cargos públicos estritamente vinculados à prossecução dos interesses públicos (...) e do bem comum (res publica) e radicalmente diferenciados dos assuntos ou negócios privados dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes dos poderes públicos (res privata). Por isso se estabelecem inelegibilidades (...), se consagram 107 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed., Coimbra: Almedina,2003, p. 224 108 CANOTILHO, J.J. Gomes. Ibidem, p. 224. 40 incompatibilidades (...) e se prescreve a responsabilidade criminal, civil e disciplinar dos titulares de cargos políticos”. Não há qualquer elemento que permita questionar a aplicabilidade da lição acima destacada ao ordenamento jurídico pátrio, no âmbito no qual se encontram, também em sede constitucional, regras de inelegibilidade (art. 14, § 9º, CR/88) e de responsabilização do agente público (art. 37, § 4º, CR/88), tal como as acima evocadas em relação à Constituição Portuguesa, para sustentar a radical vinculação –alçada pelo ilustre pensador português à condição de “princípio Republicano por excelência” – dos representantes do povo à defesa e consecução dos interesses públicos. Com efeito, na República, os poderes atribuídos aos representantes do povo estão escorados inteiramente na idéia de função, que atua como vetor determinante, tanto das origens da investidura, quanto do modo e dos limites como será exercido o poder, perpassando todas as fases daquilo que poderia ser denominado como um processo de investidura e exercício do poder, aqui já assentada a convicção de que o direito à participação política não pode ficar insulado no puro e simples direito de escolha, sem que a ele se agregue o direito de fiscalizar e pretender a responsabilização dos comportamentos desviantes. Considerando-se, portanto, que a República não constitui fim em si mesmo e que a organização política, nesse modelo, está a serviço do homem, o acesso e exercício do poder estão condicionados à função de promover a satisfação do bem comum, de tal maneira que o crivo da legitimação deve estar presente, tanto no momento da investidura dos agentes públicos (representatividade), quanto no exercício mesmo do controle da atuação desses agentes (responsabilidade), o que pressupõe admitir que a “participação política” tida como essencial ao republicanismo só é verdadeira e completa se admitirmos que, ao “direito de escolha” dos representantes, esteja associado o não menos relevante direito de pretender sua responsabilização quando seu comportamento é desviante daquele vetor inicial e que perpassa todas as fases do processo, a saber, a consecução do interesse público. 41 Destarte, a representatividade está indissociavelmente conectada à responsabilidade do governante. O modelo republicano fracassaria por completo se, a par da investidura dos representantes com base na vontade popular, não estivessem eles jungidos ao dever (contraposto ao direito dos cidadãos de exigir um atuar probo) de comportamento compatível com a busca do bem comum e satisfação dos interesses sociais que, em última análise, constituem, desde Cícero, um dos pilares em que se assenta esta forma de organização política. Por isso mesmo, é da essência da República, e constitui fator indispensável à sua estabilidade, que os governados possam exigir de seus representantes um atuar probo, consentâneo com as virtudes que inspiram o modelo em questão. No governo republicano, o exercício do poder, aqui entendido como maior grau de discricionariedade para a tomada de decisões, deve ser entendido como prerrogativa própria do cargo ou função a ser exercida em prol da coletividade, visto que não se coaduna com o conceito de República a realização de atos visando ao interesse próprio, ou de alguns poucos escolhidos. 42 PARTE II A NATUREZA, O CONTEÚDO E O CONCEITO DA PROBIDADE Apresentadas as balizas do Estado Democrático de Direito – sem a pretensão de exaurir o tema, evidentemente complexo – é importante assinalar que todas as atividades dos agentes estatais e governamentais, em suas diferentes dimensões, devem ser pautadas pelo princípio da probidade.109 A análise do dever de probidade e, a fortiori, do alcance da Lei de Improbidade Administrativa, demanda reconhecer como consectário da própria democracia e do modelo republicano110 o fato de que a representatividade popular esteja atrelada à efetiva possibilidade de responsabilização dos agentes, para quem, repita-se, a probidade representa imperativo constitucional, indispensável à concretização do bem da coletividade. A proposição que se pretende demonstrar, segundo a qual o dever de probidade por parte dos agentes do Estado constitui direito fundamental encontra fecundo habitat no Estado Democrático de Direito, razão pela qual se faz mais do que recomendável o seu exame sob o enfoque do regime democrático, mormente a democracia representativa. A esse respeito, não restam dúvidas sobre a ligação umbilical entre a imperiosa necessidade de observância do dever de probidade na condução dos atos públicos e a implementação dos direitos sociais – objeto de intensas discussões que se espraiam para além dos limites do campo do Direito – corolário do princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, em sua expressão coletiva, portanto um dos fundamentos da construção do Estado Democrático de Direito. 109 Segundo Marcelo Figueiredo, “(...)o Estado é moral somente quando cumpre suas ‘tarefas’ e objetivos de probidade administrativa e social (...)”. Vide referido autor in: Teoria Geral do Estado. 2 ed, São Paulo: Atlas, 2007, p.159. 110 A forma de governo republicana pressupõe a representatividade popular, a temporariedade dessa representação e a responsabilidade política do mandatário e dos demais agentes do Estado. 43 CAPÍTULO 3 NATUREZA: A PROBIDADE COMO DIREITO DIFUSO Nesta parte do estudo, pretende-se buscar fundamentos legais e doutrinários que auxiliam no enfrentamento da natureza do direito à probidade, correspondente ao dever de probidade dos agentes públicos e políticos. A partir da premissa que o atuar dos agentes estatais dirige-se à promoção do bem comum e de que o Estado Democrático de Direito e o regime republicano pressupõem participação popular e amplo controle da res publica, enquadra-se o direito à probidade, titularizado por toda a sociedade, como direito fundamental difuso.111 Inicialmente, não obstante a crítica no sentido de que as substanciais pretensões metaindividuais, comuns a toda coletividade, não podem ser qualificadas como direitos uma vez que não se adaptam ao tradicional conceito de direito subjetivo,112 e devem, portanto, ser identificadas como interesses, comunga-se do entendimento esposado por Kazuo Watanabe113 e Elton Venturi,114 para quem a 111 “Art. 81... Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; 112 ALVIM Arruda et al. Código do Consumidor Comentado, 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 364. 113 “a necessidade de estar o direito subjetivo sempre referido a um titular determinado ou ao menos determinável, impediu por muito tempo que os ‘interesses’ pertinentes, a um tempo, a toda uma coletividade e a cada um dos membros dessa mesma coletividade, como, por exemplo, os ‘interesses’ relacionados ao meio ambiente, à saúde, à educação, à qualidade de vida etc., pudessem ser havidos por juridicamente protegíveis. Era a estreiteza da concepção tradicional do direito subjetivo, marcada profundamente pelo liberalismo individualista, que obstava a essa tutela jurídica. Com o tempo, a distinção doutrinária entre ‘interesses simples’ e ‘interesses legítimos’ permitiu um pequeno avanço, com a outorga de tutela jurídica a estes últimos. Hoje, com a concepção mais larga do direito subjetivo, abrangente também do que outrora se tinha como mero ‘interesse’ na ótica individualista então predominante, ampliou-se o espectro de tutela jurídica e jurisdicional.” WATANABE, Kazuo et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 8 ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.800-801. 114 “O legislador, certamente alertado sobre o possível reducionismo que poderia recair sobre a utilização da expressão “interesses” ao invés de “direitos”, optou por uma solução conciliatória que acabou prestigiando a ambas, tornando-as equivalentes para fins de tutela jurisdicional.” VENTURI, 44 distinção conceitual entre interesse e direito decorre de uma ótica estritamente “liberal-individualista”, esclarecendo os autores que os interesses assumem o mesmo status dos direitos quando recebem do ordenamento jurídico, como se dá no Brasil, idêntico tratamento jurídico. Portanto, é despicienda qualquer diferenciação. Aliás, como ressalta Aluísio Gonçalves de Castro Mendes,115 a igualdade de tratamento conferido pelo legislador afasta eventual tentativa de restrição da “dimensão de abrangência dos novos institutos.” O não-enquadramento dos ditos “interesses” transindividuais como direitos116 coloca em xeque, no atual sistema, a própria “legitimação do sistema jurídico nacional”.117 Assim, para além da ausência de proveito concreto na distinção entre interesse e direito, o direito transindividual – e aqui se inclui a observância do dever de probidade por todo agente estatal, ou simplesmente, o direito à probidade – passou a ser caracterizado como “direito subjetivo pertencente a todos: todos têm direito”118; vale dizer, direito subjetivo difuso. A partir do alargamento da teoria dos direitos do homem, iniciada após o término da guerra119, deu-se início à teoria dos direitos sociais do homem, marcada pelo reconhecimento – juntamente com os direitos de liberdades negativas (v.g. de religião, expressão, imprensa) – dos direitos sociais e políticos. Elton. Processo Civil Coletivo.A tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. Perspectivas de um Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 47. 115 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. Ações Coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 201. 116 “... o reconhecimento e a proteção dos direitos subjetivos constituem condição essencial de legitimidade de todo e qualquer sistema jurídico. O Direito é feito e existe para o homem individualmente e socialmente considerado; feito não é, nem existe, como um fim em si artificialmente concebido, que ao ser humano se deve ou possa impor, contrariando-lhe os destinos que de sua natureza decorrem e Deus lhe deu. Da pessoa singularmente e socialmente considerada se há de partir para se elaborar a norma e não da norma, erigida como dogma, para se alcançar a pessoa”. RÀO. Vicente. O Direito e a vida dos direitos. Vol. II, São Paulo: Max Limonad, 1958, p. 95. 117 VENTURI, Elton. Ibidem, p. 49. 118 Eis o pensamento traduzido por Luciana Tessler, ao defender a caracterização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito subjetivo pertencente a todos. Mutatis mutandi,o direito à probidade pode ser incluído na mesma categoria. TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente: tutela inibitória, tutela de remoção, tutela de ressarcimento na forma específica. Coleção: Temas atuais de Processo Civil, vol. 9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.51-53. 119 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 62-63. 45 A teorização dos direitos sociais é decorrente da necessidade de tutela de interesses “superindividuais”120 que, segundo Mauro Cappelletti,121 resultam do mesmo fenômeno de massificação, a ser examinado sob as perspectivas econômica e social. Em idêntica sintonia, Rodolfo de Camargo Mancuso122 reconhece no advento da Revolução Industrial e no peso do novo perfil massificador, assumido, à época, pela sociedade, na qual os valores individuais deixaram de ser a única referência, as causas provocadoras do surgimento dos interesses difusos. Tratou-se de conquista relevante, já que a idéia de coletividade começou a ganhar força e, em conseqüência, constatou-se a existência de diversos interesses idênticos, pulverizados de forma indeterminada e identificados pelo alto grau de “atomização”123, sem descurar dos aspectos individuais de cada ser humano. Cabe reiterar que a relativização da ideologia individualista, própria do Estado Liberal, com a passagem para o modelo do Welfare state, ou Estado assistencial, propiciou o reconhecimento, num primeiro momento, dos ditos direitos 120 Expressão usada por José Carlos Barbosa Moreira na obra “A legitimação para a defesa dos Interesses Difusos no Direito Brasileiro”. In: Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, nº 276, out/dez 1981, p. 1-6. 121 “Do ponto de vista econômico – olhemos a economia da sociedade industrial – tipicamente a produção é uma produção de massa, não mais uma produção artesanal. Comércio de massa: consumo, tipicamente, de massa. Vivemos, marcadamente, em uma economia cuja preocupação, trabalho, comércio, consumo se caracterizam por esse aspecto massivo. A empresa, industrial ou comercial, e toda e qualquer empresa econômica, é, cada vez mais, vasta, a tal ponto que, hoje, um típico aspecto de nosso mundo é o das empresas multinacionais. O problema social reflete o mesmo fenômeno. Intervenção global do Estado na economia, em direção ao Estado de welfare, o Estado promocional, que impõe, inquire, consulta – intervenções de todo o tipo. Seja o Estado de welfare, seja o Estado do assim chamado socialismo real. Isso significa que o ato de uma pessoa ou de uma empresa, de um grupo, envolve efeitos, produz efeitos que atingem uma quantidade enorme de pessoas e de categorias.” CAPPELLETTI, Mauro. “Tutela dos Interesses Difusos”. Ajuris. Porto Alegre, Ajuris, nº 33, mar/1985, p. 169-182. 122 “O primeiro passo para a ‘revelação’ desses interesses difusos deu-se com o advento da Revolução Industrial e a conseqüente constatação de que os valores tradicionais, individualistas, do século XIX, não sobreviveriam muito tempo, sufocados ao peso de uma sociedade de ‘massa’(...). Nessa sociedade de ‘massa’, não há lugar para o homem enquanto indivíduo isolado; ele é tragado pela roda-viva dos grandes grupos de que se compõe a sociedade: não há mais a preocupação com as situações jurídicas individuais, o respeito ao indivíduo enquanto tal, mas, ao contrario, indivíduos são agrupados em grandes classes ou categorias, e como tais, normatizados (...). Paralelamente à Revolução Industrial e à massificação da sociedade, também o sindicalismo contribuiu pra fazer aflorar essa ‘ordem coletiva’: os conflitos não mais se dão entre empregados e patrão, mas coletivamente, isto é, integrantes da força-trabalho na categoria ‘X’ versus integrantes da força-capital na categoria ‘patronal’ correspondente”. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: Conceito e Legitimação para agir. 5 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 81-82. 123 CAPPELLETTI, Mauro. “Tutela dos Interesses Difusos”. In: Ajuris, Porto Alegre: Ajuris, nº 33, mar/1985, p. 169-182. 46 metaindividuais como verdadeiros direitos subjetivos, tornando vigorosa a viabilidade de sua tutela judicial. Por oportuno, é pertinente o registro do pensamento de Maria Hilda Marsiaj Pinto, para quem é de grande valia, em razão da similitude, a aplicação das noções de direitos absolutos,124 nomeadamente direitos da personalidade e direitos reais, à compreensão das relações difusas.125 Explica a referida autora, a partir das lições de Hans Kelsen, que soaria incoerente negar a existência de relações jurídicas difusas, quando direitos e deveres respectivos são previstos pelo ordenamento”,126 como se dá no tocante à probidade dos agentes públicos lato sensu.127 Traz-se, à baila, em complemento, o quadro elaborado por Maria Hilda Marsiaj Pinto,128 a partir da comparação das relações difusas com as relações jurídicas adjetivadas de absolutas, in verbis: “a) no pólo ativo, encontra-se o Estado,129 como personalização dos interesses da comunidade (interesse primário); 124 “Na noção de direitos absolutos – ao lado dos direitos reais e de personalidade – insere o direito da comunidade, como se depreende da seguinte passagem: ‘Quando a conduta devida de um indivíduo se não refere a um outro indivíduo concretamente determinado, mas apenas é prescrita para ter lugar em face da comunidade enquanto tal, fala-se, por vezes, na verdade, de um direito da comunidade, especialmente do Estado, a esta conduta do indivíduo obrigado.” PINTO, Maria Hilda Marsiaj. Ação Civil Pública Fundamentos da Legitimidade Ativa do Ministério Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 37-39. 125 Esta relação jurídica da qual trata a autora não se confunde com o entendimento de que inexiste, nos direitos difusos, vínculo jurídico direto entre os titulares, entendimento, aliás, por ela expressado. Ibidem, p. 33. No mesmo sentido, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes esclarece que não há a presença de relação jurídica entre as pessoas, existindo apenas ligação “por meras circunstâncias de fato” Vide referido autor in: Ações Coletivas no direito comparado e nacional. Ibidem, p. 210 e 219. 126 PINTO, Maria Hilda Marsiaj. Ação Civil Pública Fundamentos da Legitimidade Ativa do Ministério Público.Ibidem, p. 39. 127 Segundo Alcides Alberto Munhoz da Cunha, (...)”os co-titulares dos interesses difusos não possuem vínculos jurídicos formais com a parte contrária (com aquele ou aqueles que estão lesando ou ameaçando de lesão os interesses que se quer preservar). Vide referido autor, “A Evolução das Ações Coletivas no Brasil”. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 77, jan/mar 1985, p. 224-235. 128 PINTO, Maria Hilda Marsiaj. Ação Civil Pública Fundamentos da Legitimidade Ativa do Ministério Público.Ibidem, p. 39. 129 Por certo, o Estado aqui não se confunde com a pessoa jurídica de direito público e sim com a idéia de povo, como elemento que o integra, participa da sua vontade e do exercício do poder soberano. Eis a lição de Jorge Miranda: “: “o conceito de povo compreende, na verdade, duas faces ou dois sentidos: um sentido subjetivo e um sentido objectivo, ou, se quiser, activo e passivo. O povo vem a ser, simultaneamente, sujeito e objecto do poder, princípio activo e princípio passivo na 47 b) no lado passivo, podemos ter duas situações: (b.1) sujeito passivo total, englobando todos os membros da sociedade e o próprio Estado (aqui na condição de agente-administrador/interesse secundário) e (b.2) sujeito passivo determinado; c) o dever correspondente ao direito pode ter por conteúdo: (c.1) uma abstenção de todos (ou obrigação de não-fazer; ex: não poluir os rios); (c.2) uma obrigação de fazer (ex: obrigação do Estado de prestar assistência médica à população); d) tal com nas relações jurídicas absolutas, nas relações jurídicas difusas que encerram dever negativo geral, a relativização do sujeito passivo (pessoalização) ocorre no momento do descumprimento (ou 130 ameaça de descumprimento).” A herança ideológica liberal individualista acarretou resistências, que constituem obstáculo a avanços mais significativos no reconhecimento dos direitos difusos, como espécie de direitos fundamentais, de forma a inaugurar nova etapa na sua evolução. Não obstante a recalcitrância, a nova ótica já se mostra presente, inclusive para aqueles que não comungam dessa idéia. Em verdade, os direitos fundamentais constituem realidade estabelecida e, como tal, merece ser enfrentada. É exatamente sob a ótica acima que se vislumbra o direito à observância do princípio da probidade por parte de todos os agentes estatais como verdadeiro direito fundamental difuso.131 Antes, porém, da análise do enquadramento sugerido, recomendam-se algumas considerações. No Brasil, mesmo antes da entrada em vigor da Lei da Ação de Improbidade, a defesa da probidade, como direito difuso, podia ser manejada pela Ação Popular e ainda com a imputação referente ao crime de responsabilidade, com as suas particularidades, conforme se descreverá a seguir. dinâmica estatal”. MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.182. 130 A Ação de Improbidade Administrativa é um dos instrumentos previstos pelo ordenamento jurídico de proteção do direito difuso à probidade quando se dá o seu descumprimento, individualizando-se o sujeito passivo da relação difusa. 131 O enquadramento ora anunciado será examinado no item seguinte. 48 Segundo se pode extrair das diversas obras referentes à conceituação dos direitos transindividuais,132 133 e, in casu, particularmente dos direitos difusos,134 identificam-se três características necessárias ao seu reconhecimento, a saber:135 a) a indeterminação dos titulares do direito. Parece evidente que o direito a uma administração proba não pertence “(...) a uma pessoa isolada, nem a um grupo nitidamente delimitado de pessoas (ao contrário do que se dá em situações clássicas como a do condomínio ou a da pluralidade de credores numa única obrigação), mas a uma série indeterminada – e, ao menos para efeitos práticos, de difícil ou impossível determinação –, cujos membros não se ligam necessariamente 136 por vínculo jurídico definido”; b) a indivisibilidade do objeto.137 Aqui também é possível perceber-se, com certa clareza, que a probidade administrativa é um bem indivisível, “(...) no 132 Segundo Hugo Nigro Mazzilli, “Com o fito de melhor identificar a natureza de interesses transindividuais ou de grupos, devemos, pois, atentar para estas questões: a) o dano provocou lesões divisíveis, individualmente variáveis e quantificáveis? Se sim, estaremos diante de interesses individuais homogêneos; b) o grupo lesado é indeterminado e o proveito reparatório, em decorrência das lesões é indivisível? Se sim, estaremos diante de interesses difusos; c) o proveito pretendido em decorrência das lesões é indivisível, mas o grupo é determinável, e o que une o grupo é apenas uma relação jurídica básica comum? Se sim, então estaremos diante de interesses coletivos.” Vide referido autor in: A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 13 ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 52-53. 133 Segundo José Carlos Barbosa Moreira, deve-se ao direito anglo-saxônico a inspiração para “(...)adoção, embora com forma peculiar, do tratamento coletivo para pleitos atinentes a interesses difusos, coletivos propriamente ditos e mesmo individuais, sob determinadas condições e dentro de certos limites” Vide referido autor in: “O Futuro da Justiça: Alguns Mitos”. In: Temas de Direito Processual (oitava série). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 8. 134 Segundo Aluisio Gonçalves de Castro Mendes há nos direitos difusos indeterminabilidade dos titulares ou, ao menos, “que seja difícil ou irrazoável” a identificação, além da indivisibilidade do interesse ou direito. Vide referido autor in: Ações Coletivas no direito comparado e nacional. Ibidem, p.210 e 219. Para Kazuo Watanabe, os direitos difusos caracterizam-se pela “indeterminação dos titulares” e pela ausência de “relação jurídica base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico,” no plano objetivo. Vide referido autor, in: Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do Anteprojeto.Ibidem p. 801. 135 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, Ibidem, p. 537. 136 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “A legitimação para a defesa dos Interesses Difusos no Direito Brasileiro”. In: Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, nº 276, out/dez 1981, p. 1-6. 137 “No Brasil, o caráter essencialmente coletivo de uma demanda está relacionado com a indivisibilidade do objeto, situação esta que, se constatada, implicará no tratamento unitário, ou seja, não comportando soluções diversas...”. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no direito comparado e nacional. Ibidem, p. 211. 49 sentido de insuscetível de divisão (mesmo ideal) em ‘quotas’ atribuíveis individualmente a cada qual dos interessados”138; c) o espraiamento das lesões. “Os efeitos danosos das lesões ao interesses difusos apresentam-se amplos e não circunscritos, num fenômeno de propagação altamente centrífuga”139; O direito difuso está calcado em dois alicerces: proteção à dignidade da pessoa humana, coletivamente compreendida e igualdade de oportunidade na participação da formulação de políticas públicas coletivas do Estado, como forma de organização social imanente ao Estado Democrático de Direito. A espécie de direito difuso objeto deste estudo, o direito à probidade, visa a tutelar o patrimônio público, em consonância com os critérios supramencionados.140 138 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Ibidem. Ainda, segundo o referido autor, “Não se trata de uma justa posição de litígios menores, que se reúnem para formar um litígio maior. Não. “Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988”. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 61, Jan/mar, p. 187-200. 139 BASTOS, Celso. “A tutela dos Interesses Difusos no Direito Constitucional Brasileiro”. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 23, jul/set 1981, p. 36-44. 140 Segundo Bruna Lyra, o direito social, “Quando relacionado à sociedade civil refere-se à idéia de bem comum e proteção da coisa pública LYRA, Bruna. Os Direitos Metaindividuais Analisados sob a Ótica dos Direitos Fundamentais. LEITE, Carlos Henrique Bezerra (coord.). In: Direitos Metaindividuais. São Paulo: LTr, 2005, p. 32. 50 CAPÍTULO 4 O PATRIMÔNIO PÚBLICO TUTELADO PELO PRINCÍPIO DA PROBIDADE Na qualidade de direito difuso141 142 a probidade tem como objeto a tutela do patrimônio público, compreendido não mais como pertencente exclusivamente às entidades estatais,143 autárquicas e paraestatais, mas a toda a sociedade. Caracterizar o direito à probidade como espécie de direito difuso autoriza a aplicação não apenas da Lei de Improbidade, mas também das normas próprias da legislação que compõe o “microssistema” destinado à proteção dos direitos difusos, ainda que subsidiariamente. Neste rol, podem ser incluídas a Ação Civil Pública, a Ação Popular, o Código do Consumidor e, por óbvio, o Código de Processo Civil. Desde logo, espanca-se possível confusão que possa ser feita equiparando-se os conceitos de patrimônio público e erário. Em verdade, as expressões patrimônio público e erário estão vinculadas, no campo jurídico, numa relação de continente e conteúdo, de tal sorte que a idéia de erário restringe-se ao aspecto pecuniário do patrimônio público.144 O termo patrimônio público, objeto de preocupação do constituinte originário, ao dele cuidar em diversas normas, ainda que indiretamente, abarca o 141 Marino Pazzaglini Filho, Marcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Junior sustentam que a proteção da probidade é um direito difuso, reconhecido pela Constituição de 1988, no artigo 129, inciso III. PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias; FAZZIO JUNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa – Aspectos jurídicos da Defesa do Patrimônio público. São Paulo: Atlas, 1998, p. 145. José Antonio Lisboa Neiva enquadra a tutela da probidade como interesse difuso. Vide referido autor in: Improbidade Administrativa: estudos sobre a demanda na ação de conhecimento e cautelar. 2 ed., Niterói: Impetus, 2006, p. 30 e 125. No mesmo sentido, Wallace Paiva Martins Junior afirma que “a proteção jurídica brasileira dos direitos e interesses metaindividuais abrange a tutela da moralidade e da probidade administrativas.”. Vide referido autor in: Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p.93. 142 Igualmente, o Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, reconheceu a probidade como direito difuso, no REsp. nº 510150-MA, Relator Min. LUIZ FUX, julgado em 17/02/2004, DJ 29/03/2004. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10/04/2008. 143 Aqui incluídas as pessoas jurídicas que compõem a Administração Pública indireta. 144 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública Em Defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores - Lei 7.347 e legislação complementar. 7 ed.,São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 60. Na mesma linha são as palavras de Marino Pazzaglini Filho, Marcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Junior. Ibidem, p. 67. 51 conjunto de bens145 e direitos146 de valor econômico, artístico, estético, histórico, turístico, inclusive o componente moral,147 na medida em que este aspecto da administração pública lato sensu (aqui incluídos todos os órgãos dos Poderes do Estado) constitui valor da coletividade, destinatária de sua existência e funcionamento. Insta ainda considerar que as obrigações prestacionais impostas ao Estado pela Constituição, como direitos sociais assegurados aos indivíduos,148 também devem ser incluídas no conceito de patrimônio público da sociedade.149 Não bastassem as considerações supracitadas, deflui da própria leitura da Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa – a conclusão de que o patrimônio público, objeto da proteção do princípio da probidade, abarca valores imateriais, concretizados pelos postulados orientadores do atuar dos agentes estatais, insculpidos no artigo 37, caput, da Carta Magna,150 imanentes ao princípio republicano e ao Estado Democrático de Direito. 145 Nos termos da definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “Bens públicos são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias designadas pela base estrutural que possuem), bem como os que, embora pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um serviço público”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25 ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 897. 146 Os direitos correspondem ao acervo que o Poder Público detém sobre créditos, ações, posses, etc. 147 Neste sentido, merece destaque a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 170.768-2-SP, assim ementado: “Ação Popular. Abertura de Conta Corrente em Nome de Particular para Movimentar Recursos Públicos. Patrimônio Material do Poder Público. Moralidade Administrativa. Art. 5º, inc. LXXIII, da Constituição Federal. O entendimento sufragado pelo acórdão recorrido é no sentido de que, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública, dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico (...). Recurso não conhecido” (1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 26/3/1999, DJ 13/8/1999). Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 10/04/2008. 148 Como podem ser vistos no artigo 6º da Constituição de 1988. 149 “Aqui, é ideal relembrar dos contornos do patrimônio mínimo com previsão expressa na Constituição Federal, consoante seu art. 6º, até porque referido cânone tem por objetivo indicar os direitos sociais que são obrigatórios ao Estado (liberdade positiva) a favor da pessoa, destacando-se entre eles o direito sanitário, previdenciário, educacional, cultural e de moradia. (...) Daí que a esse acervo, tanto pertencente aos órgãos estatais como à coletividade, dá-se o nome de patrimônio público.” MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do Patrimônio Público. 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 20. 150 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, aos seguinte:” BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 52 Tal assertiva encontra esteio na lição de José Carlos Barbosa Moreira151, ao enunciar o “bom emprego de recursos financeiros de origem pública ou particular” como espécie de direito difuso. Trata-se, aqui, do reconhecimento do princípio da eficiência como direito difuso tutelado constitucionalmente, razão pela qual, deve, de fato e não apenas no plano teórico, ser protegido e controlado. É exatamente a partir da premissa acima que o artigo 21, inciso I,152 da Lei de Improbidade Administrativa dispensa a existência de dano para a imposição das sanções nele previstas, cabendo depreender, por força lógica, que a expressão patrimônio público foi empregada, embora indevidamente, como sinônimo de erário; vale dizer, na acepção materialmente pecuniária.153 Por sua vez, a Lei da Ação Popular – Lei 4.717/65 – no artigo 1º, caput, conceituou patrimônio público como “o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico”154. Além da Ação Popular, a Constituição de 1988, no artigo 129, inciso III155, conferiu legitimidade ao Ministério Público para instauração de inquérito civil e Ação In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 212. 151 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “A legitimação para a defesa dos Interesses Difusos no Direito Brasileiro”. In: Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, nº 276, out/dez 1981, p. 1-6. 152 “Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe: I- da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público.” BRASIL. Lei 8.429, de 02.06.1992. In: NEGRÃO, Theotonio; Gouvêa, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 39 ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1613. 153 Juarez de Freitas expressamente reconhece que o princípio da probidade não pressupõe a ocorrência de dano material, “vendo-o como aquele que veda a violação de qualquer um dos princípios (...)”. Vide referido autor: “Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua Máxima Efetivação” In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Renovar, nº 204, abr/jun/1996, p. 6584. 154 Merece ainda o registro das elucidativas palavras de José Carlos Barbosa Moreira, ao explicitar o alcance da Lei da Ação Popular: “Além disso, cuidou a lei – e o ponto assume especial relevo no presente contexto – de fixar o conceito de patrimônio,com o fito de dilatar a área de atuação do instrumento processual para fora do restrito círculo das lesões meramente pecuniárias. É talvez essa peculiaridade que torna a ação popular mais interessante (com as ressalvas que a seu tempo virão) na perspectiva em que nos situamos aqui, sabido como é que os denominados ‘interesses difusos’ não raro se mostram insuscetíveis de redução a valores monetariamente expressos – característica com a qual se relaciona de maneira direta a insuficiência, a seu respeito, da ‘tutela ressarcitória’”. Vide referido autor in: “A Ação Popular do Direito Brasileiro como Instrumento de Tutela Jurisdicional dos Chamados Interesses Difusos.” In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 28, out/dez/1982, p. 7-19. 155 “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I- (...) III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivo;” BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Ibidem, p. 331. 53 Civil Pública, na defesa do patrimônio público e social, reforçando, por conseqüência, o sistema de proteção judicial do princípio da probidade.156 Sem a preocupação de explicitar o conceito do patrimônio público, objeto a ser protegido pelo princípio da probidade, a Lei n.º 8.429/92 ampliou significativamente o campo de incidência de suas normas, com vistas a proteger o patrimônio público. Inicialmente, ressalta-se, com amparo em Juarez Freitas, que a Lei de Improbidade Administrativa deve ser aplicada à entidade cuja criação ou custeio tenha contado ou conte com valor de origem pública, independentemente do percentual. Esta é a leitura que se coaduna com os princípios insertos na Constituição de 1988, mormente com o artigo 70, parágrafo único.157 Neste diapasão, encontram-se sujeitas à referida lei as entidades que “...recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual...”.158 159 Assim, ainda que limitado o alcance do ressarcimento “à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”, constata-se a possibilidade, inclusive, de responsabilização dos dirigentes de tais entidades de direito privado.160 156 Extrai-se da estruturação da norma em comento a corroboração de que o patrimônio público e social é um dos direitos difusos, expressamente elencado juntamente com o Meio Ambiente, sem prejuízo de outros, a ser tutelado pelo Ministério Público. 157 “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda ou que em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.” In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 257. 158 Vide parágrafo único do artigo 1º, da Lei 8.429/92. BRASIL. Lei 8.429, de 02.06.1992. In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. Ibidem, p. 758. 159 Podem ser citados como exemplos, os serviços sociais autônomos (SENAI, SENAC, SESI, SESC.); organizações sociais sem fins lucrativos, nas atividades estabelecidas na Lei 9.537/98; organizações da sociedade civil de interesse público – OSCIP, sem fim lucrativo, na forma dos requisitos impostos pela Lei 9.790/99. 160 Nessa medida, este dispositivo da Lei de Improbidade representa uma mudança de paradigma no tocante à própria regra do Direito civil que assegura a separação do patrimônio dos bens 54 Não se trata de mera ação visando ao ressarcimento dos valores recebidos do Poder Público, ou da cobrança da importância não despendida em decorrência dos benefícios concedidos, pois, na verdade, a legislação inclui no espectro do conceito de patrimônio público a conduta da entidade que, desviando-se da probidade, deixa de zelar pelo interesse público, identificado como o bem comum desta coletividade, única razão para a cooperação estatal.161 Desta forma, impõe a legislação, uma vez comprovado o ato de improbidade, a aplicação das sanções162 para os integrantes da entidade que a ele deram causa, ou, de alguma forma, concorreram para a sua ocorrência.163 pertencentes aos sujeitos que integram a pessoa jurídica, ainda que sujeita à desconsideração da personalidade (prevista no artigo 28 da Lei 8.078, de 11.09.1990) para fim de reparação, aplicada como exceção. 161 Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu cabível a aplicação das sanções da Lei de Improbidade Administrativa e, portanto, não somente eventual ressarcimento, em face de administradores de hospital privado conveniado ao Sistema Único de Saúde: “ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO ‘AGENTES PÚBLICOS’. HOSPITAL PARTICULAR CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO DELEGADA. 1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2º, da Lei nº 8.429/92: ‘ a Lei Federal n. 8429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no Código Penal (art. 327)’. 2. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verba pública, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa. (...). REsp nº 416.329-RS. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/08/2002, DJ 23/09/2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10/04/2008. 162 A incidência das sanções deve levar em consideração o parágrafo único do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, segundo o qual “na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” Vale dizer, nos termos do princípio da proporcionalidade o Julgador deve verificar as penas que se mostram necessárias à hipótese concreta, não se impondo a aplicação integral das sanções, como se demonstrará mais adiante. 163 “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPROVAÇÃO DO USO DA VERBA PÚBLICA. SANÇÃO CIVIL. JUROS. A Lei 8.429/92 trata de disciplinar os atos que importam em improbidade administrativa e prevê as sanções que não sujeitam somente os agentes públicos, mas também aqueles que não o sendo, sejam responsáveis por tais atos quando praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção ou qualquer benefício do Poder Público (artigo 1º, parágrafo único). A par do ressarcimento integral do dano, medida de cunho punitivo, a proibição de contratar com a administração pública ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios se impõe a todo e qualquer comportamento ímprobo. Emerge como conseqüência lógica da improbidade e impede, ao menos temporariamente, que o agente, com igual conduta, volte a impor prejuízo ao erário. É sanção, certamente, mas com nítida finalidade profilática. Bem dosada, não afronta o princípio da proporcionalidade.Os juros moratórios fluem a contar do evento (art. 962, do Código Civil e Súmula 54, do STJ) Apelo provido. APELAÇÃO CÍVEL Nº 70002021491, VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS. Relator Des. GENARO JOSÉ BARONI BORGES, julgado em 05/09/2001. Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 15/05/2008. 55 Estabelecidas as assertivas esposadas, para compreensão do alcance do conceito de patrimônio público, subscreve-se a precisa lição de Fernando Rodrigues Martins164 transcrita in verbis: “De considerar, ainda, a idéia de que o patrimônio público não pode ser compreendido apenas do ponto de vista material, econômico ou palpável. O patrimônio público espelha todo o tipo de situação em que a Administração Pública estiver envolvida, desde a mais módica prestação de serviço típica até os bens que fazem parte de seu acervo dominial. Com efeito, e como veremos adiante, a própria moral da Administração Pública constitui patrimônio a ser resguardado por todos os membros da sociedade, sob pena da completa submissão dos valores rígidos de honestidade e probidade às práticas vezeiras de corrupção, enriquecimento ilícito, concussão e prevaricação. Tudo isso a gerar desconfiança dos administrados em face dos administradores e, se não, o pior – difundir a ilicitude como meio usual na multifárias relações entre os particulares, já que o mau exemplo dos administradores autorizaria, em tese, o desmantelamento dos critérios de lisura” Sem prejuízo, a fixação do alcance do conceito de patrimônio público no contexto do Estado Democrático de Direito não é o bastante para que se compreenda o direito à probidade, princípio reitor das atividades estatais, correspondente ao dever de observância por parte dos agentes públicos e privados. Em decorrência da margem de abstração trazida pelos princípios e, como tal, a probidade, há que se examinar as balizas necessárias à sua delimitação. A demonstração dos contornos do princípio da probidade é de fundamental importância para orientar não só os aplicadores do direito, mas igualmente o legislador infraconstitucional, de forma a impedir a elaboração de regras que colidam com o conteúdo constitucionalmente assegurado. 164 MARTINS, Fernando Rodrigues, Controle do Patrimônio Público. Ibidem, p. 22. 56 CAPÍTULO 5 A PROBIDADE: CONCEITOS FUNDAMENTAIS Já se impõe, agora, o enfrentamento dos exatos contornos do conteúdo do princípio165 da probidade, conquanto se tenha ciência da inexistência de consenso no plano doutrinário. Desde logo, insta consignar, independentemente do alcance que se possa a ele emprestar, o reconhecimento de sua força vinculante,166 como dever de todos os agentes estatais. Os princípios constitucionais são normas implícitas ou explicitamente insertas na Constituição que expressam valores da coletividade e, com isso, tal como um leme, dão a direção aos atos produzidos pelos poderes integrantes do Estado, concedendo ao ordenamento jurídico o caráter sistêmico, como ressalta Cármen Lúcia Antunes Rocha.167 Consignado em diversos dispositivos da Constituição de 1988168, é inegável o caráter normativo-imperativo do princípio da probidade169. Nesse passo, 165 A ser entendido como uma das formas de manifestação da norma, que se subdivide em “normasprincípios e em normas-regras”, no dizer de Jorge Miranda. Vide referido autor, in: Manual de Direito Constitucional. 6. ed., Tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 263. 166 Nas palavras de Marino Pazzaglini Filho, “Os princípios constitucionais, normas jurídicas hegemônicas em relação às demais regras do ordenamento normativo, de eficácia imediata e plena, são imperativos, vinculantes e coercitivos para a Administração Pública e a Coletividade. Os princípios constitucionais que podem ser expressos ou implícitos, são multifuncionais: (a) constituem o fundamento do regramento jurídico (normogenética);(b) permitem a compreensão global e unitária do texto constitucional, bem como a harmonia na aplicação do Direito (função sistêmica); (c) orientam a elaboração legislativa e a aplicação das normas jurídicas (força orientadora); (d) vinculam o significado e o conteúdo das normas jurídicas (força vinculante); (e) esclarecem o sentido, a dimensão e o conteúdo das normas jurídicas (função interpretativa); (f) suplementam a aplicação do Direito a situações fáticas ainda não particularmente regulamentadas (função supletiva).” Vide referido autor in: Princípios Constitucionais Reguladores da Administração Pública. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.54 167 “A ordem constitucional forma-se, informa-se e conforma-se pelos princípios adotados. São eles que a mantêm em sua dimensão sistêmica, dando-lhe fecundidade e permitindo a sua atualização permanente. É na recriação de seu texto que se permite à Constituição renascer, adequando-se ao sentido do Justo que o povo acolhe em cada momento histórico, legitimando-se pelo movimento incessante, mas sem conduzir à perda da natureza harmoniosa que preside o sistema e que fica assegurada pela integratividade que a observância dos princípios possibilita.” ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p.23. 168 Como será demonstrado no item referente à origem e evolução do princípio da probidade. 57 a atuação do Estado, dirigida à promoção do bem comum, materializa-se através de condutas humanas sujeitas a vicissitudes que demandam, em nome da própria coletividade, efetiva fiscalização, a ser concretizada através de mecanismos seguros que delimitem o campo do “dever ser” dos atos estatais. Nessa ótica, verifica-se significativo avanço da Constituição de 1988 ao elevar à categoria máxima do ordenamento jurídico princípios que conduzem à concreção da finalidade do Estado, já tantas vezes aqui reproduzida, de forma a exigir que o ato esteja em sintonia com os valores que consubstanciam o modelo de Estado adotado pelo Poder Constituinte originário. A partir da constitucionalização dos princípios - orientadores da atuação de todos os agentes estatais –, o princípio da legalidade, outrora visto como cânone, cede espaço para o princípio da juridicidade170, segundo o qual as condutas dos poderes do estado não se limitam à adequação às regras, devendo obediência aos princípios e regras, subsumidos no conceito de Direito. O princípio da juridicidade importa conformação dos atos sob a ótica positiva e negativa, o que equivale a dizer que os agentes públicos e políticos não podem contrariar os valores constantes dos princípios e as determinações impostas pelas regras, como também não podem omitir-se no cumprimento das imposições igualmente extraídas dos referidos princípios e regras171. Trata-se da incorporação da legitimidade e da licitude ao restrito conceito de legalidade.172 Com isso, os atos estatais não mais se restringem à legalidade, como ocorria no Estado Liberal, eis que a superação deste modelo, inicialmente pelo Estado social e, em seguida, pelo Estado Democrático de Direito, inclui outros 169 Paulo Bonavides não vislumbra distinção entre princípios e normas. Estas compreendem as regras e os princípios, igualmente dotados de normatividade. Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19 ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 271. 170 Expressão que, segundo Emerson Garcia, foi cunhada por Merkl, para quem o referido princípio abrange todo os atos normativos do ordenamento jurídico, restringindo-se o princípio da legalidade à lei em sentido estrito. Vide referido autor in: Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 47. 171 Eis a lição de Germana de Oliveira Moraes: “a noção de legalidade reduz-se ao seu sentido estrito de conformidade dos atos com as leis, ou seja, com as regras – normas em sentido estrito. A noção de juridicidade, além de abranger a conformidade dos atos com as regras jurídicas, exige que sua produção (a desses atos) observe – não contrarie – os princípios gerais de Direito previstos explicita ou implicitamente na Constituição” Vide referida autora in: Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 2004, p. 30. 172 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 50. 58 valores constantes da Lei Maior, como os que estão inseridos no já mencionado artigo 37, caput, impostos como norteadores das condutas públicas. Calcados “num sistema de valores para onde convergem, numa síntese axiológica superior, os princípios capitulados no art. 37 da Carta Magna, relativos à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência no desempenho da Pública Administração”,173 conferem densidade ao princípio da probidade, pela necessidade de sua observância simultânea, além de outros insertos, ainda que implicitamente, no ordenamento jurídico, na condição de regentes da atividade estatal. O legislador constituinte de 1988 optou por nomear, de forma cristalina, os principais postulados que devem ser observados pelos agentes públicos e políticos, integrantes de todos os poderes da União, do Estado e do Município, através do já referido artigo 37, caput. Em decorrência da condição de imperativos dirigidos a todos os agentes estatais, o descumprimento dos princípios e regras a eles dirigidos configura, ao menos em tese, violação ao dever de probidade. Descurar-se de alguns dos postulados enumerados na referida norma é, em verdade, desatender ao fim único do Estado, qual seja, a promoção do bem da coletividade. Adotando-se o raciocínio exposto por Emerson Garcia,174 conquanto a legislação não estabeleça hierarquia entre os princípios insertos no artigo 37, caput, da Constituição Federal, vislumbra-se nos princípios da legalidade e da moralidade os principais pilares à sustentação da probidade administrativa, assumindo os demais, em decorrência da especificidade, atuação complementar. Rogério José Bento Soares Nascimento175, em artigo publicado acerca da improbidade legislativa, conceituou probidade como gênero do qual a moralidade e a eficiência são partes integrantes. 173 Palavras de Paulo Bonavides apostas no prefácio da obra Controle Jurisdicional da Administração Pública. 2 ed., São Paulo: Dialética, 2004, de Germana de Oliveira Moraes. 174 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 49. 175 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. “Improbidade Legislativa”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al. (org.). Improbidade Administrativa: 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 420. . 59 Abraçando lógica distinta, Diogo de Figueiredo Moreira Neto,176 compreende a improbidade como espécie de imoralidade administrativa qualificada. Com esse enfoque, a probidade estaria contida no conceito de moralidade administrativa, já que, conforme palavras do doutrinador mencionado, improbidade administrativa é “(...) uma imoralidade que se caracteriza pela existência de dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a terceiro a quem pretendeu favorecer.”177 A despeito dos argumentos do autor acima, a própria Lei de Improbidade Administrativa, em seu artigo 21, inciso I, já citado anteriormente, estabelece que a aplicação das sanções independe da efetiva ocorrência de dano. Aliás, o conceito legal de improbidade sequer está vinculado à idéia de dano, conforme se vê nos artigos 9º e 11 da Lei de Improbidade.178 Não bastasse a clareza da regra, a inclusão dos princípios reitores da atuação dos poderes do Estado, dentre os quais a moralidade, no caput do artigo 37, da Constituição Federal de 1988, cuja inobservância configura ato de improbidade administrativa, previsto no § 4º do mesmo artigo, somado à explicitação do artigo 11 deste estatuto legal, para quem a simples inobservância dos princípios caracteriza ato de improbidade, reforça o entendimento de que a probidade abarca os demais princípios norteadores da atuação do Estado. Eis o caminho que se adota para descerrar o conteúdo da improbidade: a probidade é o gênero na qual estão contidos os demais princípios, especialmente aqueles pontificados no artigo 37, caput, da Lei Maior que, analisados em conjunto, 176 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Ibidem, p. 95. No mesmo sentido, Marcelo Figueiredo compreende a probidade como espécie do gênero moralidade administrativa, enunciando que “a probidade é, portanto, corolário do princípio da moralidade administrativa. FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa. Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar. 5 ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 41-42. 177 Nesse diapasão, Juarez Freitas registra que “a violação do princípio da moralidade pode e deve ser considerada, em si mesma, apta para caracterizar a ofensa ao subprincípio da probidade administrativa (...). Vide referido autor in: “Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua Máxima Efetivação”. Ibidem. Igualmente, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp. nº 510150-MA, já anteriormente citado, conceituou a probidade administrativa como consectário da moralidade administrativa. 178 “Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei (...)”; “Art. 11. constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (...). 60 corporificam o princípio da juridicidade, anteriormente anunciado.179 Posta a questão, é recomendável, a fortiori, a compreensão dos ditos princípios insertos na norma acima apontada. Inicia-se com o princípio da legalidade, reconhecendo-o como um dos pilares do Estado Democrático de Direito que, no entanto, como já anunciado, a ele não se restringe. Com o intuito de refrear os excessos do poder do soberano, que atuava em prejuízo dos integrantes da sociedade, instituíram-se algumas regras, verdadeiros marcos na história do princípio da legalidade, a saber: Magna Carta Inglesa (1215), Petition of Rights 1628), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (1689) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).180 Ditos diplomas elevaram o princípio da legalidade à categoria de postulado de garantia dos direitos fundamentais do homem, resguardando-os das arbitrariedades. Inicialmente, o princípio da legalidade era visto como instrumento de proteção voltado tão-somente para o plano individual. Coube à Constituição Francesa de 1791 assegurar, formalmente, o princípio da legalidade ao dispor, em seu artigo 3º que “não há na França autoridade superior à da Lei.” Com a modernidade, inaugurou-se, destarte, o movimento de 179 Não obstante a premissa fixada, não se pode deixar de registrar que, segundo José Antonio Lisbôa Neiva, a norma constante do artigo 2º, inciso IV, da Lei 9.784, de 29/02/1999, autorizaria concluir que a probidade é “elemento integrativo da conceituação de moralidade administrativa.” Vide referido autor in: Improbidade Administrativa. estudo sobre a demanda na ação de conhecimento e cautelar. Ibidem, p.9. Celso Antônio Bandeira de Mello, por seu turno, apresenta o conteúdo do referido inciso como um princípio que merece realce ao lado dos demais apostos no caput do artigo. Vide referido autor in: Curso de Direito Administrativo. Ibidem, p. 505. Eis o citado artigo: “Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I - atuação conforme a lei e o Direito; II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei; III objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades; IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé (...);” BRASIL. Lei 9.784, de 29.02.99. In: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil e Comentado e Legislação Extravagante. 7 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 1410. Não comungamos do entendimento esposado pelo referido autor, na medida em que a inserção da probidade como critério constante do parágrafo único não indica ser ela elemento integrativo da moralidade, quando há, no caput, outros princípios listados ao lado deste último. A ser adotada a conclusão do citado autor, poderia ser afirmado que a probidade é também elemento integrativo da eficiência ou dos demais princípios. 180 Posteriormente incorporadas à Constituição Francesa de 1791. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Ibidem, p. 210. 61 afirmação do princípio da legalidade, diretamente ligado à origem e evolução do Estado de Direito e, como ressaltado, um dos pilares da Modernidade (governo exercido através de regras pré-estabelecidas). O princípio da legalidade constitui, sob a ótica do exercício do poder, segundo Norberto Bobbio, o governo “mediante leis”, identificado através das características de generalidade e abstração.181 Antonio Manuel de Pena Freire182, apoiado em Zagrebelsky, afirma que a generalidade reduz o perigo de expressão injusta do Direito, já que não visa ao benefício ou discriminação de determinado grupo, atendo-se ao corolário do princípio da igualdade. Entretanto, a igualdade deve ser considerada em sua vertente material, eis que no Estado de Direito (aqui incluída a noção de Estado Democrático de Direito) a vinculação à igualdade não veda os tratamentos diferenciados, os quais podem ser necessários, em determinadas situações. Na verdade, proíbem-se arbitrariedades ou qualquer tipo de discriminação, em respeito a fundamentos constitucionais. A abstração, por sua vez, tem como finalidade afastar a regulamentação de encomenda; ou seja, procura beneficiar situações concretas e específicas. Tratase da generalidade no tempo, pois destinada a valer indefinidamente, conforme esclarece Antonio Manuel de Pena Freire,183 mais uma vez com respaldo em Zagrebelsky. Aos requisitos da abstração e da generalidade há ainda que se acrescer a legitimidade, consistente na derivação da vontade geral, que reclama o cumprimento finalístico, consubstanciado pela promoção do bem comum. A legitimidade pressupõe o reconhecimento e respeito a valores e aspirações da coletividade, não se admitindo manifestação arbitrária do legislador.184 Com isso, afasta-se a 181 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. 10 ed., Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, p. 170. 182 FREIRE, Antonio Manuel Pena. La Garantia en el Estado Constitucional de derecho. Madrid: Editorial Trotta. 1997, p. 49. 183 Ibidem, p.49. 184 Acertadas são as palavras de Juarez Freitas ao estabelecer que a legitimidade “(conformação com a tábua axiológica da Constituição) pressupõe a observância dos limites finalísticos estatuídos pelo vinculante novo papel do Estado, em termos de respeito ao direito fundamental à boa administração”. Vide referido autor in: Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração 62 possibilidade de respaldar o estado autoritário no âmbito do Estado de Direito, conquanto seja ele exercido a partir de leis gerais e abstratas.185 Embora no que concerne à tipificação dos atos de improbidade decorrentes da violação do princípio da legalidade predomine a interpretação restritiva,186 o agente estatal somente pode agir em conformidade187 com a norma jurídica, enquanto emanação da vontade popular; em outros termos, secundum legem.188 Note-se, pois, que o respaldo ao ato estatal não se limita à inexistência de vedação legal, havendo necessidade de autorização/imposição conferida por norma jurídica válida, à qual o agente está adstrito,189 devendo atuar em busca do interesse coletivo.190 Diferentemente, como ressaltou Hans Kelsen,191 em se tratando de conduta do particular, seu atuar não está adstrito à prévia autorização legal, limitando-se tão-somente à inexistência de proibição no ordenamento. Pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p.18. Impõe-se registrar que o conceito de boa administração será analisado junto com o princípio da eficiência. 185 FREIRE, Antonio Manuel Pena. La Garantia en el Estado Constitucional de derecho. Ibidem, p. 50. 186 Emerson Garcia sustenta que o princípio da legalidade “não deve ser estendido a ponto de alcançar todo e qualquer ato que imponha determinado comportamento ao Poder Público, abarcando apenas a lei em sentido material, vale dizer, produto do órgão a quem a Carta Magna conferiu a elaboração normativa mediante requisitos específicos. Com isso, a mera violação a um regulamento (bem entendido, ato produzido no exercício do poder regulamentar conferido, por exemplo, ao Chefe da Administração Pública) não tem o condão, por si só, de se subsumir a um ato de improbidade. GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 61. 187 A conformidade pressupõe ato legislativo que disponha acerca do atuar do agente estatal, ressalvadas as hipóteses por ela previamente indicadas. 188 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada Aspectos Constitucionais, Administrativos e de Responsabilidade Fiscal Legislação e Jurisprudência Atualizadas. 3 ed., São Paulo: Atlas, 2007, p.30. 189 Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “O agente público está adstrito ao princípio da legalidade, não podendo dele se afastar por razões de conveniência subjetiva da administração”. AGRMC nº 4193-SP. Relator, Min. LAURITA VAZ, julgado em 23/10/2001, DJ 04/02/2002. Disponível em: <http;/www.stj.gov.br>. Acesso em 10/04/2008. 190 Neste aspecto, como ressaltado, por Hans Kelsen, a conduta do agente estatal distingue-se da conduta do cidadão, cujo atuar não está adstrito à prévia autorização legal, limitando-se tão-somente à inexistência de proibição no ordenamento. Vide referido autor in: Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.376. 191 De acordo com Hans Kelsen, “um indivíduo atua como órgão do Estado apenas na medida em que atua baseado na autorização conferida por alguma norma válida. Esta é a diferença entre o indivíduo e o Estado como pessoas atuantes, ou seja, entre o indivíduo que não atua como órgão do Estado e o indivíduo que atua como órgão do Estado. Um indivíduo que não funciona como órgão do Estado tem permissão para fazer qualquer coisa que a ordem jurídica não o tenha proibido de fazer, ao passo que o Estado, isto é, um indivíduo que funciona como órgão do Estado, só pode fazer o que a ordem jurídica o autoriza a fazer. É, portanto, supérfluo, do ponto de vista da técnica jurídica, proibir alguma coisa a um órgão do Estado. Basta não autorizá-lo. Se um indivíduo atua sem autorização da ordem jurídica, ele não mais o faz na condição de órgão do Estado.” Ibidem, p.376. 63 Expressamente previsto no artigo 37, caput, da Carta de 1988, o princípio da legalidade impõe-se a todos os poderes do Estado em dupla vertente: faz-se necessária a antecedência legal e a conformidade formal e material.192 O princípio da legalidade deve ainda ser compreendido como comando de ação, quando se trata de deveres do Estado, principalmente no campo dos direitos fundamentais sociais. Decorre daí que a omissão do agente, quando submetido à imposição legal de um atuar positivo, pode configurar, em tese, ato de improbidade administrativa. Trata-se de descumprimento do dever da boa administração, conforme se discutirá em momento posterior. Não se pode olvidar, como exposto, que os atos estatais lato sensu (lei, atos administrativos e decisões judiciais) estão submetidos aos limites fixados pela Constituição, cabendo-lhes a obediência aos princípios materiais dela decorrentes. O Estado não é somente de Direito, mas, principalmente, um Estado Constitucional. Em verdade, todo o ordenamento jurídico deve encontrar na Constituição o seu fundamento de validade. Passa-se, agora, ao exame do postulado da moralidade administrativa, a ser compreendido como elemento específico, situado no amplo conceito de ética, cuja concreção, no âmbito do Direito, é traduzida pelo princípio da juridicidade. Historicamente, a moral representou um dos desafios do Direito, principalmente no tocante à análise da relação entre os mesmos. Segundo Kant,193 as regras morais – “doutrina das virtudes” – destinavam-se a regular o âmbito interno das ações humanas, enquanto ao Direito cabia à regulamentação das relações sociais. Estreitando o caminho para o Direito, encontra-se na teoria do Abuso do Direito, segundo a concepção de Georges Ripert194, nítida regra moral encapada com a proteção jurídica que lhe confere o poder de coerção.195 No mesmo passo, 192 GARCIA, Emerson; ALVES Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 63. KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. A Doutrina do Direito e a Doutrina da Virtude. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, passim. 194 RIPERT, Georges. A Regra Moral nas Obrigações Civis. Trad. Osório de Oliveira, Campinas: Bookseller, 2000, passim. 195 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ao parafrasear o referido autor, esclarece que “(...)não há desvão teórico do direito em que não penetre a luz da moral, pois não há como separá-los 193 64 merecem relevo os princípios de vedação do enriquecimento sem causa, a teoria da boa-fé e outros impregnados de carga axiológica própria do campo da moral. Acerca do mesmo tema, Antonio José Brandão196 registra que a teoria do Abuso do Direito repercutiu no campo do Direito Administrativo, dando origem à figura do desvio de poder. Posteriormente, ainda segundo o autor supracitado,197 coube a Maurice Hauriou a sistematização do conceito de moralidade administrativa, a partir dos estudos das decisões proferidas pelo Conselho de Estado da França,198 através dos quais foi possível enfrentar, não só a legalidade formal do ato administrativo, mas, também o exame da finalidade.199 A partir da análise do conceito de desvio de poder, Maurice Hauriou200 reconheceu a possibilidade de exame da finalidade do ato para além da legalidade estrita, defendendo, com isso, o exame dos atos que devem observar os parâmetros da boa administração, ou seja, da moralidade administrativa: “O desvio de poder – é o caso de um agente da Administração que, levando a cabo um ato de sua competência e seguindo as formas prescritas, usa seus poder com um fim e com motivos outros diversos daqueles em vista dos quais este poder lhe foi atribuído, isto é, por motivos que não são aqueles da boa administração, que são absolutamente”. Em seguida, aponta como origem da teoria do desvio do poder, ou seja, a aplicação do abuso do direito no campo público, o aresto proferido no caso Lesbats, prolatado em 25/02/1964. Mutações do Direito Administrativo. Ibidem, p. 55. 196 BRANDÃO, Antônio José. “Moralidade Administrativa”. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, nº25, jul/set 1951, p. 454-467. 197 Ibidem, p.456.. 198 Cabe aqui trazer o registro referente ao período em questão, formulado por Tomás-Ramón Fernández, ao prefaciar a obra de Antônio Manuel Penã Freire, produto de sua tese de doutoramento: “Los iuspublicistas franceses de La III República que vivieron a caballo entre los dos siglos (Hauriou, Duguit, H. Berthélemy, Jeze, Bonnard, J. Barthélemy, Esmein, Michoud, etc. ) supieron comprender esto muy bien y, puesto que no podían combatir directamente la eventual arbitrariedad del legislador “soberano”, se esforzaron em construir em el nível inferior a la ley uma tupida red capaz de filtrar esa arbitrariedade em el momento de la aplicación del texto legal y de asegurar, em último término, la responsabilidad patrimonial de la Administraión por los daños singulares a los que dicha aplicación pudiera dar lugar, proporcionando así a los ciudadanos, de consuno com el Conseil d’Etat, las únicas garantías efectivas de sus derechos frente a La accíon del poder de las que éstos han podido disponer hasta fechas bien recientes.”. FREIRE, Antonio Manuel Peña. La Garantia em el Estado Constitucional de Derecho” Ibidem, p. 15. 199 Ao traduzir passagem de Maurice Hauriou, escreve Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “um controle dos atos que seja exercido em nome da moral pública, mais do que em nome do direito, e que por conseqüência, vá mais longe do que o direito, mais longe que a legalidade (notadamente na teoria do desvio de poder).” Vide referido autor in: Mutações do Direito Administrativo. Ibidem, p. 57. 200 HAURIOU, Maurice. Droit Administratif et de Droit Public. Paris: Recueil Sirey, 1911, p. 450. 65 reprovados pela moralidade administrativa. Observemos de fato que, nesta proposta, o ponto de vista da legalidade estrita é ultrapassado e que o recurso por excesso de poder, ação disciplinar, se ergue até a sanção de uma moral jurídica” Segundo lição de Emerson Garcia,201 desde então, iniciou-se nova jornada que abriu lugar à confrontação do ato, a partir da identificação da real intenção do agente e não daquela externada, a ser extraída da idéia comum de boafé prevalente no terreno jurídico, equiparando a idéia de boa administração ao conceito de boa-fé, por ele captado do Direito Alemão.202 Interessante delimitação do conceito de moralidade pública foi apresentada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto203, ao reunir as lições de Maurice Hauriou à idéia Weberiana de moral administrativa, consistente esta última na exigência de um resultado dirigido para o bem comum, isto é, voltado ao fim institucional do Estado. Trata-se da realização da boa administração,204 na qual está inserida a idéia de conduta eticamente exigível do administrador, independentemente das previsões legalmente expressas. Na mesma linha, Hely Lopes Meirelles205, valendo-se das lições de Maurice Hauriou, esclarece que a moral administrativa impõe-se internamente aos agentes estatais, de forma que ele busque sempre o bem comum.206 201 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 71. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 141879-SP, encampou a boa-fé como critério para conceituação da moralidade administrativa. “LOTEAMENTO.MUNÍCIPIO. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DO CONTRATO. BOA-FÈ.ATOS PRÓPRIOS.- TENDO O MUNÍCIPIO CELEBRADO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE LOTE LOCALIZADO EM ÍMOVEL DE SUA PROPRIEDADE, DESCABE O PEDIDO DE ANULAÇÃO DOS ATOS, SE POSSÍVEL A REGULARIZAÇÃO DO LOTEAMENTO QUE ELE MESMO ESTÁ PROMOVENDO. ART. 40 DA LEI 6.766/79.- A TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS IMPEDE QUE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA RETORNE SOBRE OS PRÓPRIOS PASSOS, PREJUDICANDO OS TERCEIROS QUE CONFIARAM NA REGULARIDADE DE SEU PROCEDIMENTO.” Relator Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julgado em 17/03/1998, DJ 22/06/1998. Igualmente, no RMS 6183-MG, o referido órgão reconheceu a necessidade de observância do princípio da boa-fé por parte da Administração Pública. Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julgado em 14/11/1995, DJ 18/12/1995. Disponível em: Disponível em: <http;/www.stj.gov.br>. Acesso em 10/04/2008. 203 “(...)trata-se de um sistema de moral fechada, próprio da Administração Pública, que exige de seus agentes absoluta fidelidade à produção de resultados que sejam adequados à satisfação dos interesses públicos, assim por lei caracterizados e ao Estado cometidos”. Vide referido autor in Mutações do Direito Administrativo. Ibidem, p. 59-60. 204 Aqui compreendida também como boa governança, cujo exame será feito juntamente com o princípio da eficiência. 202 66 Com base nos critérios para identificação dos vícios da moralidade administrativa207, pode-se concretizar o conceito de moralidade administrativa dos atos estatais, relacionando o motivo e o objeto – elementos de todo o ato estatal – à sua finalidade (isto é, o interesse da coletividade). Sob essa perspectiva de análise, o ato estatal não atenderá ao princípio da moralidade administrativa, quando se constatar inexistência, insuficiência, inadequação, incompatibilidade ou desproporcionalidade do motivo208 que ensejou a sua prática. A inexistência de motivo para a prática do ato estatal viola a moralidade, na medida em que não se estará buscando o interesse público. Nesse caso, há “presunção” de desvio de poder.209 Como assinalado, o princípio da juridicidade, que vai além da restrita legalidade, abarca a legitimidade e a licitude, fundamenta a exigência de motivo voltado ao interesse da coletividade para a prática dos atos estatais, independentemente da necessidade de dispêndio de recursos. O motivo insuficiente é aquele que não justifica a prática do ato, diante da ausência de demonstração da sua real necessidade. A ocorrência desse vício adquire maior importância diante de atos praticados com dispêndio de vultosas quantias, quando é de conhecimento comezinho a desproporção entre os recursos disponíveis e as imperiosas e justas demandas da sociedade. Em verdade, trata-se de ausência de razoabilidade para a prática do ato, hipótese que, em tese, representa inobservância da moralidade administrativa. A inadequação do motivo, por sua vez, está presente quando não se verifica nexo entre ele e os efeitos que se pretende extrair da prática do ato estatal, 205 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29 ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p.89. 206 Este entendimento foi expressamente adotado em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo cuja parte do Acórdão, ora se transcreve: “Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria Instituição, porque nem tudo que é legal é honesto. A moral comum é imposta ao agente público por sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua atuação: o bem comum.” Apelação. 193.482-1, Relator, Des. LEITE CINTRA, julgado em 09/12/1993. Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 05/06/2008. 207 Esta metodologia foi apresentada por Manoel de Oliveira Franco Sobrinho e adotada por alguns autores como Diogo de Figueiredo Neto. Vide aquele autor in: O controle da moralidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 95-107. 208 Identificado como a situação no mundo real que autoriza ou impõe a prática do ato. Encontra-se, portanto, externo ao ato. 209 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo, ibidem, p. 66. 67 comprometendo-se igualmente a concretização do interesse da coletividade. Não há correspondência entre causa e efeito no plano categorial. Já a incompatibilidade do motivo está diretamente ligada à inadequação concreta; isto é, não há indicadores de correspondência entre causa e efeito. Não se trata, portanto, da valoração do atuar do agente público ou político isoladamente, mas da avaliação finalística deste, em confronto com o objeto do ato. Por último, a desproporcionalidade do motivo deve ser avaliada em confronto com o resultado. Segundo esse critério, ofende a moralidade administrativa o ato estatal cujos efeitos estejam aquém do que se compreenderia como razoável ante a motivação declinada ou, ainda, quando os efeitos decorrentes do ato possuam intensa densidade (reflexos) frente à debilidade do motivo. Há evidente avaliação equivocada do motivo, quando comparado com os resultados que se podem alcançar, deixando-se de observar o bem comum, finalidade do ato. Igualmente, a moralidade administrativa estará violada quando demonstrada a ocorrência dos vícios do ato estatal, agora sob a ótica do objeto. Três são os vícios atrelados ao objeto210, a saber: impossibilidade, desconformidade e ineficiência. A impossibilidade do objeto pode ocorrer em duas situações: quando o resultado pretendido é incompatível com o ordenamento jurídico ou com o plano físico (da realidade dos fatos). Nessa perspectiva analítica, não se encaixa no conceito de moralidade administrativa a movimentação da máquina estatal, sem que o resultado esperado seja possível no plano fático ou jurídico, independentemente da constatação de enriquecimento ou de prejuízo concreto. A imoralidade administrativa está aqui diretamente ligada à idéia de boa administração.211 210 É o que o ato dispõe, conceituado por muitos doutrinadores como o conteúdo do ato. Celso Antônio Bandeira de Mello distingue o conteúdo do objeto, registrando que este é sobre o que o ato dispõe. Vide referido autor: In: Curso de Direito Administrativo. Ibidem, p. 386-387. 211 Há quem enquadre a presente hipótese à violação do princípio da eficiência, pois o agente público somente pode praticar atos cujos resultados sejam conformes ao ordenamento jurídico ou possíveis de se concretizarem no plano físico. 68 Será desconforme ou inadequado o objeto quando “ocorrer uma incompatibilidade lógica”212 entre a escolha discricionária, no estreito campo em que ela é permitida e o interesse do bem geral (finalidade do ato). Finalmente, tem-se a ineficiência do objeto, quando se vislumbra fundada ausência de proporcionalidade entre os custos e o benefício, mormente ante a sabida escassez de recursos públicos em confronto com as demandas sociais.213 Além da previsão constante do artigo 37, caput, o dever de moralidade encontra-se expressamente contido no artigo 5º, inciso LXXIII, ambos da Constituição Federal de 1988. Na qualidade de princípio integrante do dever de probidade, a moralidade administrativa está ainda inserida em outros dispositivos da Carta Magna, conforme exposto a seguir.214 Nesse diapasão, registra Rogério José Bento Soares do Nascimento que “a defesa em lei da moralidade na administração é também defesa da Constituição que impôs a probidade como elemento indispensável a todos os atos praticados por agente público”.215 A introdução do requisito da moralidade administrativa como indispensável à prática dos atos estatais impôs aos tribunais o exame para além da adequação à legalidade, possibilitando, com isso, a análise dos fins e motivos da atuação dos agentes públicos. Este tem sido o caminho trilhado pelo Poder Judiciário, ao reconhecer plenamente a sindicância da moralidade administrativa e dos demais princípios. Assim é que os Tribunais Superiores, por diversas vezes, examinaram a compatibilidade de condutas de agentes estatais com o princípio da moralidade administrativa, ainda que em conjunto com os demais postulados reguladores do 212 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Ibidem, p.70. Igualmente, como registrado em nota anterior, há quem vislumbre aqui uma violação ao princípio da eficiência. Em verdade, os postulados da legalidade e moralidade atuam como alicerces em conjunto com os outros princípios. Assim, não é de se estranhar que um ato de improbidade configure, a um só tempo, violação a dois ou mais princípios. A utilização de outro princípio juntamente com a moralidade administrativa como fundamentação de eventual ato de improbidade não retira desta a possibilidade de, por si só, configurar a causa de um ilícito. Marcelo de Figueiredo, em sua obra acerca da moralidade posicionou-se neste sentido. Vide referido autor. O Controle da Moralidade na Constituição. Ibidem, p. 138. 214 Optou-se por não inserir os dispositivos neste momento visando a não cansar o leitor. 215 NASCIMENTO. Rogério José Bento Soares do. “Improbidade Legislativa”. Ibidem, p. 412-413. 213 69 atuar estatal, independentemente de demonstração de dano concreto. Desta forma, ao avaliarem a moralidade administrativa e o respeito aos demais princípios, a fortiori, levaram a efeito o controle judicial da probidade. Deflui-se dos julgados analisados, o reconhecimento dos princípios insculpidos no artigo 37, caput, da Carta Magna – e, destarte, a probidade – como imperativos a serem fielmente observados.216 Em resumo, o ato estatal, não obstante sua adequação à legalidade,217 deixará de cumprir o requisito de moralidade administrativa, quando não guardar perfeita coerência com a situação fática, a intenção do agente e a promoção do bem comum, imposto no já referido artigo 3º, inciso IV, da Constituição de 1988. A esse respeito, cabe relevar que a consagração da moralidade administrativa pela Lei Maior revigorou o princípio da legalidade formal, revisitado 216 Merecem destaque, a nosso sentir, os seguintes julgados: 01- Contratação direta de hospital privado, sem observância do prévio procedimento licitatório. REAgR nº 262134-MA. Relator Min. CELSO DE MELLO, julgado em 12/12/2006, DJ 02/02/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/05/2008; 02- Incompatibilidade entre o número de servidores efetivos e em cargos em comissão. RE-AgR nº 365368-SC. Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 22/05/2007, DJ 29/06/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/05/2008; 03- Instituição de subsídio mensal e vitalício aos ex-governadores de Estado, de natureza idêntica ao percebido pelo atual Chefe do Poder Executivo Estadual. Garantia de pensão ao cônjuge supérstite, na metade do valor percebido em vida pelo titular. ADI nº 3853-MS. Relatora Min. CÁRMEM LÚCIA, julgado em 12/09/2007, DJ 26/10/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/05/2008; 04-Regras para nomeação para cargo em comissão e função de confiança estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça que decorrem da observância do princípio da moralidade, entre outros. ADC-MC nº 12-DF. Relator, Min. CARLOS BRITTO. Julgado em 16/02/2006, DJ 01/09/2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/05/2008; 05-Despesas com viagem ao exterior do Prefeito e do cônjuge, apenas em companhia deste, sem qualquer benefício ao Município. REsp nº 37275-SP. Relator Min. GARCIA VIEIRA, julgado em 15/09/1993, DJ 11/10/1993. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em 19/05/2008; 06-Participação de empresa em licitação, cujo responsável pelo certame junto à entidade pública integra o quadro de pessoal da concorrente. REsp. nº 254115-SP. Relator Min. GARCIA VIEIRA, julgado em 20/06/2000, DJ 14/08/2000. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em 19/05/2008; 217 Deve ser reforçada a idéia de que legalidade e moralidade, embora configurem postulados impostos pela legislação em defesa da probidade, guardam autonomia. Neste sentido, Maria Sylvia Zanella di Pietro esclarece que a regra moral possui autonomia no ordenamento jurídico, podendo ser aplicada ainda que não se vislumbre ilegalidade. PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 14 ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 78. Em igual sintonia, Diogo de Figueiredo Moreira Neto pontifica que “ a partir da Constituição Política de 1988, já atribuiu à moralidade administrativa uma relevância jurídica autônoma, visando a protegê-la, tutelá-la e defendê-la desvinculadamente da ilegalidade em sentido estrito (...)”. Vide referido autor in: Mutações do Direito Administrativo. Ibidem, p. 74. 70 pelos imperativos categóricos advindos da ética e, de modo mais amplo, as práticas socialmente aceitas como justas e razoáveis. Do que foi exposto, decorre que o princípio da moralidade administrativa deve ser analisado juntamente com o postulado da proporcionalidade, na medida em que sua aplicação estende-se aos demais princípios e requer concretização, com vistas a enquadramento e conseqüente sanção. Já o princípio constitucional da impessoalidade pressupõe, de início, o reconhecimento de que os atos estatais são perpetrados pelo órgão ou entidade, sem registros pessoais do agente, evitando-se, com isso, a personalização do ato, através da inclusão dos valores particulares de seu autor. Ademais, o ato estatal deve ser praticado na busca do interesse da coletividade, observando-se a imparcialidade e, desta forma, afastando-se a intenção de conceder benefício ou mesmo discriminação a pessoas ou grupos determinados.218 Este ponto de vista encontra alicerce na doutrina de Cármen Lúcia Antunes da Rocha, quando sustenta que a impessoalidade “tem como objeto a neutralidade da atividade administrativa, fixando como única diretriz jurídica válida para os comportamentos estatais o interesse público”, 219 sendo ele requisito para qualquer ato administrativo (a ser estendido a todos os atos estatais).220 218 Merecem registro, face à pertinência, as palavras de Cícero: “Quem quiser governar deve analisar estas duas regras de Platão: uma, ter em vista apenas o bem público, sem se preocupar com a sua situação pessoal; outra, estender suas preocupações do mesmo modo a todo o Estado, não negligenciando uma parte para atender à outra. Porque quem governa a República é tutor que deve zelar pelo bem de seu pupilo e não o seu: aquele que protege só uma parte dos cidadãos, sem se preocupar com os outros, introduz no Estado o mais maléfico dos flagelos, a desavença e a revolta. Isso faz com que uns passem por amigos do povo, outros por defensores da aristocracia, poucos por benfeitores de todo o Estado”. CICERO. Dos Deveres. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 56 (livro I, XXV). 219 Segundo referida autora, o princípio da impessoalidade, nos ordenamentos jurídicos italiano e português, é apresentado sob o rótulo de imparcialidade da Administração Pública. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 147. 220 No mesmo sentido são as palavras de Marcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz, in verbis: “Realmente, o dever de imparcialidade configura condição indeclinável para a realização do escopo do processo administrativo, mormente o de natureza competitiva como o concurso público, cuja quebra esvaziaria, por completo, o núcleo essencial dos princípios da isonomia, impessoalidade e da moralidade. Em razão disso, o ordenamento jurídico comina sanção extremamente grave aos agentes públicos que violarem o seu dever de imparcialidade, qualificando tal conduta como ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, caput, da Lei n. 8429/92.” MAIA, Marcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O Regime Jurídico do Concurso Público e o seu Controle Jurisdicional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 85. Confira-se ainda, especificamente em relação à exigência de imparcialidade no âmbito do processo administrativo, a obra de Sérgio Ferraz e Adilson 71 Em verdade, o princípio da impessoalidade tem como meta o cumprimento do fundamental postulado da igualdade ou isonomia, compreendido segundo conotação proposta por Rui Barbosa221. Amplamente difundido é também conhecido como igualdade material, na qual se exige tratamento idêntico para as situações semelhantes e desigual para as hipóteses díspares, na medida da desigualdade. Deflui do princípio da impessoalidade a norma inserta no próprio artigo 37, 222 inciso II, da Constituição Federal, ao exigir prévio concurso público como forma de investidura nos cargos públicos, salvo na hipótese de nomeação para cargo em comissão.223 O princípio da publicidade, por sua vez, deflui do direito de a sociedade fiscalizar e controlar os atos estatais, instrumentos próprios do modelo republicano. Trata-se de medida de transparência, destinada a garantir o acesso difuso dos atos praticados, com o fim de evitar a prática de irregularidades, propiciadas pela ausência de “claridade”.224 de Abreu Dallari. Vide referidos autores in Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 106. 221 Vale lembrar a máxima de Rui Barbosa, de que “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. (...) Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem”. BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003, p. 39. 222 “Art. 37(...) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;” BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Ibidem, p. 212. 223 A partir da vigência da Constituição de 1988, restou incontroverso que toda e qualquer investidura originária no cargo inicial de uma carreira ou para o cargo isolado, excetuados o cargo em comissão e a contratação temporária (para as hipóteses excepcionais), importa necessariamente a prévia aprovação em concurso público, ou seja, competição aberta a todos os que preencham os requisitos imprescindíveis para os exercícios das atividades próprias do cargo, em observância ao princípio da Isonomia. Com isso, o preceito constitucional supracitado extinguiu as formas de provimento derivado vertical que impliquem mudança de carreira, como se vê na ascensão, reenquadramento, transferência e acesso. Neste sentido “Todas as formas internas de investiduras de servidores em outro cargo de carreira, diferente daquele para o qual fora aprovado por concurso, são proibidas pela atual Carta Magna. Inclusive, os denominados concursos internos restaram defesos, já que cargo, emprego ou função vagos devem ser preenchidos por concurso aberto a todos os brasileiros que preencham os requisitos previsto em lei” SOUZA, Eder. Concurso Público Doutrina & Jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey. 2000, p. 51. 224 A publicidade “confere certeza às condutas estatais e segurança aos direitos individuais e políticos dos cidadãos. Sem ela, a ambigüidade diante das práticas administrativas conduz à insegurança 72 Além de configurar princípio destinado a regular os atos estatais, a publicidade encontra-se prevista no artigo 5º, inciso LX, da Carta Magna,225 excepcionada pelo interesse social, defesa da intimidade e, quando se mostrar imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (artigo 5º, inciso XXXIII). Inserido através da Emenda Constitucional nº 19/98, o princípio da Eficiência226 consiste no dever de busca do melhor resultado concretamente227 possível, direcionado à satisfação do interesse coletivo.228 Nesse sentido, o atuar do agente deverá ser norteado pela análise do custo-benefício, da otimização dos recursos públicos e da celeridade. Nesta quadra, a legalidade adquire conotação material e não apenas formal. Por sua vez, o princípio da eficiência deve ser entendido a partir da idéia de “boa governança”,229 ou administração proba,230 consistente no bom uso dos jurídica e à ruptura do elemento de confiança que o cidadão tem que depositar no Estado.” ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Ibidem, p.240. 225 “Art. 5º(...) XXXIII- todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...) LX- a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;” BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Ibidem, p. 126126. 226 Segundo Antonio Fonseca, eficiência aplicada à administração constitui “o dever imposto ao administrador de acomodar a gestão pública a um aproveitamento racional dos meios humanos e materiais de que o Estado dispõe, buscando a maneira mais efetiva de utilizar recursos escassos e minimizando os gastos públicos, de modo a se poder responder na maior escala possível às demandas sociais que o Estado propõe satisfazer. Visa a criar condições para que a eficácia das políticas públicas seja possível.” “O Princípio da Eficiência: Impacto no Direito Público e Improbidade”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al (org.). Improbidade Administrativa 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 41. 227 O conceito de eficiência deve ser analisado dentro do contexto em que o ato estatal é praticado. 228 Vanice Lírio do Valle assinala que a inserção do princípio da eficiência no texto constitucional configura o reconhecimento de um “direito difuso à cidadania”, refletindo de forma inequívoca no atuar do Estado. Vide referida autora in: “Direito fundamental à boa administração, políticas públicas eficientes e a prevenção do desgoverno”. Ibidem. 229 Esta foi a tradução adotada pelo Brasil da expressão “Good governance” empregada no preâmbulo da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, elaborada em 1997, através da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. A Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros foi ratificada pelo Brasil em 14 de junho de 2000 (Decrecto Legislativo 125/200) e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 3.678, de 30 de novembro de 2000. A finalidade da Convenção é implementar mecanismos que impeçam a corrupção de funcionários públicos visando à obtenção de vantagens em transações comerciais internacionais. A garantia da eficácia da Convenção no plano real pressupõe acompanhamento sistemático, realizado por um Grupo de Trabalho que monitora a implementação do acordo. A Controladoria-Geral da União (por intermédio da Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas), é o órgão interno incumbido da coordenação e acompanhamento da implementação dos mecanismos propostos pela Convenção. O citado processo de monitoramento é composto por duas fases. A primeira fase ( realizada nos dias 73 escassos recursos públicos de forma a concretizar os direitos fundamentais do cidadão, com a maior amplitude possível,231 orientados pela proteção da dignidade da pessoa humana, espectro no qual não há espaço para a alegação infundada da reserva do possível.232 O distanciamento dessa finalidade implica o distanciamento da própria razão de existência do Estado, tal como consignada no texto constitucional. Boa governança (administração proba, ou bom governo) é aquela realizada de forma adequada, sopesando-se as condições concretas disponíveis ou que deveriam estar à disposição233 e o resultado específico (finalidade do ato) a ser alcançado, segundo os valores que integram a Constituição e que dão norte às atividades estatais e se resumem na concretização do interesse público. Adota-se aqui o conceito de interesse público apresentado por Rogério Pacheco Alves,234 com fundamento nas noções formuladas por Marçal Justen Filho, coerentes com os “valores sociais fundamentais, de uma moral comum, sobretudo a partir do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana” que deve ser considerada, 17 a 20 de junho de 2003, em Paris) teve como finalidade o exame da conformação normativa da legislação dos Estados signatários. Segundo informações da Controladoria-Geral da União, boa parte da legislação brasileira encontra-se em sintonia com o conteúdo da Convenção. A segunda fase do monitoramento da Convenção teve como finalidade checar o cumprimento das recomendações estabelecidas na primeira fase, cujo escopo é assegurar efetividade à própria Convenção. Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais. Site da Corregedoria-Geral da União. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/ocde/publicações/arquivos/texto%20convenção.pdf.>. Acesso em: 29/05/08. 230 Expressão empregada por André de Carvalho Ramos que ora se adota. RAMOS, André de Carvalho. O Combate Internacional à Corrupção e a Lei da Improbidade. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al. (org.). Improbidade Administrativa 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 17. 231 Acerca do conteúdo do princípio da Eficiência, concluiu Antônio Fonseca: “Presente o fato de que os recursos da sociedade administrados pelo Estado são sempre escassos, o princípio da eficiência fortalece a sua função na justa aplicação ou no uso comedido desses recursos”. Vide referido autor in: “O Princípio da Eficiência: Impacto no Direito Público e Improbidade”. Ibidem, p. 64. 232 Segundo a idéia de reserva do possível, cuja origem encontra-se no Direito Alemão, a concretização dos direitos sociais a prestações guarda dependência da disponibilidade do destinatário da obrigação sob dupla dimensão: disponibilidade financeira (existência de recursos capazes do custeio dos direitos em questão) e jurídica (capacidade de execução nos termos do ordenamento jurídico pátrio). Ingo W. Sarlet insere ainda na órbita do conceito de reserva do possível o exame da proporcionalidade a ser considerada a partir das condições do titular do direito fundamental pleiteado. SARLET. Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 6 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 300-301. 233 Eventual ação ou omissão do agente estatal que deu causa à ausência de condições não o pode beneficiar. Vale aqui a máxima de que “ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.” 234 ALVES, Rogério Pacheco. Prerrogativas da Administração Pública nas Ações Coletivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 50. 74 preferencialmente, à luz dos direitos transindividuais e não mais nos termos propostos pelo defasado modelo de Estado Liberal. Assim, fulcrado no conceito de boa governança (ou administração proba), ofende o princípio da eficiência e, portanto, o dever de probidade, a realização de despesas supérfluas e desnecessárias, ante a notória constatação (fatos notórios independem de prova, nos termos do artigo 334, I, do Código de Processo Civil) da ausência ou precariedade na prestação dos serviços essenciais, principalmente a observância do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no sentido atribuído por Cármen Lúcia Antunes da Rocha, quando esclarece que corresponde ao “coração do patrimônio jurídico-moral da pessoa humana.”235 A inserção da eficiência como princípio expresso a ser observado por todos os agentes dos poderes do Estado, compreendido dentro da idéia de boa governança, ou boa administração, afasta qualquer dúvida quanto à possibilidade de controle judicial do conteúdo do ato, inclusive na seara da discricionariedade. Vale dizer, não obstante a existência de certa margem de liberdade de ação do agente, a sua escolha deve ser avaliada e controlada, inclusive no plano judicial,236 a partir do princípio da eficiência do resultado.237 Nessa linha de reflexão, Juarez Freitas238 afirma que não há discricionariedade que possa estar imune ao controle do Poder Judiciário, na medida em que todos os atos estatais estão vinculados aos princípios e direitos fundamentais, ao menos no que tange aos “vícios decorrentes de excessos, desvios e insuficiências no exercício das competências administrativas”. 235 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. “O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Exclusão Social.” In: Revista Interesse Público. São Paulo: Notadez, nº 4. out/dez 1999, p. 23-48. 236 A admissão da sindicância (judicialização) do princípio da eficiência significa inferir que a sua violação pode configurar fundamento para a deflagração da Ação de Improbidade, nos termos dos artigos 37, caput da Constituição de 1988 e 11, caput, da Lei 8.429/92. 237 “A inserção na Constituição Federal da eficiência como princípio constitucional da Administração Pública, fundamental e expresso, não deixa margem a qualquer dúvida: de um lado, de que é legítima, e mesmo necessária, a investigação ampla da eficiência de quaisquer ações administrativas pelo Poder Judiciário; de outro, de que a atuação denominada discricionária do administrador é sempre relativa e especialmente limitada por esse princípio.” PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada Aspectos Constitucionais, Administrativos e de Responsabilidade Fiscal Legislação e Jurisprudência Atualizadas. 3 ed., São Paulo: Atlas, 2007, p.35. 238 FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. Ibidem, p. 123. 75 A possibilidade de avaliação judicial a partir do padrão da boa administração, segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto,239 decorre da conjunção do princípio da moralidade administrativa, constante da Carta Magna e da previsão da sanção de nulidade imposta pelo artigo 5º, LXXIII, igualmente do texto constitucional. Cabe acrescentar que a sindicância pode estender-se ao plano da responsabilidade pessoal do agente, através da Lei de Improbidade Administrativa, cuja aplicação é perfeitamente cabível, ao menos em tese.240 Na mesma mirada, Rogério Pacheco Alves241 aponta que o princípio da eficiência já estava consagrado no texto constitucional, mesmo antes do advento da Emenda Constitucional 19/98, responsável pela sua consagração como “imperativo jurídico e moral da boa administração” Na senda dos subsídios doutrinários acima destacados, os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência formam, assim, o substrato inafastável de todo e qualquer ato estatal, cuja violação conduz ao ato de improbidade, ao menos no plano formal, cuja concretização material pressupõe ainda a análise sob a ótica da proporcionalidade. A partir do que foi exposto e, ainda sob orientação de Cármen Lucia Antunes da Rocha242, constata-se que o conceito de corrupção liga-se à improbidade, numa relação de conteúdo para continente. Entretanto, para aqueles 239 Ibidem, p. 72. Neste sentido, A Vigésima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a prática de ato de improbidade por parte de um Prefeito Municipal, ao afirmar que: “Pratica ato de improbidade administrativa o prefeito que consente se desenvolva a atividade administrativa de aquisição e utilização de bens sem qualquer controle interno. Conquanto ausente prova cabal de dano ao erário, a ausência total de controle interno, constitui ato de improbidade administrativa que viola os princípios que dominam a atividade administrativa pública por revelar a consciente desorganização na gestação da coisa pública. Hipótese em que houve o pagamento pela aquisição de mais de cinqüenta mil metros cúbicos de areia sem qualquer registro de entrega nem da destinação à satisfação do interesse público.” Processo n 70005943253. Relator Des. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA. Julgado em 30/09/2003. Disponível em <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 15/05/2008. 241 ALVES, Rogério Pacheco. As prerrogativas da Administração Pública nas Ações Coletivas. Ibidem, p. 81-82. 242 Segundo a referida autora, “a receita de corrupção administrativa poderia ser preparada pela definição dos seguintes ingredientes: a) uma dose grande de poder decisório (competência administrativa para decisões superiores) em mãos de um único agente; b) grande número de órgãos competentes à execução da decisão sem o esquadrinhamento perfeito e exclusivo das atribuições de cada qual; c) ausência de mecanismos de controle efetivo, permanente, transparente e rigoroso na atuação dos agentes e órgãos públicos; d) apenas uma pitada de publicidade administrativa precária e restrita; e) impunidade para todos, inclusive para os corruptores. Vide referida autora in: Princípios Constitucionais da Administração Pública. Ibidem, p. 200-201. 240 76 que a compreendem em sentido amplo, conforme ensinamento de Norberto Bobbio,243 já esboçado anteriormente, verifica-se identidade com o conceito de improbidade administrativa, que extrapola a corrupção restrita (na qual há enriquecimento ilícito do corruptor), abrangendo atos atentatórios aos princípios que regem os atos estatais, portanto independente da demonstração de efetivo dano ao erário, mas de dano ao patrimônio público, em seu mais amplo sentido. Com a explanação do conteúdo do princípio da probidade, cuja matriz originária é o interesse da coletividade, a ser efetivado através da observância dos princípios reitores das atividades estatais que lhe dão conteúdo e, orientado em primeiro plano pela proteção da dignidade da pessoa humana, igualmente, constatase que, em nome da concretização do próprio interesse público,244 se faz necessário o exame desses princípios que lhe conferem densidade à luz do princípio da proporcionalidade. Diz-se, com isso, que é também o próprio interesse público que, presente em todas as atividades estatais, inclusive na identificação da ocorrência de ato de improbidade administrativa com a conseqüente sanção dele decorrente, deve servir de parâmetro para disparar a garantia para efetivação do direito, através do mecanismo de repressão, qual seja, a ação coletiva de Improbidade, ou dos demais instrumentos que protegem a probidade, como a Ação Popular. A prática de atos que extrapolam a razoabilidade mostra-se evidentemente inadequada e, portanto, desproporcional com o fim objetivado. Foi exatamente em busca do equilíbrio na prática dos atos estatais que se deu início a utilização do conceito de proporcionalidade como limitador da atividade do Poder Público. O princípio da proporcionalidade desempenhou importante papel no Direito Penal e no Direito Administrativo, como instrumento necessário a aparar os excessos cometidos em detrimento dos particulares. Estendido ao campo do Direito Constitucional, através do Direito Alemão, o princípio foi aplicado pelo Tribunal Constitucional, para conter excessos decorrentes de normas elaboradas durante o regime nacional-socialista, ainda que as mesmas não estivessem formalmente contrárias à Constituição. 243 244 Ver nota de rodapé nº 4. Segundo os paradigmas apontados por Rogério Pacheco Alves, trazidos à baila anteriormente. 77 Segundo Robert Alexy,245 o princípio em tela decompõe-se em três subprincípios, quais sejam: adequação (aptidão para alcançar o fim almejado), necessidade (inexistência de meio menos gravoso que seja igualmente eficaz) e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação entre os custos e os benefícios da medida). Fala-se em adequação, quando a medida mostra-se capaz de fomentar o objetivo por ela perseguido – interesse público, o bem comum da coletividade. Trata-se de sopesar a relação entre o meio utilizado e o fim pretendido. Nesta etapa, a avaliação restringe-se à norma jurídica, sem adentrar na detecção da real necessidade do objeto sopesado: “Não há avaliação da eficácia do meio escolhido ou o grau de restrição aos direitos dos cidadãos”.246 O subprincípio da necessidade configura-se quando a medida objeto da análise mostra-se como a única capaz de produzir os resultados almejados, sem que se pratiquem excessos indesejáveis. Nesse sentido, havendo possibilidade de escolha, deve ela sempre recair na opção menos gravosa aos direitos fundamentais. O emprego do princípio da proporcionalidade visa à busca do equilíbrio entre os meios e os fins, de forma a resguardar o núcleo essencial dos direitos fundamentais. O terceiro subprincípio, denominado de proporcionalidade em sentido estrito, tem como escopo a ponderação concreta entre a medida visada e as restrições que, a fortiori, dela decorrerão. Nessa linha de pensamento, hão de ser sopesados o grau de realização com o ato estatal pretendido e o grau de limitação que a sua prática não pode afastar. Nesse diapasão, a opção pelo ato estatal em análise deve propiciar conseqüências mais vantajosas, em confronto com as restrições que dele impreterivelmente advirão no âmbito concreto, sob pena de se configurar desproporcional. Infere-se da lição de Robert Alexy247 que a satisfação do direito (por ele denominado de princípio) ao final escolhido necessita ser tanto mais relevante, quanto for o grau de afetação (restrição) do direito (do princípio) sobre o qual recairá a limitação. 245 ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997, p. 111-112. 246 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 86. 247 ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales Ibidem, p. 94-96 78 Conquanto não configure princípio expressamente previsto na Carta Magna, o princípio da proporcionalidade encontra-se implicitamente consagrado já em seu Preâmbulo, 248 ao estabelecer que o Estado Democrático destina-se, dentre outras missões, a assegurar ”a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna(...). Outrossim, constitui corolário do Estado Democrático de Direito, instrumento necessário à construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I), destinada à redução das desigualdades sociais e regionais(artigo 3º, III), voltada para a concretização do interesse público, consubstanciado na promoção do bem de todos (artigo 3º, IV). Não se pode deixar de registrar que a proporcionalidade decorre, ainda, dos princípios da legalidade (artigo 5º, II) e da igualdade (artigo 5. caput), tal como concebida por Rui Barbosa249 Há ainda diversos dispositivos constitucionais que abrigam a idéia de proporcionalidade, dentre os quais podem ser apresentados;250 os artigos 5º, V (direito de resposta deve ser proporcional ao agravo); 7º, V (piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho); 36, § 3º (na hipótese de intervenção de um ente da Federação em outro, será apenas suspensa a execução do ato impugnado quando esta providência mostrar ser suficiente para o restabelecimento da normalidade); 71, VIII (a multa a ser aplicada pelo Tribunal de Contas deverá ser proporcional ao dano causado ao erário); 145, § 1º (os impostos devem observar a capacidade contributiva do contribuinte);251 Adentrando no campo da proteção da probidade, o constituinte originário, no artigo 37, § 4º,252 incumbiu o legislador da elaboração de normas destinadas à proteção da probidade. Assim é que a Lei 8.429/92 estabeleceu as condutas que, a priori, em decorrência da inobservância do dever de probidade, configuram ato de improbidade. 248 Ver preâmbulo e demais artigos da Constituição da República de 1988. BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. Ibidem, p. 115; 122; 126. 249 Conforme citação anteriormente apresentada. 250 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 126; 178; 212; 258; 341. 251 Essa conclusão encontra-se amparada no registro apresentado por Emerson Garcia. Vide referido autor in: Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 97. 252 “Art. 37(...) § 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Ibidem, p. 212. 79 O exame perfunctório da lei permite constatar que as condutas insertas no estatuto legal em exame, particularmente nos artigos 9º e 10 253 , configuram hipóteses exemplificativas de violação aos princípios reguladores dos atos estatais. Por sua vez, a amplitude dos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/92, ao tipificar como ato de improbidade administrativa “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições” – afigura imprescindível a aplicação do princípio da proporcionalidade (em especial, no que diz respeito aos critérios da “necessidade” e da “proporcionalidade em sentido estrito”) no âmbito da improbidade administrativa. Se não houver esse cuidado, corre-se o risco de supor que os co-legitimados estariam obrigados a promover a respectiva ação, em face de toda e qualquer falta funcional, praticada por todo e qualquer agente estatal, mesmo que de pouca ou nenhuma significância, o que seria manifestamente absurdo. Este exame decorre também da óbvia constatação de que as sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/92 importam em restrições a direitos fundamentais do agente a quem se atribui o ato de improbidade. Portanto, quer no momento da deflagração da Ação de Improbidade pelos co-legitimados, quer no momento da fixação da correspondente pena pelo magistrado,254 253 255 deve ser seriamente examinada a conduta do agente estatal, à Ver artigo 9º já transcrito anteriormente. “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa, que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:(...). 254 Ratifica-se aqui o entendimento esposado em nota anterior, no sentido de que a incidência das sanções deve levar em consideração o parágrafo único do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, segundo o qual “na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” Juarez Freitas defende que as sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/92 não necessitam, em regra, de aplicação conjunta. Contudo, “em se comprovando a improbidade administrativa que acarreta enriquecimento ilícito (art. 9º), por sua nota de irretorquível e gravíssima hostilidade ao interesse público, deve o julgador aplicar, na íntegra, as sanções cabíveis, assim como elencadas no art. 12, I.” Vide referido autor: “Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua Máxima Efetivação”. Ibidem. 255 Calcados no princípio da proporcionalidade, acertadamente, há diversos julgados no sentido de que a condenação pela prática de ato de improbidade não impõe ao Magistrado a aplicação de todas as sanções legalmente admitidas, ex vi do artigo 12, incisos I, II, III, do Diploma Legal referido. Eis decisão do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "C" ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PAGAMENTO INDEVIDO DE HORAS EXTRAS A OCUPANTES DE CARGO EM COMISSÃO - ACÓRDÃO QUE AFASTOU A APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS POR TRÊS ANOS DETERMINADA PELA SENTENÇA - ALEGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE QUE NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE EXCLUIR A SANÇÃO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA NÃO CUMULATIVA DAS SANÇÕES 80 luz da proporcionalidade, sem descurar um só minuto da natureza difusa do direito protegido pela Lei de Improbidade Administrativa e a sua relevância para o real cumprimento do modelo de Estado Democrático de Direito e da forma republicana. A partir da constatação supra, Emerson Garcia sustenta que a mera subsunção do ato à norma (vale dizer, violação dos princípios impostos aos agentes estatais), sem o crivo do princípio da proporcionalidade, configura ato de improbidade apenas no plano formal e não deve, destarte, desencadear a punição do agente. Em verdade, o cabimento da Ação de Improbidade e a aplicação das correspondentes sanções encontram-se reservados tão-somente aos atos de improbidade materialmente considerados. Essa aferição deve nortear-se pelo interesse público (no sentido já apresentado anteriormente), tomando-se por base as condições concretamente postas. O princípio da proporcionalidade acarreta para os órgãos legitimados à deflagração da Ação de Improbidade o dever de análise da violação ao princípio da probidade, no sentido que se lhe empresta a Carta de 1988, mormente as normas insertas nos artigos 15, V, e 37 (integralmente). Diz-se com isso que se devem afastar as aplicações das sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/92, quando a imposição destas puder representar, no plano concreto e no âmbito da coletividade, reprovação ainda maior, vale dizer, possibilidade de lesão de maior gravidade aos DO ART. 12, INCISO III, DA LEI N. 8.429/92 - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. A aplicação das sanções da Lei n. 8.429/92 deve ocorrer à luz do princípio da proporcionalidade, de modo a evitar sanções desarrazoadas em relação ao ato ilícito praticado sem, contudo, privilegiar a impunidade. Para decidir pela cominação isolada ou conjunta das penas previstas no artigo 12 e incisos da Lei de Improbidade Administrativa, deve o magistrado atentar para as circunstâncias peculiares do caso concreto, avaliando a gravidade da conduta, a medida da lesão ao erário, o histórico funcional do agente público etc. No particular, foram os ocupantes de cargo em comissão condenados pelo r. Juízo sentenciante pela percepção de verbas pagas indevidamente por trabalhos extraordinários, bem como o ex-prefeito do município por deferir o pagamento de forma irregular. Nos termos da legislação municipal de regência, tais serviços somente seriam permitidos em hipóteses excepcionais e temporárias, condicionadas à autorização por escrito do superior imediato, que deverá justificar o fato, o que, in casu, não se deu. A sentença ordenou o ressarcimento dos valores indevidamente recebidos pelos agentes públicos, respondendo pelo total do débito, solidariamente, o ex-prefeito, bem como a suspensão dos direitos políticos. O Tribunal, por sua vez, deu provimento em parte à apelação para afastar a condenação referente à suspensão dos direitos políticos. A imposição dessa última, efetivamente, seria medida desarrazoada, visto que, como ressaltou a Corte de origem, as provas dos autos demonstram a real prestação do serviço pelos réus, e que a vantagem pecuniária obtida equivale apenas a R$ 4.023,72 (quatro mil e vinte e três reais e setenta e dois centavos) para cada um dos servidores, segundo cálculo realizado em novembro de 2000, a desautorizar a aplicação de sanção mais gravosa.Ausência de similitude fática ente os acórdãos confrontados.Recurso especial não conhecido pela alínea "c" e conhecido, mas não provido pela alínea "a". REsp 300.184-SP, Relator Min. FRANCIULLI NETTO, julgado em 04/09/2003, DJ 03/11/2003. Disponivel em:<http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10/05/2008. 81 direitos também fundamentais do agente estatal diante do reduzido malefício acarretado ao bem comum, finalidade de todo atuar do Estado.256 Nesses casos, como sugere Emerson Garcia,257 recomenda-se a aplicação de outra sanção que se mostre mais compatível com a reprovabilidade da ação ou omissão do agente, uma vez considerados os valores afetados concretamente. Não se pode deixar de registrar, entretanto, que o exame da proporcionalidade no contexto do Estado Democrático de Direito e na República deve ter em vista não apenas a proteção dos direitos fundamentais individuais do agente estatal, pois deve pautar-se pela primazia dos direitos fundamentais coletivos, em caso de colisão. Emerson Garcia258, referindo-se à aplicação do princípio da proporcionalidade no exame do ato de improbidade administrativa, afirma que: “Em linhas gerais, o princípio da proporcionalidade será observado com a verificação dos seguintes fatores: a) adequação entre os preceitos da Lei nº 8.429/92 e o fim de preservação da probidade administrativa, salvaguardando o interesse público e punindo o ímprobo; b) necessidade dos preceitos da Lei nº 8.429/92, os quais devem ser indispensáveis à garantia da probidade administrativa; c) proporcionalidade em sentido estrito, o que será constatado a partir da proporção entre o objeto perseguido e o ônus imposto ao atingido, vale dizer, entre a preservação da probidade administrativa, incluindo as punições impostas ao ímprobo, e a restrição aos direitos fundamentais (livre exercício da profissão, liberdade de contratar, direito de propriedade, etc.)”. 256 Aplica-se aos co-legitimados à propositura da Ação de Improbidade, por analogia, a regra disposta no artigo 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil (já citado anteriormente), segundo a qual “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. BRASIL. Decreto-Lei 4.657, de 04.09.42. Ibidem, p. 23. 257 GARCIA, Emerson; ALVES; Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 103. 258 Ibidem, p. 102. 82 PARTE III A PROBIDADE, O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO 6 A TUTELA DA PROBIDADE: ORIGEM E EVOLUÇÃO Uma vez estabelecido o alcance do direito/dever de probidade, impõe-se breve exame da evolução da proteção que lhe foi conferida no âmbito nacional. A proteção da probidade dos atos estatais passou por marcante evolução, devido ao reconhecimento que lhe empresta a Carta Magna, ao erigi-la à condição de direito fundamental difuso. Historicamente, o ordenamento jurídico brasileiro dedicou, de forma tímida, alguns dispositivos à proteção da probidade, embora sem o expresso reconhecimento desta como dever de todo agente estatal, mas, inserto como objeto tutelado, ao rechaçar a prática da corrupção. No passado, a tutela da probidade dos atos estatais no Brasil restringia-se a coibir as condutas que acarretavam dano ao erário e, principalmente, o recebimento indevido de vantagem.259 Retroagindo às Ordenações Filipinas,260 vigentes no Brasil juntamente com leis extravagantes, de 1603 até 1916 encontra-se a proibição de recebimento de vantagens pelos Julgadores e Oficiais da Justiça e da Fazenda para si, para os filhos, ou quaisquer outras pessoas que estivessem sob sua dependência, estabelecendo-se, como punição, a perda do ofício e, ainda, a condenação ao pagamento de vinte vezes o valor recebido indevidamente, cabendo a metade ao acusador e a outra parte ao próprio Estado. 259 Em verdade, a grande preocupação limitava-se a sancionar a corrupção, entendida como obtenção de benesse incabível para a prática de ato ou abstenção quando era devida à ação, em razão das atividades estatais exercidas. 260 Ordenações Filipinas, Título LXXI, do Livro V. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5p1218.htm>. Acesso em: 20/05/2008. 83 No âmbito da Constituição de 1824, embora ainda bastante incipiente, é possível detectar, no artigo 133,261 a previsão de responsabilização dos Ministros de Estado por atos que evidentemente representavam violação ao dever de probidade. Nos termos do artigo 134 da referida Constituição262, coube à Lei ordinária, publicada em 15 de outubro de 1827263, a disciplina do procedimento visando à aplicação de sanções, uma vez identificada a ocorrência de uma das condutas elencadas no citado artigo 133. A imputação iniciava-se na Câmara dos Deputados e, uma vez considerada sua viabilidade, a mesma era remetida ao Senado, para julgamento. Merece registro a previsão de indenização ao lesado, a ser pleiteada na justiça comum. Ainda durante o período imperial, a Constituição estabeleceu responsabilização de todos os Juízes de Direito e “Officiais de Justiça”, ex vi do artigo 156,264 sem dúvida, visando a resguardar a probidade. A observância dos deveres impostos aos agentes era reconhecida, desde aquela época, como direito de todo o cidadão a buscar a reprimenda, através da “acção popular” (artigo 157),265 uma vez constatado o descumprimento. A responsabilidade estendia-se aos empregados públicos na medida em que eram 261 “Art. 133. Os Ministros de Estado serão responsaveis I. Por traição. II. Por peita, suborno, ou concussão. III. Por abuso do Poder. IV. Pela falta de observancia da Lei. V. Pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos Cidadãos. VI. Por qualquer dissipação dos bens publicos.” Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. 262 “Art. 134. Uma Lei particular especificará a natureza destes delictos, e a maneira de proceder contra elles”. Ibidem. “Art. 135. Não salva aos Ministros da responsabilidade a ordem do Imperador vocal, ou por escripto.” Ibidem. 263 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2006, p. 174. 264 “Art. 156. Todos os Juizes de Direito, e os Officiaes de Justiça são responsaveis pelos abusos de poder, e prevaricações, que commetterem no exercicio de seus Empregos; esta responsabilidade se fará effectiva por Lei regulamentar.” Ibidem. 265 Art. 157. Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra elles acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e dia pelo proprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida na Lei.” Ibidem. 84 “...strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos.”266, sendo facultado a todo o cidadão “...apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante 267 a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.” No primeiro texto constitucional do período Republicano – 1891 – previase como crime de responsabilidade do Chefe do Estado a inobservância do dever de probidade da administração.268. No tocante aos demais agentes estatais, a norma referente à responsabilização, inserta na constituição anterior, restou praticamente reproduzida no artigo 82 da referida Carta.269 Durante a vigência da Constituição de 1934, o descumprimento do dever de probidade igualmente configurava crime de responsabilidade do Presidente da República, nos termos do artigo 57, f, e dos Ministros de Estado, da Corte Suprema e dos Juízes federais, por força da extensão constante, respectivamente, dos artigos 61, 75 e 76, c, do referido texto. A proteção da probidade não se restringia ao dispositivo referido. Extraise de algumas normas constantes da Carta de 1934 a certeza de que o dever de probidade era princípio encampado pela Lei Maior, a ser observado por todos os agentes estatais e um direito do cidadão, embora através de instrumentos ainda insuficientes. A esse respeito, cumpre assinalar a permissão contida no artigo 113, 10, destinada a qualquer do povo para representar com o fim de noticiar abusos das autoridades e promover-lhes a responsabilidade; o direito do cidadão de obter esclarecimento referente às atividades públicas, salvo na hipótese de sigilo (art. 113, 35); e, a fortiori, a possibilidade de pleitear a declaração de nulidade ou anulação 266 Cf. artigo 179, inciso XXIX, da Constituição de 1824. Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. 267 Cf. artigo 179, inciso XXX, da Constituição de 1824. Ibidem. 268 Cf. artigo 54, 6º, da Constituição de 1891. Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. 269 “Art 82 - Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos. Parágrafo único - O funcionário público obrigarse-á por compromisso formal, no ato da posse, ao desempenho dos seus deveres legais.” 85 dos atos lesivos ao patrimônio público (atual Ação Popular), inserta no mesmo artigo no item 38).270 Havia ainda, no artigo 170, 9º271, a possibilidade de perda do cargo pelo funcionário público que atuasse com abuso, mediante pressão aos subordinados, com fim político. Vislumbra-se aqui também hipótese concreta de responsabilização pela inobservância do dever de probidade, sem prejuízo do dever de ressarcimento ao lesado, pelos prejuízos causados, de forma solidária com o ente público (artigo 171)272. Sob a égide da Constituição de 1937, a probidade administrativa permaneceu tutelada, acrescida da guarda e emprego dos recursos públicos, como objeto de crimes de responsabilidade, constantes do artigo 85, d. Por analogia, embora não explicitado, a probidade encontrava-se protegida através da responsabilização dos funcionários públicos em geral, disciplinada no artigo 158.273 Outrossim, como corolário do princípio republicano, que exige a fiscalização, era 270 “Art.113- ... 10)- É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos Poderes Públicos, denunciar abusos das autoridades e promover-lhes a responsabilidade. ... 35) A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo, ou reserva. (...) 38) Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.” Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. 271 “Art 170 - O Poder Legislativo votará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedecendo às seguintes normas, desde já em vigor: (...) 9º) o funcionário que se valer da sua autoridade em favor de Partido Político, ou exercer pressão partidária sobre os seus subordinados, será punido com a perda do cargo, quando provado o abuso, em processo judiciário;” Ibidem. 272 “Art 171 - Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. § 1º - Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte. § 2º - Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado.” Ibidem. 273 “Art 158 - Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seu cargos.” Ibidem. 86 assegurado a todo o cidadão, por força da norma contida no artigo 122, 7),274 o direito de representação em defesa dos interesses da coletividade.275 A Constituição de 1946 deu continuidade à proteção da probidade, sob pena de incidência do crime de responsabilidade (artigo 89, V) e inovou ao introduzir, no artigo 141, § 31, “...o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”. No entanto, na ótica de Pontes de Miranda,276 a falta da lei para regulamentar o procedimento para implementação da inovação e a ausência da “actio popularis”, como instrumento para concretização do perdimento, “com percentagem de prêmio ao denunciante e julgamento pelo júri” seria (...)”difícil fazer o país voltar àquela nascente tradição.”277 A despeito da acertada crítica, o texto de 1946 manteve, no artigo 141, § 36, o direito de informações em relação às atividades administrativas, com ressalva para as questões sigilosas; o direito de representação contra abuso das autoridades e a conseqüente promoção da responsabilidade (141, § 37) e a possibilidade do 274 “Art. 122-(. ..) 7º) o direito de representação ou petição perante as autoridades, em defesa de direitos ou do interesse geral;” Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. 275 Embora no campo penal, sob a égide da Constituição de 1937, entrou em vigor o D.L. 3240/41, com o fim de regulamentar o seqüestro dos bens de pessoa indiciada por crime no qual houvesse dano ao erário ou na hipótese de enriquecimento ilícito pela prática dos crimes previstos no livro II (crimes em espécie), Títulos V, VI e VII, da Consolidação das Leis Penais, a saber: Título V — Dos crimes contra a boa ordem e administração pública — Capítulo único — Das malversações, abusos e omissões de funcionários públicos, distribuído em sete seções: prevaricação, falta de exação no cumprimento do dever, peita ou suborno, concussão, peculato, excesso ou abuso de autoridade e usurpação de funções públicas e irregularidade de comportamento; Título VI — Dos crimes contra a fé pública, com dois capítulos, o primeiro sobre moeda falsa e o segundo tratando das falsidades em quatro seções (da falsidade dos títulos e papéis de crédito dos governos federal e estaduais e dos bancos, falsidade de certificados, documentos e atos públicos, falsidade de documentos e papéis particulares e de testemunho falso, das declarações, das queixas e denúncias falsas em juízo); Título VII — Dos crimes contra a fazenda pública, aliás, dispondo sobre um só — o contrabando, em um capítulo único. Ibidem. 276 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. vol. V, Rio de Janeiro: Borsoi, 1960, p. 360. 277 O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos elaborado em conjunto nos programas de pós-graduação stricto sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estácio de Sá (UNESA) tem previsão similar em seu artigo 13 § 3º, quando estabelece que: § 3o. Se o legitimado for pessoa física, sindicato ou associação, o juiz poderá fixar gratificação financeira quando sua atuação tiver sido relevante na condução e êxito da ação coletiva. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coord). Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 440. 87 pleito, por qualquer cidadão, da anulação ou declaração de nulidade dos atos lesivos ao patrimônio público dos entes da administração direta e indireta (artigo 141, § 38).278 Tais instrumentos, ainda que pouco suficientes, constituem embriões da proteção à probidade imposta pela Carta atual e regulamentada pela Lei de Improbidade Administrativa. Cumpre acrescentar que, durante a vigência da Constituição de 1946, foi editada a lei 3.164/57, denominada Lei Pitombo-Godói Ilha, que determinava o seqüestro de bens ilicitamente auferidos por agentes públicos, em decorrência de abuso no exercício do cargo ou função pública. Essa disciplina foi introduzida pelo citado artigo 141, § 31 da Lei Maior – cuja legitimidade para deflagração incumbia ao Ministério Público ou a qualquer do povo, segundo o artigo 1º, § 2º (“O processo será promovido por iniciativa do Ministério Público ou de qualquer pessoa do povo”).279 A partir do diploma legal em comento, foi instituído o registro público obrigatório dos bens que integravam o patrimônio dos ocupantes dos cargos ou funções públicas, eletivas ou não, a ser atualizado bienalmente, abrangendo também os bens do cônjuge. Como assevera Emerson Garcia280, a Lei 3.164/57 não alcançou a efetividade esperada e necessária, diante da complexidade da demonstração do nexo de causalidade entre a aquisição do bem e a influência ou abuso do cargo ou função. Decorrido pouco mais de um ano, entrou em vigor a Lei 3.502/1958, conhecida como Lei Bilac Pinto, com o mesmo propósito de regulamentar o “o seqüestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargo ou função”, explicitando os sujeitos ativos por ela abarcados. 278 “Art. 141- (...) § 36- A lei assegurará: I. ( ...) IV- a expedição das certidões requeridas para esclarecimento de negócios administrativos, salvo se o interesse público impuser sigilo. § 37 - É assegurado a quem quer que seja o direito de representar, mediante petição dirigida aos Poderes Públicos, contra abusos de autoridades e promover a responsabilidade delas. § 38 - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista.” Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. 279 G ARCI A, Em erson; ALVES, Rogéri o Pach ec o. Improb id ade Adm inist rat iva. I bi dem , p. 176. 280 Ibidem, p. 176. 88 De acordo com a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp. 255.861/SP,281 emprestou-se à referida legislação o papel de instrumento de proteção à moralidade (na qualidade de aspecto da probidade). A Lei Bilac Pinto apresentou, exemplificativamente, as condutas que se enquadravam no conceito de enriquecimento ilícito (artigo 2º) e autorizavam o seqüestro e perda dos bens. Conquanto este estatuto legal não explicitasse a legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação, somente apontando a possibilidade de sua intervenção durante a tramitação, sempre se considerou o Parquet legitimado à ação civil de seqüestro e perda de bens, em face do servidor público e demais sujeitos definidos nos artigos 1º, 3º e 4º, parágrafo único).282 A esse respeito, não se pode deixar de registrar a previsão da reparação de eventuais danos causados à pessoa jurídica lesada (artigo. 5º, § 5º) e a equiparação das condutas caracterizadoras do enriquecimento ilícito aos crimes contra a Administração Pública (artigo 4, caput). Embora, à época a limitação à perda de bens representasse um avanço, na prática, não foram observados significativos resultados. Já na Constituição da República de 1967 e posterior redação introduzida pelo Ato Institucional nº 14, de 1969, além da previsão do crime de responsabilidade (artigo 84, v), a conduta contra a probidade administrativa foi incluída entre causas de inelegibilidade, cabendo à lei explicitar as hipóteses aí contidas (artigo 148, inciso II).283 281 Eis a ementa: “Administrativo. Ações Civis Públicas Conexas. Ação Cautelar de Sequestro. Improcedência do Pedido e Extinção do Processo. Julgamento do Mérito. ELETROPAULO. Conceito Ampliado de Servidor Público. C.F., art. 37. CPC, Artigos 269, I, 515 e §§ 1º e 2º - Lei 3502/58 (art. 1º, § 2º). 1. O Tribunal, apreciando apelação, com o sinete revisional, pode julgar procedente o pedido inicial (art. 515, §§ 1º e 2º, CPC). Não ocorrência de contrariedade ou negativa de vigência ao artigo 269, I, CPC (ART. 105, III, a, C.F.). 2. Os empregados ou dirigentes de concessionária de serviço público também estão sob as ordenanças do "princípio de moralidade", escudo protetor dos interesses coletivos contra a lesividade. As leis surgem de fatos reais que não podem ser ignorados na interpretação e aplicação do texto legal editado com aquela finalidade. 3. Recurso sem provimento.” Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, julgado em 26/06/2001, DJ 22/10/2001. Disponível em: <http://stj.gov.br>. Acesso em 10/05/2008. 282 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa Ibidem, p. 177. 283 “ Art 148 - A lei complementar poderá estabelecer outros casos de inelegibilidade visando à preservação: I - do regime democrático; II - da probidade administrativa; 89 Ora, a inserção da proteção da probidade no mesmo patamar da defesa intransigente do regime democrático, como causa de inelegibilidade, denota a relevância do princípio em tela, uma vez que esse é o conteúdo do padrão de conduta imposta a todos, mas, primordialmente àqueles que pretendessem ocupar cargo eletivo, no exercício da representação do Poder popular. A probidade também se encontrava resguardada através da manutenção da perda dos bens, diante do enriquecimento ilícito do servidor, estendida, ainda, à ocorrência de dano ao erário, ex vi do artigo 150, § 11,284 bem como pelo direito de fiscalização popular direta, através da Ação Popular, expressamente inserida no § 31 do mesmo artigo. Insta consignar que, independentemente do crime de responsabilidade, ou dos demais escudos jurídicos da probidade administrativa, a Carta Política estabeleceu, no artigo 151285, severa punição a quem atentasse contra a ordem democrática ou praticasse corrupção, a ser imposta pelo Supremo Tribunal Federal, mediante provocação do Procurador-Geral da República, inclusive para os detentores de mandato eletivo. Nesta seara, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, a despeito de algumas alterações redacionais, manteve o sistema de proteção do princípio da probidade: crime de responsabilidade (artigo 82, V); causa de inelegibilidade (artigo III - da normalidade e legitimidade das eleições, contra o abuso do poder econômico e do exercício dos cargos ou funções públicas. “Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. 284 “Art. 150-... § 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta.”. ... § 30 - É assegurado a qualquer pessoa o direito de representação e de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra abusos de autoridade. § 31 - Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas.” Ibidem. 285 “Art 151 - Aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23. 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla defesa. Parágrafo único - Quando se tratar de titular de mandato eletivo federal, o processo dependerá de licença da respectiva Câmara, nos termos do art. 34, § 3º.” Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. 90 151, II); o perdimento dos bens, para as hipóteses de enriquecimento ilícito e dano ao erário (artigo 153, § 11); direito de representação e petição contra abusos de autoridades (artigo 153, § 30); Ação Popular para anulação dos atos lesivos ao patrimônio público (artigo 153, § 31) e suspensão dos direitos políticos, independentemente das sanções nos demais planos (artigo 154 e parágrafo único).286 A Constituição da República de 1988 representou significativa guinada no cenário nacional, no sentido de reforçar os pilares da República e do Estado Democrático de Direito – já implementados em vários países – instituindo novos instrumentos e reclamando releitura de outros, a partir do novo fundamento calcado nos valores explicitados de imediato na abertura do texto, de forma a assegurar efetividade ao modelo adotado e aos valores a ele imanentes, como novo paradigma a orientar as relações dos indivíduos entre si e com o Estado. Exatamente a partir desta novel perspectiva, conferiu-se à probidade administrativa um olhar mais vigilante, de forma a que não pairassem dúvidas quanto à sua relevância como núcleo fundamental a ser resguardado, através da instrumentalização desses valores constitucionais que exigem não só a conformidade das demais produções legislativas infraconstitucionais como também a de todos os atos administrativos e judiciais, no contexto do Estado Democrático de Direito. 286 “Art. 151. Lei complementar estabelecerá os casos de inelegibilidade e os prazos nos quais cessará esta, com vistas a preservar, considerada a vida pregressa do candidato: I - o regime democrático; II - a probidade administrativa;” Disponível em: <http://www.presidência.gov.br/legislação>. Acesso em: 20/05/2008. “Art. 153, § 11 - ... A lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento no exercício de função pública. § 30. É assegurado a qualquer pessoa o direito de representação e de petição aos Podêres Públicos, em defesa de direito ou contra abusos de autoridade. § 31. Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas.” “Art. 154. O abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa. Parágrafo único. Quando se tratar de titular de mandato eletivo, o processo não dependerá de licença da Câmara a que pertencer.” Ibidem. 91 Em face do exposto, a proteção da probidade encontra-se direta e indiretamente ordenada sistematicamente em distintos dispositivos constitucionais, a saber: a) diretamente: a.1) como critério balizador para fixação das causas de inelegibilidade, ex vi do artigo 14, § 9º, na medida em que, atuando como um dos alicerces da democracia, é conditio sine qua non para o exercício do Poder pelos delegatórios, originalmente titularizado pelo povo; 287 a.2) Como conseqüência lógica, encontra-se disciplinada no mesmo artigo, § 10, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, inclusive contra a escolha da maioria;288 a.3) como hipótese para a suspensão dos direitos políticos, inserta no artigo 15, inciso V.289 No caso, o Poder Constituinte originário não se limitou a exigir a probidade para preenchimento de cargos eletivos, como previsto no item anterior. Em verdade, foi além. O agente ímprobo não poderá participar de um dos direitos mais relevantes do regime democrático, consubstanciado no sufrágio universal, sendo forçosamente excluído do processo de escolha, tamanha a grandeza atribuída ao dever de probidade; 287 “Art 14, § 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.190. 288 A observância do princípio da probidade é, pois, uma das hipóteses em que o princípio da maioria cede em favor da observância do regime democrático, substancialmente considerado. 289 “Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.” Ibidem, p. 191. 92 a.4) ao prever, no artigo 37, § 4º, as sanções decorrentes do ato de improbidade, cuja gravidade permite também identificar a relevância do direito protegido, inclusive com o afastamento da prescrição para a reparação dos danos causados ao erário, vale dizer, à coletividade (artigo 37, § 5);290 a.5) ao possibilitar a qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato a formulação de representação ao Tribunal de Contas, noticiando irregularidade referente ao patrimônio público (artigo 74, § 2º).291 b) indiretamente: b.1) o direito ao recebimento de informações dos órgãos públicos de interesse coletivo ou geral, ressalvado o sigilo, constitui uma das formas de fiscalização direta por qualquer do povo da probidade, previsto no artigo 5º, inciso XXXIII; b.2) No mesmo sentido, no artigo 5º, inciso XXXIV, letra a), o direito de petição contra ilegalidades ou abuso de poder que podem configurar violação ao dever de probidade; b.3) o instrumento do Mandado de Segurança Coletivo, constante também do mesmo artigo, inciso LXIX, é, sem dúvida, outro instrumento de reforço à defesa da probidade; b.4) igualmente, a Ação Popular, inserta no inciso LXXIII, é um evidente mecanismo de exercício do direito fundamental a uma administração proba;292 290 “Art. 37- (...) § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. § 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” Ibidem, p213. 291 “Art. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: ... § 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para , na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União” Ibidem, p. 260. 292 “Art. 5º... 93 b.5) os princípios insculpidos no artigo 37, caput, impostos a quaisquer poderes da União, Estado e Município; b.6) o direito a informações referentes ao serviços públicos e a conseqüente possibilidade de reclamação face à inobservância do dever de eficiência no exercício dos atos estatais (artigo 37, § 3º, incisos I e II); b.7) a possibilidade de representação “contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública” (artigo 37, § 3º, inciso III);293 Como corolário do sistema de proteção à probidade, acima apontado, entrou em vigor a Lei 8.429, de 02 de junho de 1992. A probidade administrativa, à qual todo o agente público e político está adstrito, consiste no dever de atuar com honestidade, lealdade e moralidade perante a administração e, primordialmente, frente à coletividade, detentora originária do XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; ... LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; ... LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;” . Ibidem, p. 126-128. 293 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.” Ibidem, p. 212-213. 94 Poder que a ele é legalmente concedido, no exercício das atividades próprias do cargo ou função. A violação desse postulado configura ato de improbidade, posto que atentatório à moralidade pública. Como não se ignora, a Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos lato sensu, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional foi editada para dar efetividade ao preceito do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, segundo o qual “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Referido diploma legal, marco no combate à corrupção em nosso país, cuidou de tipificar, de forma exemplificativa, atos que ferem a probidade na condução dos atos estatais, dividindo-os em três grandes grupos, a saber: a) os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10); e c) os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11). Justifica-se a posição do legislador ao tipificar a violação aos princípios que regem a administração pública, erigindo aquela à categoria de ato de improbidade administrativa (art. 11), na medida em que referidos princípios apresentam-se na condição de mandamentos normativos nucleares e superiores do sistema jurídico, os quais orientam e direcionam a elaboração das regras jurídicas.294 Coube ao estatuto legal em comento definir os sujeitos passivos e ativos, bem como as regras referentes à deflagração e tramitação da Ação de Improbidade. Foi ainda estabelecido, no artigo 13, o dever de apresentação da declaração de 294 Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta a importância basilar dos princípios ao asseverar que ”violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçada”. Vide referido autor in: Curso de Direito Administrativo. 25 ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 943. 95 bens e valores que integram o patrimônio do agente estatal, do cônjuge ou companheiro, filhos e das demais pessoas que dele sejam economicamente dependentes, a ser atualizada anualmente. A exigência em questão encontra-se também prevista na Lei 8.730, de 10.11.93, cujo conteúdo “estabelece a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário(...)”.295 Apesar de se tratar de ato normativo dirigido aos agentes públicos da União, o conteúdo do mesmo deve ser estendido aos demais agentes estatais, vale dizer, do Estado e do Município.296 Essa imposição constitui instrumento para fiscalizar eventual enriquecimento ilícito, um dos sinais mais corriqueiros da prática do ato de improbidade, através da modalidade comumente identificada como corrupção. Destina-se, pois, a dar efetividade ao direito de fiscalização da observância do dever de probidade. Não obstante a seriedade do dever em questão e a gravidade da sanção imposta ante eventual descumprimento, qual seja, a pena de demissão, a realidade vem demonstrando que grande número de servidores limitam-se a apresentar a declaração no momento da investidura no cargo, deixando de atualizá-la anualmente. Além disso, em geral, os órgãos que devem receber as informações patrimoniais dos agentes não estão, por ora, suficientemente aparelhados para a realização de real acompanhamento e, com isso, concretizar a fiscalização desejada. No plano internacional, a corrupção – uma das formas de violação à probidade administrativa – tem merecido atenção através de sucessivas edições normativas que disciplinam a matéria. Neste sentido, merecem destaque: a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (dezembro de 1999);297 a Convenção Internamericana contra a Corrupção (março de 295 BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. Lei 8.730, de 10.11.93. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8730.htm>. Acesso em 05/.06/2008. 296 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 124. 297 Assinada pelo Brasil e aprovada pelo Decreto Legislativo, nº 231, de 29/05/2003, e promulgada pelo Decreto 5.015, de 12/03/2004. 96 1996);298 a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (dezembro de 1997)299 e Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (dezembro de 2003, também conhecida como “convenção de Mérida”).300 298 Assinada pelo Brasil e aprovada pelo Decreto Legislativo, nº 152, de 25/06/2002, e promulgada pelo Decreto nº 4.410, de 07/10/2002. 299 Assinada pelo Brasil e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 125, de 14/06/2000, e promulgada pelo Decreto nº 3678, de 30/11/2000. 300 Assinada pelo Brasil e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 348, de 18/05/2005, Decreto 5.687, de 31/01/2006. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/AreaPrevencaoCorrupcao/ConvencoesInternacionais>. Acesso em 26/06/2008. 97 CAPÍTULO 7 OS DESTINATÁRIOS DO DEVER DE PROBIDADE Com o intuito de assegurar efetividade à democracia em sentido material301é que se reconhece o cabimento do exame judicial de todas as condutas dos agentes públicos lato sensu, sem que esta assertiva importe, no tocante à parcela destes agentes, em um confronto com o princípio da maioria. Como bem assinalou Rogério José Bento Soares do Nascimento302, esse constitui a roupagem moderna do clássico postulado da separação dos poderes. Nesse passo, a observância do dever de probidade abrange os agentes públicos lato sensu303 e as demais pessoas incluídas por força do conceito estabelecido nos artigos 1º e 2º da Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92.304 No tocante ao agente público stricto sensu, a doutrina e a jurisprudência em uníssono admitem a integral aplicação da Lei de Improbidade, na medida em que não o reconhecem como parcela do Poder Estatal, razão pela qual não haveria, nem mesmo em tese, o possível risco de conflito com o postulado da separação dos poderes.305 301 Também denominada de democracia substancial que, segundo Norberto Bobbio, está ligada ao ideário da igualdade. Vide o referido autor in: Dicionário de Política, vol. II, p. 328. 302 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. “Improbidade Legislativa”. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al (org.). Improbidade Administrativa: 10 anos da Lei n. 8.429/92. Ibidem, p.413. 303 Os agentes públicos abarcam os agentes políticos; servidores estatais (inclusive das pessoas jurídicas de direito privado da Administração Indireta); particulares que exerçam atividades em colaboração com o Poder Público; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Ibidem, p. 245. 304 Ao julgar o Recurso Especial – Resp nº 416329-RS, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que “são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido o art. 2º, da Lei nº 8.429/92(...)”. Relator Min. LUIZ FUX, Julgado em 13/08/2002, DJ 23/09/2002. 305 Não se inclui dentro dos objetivos deste Estudo o exame minucioso da Lei de Improbidade e, sim, a identificação de alguns efeitos a partir do reconhecimento de que o direito de exigir que o exercício dos atos dos agentes públicos devem observar o princípio da probidade constitui direito fundamental difuso. Por esta razão, não avançaremos no exame do sujeito passivo dos atos de improbidade. 98 Contudo, não parece tão simples acatar a idéia de que o alcance da Lei de Improbidade limita-se aos agentes públicos em sentido estrito, apenas porque não se vislumbra conteúdo político306 nos atos praticados por estes agentes. A Lei de Improbidade Administrativa, ao conceituar – no artigo 2º307 – os agentes alcançados pelo dever de probidade, expressamente, incluiu o “titular de mandato”, possibilitando, com isso, a responsabilização do detentor de cargo eletivo (nos Poderes Executivo e Legislativo), não obstante a sua condição de agente político.308 306 309 Agente políticos, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello “são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Vide referido autor in: Curso de Direito Administrativo. Ibidem, p. 245. 307 “Art. 2º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” BRASIL. Lei 8.429, de 02.06.1992. In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. Ibidem, p. 759. 308 Acerca do tema, Juarez Freitas admite a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos em geral, “consoante a dicção elástica do art. 2º(...)”. Vide referido autor in: ”Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua Máxima Efetivação”. Ibidem. No mesmo diapasão, Adilson de Abreu Dallari manifestou-se favoravelmente ao cabimento da ação (embora negue a possibilidade de afastamento temporário do cargo no curso da Ação de Improbidade). Vide referido autor in: “Limitações à Atuação do Ministério Público na Ação Civil Pública”. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. BUENO, Cassio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (coord.). São Paulo: Malheiros, 2001, p.39. Este é também o entendimento de Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo e Augusto Neves Dal Pozzo. “Afastamento de Prefeito Municipal no Curso de Processo Instaurado por Prática de Ato de Improbidade Administrativa”. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. BUENO, Cassio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (coord.). São Paulo: Malheiros, 2001, p.78. 309 O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, reconheceu que “o sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade políticoadministrativa para os agentes políticos: o previsto no artigo 37, § 4º (regulado pela Lei 8.429/1992) e o regime fixado no art. 101, I, “c”,(disciplinado pela Lei 1.079/1950)”. No mérito ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. Relator, Min. NELSON JOBIM, julgado em 13/06/2007, publicada no DJ em 18/04/2008. Merece ser registrado que o referido “Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada em petição, firmou sua competência para julgar ação por ato de improbidade administrativa ajuizada contra atual Ministro do STF, à época Advogado-Geral da União, e outros, na qual se lhe imputam a suposta prática dos crimes previstos nos artigos 11, I e II, e 12, III, da Lei 8.429/92. Reportando-se à orientação fixada pela Corte na Rcl 2138/DF (pendente de publicação), entendeu-se que distribuir competência para juiz de 1º grau para julgamento de ministro da Corte quebraria o sistema judiciário como um todo. Os Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello fizeram ressalvas. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, relator, que, na linha de seu voto na citada reclamação, e salientando estar definida a competência do Supremo de forma exaustiva na Constituição (art. 102), considerava ser do juízo da 9ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal a competência para o processamento e julgamento da ação. Em seguida, o Tribunal, por maioria, determinou o arquivamento da petição, em relação ao referido Ministro desta Corte, haja vista o fato de ele não mais ocupar o cargo de Advogado-Geral da União, e a descida dos autos ao mencionado juízo de 1ª instância, relativamente aos demais acusados. Vencido, também nessa parte, o Min. Marco Aurélio 99 Aliás, com propriedade, Celso Antônio Bandeira de Mello310, ao conceituar as expressões “função política” ou de “governo” é categórico ao incluir os atos delas decorrentes como objeto do controle jurisdicional, sob pena de violação dos princípios imanentes ao Estado de Direito. E, nesse diapasão, inclui-se a possibilidade de sindicância dos referidos atos a ser manejada através da Ação de Improbidade. Em Nascimento verdade, como assevera Rogério José Bento Soares do 311 , ambos - agentes públicos e políticos – realizam funções políticas e o maior grau de intensidade e de discricionariedade não os afasta da submissão à observância da moralidade e, portanto, da probidade.312 A independência entre as instâncias não autoriza a absorção da responsabilização através da Lei de Improbidade Administrativa pelo campo políticopenal dos crimes de responsabilidade.313 Por certo, o reconhecimento da observância da probidade como direito fundamental,314associado ao princípio da proibição deficiente, reforça o entendimento de que a Lei de Improbidade deve também ser aplicada aos agentes políticos. Ademais, as sanções da Lei de Improbidade são evidentemente mais amplas do que a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública, previstas na esfera do crime de responsabilidade. 315 que, asseverando tratar-se de ação de natureza cível, tendo em conta a ressalva contida no art. 37, § 4º, da CF, e reconhecendo a independência das esferas cível, penal e administrativa, não extinguia o feito quanto ao Ministro do STF” Vide Questão de Ordem na Petição nº 3211-DF. Tendo em vista que o Acórdão ainda não foi publicado, não se pode concluir, com segurança, que o Supremo Tribunal Federal tenha deliberado expressamente acerca do cabimento da Ação de Improbidade em face dos seus integrantes, que são agentes políticos. Vide Informativo nº 498. Disponível em <http://www.gov.br>. Acesso em 07/07/2008. 310 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Ibidem, p. 37. 311 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. “Improbidade Legislativa”. Ibidem, p.419. 312 Nessa linha, Jorge Miranda ressalta que “(...) a separação entre governantes e governados deve ser compreendida não como uma abissal separação de pessoas, mas como uma necessária separação de funções. Não se trata de qualidades inatas às pessoas, trata-se de funções voltadas para a prossecução dos fins do Estado”, que, segundo o próprio autor, deve atender às aspirações da coletividade. Vide o referido autor in: Teoria Geral do Estado e da Constituição. Ibidem, p. 187 313 Rita Tourinho manifesta-se no sentido de que a Lei de Improbidade aplica-se os agentes políticos. Vide referida autora in: “Os golpes aplicados contra a eficácia da Lei de Improbidade Administrativa e a proposta de criação do Tribunal Superior da Probidade Administrativa.” In: Revista Interesse Público”. Nº 47, Belo Horizonte, Fórum, jan/fev/2008, p. 101-118. 314 Essa idéia será examinada em seguida. 315 NEIVA, José Antonio Lisboa. Improbidade Administrativa: estudo sobre a demanda na ação de conhecimento e cautelar. Ibidem, p. 22. 100 A admissão da harmonia entre a possibilidade do controle jurisdicional de todos os atos estatais, inclusive dos integrantes do Poder Legislativo, e o respeito à separação dos poderes requer, em primeiro lugar, a compreensão do exato sentido do princípio da maioria, no contexto do Estado Democrático de Direito, que lhe confere especial significado. Nessa esteira, deve-se esclarecer que o princípio da maioria não se confunde com o modelo democrático, eis que este é continente, no qual a regra da maioria está contida, como caminho (técnica de realização)316 para a composição da representação, apoiada no princípio da igualdade entre os cidadãos.317 Com fundamento nesse princípio, veio a lume o critério da maioria, para materializar a transferência do exercício de parcela do poder, da mesma forma como o concurso público o é, em regra,318 para a legitimação do Poder a ser exercido pelo Judiciário, Ministério Público, Defensoria e outras funções igualmente relevantíssimas. Igualmente em nome da igualdade, adota-se a regra da maioria para a formação do arcabouço jurídico, em princípio, legitimamente chancelado como produto, ainda que indireto, da vontade popular. No entanto, não se empresta à regra da maioria – tão-somente caminho para concretização da democracia – a função de obstáculo absoluto à judicialização de eventual ato de improbidade administrativa, decorrente do desvio de finalidade na prática de atos pelos agentes eleitos. Nesse contexto, a Constituição adquire relevantíssima função no ordenamento jurídico, atuando, simultaneamente, como objetivo e limite das normas infraconstitucionais, sujeitas essas ao balizamento constitucional, como marco de validade. No modelo democrático, a supremacia da Constituição passa a ocupar o espaço da soberania do Poder Legislativo.319 Nessa linha de raciocínio, mesmo as produções legislativas, que emanam de uma das vertentes do atuar estatal, estão 316 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. Improbidade Legislativa. Ibidem, p. 414. Ibidem, p. 414 318 Salvo em algumas hipóteses estabelecidas como para a formação de parte dos Tribunais de Justiça, Tribunais Superiores, Tribunais de Contas, cujos critérios estão previamente estabelecidos. 319 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. Improbidade Legislativa.Ibidem, p. 414. 317 101 vinculadas ao cumprimento do princípio da probidade, cujas normas devem, em última análise, buscar a promoção do bem de todos.320 Segundo Emerson Garcia,321 “o principal parâmetro de verificação da adequação da lei ao padrão de probidade que deve reger os atos dos legisladores consiste na observância do princípio da moralidade (...)”, que deve orientar a conduta do todos os agentes estatais, inclusive daqueles que participam do procedimento legislativo”.322 A densidade desse princípio encontra-se encampada em diversas normas insertas no texto constitucional, podendo ser identificados, além da previsão expressa no artigo 37, caput,323 os seguintes exemplos: a previsão da Ação Popular como instrumento para anulação dos atos lesivos à moralidade; a possibilidade de controle da constitucionalidade concentrado e difuso; a perda do mandato do Parlamentar em razão da falta de decoro. Dessa forma, vislumbra-se como perfeitamente viável a sindicabilidade da real finalidade do ato normativo, de maneira a possibilitar a demonstração de que sua edição visou a um fim evidentemente imoral e impessoal e, portanto, ímprobo, 320 A partir da premissa fixada, podemos citar como exemplos: a produção da Lei 8.985, de 7 de fevereiro de 1995, cujo conteúdo, embora tenha formalmente se dirigido aos candidatos com registros cassados no pleito de 1994, em decorrência das particularidades incluídas, acabou por se restringir tão-somente a um determinado político, condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (RO 12.244, rel. Min. Marco Aurélio, RJTSE vol. 7, nº 1, p. 251. Disponível em: <http://www.tse.gov.br>. Acesso em: 10/04/2008) e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (RE. 186.088/DF, rel, Min. Neri da Silveira, julgado em 30/11/1994), pela prática de abuso de autoridade. Assim, a nosso sentir, a produção deste ato legislativo, uma vez perquirido o elemento volitivo que o deflagrou, na qualidade de espécie de ato estatal, poderia, em tese, configurar ato de improbidade, caso restasse demonstrado, estreme de dúvidas, que a finalidade, ao contrário de buscar o interesse público, pretendeu, unicamente, inviabilizar a execução da sanção imposta, sendo, portanto, desprovido aquele de razoabilidade, sem prejuízo do reconhecimento de sua inconstitucionalidade. Igualmente, a nosso sentir, podemos trazer ao estudo, para reflexão, as circunstâncias e fins que constituíram a causa determinante da edição da Lei 9.996, de 14 de agosto de 2000, através da qual se concedeu anistia às multas aplicadas pela Justiça Eleitoral nos pleitos de 1996 e 1998. Esta lei foi submetida ao controle abstrato de constitucionalidade, através da ADIn nº 2.306-3,onde foi inicialmente, em sede de liminar, suspensa a eficácia parcial da mesma, em julgamento ocorrido no dia 27/09/2000. Entretanto, quando do julgamento do mérito, a Corte Maior concluiu pela total constitucionalidade do diploma em referência. Rel. Min. ELLEN GRACIE, julgado em 21/03/2002, constante do Informativo nº 261 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 27/05/2008. 321 GARCIA, Emerson; ALVES Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 3 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 323. 322 Ibidem, p. 329. 323 Já transcrito em nota anterior. 102 porquanto em flagrante descompasso com as regras e princípios esculpidos na Carta Magna e na legislação infraconstitucional.324 O entendimento ora esposado encontra suporte teórico nas idéias de Emerson Garcia325, ao reconhecer que a conduta dos legisladores, quando imoral ao extremo – consistente na utilização das suas funções para auferir benefícios pessoais ou em favor de terceiros – poderia ser considerada como ato de improbidade. Todavia, diante da imunidade parlamentar326 concedida aos legisladores, conclui o referido autor, não é possível a responsabilização pessoal dos membros do Poder Legislativo em decorrência da produção legislativa. Em que pese a argumentação de Emerson Garcia, não parece admissível que o instituto da imunidade parlamentar, por si só, e em qualquer situação, tenha o condão de “imunizar” eventual prática ímproba durante a produção legislativa, vedando, sequer, a abertura da pertinente investigação, a ser conduzida pelo órgão com atribuição. A imunidade parlamentar, instituto criado com o intuito de assegurar independência no desempenho do munus do legislador, portanto em benefício da soberania popular e não particularmente do próprio parlamentar, como prerrogativa subjetiva ou fim em si mesma, não pode servir de subterfúgio para a prática de atos ímprobos. Como assinalado, a democracia e o modelo republicano exigem efetiva possibilidade de controle dos atos estatais, cuja finalidade deve sempre estar dirigida à promoção do bem de todos.327 324 Conquanto se reconheça possível, aliás, louvável, a possibilidade do controle judicial, não se desconhece a enorme dificuldade para a produção da prova indispensável à deflagração da ação, que não se pretende seja usada como instrumento de abalo da própria democracia, ao contrário de fortalecê-la. Não se vislumbra, em tese, risco ao princípio da liberdade de conformação legislativa. 325 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 324. 326 Prevista no art. 53 da Constituição da República, segundo a qual “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos”, a imunidade também aplicada aos Deputados Estaduais e Vereadores, por força dos arts. 27, § 1º e 29, inciso VIII, ambos da Constituição da República. Vide referido artigo in: : NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. Ibidem, p. 241-242. 327 Segundo Marcelo Figueiredo, o parâmetro de atuação dos representantes deve ser o bem comum e não o interesse de determinados grupos ou instituição. Vide referido autor in: Teoria Geral do Estado. Ibidem, p.126. A partir desta premissa é que se deve analisar a conduta dos agentes 103 Ademais, a partir da premissa encampada nesta pesquisa – a de que o direito a um efetivo controle do dever de probidade, dentro do modelo de Estado Democrático de Direito, constitui direito fundamental assegurado pela Constituição –, impõe-se, concretamente, a ponderação dos referidos valores em jogo, sem descurar da aplicação do princípio da proporcionalidade como caminho necessário ao encontro da solução adequada. O direito fundamental a um eficaz controle não pode ser cerceado ou mitigado sob o pretexto de que a fiscalização poderia coarctar o exercício do mandato, que deve ser exercido em favor do próprio outorgante, o verdadeiro titular do poder. Portanto, é insuficiente e incompatível com a idéia de Estado Democrático de Direito, aqui agasalhada, e com os princípios que compõem o núcleo mínimo constitucional de conformação de todos os demais atos estatais (legislativos, administrativos e judiciais), dentre os quais se insere a probidade, a exclusão, a priori, do cabimento, em tese, do controle repressivo da violação da probidade por integrantes do legislativo, quando da produção dos atos que lhes são próprios, por força constitucional.328 Nessa vertente de argumentação, é pertinente recorrer ao pensamento de Fábio Medina Osório, ao ressaltar que “Combater imunidades irrazoáveis, irracionais ou absolutas do Poder é tarefa que integra a cidadania.”329 políticos, evitando, com isso, que eventuais imunidades convertam-se em privilégios pessoais. MIRANDA, Jorge. Teoria Geral do Estado. Ibidem, p. 188. 328 Eis, sobre o tema, o pensamento de Clemerson Cleve:“Da atenta leitura da Constituição, é possível deduzir uma série de princípios indicativos do conteúdo mínimo da dinâmica de conformação legislativa. Referido conteúdo expressa-se mediante regras ou princípios recepcionados pela Constituição (princípio da constitucionalidade, princípio democrático, princípio republicano, princípio da legalidade, princípio dos direitos fundamentais, princípio da proteção da confiança, princípio da justiça social, princípio da igualdade, entre outros) que, agrupados, produzem o núcleo substantivo da ordem jurídica brasileira. O conteúdo de justiça condensado na Constituição vincula todos os órgãos constitucionais, inclusive o Congresso Nacional e o Executivo” CLEVE, Clemerson Merlin. A atividade Legislativa do Poder Executivo. 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.147. 329 OSÓRIO, Fabio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.22. No mesmo sentido são as palavras de Adilson de Abreu Dallari, para quem a “moralidade pública não pode ser alcançada por meio de violação dos princípios fundamentais da ordem constitucional, que não comporta poderes absolutos ou ilimitados, nem irresponsabilidade na atuação dos agentes públicos.”. Vide referido autor: “Limitações à Atuação do Ministério Público na Ação Civil Pública”. Ibidem, p.19. 104 Ainda como reforço à idéia acima, não se pode perder de vista a insuficiência da previsão de controle dos atos ímprobos, perpetrados pelos parlamentares no processo de elaboração das leis, visando a efeitos escusos, apenas pelos próprios pares (através do mecanismo de cassação, por ausência de decoro). Com efeito, compreende-se como necessária e própria do sistema democrático a possibilidade de fiscalização externa dos atos de todos aqueles que se encontram em exercício de funções vinculadas aos Poderes do Estado. A Carta Magna previu controle externo em relação a todos os poderes, não sendo razoável que apenas o Legislativo esteja blindado contra tal garantia, decorrente da própria soberania popular. Ainda mais quando se tem em mente o sistema dos checks and balances.330 Nesta medida, de acordo com Luiz Werneck Vianna,331 a “judicialização da política” exerce verdadeiro papel de checks and balances. Nesse diapasão, não se poderia deixar de trazer a lume as palavras de Ferrajoli,332 ao examinar a dupla face da legitimação de qualquer poder, isto é, a legitimação formal, decorrente do princípio da legalidade, segundo o qual todos os Poderes legislativo, administrativo e judiciário estão subordinados às leis, e a legitimação substancial, cujo sentido pressupõe a “funcionalização de todos os Poderes do Estado à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos”, através das limitações a eles impostas – deveres públicos – no plano constitucional. Eis sua lição, expressa nos seguintes termos:333 “...não existem, no Estado de direito, poderes desregulados e atos de poder sem controle: todos os poderes são assim limitados por deveres jurídicos, relativos não somente à forma mas também aos conteúdos de seu exercício, cuja violação é causa de invalidez 330 Segundo Marcelo Figueiredo, no sistema em questão “os poderes encontram-se repartidos, equilibrados, ajustados o quanto possível, de tal forma a impedir que nenhum deles ultrapasse os limites da Constituição, sempre com vistas à contenção do poder, a melhor governabilidade, à limitação da autoridade (que sempre tende ao arbítrio se não controlada) e, finalmente, preocupada (a teoria do sistema) em garantir as liberdades individuais”. Vide referido autor, in: Teoria Geral do Estado. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2007, p.19. 331 VIANNA, Luiz Werneck et al. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p.81. 332 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.790. 333 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal. Ibidem, p.790. 105 judicial dos atos e, ao menos em teoria, de responsabilidade de seus autores.” A admissão da propositura de ação destinada à aplicação de sanções, em decorrência da inobservância do dever de probidade nos atos legislativos, mas comumente materializados através da violação ao princípio da moralidade, não se confunde com o exame da inconstitucionalidade da norma, a ser realizado de forma difusa ou concentrada, ou ainda através do Mandado de Segurança para as normas de efeitos concretos. Note-se que se trata de searas distintas, com diferentes conseqüências. Ademais, não se pode falar em usurpação da competência do Tribunal Constitucional na ação coletiva destinada à aplicação de sanções decorrentes da inobservância do dever de probidade. A incompatibilidade entre o ato normativo ímprobo e a Constituição da República será, no máximo, apreciada incidentalmente, não constituindo, portanto, objeto do processo. Afora isto, o cabimento do controle pelo cidadão não pode estar restrito apenas à possibilidade de não-renovação do mandato em pleito futuro, até porque o autor do ato, considerado em tese como ímprobo, tem a faculdade de não se oferecer, novamente, ao exercício da representação, hipótese em que a conduta terminaria impune. Em relação ao controle interno, feito pelo próprio Legislativo, não se pode perder de vista que na hipótese em que a maioria necessária à aprovação de uma lei usufruísse dos benefícios imorais pretendidos pelo ato normativo, dificilmente se puniria aqueles que participaram do ato viciado. Acerca do tema, são elucidativas as palavras de Marcelo Figueiredo334 quando, ao tratar do tema moralidade administrativa, destacou ser cabível, inclusive, a constatação de violação do princípio da moralidade administrativa e, portanto, da probidade, pela autoridade legislativa: 334 FIGUEIREDO, Marcelo. O Controle da Moralidade na Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 138. 106 “constata-se que a violação ao princípio da moralidade surge, essencialmente, quando a autoridade (administrativa, legislativa ou judiciária) desvia-se dos comandos expressos ou implícitos contidos no ordenamento jurídico, notadamente nos princípios constitucionais. Essa a razão por que a constatação da violação ao princípio da moralidade normalmente vem associada à violação a outros princípios constitucionais, como, v.g., a legalidade, a isonomia, a publicidade, a impessoalidade etc. Isso não significa que o princípio da moralidade não possa por si só ser a causa do vício impugnado” É bem verdade que os autores que cuidam do tema, como Emerson Garcia, admitem que a responsabilização do legislador por fatores externos que concorrem para a formação do elemento anímico do agente não está acobertada pela inviolabilidade prevista no texto constitucional. Em respaldo ao seu posicionamento, o referido autor apresenta os seguintes exemplos: o recebimento de vantagem patrimonial, sob qualquer forma, de setores da sociedade diretamente interessados em matéria submetida à apreciação do Poder Legislativo, ou mesmo a negociação do voto que proferirá; aquisição, no período de exercício do mandato, de bens cujo valor seja desproporcional à renda do agente e o recebimento de vantagem para postergar a votação de projeto de lei, quer seja na condição de relator, Presidente de Comissão quer na de Presidente da própria Casa Legislativa.335 É indubitável que tais exemplos, ao configurarem modalidade específica de ato de improbidade, por certo trazem imanente a violação ao princípio da moralidade, posto que todo ato de improbidade é, antes de tudo, inobservância deste princípio. Admite-se a subsunção desses exemplos à Lei de Improbidade. Na verdade, a idéia que se procura trazer à baila diz respeito à violação ao princípio da moralidade – aqui atuante como verdadeiro soldado de reserva – por força de desvio de finalidade na confecção legislativa, sem que se possa ser demonstrado o enquadramento numa das modalidades autônomas expostas na Lei 8.429/92. 335 Poderia ser cogitada, inclusive, a possibilidade de responsabilização do legislador por desvio de finalidade que tenha gerado prejuízo individual ou coletivo, desde que evidenciado o dolo. 107 Assim entendido o dilema, os possíveis “fatores externos” eventualmente detectados, quando não configuradores de hipótese autônoma de improbidade prevista na Lei 8.429/90, não constituem fatores externos e deslocados da produção legislativa. São, em verdade, caso demonstráveis, elementos de prova que dá suporte à deflagração da Ação de Improbidade Administrativa, fundada na violação do princípio da moralidade, como corolário do desvio de finalidade. Não obstante a ponderação apresentada por Emerson Garcia em relação à imunidade, admite o próprio autor336 que a desídia do parlamentar, demonstrada através de reiterada e injustificada ausência às sessões legislativas, amolda-se ao ato de improbidade administrativa, previsto no artigo 11, inciso II, da Lei 8.429/92, configurando a conduta do agente, além de enriquecimento ilícito – recebimento dos subsídios sem cumprimento das funções de ofício, próprias do cargo – violação ao princípio da moralidade. Ora, mutatis mutandi, o desvio de finalidade, consistente na participação de processo legislativo visando a fim contrário aos princípios e normas constitucionais e ao Estado Democrático de Direito, bem como objetivando fins flagrantemente imorais em benefício próprio ou de outrem, enquadra-se no ato de improbidade, especificado no artigo 11, inciso I, da lei acima mencionada337 como corolário da inobservância do princípio da moralidade.338 Não se pode olvidar que agentes públicos e políticos têm o dever de orientar seu trabalho ao interesse da coletividade, buscando a promoção do bem comum. Além disso, o sistema constitucional republicano conduz à admissão da responsabilidade por improbidade administrativa de todo agente público lato sensu. 336 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 328-329. “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I- praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência. 338 Rogério José Bento Soares do Nascimento registra que “o Supremo Tribunal Federal vem mantendo o entendimento de que a imunidade material do parlamentar não se refere apenas à responsabilidade criminal, mas também à civil e à administrativa. Contudo, esta orientação extensiva do instituto da imunidade talvez já não expresse com fidelidade o anseio social por maior controle sobre o exercício do mandato popular.” Vide referido autor in “Improbidade Legislativa”. Ibidem, p. 421. 337 108 A despeito da assertiva acima, é forçoso concluir, nos termos do artigo 55, § 3º, 339 da Constituição da República de 1988, que a declaração da perda do mandato do Parlamentar somente ocorrerá por ato da Casa Legislativa a qual ele integre, o que não impede, contudo, a aplicação das demais sanções previstas na Lei de Improbidade. Note-se que, embora a perda dos direitos políticos seja uma das sanções cominadas na Lei 8.429/93 (artigo 12), por violação ao dever de probidade, segundo se extrai da norma constitucional supracitada, a perda do mandato depende da declaração a ser proferida pelo Poder Legislativo.340 Assim sendo, a concretização da perda do mandato, como conseqüência da improbidade, constitui ato complexo341, cujos efeitos, não obstante o trânsito em julgado da decisão, depende da respectiva Casa Legislativa. A imputação pela prática do ato de improbidade será deduzida perante o órgão do Poder Judiciário competente que, frise-se, é do juízo monocrático.342 Igualmente, como destacado, os integrantes do Poder Judiciário estão jungidos à observância do dever de probidade em todos os atos praticados nessa condição, tenham eles materialmente conteúdo jurisdicional ou não. Questão particularmente delicada diz respeito à imperiosa necessidade de observância do princípio da independência, sem o qual, no Estado Democrático de Direito, não se pode sequer pensar, verdadeiramente, na idéia de justiça. No entanto, o respeito à independência funcional do Magistrado não constitui, a priori, 339 “Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - ... IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; § 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.” In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. Ibidem, p. 242. 340 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. “Improbidade Legislativa.” Ibidem, p. 424. 341 É aquele que decorre da “conjugação de vontade de órgãos diferentes”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Ibidem, p. 419. 342 Nos termos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 2797/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgada em 15/09/2005, publicada no DJ em 19/12/2006, a norma constante da Lei 10.628/01 que estendia o foro por prerrogativa de função às ações de improbidade administrativa foi declarada inconstitucional. Disponível em: <http://stf.gov.br>. Acesso em: 27/05/2005. 109 obstáculo intransponível que o exclua do alcance das sanções pela prática de atos violadores da probidade. Decorre do exposto que o conteúdo das decisões deve ser resguardado em nome da independência funcional, um dos pilares para que se possa, em concreto, vivenciar a democracia, desde que não se vislumbre evidente desvio de finalidade, a ser demonstrado através de elementos carreados pelo órgão com atribuição legal para deflagrar a investigação. A inobservância do princípio da moralidade – presente quando se buscam benesses pessoais e/ou para terceiros, com evidente desvio de finalidade – subsume-se, por si, às normas constantes do artigo 11, caput e inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo de outras violações a serem comprovadas, como o enriquecimento ilícito, esculpido no artigo 9º, inciso VII, do mesmo diploma legal.343 Não se pode olvidar que o descumprimento do dever de julgar, consubstanciado na omissão intencional, a ser concretamente sopesada a partir dos critérios de razoabilidade (ponderação stricto sensu), também pode configurar ato de improbidade, previsto no artigo 11, inciso II, da Lei 8.429/92. Aplica-se ao Magistrado, igualmente, o entendimento acima aduzido no tocante ao cabimento da responsabilização do Estado,344 por força da norma contida no artigo 37, § 6º, da Constituição da República, bem como a possibilidade de regresso nela contemplada em relação ao agente que deu causa, a título de dolo. A 343 “Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - ... VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução patrimonial ou à renda do agente público;” 344 Cabe aqui trazer-se à colação a lição do Desembargador Sergio Cavalieri Filho, acerca da responsabilização do Estado na hipótese de prestação do serviço judiciário defeituoso: “Com efeito, danos graves e de difícil reparação podem resultar para as partes em razão da negligência do juiz no cumprimento do seu dever (...). Por seu turno, o serviço judiciário defeituoso, mal-organizadoizado, sem os instrumentos materiais e humanos adequados, pode, igualmente, tornar inútil a prestação jurisdicional e acarretar graves prejuízos aos jurisdicionados pela excessiva morosidade da tramitação do processo. Os bens das partes se deterioram, o devedor desaparece, o patrimônio do litigante se esvai etc”. Vide referido autor, in: Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed., São Paulo: Atlas, 2008, p.263. 110 responsabilização dos juízes encontra-se ainda regulada nos artigos 133, incisos I e II, do Código de Processo Civil e 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.345 Aliás, a conclusão acima, por óbvio, aplica-se integralmente aos membros do Ministério Público e a todos os agentes públicos incumbidos da prolação de decisões em procedimentos administrativos (e.g. integrantes de comissões disciplinares).346 Como assinalado anteriormente, o modelo republicano constituído por um Estado Democrático de Direito, expressamente adotado pela Lei Maior, implica a existência de sistemas próprios de controle dos atos públicos, dentre os quais a responsabilização do agente pela prática de ato de improbidade. Cumpre acrescentar o alerta de Emerson Garcia347, para quem, relativamente à responsabilização dos Juízes, o trânsito em julgado não constitui óbice à deflagração da Ação de Improbidade “já que a pretensão a ser deduzida na ação civil não pressupõe o revolver da lide originaria, mas, sim, a análise dos fatores externos que comprometeram sua idoneidade”. Essas reflexões não pretendem esvaziar o conteúdo da imunidade parlamentar e da independência funcional, instrumentos necessários ao regime democrático, porém, apenas, contribuir para a delimitação de seu alcance, exatamente por força do ambiente na qual se encontram inseridas, qual seja, o Estado Democrático de Direito, no qual a soberania deve ser formal e materialmente 345 “Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.” In: NEGRÃO, Theotonio; Gouvêa, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 39 ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 268. “Art. 49 - Responderá por perdas e danos o magistrado, quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; Il - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar o ofício, ou a requerimento das partes. Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no inciso II somente depois que a parte, por intermédio do Escrivão, requerer ao magistrado que determine a providência, e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias.” In: NEGRÃO, Theotonio; Gouvêa, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 39 ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1790. 346 Em verdade, todo agente público que deliberadamente deixa de cumprir os deveres próprios do cargo ou da função exercida, ao menos em tese, pode ser responsabilizado nos termos da Lei de Improbidade. 347 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 332. 111 titulada pelos cidadãos, no qual a responsabilização dos agentes é consectário lógico da forma republicana. É indispensável que a imunidade parlamentar e a independência funcional sejam examinados sem que se perca de vista o “conteúdo mínimo da conformação” que atua como balizamento constitucional. Dito de outra forma, não se pode emprestar aos instrumentos destinados a assegurar a democracia um fim em si mesmo, capaz de comprometer a sua própria efetividade, subjugando-a a mero preceito abstrato, dissociado do mundo dos fatos, no qual a mesma deve ser diuturnamente reafirmada. Ademais, além de divorciada do texto constitucional, soa anti-democrática a idéia de exclusão de parcela dos agentes estatais – algumas autoridades da República – da subsunção às normas esculpidas na Lei de Improbidade, em razão da prática de atos desviados da finalidade estatal, na medida em que igualmente vinculados ao cumprimento dos princípios e normas imprescindíveis ao correto funcionamento do Estado; vale dizer, ao dever de agir em conformidade com o princípio da probidade.348 348 Acerca do tema merece ser noticiada a assertiva constante do voto proferido pelo Min. LUIZ FUX, no REsp. nº 416.329-RS, no qual se restou patenteado que podem figurar como sujeitos ativos da Lei de Improbidade os agentes políticos, administrativos, honoríficos e delegados e não apenas os servidores públicos em sentido estrito, visto que a denominação ‘agentes públicos’ foi empregada neste diploma legal como gênero a englobar as demais espécies, in verbis: “É assente na doutrina que a denominação ‘agentes públicos’ refere-se genérica e indistintamente a todos os sujeitos que servem ao Poder Público, que desempenham funções estatais, considerando-se um ‘gênero’ do qual são espécies os agentes políticos, administrativos, honoríficos e delegados.” 112 CAPÍTULO 8 A PROBIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DIFUSO A noção de direitos fundamentais iniciou-se a partir de uma visão filosófica, sem configurar, de imediato, um instituto inserido no ordenamento jurídico. Na verdade, a evolução do próprio Estado permite constatar que os direitos fundamentais são realidades históricas349 que sofreram e continuam em processo de alterações em função das mudanças que se operam na sociedade. Para melhor compreensão, José Carlos Vieira de Andrade350 apresenta formas distintas de análise dos direitos fundamentais, a saber: a) pela perspectiva filosófica ou jusnaturalista; b) perspectiva universalista ou internacionalista e c) perspectiva estadual ou constitucional. Segundo a perspectiva filosófica ou jusnaturalista, tal como definida pelo referido autor351, os direitos fundamentais decorrem das concepções de dignidade e igualdade inerentes aos seres humanos352 e, por isso, constituem direitos absolutos (não podem sofrer restrições) imperecíveis (são eternos, impermeabilizados (não são suscetíveis a modificações). perenes) e Dessa maneira, a existência dos direitos fundamentais independe do lugar ou da época, sendo inerente a todos os homens. A partir dessa interpretação, os direitos fundamentais não estão atrelados à existência do Estado, como forma de organização e sua importância não se 349 Norberto Bobbio pontifica “que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”. BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 5. 350 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 11. 351 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Ibidem, p. 11-16. 352 Nos termos do registro apresentado no capítulo I, coube inicialmente a Locke a idéia de direitos inerentes ao ser humano, mesmo no estado de natureza, portanto inafastáveis até mesmo pelo contrato social, ainda que sinônimo da manifestação da vontade dos indivíduos. GOMES, Rosângela, Maria de Azevedo. “O Direito à moradia como Valor Integrante do Direito à Vida Digna”. In: Direitos Fundamentais e Novos Direitos. KLEVENHUSEN, Renata Braga (coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 146. 113 restringe à história, já que dela se lança mão, algumas vezes, para justificar direitos individuais como corolários da dignidade humana353 354 . A vertente universalista355 decorre também do reconhecimento de que os direitos fundamentais abrangem todos os seres humanos e devem ser protegidos de forma universal, eis que representam as aspirações indispensáveis do homem no espectro universal. A partir desse entendimento, surgiram os tratados, cartas e convenções internacionais, visando à vinculação de todos os Estados no sentido de promover, inicialmente no plano interno, o reconhecimento dos direitos considerados à época, como imprescindíveis aos indivíduos.356. Nessa perspectiva, o reconhecimento dos direitos fundamentais não importava em afirmações absolutas que deveriam ser aceitas em qualquer tempo, mas implicava o reconhecimento “de princípios inscritos na consciência jurídica universal, hoje comum aos povos de todos os continentes”.357 O transcorrer do tempo demonstrou que a positivação dos direitos fundamentais nos documentos internacionais não foi suficiente, tendo em vista que a proteção deveria ser efetivada internamente pelos Estados. A atuação, além dos limites territoriais de cada país, resumia-se às relações diplomáticas (aqui incluída a celebração dos tratados, convenções e acordos). 353 Segundo José Carlos Vieira de Andrade, trata-se de uma dimensão dos direitos individuais, “a qual sob a veste de direito natural, que foi o seu figurino histórico ou sob outra veste jurídica equivalente – a de ‘consciência axiológica-jurídica’ ou a de ‘princípios jurídicos fundamentais’, anteriores e superiores ao próprio legislador constituinte – legitima, da caráter e contribui para iluminar o conteúdo de sentido dos preceitos constitucionais (ou de direito internacional)”. Ibidem, p. 15. 354 José Carlos Vieira de Andrade registra o costume de se apontar a origem dos direitos fundamentais nos estóicos, seguidos de Cícero, em razão da existência de pensamentos voltados para proteção da dignidade dos homens, esclarecendo, no entanto, que a instituição da escravatura conduz à negação da existência de direitos do homem naquele momento histórico. Ibidem, p. 12. 355 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Ibidem, p. 17-25. 356 Os malefícios registrados na II Guerra Mundial, principalmente no tocante às arbitrariedades perpetradas sem limites, fizeram surgir a necessidade de reconhecimento, no plano internacional, de um núcleo mínimo de direitos a serem observados pelos Estados. Este reconhecimento iniciou-se com a Carta das Nações Unidas (1945), logo após com a Declaração de Direitos Americana (promulgada em 1948, somente em 1959 tornou-se a Convenção Americana dos Direitos do Homem) e com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), seguidas de diversos tratados e convenções (Convenção Européia em 1959, posteriormente complementada pela Carta Social Européia e Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos). Ibidem, p. 17-18. 357 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Ibidem, p. 19. 114 A constatação acima trouxe à tona a necessidade de criação do Tribunal Internacional de Justiça, que impõe aos Estados o dever de observância aos princípios e regras que formam o conjunto dos direitos fundamentais. A análise desses direitos sob a perspectiva constitucional358 fixa limites ao poder do Estado, permitindo que a Lei Maior passe a reger os valores que subjazem aos direitos fundamentais, através dos princípios e regras, protegidos pelo manto constitucional. É nesse sentido que os direitos fundamentais devem ser vistos à luz da unidade da Constituição. Conclui-se, portanto, que a concepção apresentada pelo referido autor tem como núcleo a proteção do homem, inicialmente apenas no plano individual, posteriormente ampliada para abranger também o espectro coletivo. Sob a ótica da constitucionalização, os direitos fundamentais têm a “capacidade de irradiação pelo ordenamento jurídico”,359 através das políticas públicas decorrentes de uma “hermenêutica progressista”,360 e, com isso, ficam imunizados em relação ao processo político majoritário, transferindo a proteção dos mesmos ao Poder Judiciário,361 dentro do que se passou a designar como “judicialização da política”. Segundo Luiz Werneck Vianna,362 a positivação dos direitos fundamentais, impregnados de conteúdo axiológico-normativo, acabou por demandar a participação do Poder Judiciário “no espaço da política”, reformulando as relações entre os Poderes, na qual “prevalece a lógica dos princípios”, com intensa presença “do ético e do justo”. Esta assertiva pode ser constatada através do crescimento das ações coletivas, em grande parte deflagradas pelo Ministério Público, dentre as quais a Ação de Improbidade Administrativa. Reitera-se, portanto, que a percepção dos direitos fundamentais está diretamente ligada à evolução histórica do Estado, em direção ao processo de democratização, caminhando dos direitos de defesa do liberalismo para os direitos políticos de participação. 358 Como assinalou José Carlos Vieira de Andrade “a ANDRADE, José Carlos Vieira de. Ibidem, p. 25-30. MAIA, Antônio Cavalcanti. “Considerações acerca do papel civilizatório do Direito”. In: Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. MAIA, Antônio Cavalcanti et al. (org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. XIX. 360 MAIA, Antônio Cavalcanti. Ibidem, p. XIX. 361 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo. Site Consultor Jurídico, 2006. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br>. Acesso em 20/07/2007 362 VIANNA, Luiz Werneck et al. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Ibidem, p.22. 359 115 democracia torna-se, nesse contexto, numa condição e numa garantia dos direitos fundamentais e, em geral, da própria liberdade do homem”. 363 Ingo Wolfgang Sarlet364 distingue as expressões a)“direitos do homem” (referentes aos direitos naturais não positivados ou que ainda não foram positivados); b)“direitos humanos” (correspondem aos direitos já inseridos de forma positiva no espectro internacional; c)“direitos fundamentais” (considerados como os direitos “reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado)”. Esses conceitos, associados à lição de Jorge Reis Novais365, permitem inferir que os direitos fundamentais configuram imposição ao Estado, às entidades públicas e aos particulares (“eficácia horizontal desses direitos”366) de “deveres jurídicos de fazer, não fazer ou suportar”, nascendo simultaneamente para os particulares, na condição de titulares de direitos fundamentais, situações de vantagens relacionadas com a possibilidade de usufruir do bem que é tutelado pela norma, ainda que direta ou indiretamente imediatamente ou em momento posterior. Visto como um bloco, o direito fundamental corresponde ao conjunto heterogêneo de posições juridicamente tuteladas, tendo como contrapartida a imposição ao Estado e também aos particulares (na já citada “eficácia horizontal”) do cumprimento de deveres e obrigações necessárias à criação e manutenção das citadas posições de vantagem. Portanto, como ressaltado, segundo idéia reitora de Robert Alexy,367 os direitos fundamentais são entendidos como posições tão importantes que sua outorga não pode estar à mercê da simples maioria parlamentar. Nesse sentido, os direitos fundamentais funcionam como bússola a orientar o legislador ordinário na produção dos atos normativos, impedindo a introdução, no ordenamento jurídico, de 363 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais. Ibidem, p. 47. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 6 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 36. 365 NOVAIS, Jorge Reis. A s Restrições aos Direitos Fundamentais não Expressamente Autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 53-54. 366 Segundo Daniel Sarmento, “a eficácia horizontal dos direitos fundamentais de 2ª geração parece uma saída atraente. Com ela, recupera-se a noção de solidariedade, revestindo-a de juridicidade. Sob esta ótica, os poderes econômicos privados têm não apenas o dever moral de garantir certas prestações sociais para as pessoas carentes com que se relacionarem, mas também, em certas situações, a obrigação jurídica de fazê-lo.” SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.35. 367 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997, p. 432. 364 116 normas que afrontem esse alicerce à sustentação do modelo axiológico-normativo estabelecido pelo Poder Constituinte originário. Ademais, representa um norte de atuação complementar, visando à regulamentação desses direitos dentro dos princípios da proibição do excesso, bem como da proibição da proteção deficiente. Em face do exposto, pode-se inferir que as citadas situações de vantagens, em razão da consagração na Constituição,368 são excluídas da possibilidade de alteração pela maioria que venha a se formar após o Poder Constituinte (tanto para o legislador ordinário, como para o legislador constitucional que se seguiu). Em outra vertente, as mencionadas posições jurídicas estão atreladas a pretensões instrumentais de garantia que, uma vez abstraídas das relações, podem também representar, de maneira autônoma, situação de vantagem relativa a um bem juridicamente protegido, caracterizando-se como direito fundamental.369 Na mesma sintonia, ao tratar do caráter duplo dos direitos fundamentais, Konrad Hesse370 esclarece que são eles subjetivos “direitos do particular, e precisamente, não só nos direitos do homem e do cidadão no sentido restrito (...)” e, ao mesmo tempo, garantidores de “um instituto jurídico ou a liberdade de um âmbito de vida”. Igualmente, também são direitos fundamentais de garantia, pois são “elementos fundamentais da ordem objetiva da coletividade.” Tais direitos fundamentais operam como garantias para a sociedade, ainda que não confiram direito individual a determinada pessoa, especificamente. Na verdade, esses direitos estão incorporados e impregnados no corpo originário da Constituição, essa na qualidade de ente dotado de supremacia para governar os atos estatais. 368 Jorge Reis Novais registra a admissibilidade do reconhecimento de direitos fundamentais “sem assento constitucional”. Vide referido autor in: As Restrições aos Direitos Fundamentais Não Expressamente Autorizadas Pela Constituição. Ibidem, p. 47-48. Tais hipóteses resultam de leis ordinárias ou regras de direito internacional aplicáveis em decorrência da consagração de cláusula aberta de direito fundamental. Como já demonstrado, esses direitos não recebem o nome de direitos fundamentais em sentido estrito, segundo Ingo Sarlet. 369 NOVAIS, Jorge Reis. As Restrições aos Direitos Fundamentais Não Expressamente Autorizadas Pela Constituição. Ibidem, p. 54-55. 370 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federativa da Alemanha. Trad. de Luis Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 228-229. 117 Exatamente a partir desse conjunto heterogêneo de posições, formados por direitos e deveres, pode-se entender que o direito à probidade constitui uma espécie de direito fundamental difuso, como emanação, em última análise, da proteção à dignidade da pessoa humana, sob a ótica transindividual. Nesta mesma linha de pensamento, Rita Tourinho vislumbra a probidade como um “direito público subjetivo” de toda a sociedade371. O Estado Democrático de Direito, fortalecido pelo modelo republicano, não se coaduna com atuações estatais desprovidas de controle. Ao contrário, é preciso dispor de instrumentos que assegurem o direito de a sociedade obter do Estado e de seus agentes as condutas legítimas e eficientes, decorrentes de escolhas finalisticamente dirigidas, a partir dos valores que subjazem à Lei Maior. Assim, não há espaço para ações ou omissões puramente discricionárias, impondo-se como direito da coletividade a efetiva fiscalização – e eventual repressão, caso se faça necessária – para além de um exame estritamente formal, com o fim de afastar desvios ou omissões ímprobas. Calcado nessas premissas, Juarez Freitas372 registra que, mesmo diante das hipóteses em que se abrem opções para atuação do agente estatal, sua conduta encontra-se vinculada à estrita observância dos princípios insertos na Carta Fundamental, acrescentando que a inteira liberdade para o administrador (e aqui se aplica para todo o agente estatal) caracteriza arbitrariedade: “Quer dizer, a liberdade apenas se legitima ao fazer aquilo que os princípios constitucionais, entrelaçadamente, determinam.” Nessa linha de pensamento, impõe-se o registro do conceito do direito fundamental à boa administração, formulado por Juarez Freitas,373 consagrado e concretizado no ordenamento pátrio, a ser igualmente compreendido como direito fundamental ao cumprimento do dever de probidade, in verbis: 371 TOURINHO, Rita. “Os golpes aplicados contra a eficácia da Lei de Improbidade Administrativa e a proposta de criação do Tribunal Superior da Probidade Administrativa.” In: Revista Interesse Público”. Nº 47, Belo Horizonte, Fórum, jan/fev/2008, p. 101-118. 372 FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. Ibidem, p. 8. 373 Ibidem, p. 20. 118 “(...)o direito fundamental à boa administração pública, que pode ser assim compreendido: trata-se do direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem.” Esclarece o citado autor374 que o direito fundamental à boa administração decorre de um conjunto reunido de direitos, vale dizer, o somatório de direitos subjetivos públicos, dentre os quais “o direito à administração pública proba”, consistente na proibição de comportamentos (ações e omissões) que violem o interesse público no sentido dos interesses dos indivíduos na sociedade, tomados coletivamente. Esse direito à observância do dever de probidade encontra sustentáculo no plano nacional e no direito estrangeiro, principalmente no continente europeu, na medida em que a própria Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, embora ainda sem força vinculante,375 reconhece expressamente, em seu artigo 41, o direito a uma boa administração; vale dizer, a um bom governo.376 Ademais, os tratados internacionais de combate à corrupção decorrem também do reconhecimento da necessidade de proteção, extra muros, da probidade, como condição sine qua non da preservação do Estado Democrático de Direito e, 374 FREITAS, Juarez, Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. Ibidem, p. 20. 375 Em decorrência dos vetos de alguns países como a França e Holanda. 376 A Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia assim dispõe no artigo 41:”Direito a uma boa administração. 1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas Instituições e órgãos da União de forma imparcial, eqüitativa e num prazo razoável. 2. Este direito compreende, nomeadamente: – o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada medida individual que a afecte desfavoravelmente; - o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial; - a obrigação, por parte da administração , de fundamentar as suas decisões. 3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da Comunidade, dos danos causados pelas suas Instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros. 4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às Instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.” SOARES, Antônio Goucha. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia. A Proteção dos Direitos Fundamentais no Ordenamento Comunitário. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p.105. 119 especificamente, dos direitos sociais fundamentais imanentes a esse modelo de organização, ainda que através de outras nomenclaturas.377 Nessa ordem de idéias, o conceito de direito fundamental à boa administração, segundo Juarez Freitas,378 é norma de direta e imediata eficácia em nosso sistema constitucional, de forma a impor um controle efetivo dos atos estatais. No âmbito nacional, deflui expressa ou implicitamente dos dispositivos constitucionais já apontados, a constatação da existência de um conjunto de direitos e deveres que protegem a probidade. Inicia-se aqui o reconhecimento de liame direto entre os princípios insertos no artigo 37, caput, da Constituição de 1988 – que integram o conceito de direito fundamental à boa administração - e os dispositivos previstos pela Lei de Improbidade, ao conceituar como ato de improbidade a violação dos ditos princípios. A compreensão desse conjunto conduz à constatação de que a probidade foi erigida como alicerce fundamental à existência e efetividade do Estado Democrático de Direito.379 Ratifica-se que o reconhecimento expresso e implícito na legislação já citada dão claros sinais textuais que autorizam afirmar que deflui dos valores abraçados pela Constituição Federal a proteção à probidade dos atos estatais, que visam, na verdade, à promoção do bem comum. Dizendo de outra forma: quando a Carta Constitucional impõe a probidade na prática dos atos dos agentes públicos e políticos, escolhe claramente o único caminho possível para a promoção do bem de todos. Neste sentido, desde o Preâmbulo, a Carta de 1988 estabeleceu que o Estado Democrático de Direito destina-se a “(...)assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais”, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social(...). 377 Segundo Vanice Lírio do Valle, no direito brasileiro, o elenco constitucional dos princípios regedores da Administração Pública possibilita a “extração de um direito fundamental à boa administração” que vai além da literalidade do art. 41 da Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, anteriormente citado. Vide referida autora in: “Direito fundamental à boa administração, políticas públicas eficientes e a prevenção do desgoverno”. Ibidem. 378 FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. Ibidem, p. 7. 379 A efetivação da democracia e o Estado mínimo são inconciliáveis. 120 Deflui desse mandamento que a proteção da dignidade da pessoa humana, erigida como “prioridade das prioridades”, não pode ser alcançada, se não através da efetivação de outros direitos, igualmente conceituados como direitos fundamentais. Ultrapassado o Preâmbulo, constata-se que o direito fundamental à probidade administrativa como gênero, da qual são espécies os princípios que regem o atuar dos agentes de todos os poderes, ocorreu de forma sistêmica. Notese que o texto constitucional interliga o dever de probidade de todo agente público (lato sensu), previsto no capítulo próprio da Administração Pública, aos Direitos e Garantias Fundamentais, quando estabelece a condenação em decorrência da prática de ato de improbidade administrativa como uma das hipóteses excepcionais de suspensão dos direitos políticos (artigo 15, inciso V, da Constituição da República). A partir dessa constatação, é possível dimensionar a importância conferida pelo legislador constitucional à probidade na Administração Pública, eis que a sua ofensa espraia efeitos até mesmo nos direitos e garantias fundamentais do cidadão, o qual venha a praticar atos ligados à Administração Pública ou concorra para a prática de eventual irregularidade na gestão da coisa pública. É, portanto, a probidade administrativa um direito fundamental decorrente do também direito fundamental à cidadania, na medida em que a prática de ato de improbidade administrativa afeta diretamente o exercício dos direitos políticos, como insculpido no artigo constitucional citado. Nas palavras de Rogério José Bento Soares do Nascimento,380 o exercício dos direitos políticos constitui um direito fundamental, isto é: “...Direito fundamental de participação na vontade do Estado” (na auto-legislação – o Povo como autor do Direito tem vínculos com a noção democrática de liberdade como autonomia – é livre quem só esta obrigado por normas que cria ou adere voluntariamente). 380 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. “Improbidade Legislativa”. Ibidem, p. 414. 121 Ora, na medida em que se reconhece como direito fundamental a participação na vontade do Estado, o controle do resultado dessa exteriorização constitui extensão do direito fundamental difuso. Alias, não é por outra razão que a Ação Popular é reconhecidamente um direito fundamental, instrumento de fiscalização do ato lesivo ao patrimônio público e à moralidade administrativa.381 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes382, por sua vez, reforça a tese de que as ações coletivas (não se podendo excluir do rol a Ação de Improbidade), notadamente a ação popular, representam direito fundamental do cidadão e instrumento de fiscalização do Estado. Embora a ação popular seja meio processual adequado para a proteção da probidade (como direito fundamental), não esgota o reconhecimento da improbidade administrativa, uma vez que a lei 4.717/65 limita-se à anulação do ato lesivo e condenação a perdas e danos (v. art. 5º., LXXIII da Constituição Federal e artigos 1º. e 11 da Lei 4.7.7/65), sem reflexos sancionatórios, inclusive no que concerne aos direitos políticos. Em verdade, o cidadão restou excluído do rol dos legitimados para a propositura da Ação de Improbidade, prevista no artigo 17 da Lei 8.429/92.383 Aliás, 381 Nesse sentido, segundo Emerson Garcia, “A normatização expressa e a densificação dos princípios extraídos da Constituição da República erigem-se como alicerce adequado à sustentação da necessária adequação dos atos legislativos ao princípio da moralidade. Senão vejamos: a) o amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e a utilização da ação popular para anular ato lesivo à moralidade administrativa (art. 5º, LXXIII) são direitos fundamentais(...)” GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, 323. 382 Mendes, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no direito comparado e nacional. Ibidem, p. 207. 383 “Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput. § 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público. § 3o No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965. (Redação dada pela Lei nº 9.366, de 1996) § 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade. § 5o A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001) o § 6 A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação 122 o cidadão também restou excluído do rol dos legitimados para a Ação Civil Pública; entretanto, pode fazê-lo a partir do momento em que se organiza em associação própria. Por outro turno, o reconhecimento da crise de efetividade do Estado Democrático de Direito que, por sua vez, atinge também os direitos fundamentais sociais e individuais,384 fortalece e justifica o direito fundamental à probidade. Tratase, em verdade, da constatação de crise de identidade e confiança no próprio Estado,385 definido como modelo de organização capaz de promover, de forma proba, o bem comum, assegurando ao povo condições dignas de vida em seu sentido mais amplo.386 Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet387 sustenta que a referida crise da ausência de confiança na efetividade dos direitos fundamentais é também de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001) § 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001) § 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001) § 9o Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001) § 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001) § 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001) § 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1o, do Código de Processo Penal. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)” BRASIL. Lei 8.429, de 02.06.1992. In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. Ibidem, p. 764. 384 SARLET, Ingo Wolfgang. “Constituição e Proporcionalidade: O Direito Penal e os Direitos Fundamentais entre Proibição de Excesso e de Insuficiência.” In: Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Notadez, nº 12, 2003, p. 86-120. 385 Ingo Wolfgang reconhece “uma crise de identidade e confiança na Constituição e nos direitos fundamentais”, como um dos efeitos da globalização sobre o Estado democrático (necessariamente social) de Direito. Vide referido autor in: SARLET, Ingo Wolfgang. “Constituição e Proporcionalidade: O Direito Penal e os Direitos Fundamentais entre Proibição de Excesso e de Insuficiência”. Ibidem. 386 Outra não é a assertiva posta por Norberto Bobbio acerca da crise dos direitos fundamentais ao sustentar que o problema não mais diz respeito à necessidade de fundamentá-los, já que se encontram difundidos em larga escala. Agora, a questão que se põe diz respeito à proteção desses direitos. “Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”. BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Ibidem, p. 25. 387 Em complemento, acrescenta o referido autor que, no campo dos direitos fundamentais sociais, a “reserva do possível” - como óbice ao reconhecimento e a imposição dos mesmos através do Poder 123 fundamento político, social e filosófico a robustecer o reconhecimento do direito à probidade como direito fundamental. Em verdade, no âmbito do Estado Democrático de Direito, a probidade na prática dos atos estatais deve ser compreendida, simultaneamente, como direito e garantia fundamental, funcionando como instrumento para efetiva observância dos princípios e regras próprias deste modelo político-jurídico que, sem dúvida, está consagrado no Brasil. Aliás, hoje, mesmo aqueles que entendem a Constituição sob a concepção procedimentalista388 admitem que não há como assegurar efetiva deliberação majoritária consciente, sem o mínimo respeito aos direitos fundamentais, o que equivale a reconhecer a imprescindibilidade da existência de condições materiais – fáticas – para a participação no processo democrático. Nesta esteira, a probidade é conditio sine qua non para que o processo deliberativo não seja contaminado, mormente pelo vício da moralidade,389 de forma a macular o exercício da cidadania em sua essência, bem como para a concretização das obrigações prestacionais, decorrentes dos direitos essenciais à própria vida.390 Por óbvio, o princípio da probidade está incluído no núcleo mínimo imposto pela Constituição e, a fortiori, excluído do espaço de discricionariedade da Judiciário (judicialização dos direitos sociais) - é, em regra, mais alegada quanto maior é a corrupção e os desvios de recursos, ou seja, a inobservância dos deveres de probidade. SARLET. Ingo Wolfgang. “O Direito à Probidade Administrativa na Constituição Federal”. Palestra proferida no seminário Improbidade Administrativa, realizado no Ministério Público Federal. Porto Alegre, 23/06/2006. 388 O procedimentalismo constitui uma linha de pensamento acerca da forma de se compreender o papel da Constituição, cabendo ao texto constitucional “garantir o funcionamento adequado do sistema de participação democrático, ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico, a definição de seus valores e de suas opções políticas. Nenhuma geração poderia impor à seguinte suas próprias convicções materiais. BARCELLOS, Ana Paula de. “Neoconstitucionalismo, Direitos fundamentais e controle de políticas públicas”. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (org.) Direitos Fundamentais: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.37. 389 A violação à moralidade ( e, a fortiori, à probidade) no processo de captação da manifestação popular para escolha dos seus representantes abala a legitimidade da representação, afetando a estrutura do próprio regime democrático. 390 No dizer de Ana Paula de Barcellos, substancialistas e procedimentalistas “concordam, por razões diversas, que os direitos fundamentais formam um consenso mínimo oponível a qualquer grupo político, seja porque constituem elementos valorativos essenciais, seja porque descrevem exigências indispensáveis para o funcionamento adequado de um procedimento de deliberação democrática. Em suma: a Constituição é norma jurídica central no sistema e vincula a todos dentro do Estado, sobretudo os Poderes Públicos. E, de todas as normas constitucionais, os direitos fundamentais integram um núcleo normativo que, por variadas razões, deve ser especificadamente prestigiado.” Ibidem, p. 39. 124 maioria parlamentar que de algum modo possa esvaziar sua imprescindível efetividade. Eis o real sentido a ser conferido ao regime democrático. Na mesma sintonia, mutatis mutandi, J. J. Gomes Canotilho assegura que os direitos sociais devem ser focalizados como verdadeiros direitos subjetivos, pois “Nem o Estado, nem terceiros podem agredir posições jurídicas reentrantes no âmbito de procteção destes direitos (ex. saúde) – cfr. ACS TC nº 39/84 e 101/92.”391 A implantação da afirmação ora posta, no mundo real, está intimamente ligada ao controle dos atos estatais destinados à concretização dos direitos fundamentais sociais, mormente por parte do Estado392. Essa fiscalização abarca não só o mecanismo destinado à implementação dos direitos como também a aplicação do instrumento sancionatório. A admissão da premissa acima não significa que, para a prática dos atos estatais, deve retirar-se o poder de eleição do administrador quanto à escolha do mecanismo para cumprimento da prestação dos serviços que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico. Apenas a omissão ou a induvidosa má prestação do dever autoriza a intervenção do Poder Judiciário, não somente com o fim de assegurar sua efetivação, sob pena de se transformarem as normas pertinentes em mera recomendação, mas também com o fim de aplicar as sanções próprias à violação dos princípios que regem a administração (o que tem expressa previsão na Lei de Improbidade Administrativa – art. 12 da Lei 8.429/92)393. A conceituação como direito fundamental impõe ainda o enfrentamento de questões diretamente ligadas ao regime dos direitos fundamentais, mormente no 391 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed., Lisboa: Editora Almedina, 2003, p. 476. 392 Como já afirmado, não se ignora o reconhecimento da eficácia dos direitos fundamentais no plano horizontal. 393 Acerca do tema, cabem as idéias já expostas por Juarez Freitas, a saber: “a crença na discricionariedade ilimitada ou na existência de zona juridicamente irrelevante, interditada à sindicabilidade, com a falha grave de permitir, no seio do Estado Constitucional, a permanência de esfera exclusivamente política e – o que é pior – imune ao controle negativo, não obstante crivada de vícios de fisiologismo ou de improbidade. Certo, o Poder Judiciário não deve, no geral das vezes, determinar o conteúdo das escolhas públicas. Seria invasivo. Contudo, há situações excepcionais, nas quais pode ordenar, por exemplo, a indenização dos danos injustos causados pela omissão ou pela inércia no exercício de competência discricionária. É que , em pleno século XXI, apresenta-se condenável a impune desvinculação das políticas públicas, isto é, a inércia leniente do controlador perante decisões tomadas com manifesto excesso, desvio ou insuficiência. Não se trata – gize-sebem – de realizar um controle direto ou substitutivo das políticas públicas, porém de sindicar, assumidamente, a juridicidade da implantação ou não, do direito fundamental à boa administração pública”. FREITAS, Juarez. Ibidem, p. 11 125 tocante à sua proteção jurídica. Começa-se por admitir que o direito à probidade e seu correspondente dever não pode estar restrito ao plano formal. Na verdade, nos termos da assertiva acima esposada, a probidade atua igualmente como garantia institucional e fundamental ao cumprimento do dever da boa administração. Sendo assim, nasce a obrigação de legislar para assegurar a efetivação desse direito fundamental à probidade; vale dizer, impõe-se ao legislador a adoção de posições positivas, consistentes na criação de condições para que as instituições incumbidas de tutela pela Constituição estejam efetivamente aparelhadas a dar resposta a esse direito. Além disso, incumbe ao Judiciário controlar a legislação infraconstitucional, de forma a impedir eventual desvio que afronte o direito à probidade, ou torne ineficaz o seu exercício. Mais importante, decorre do dever de proteção a obrigação de sanção adequada e efetiva dos atos violadores da probidade, através da observância do princípio da proibição de proteção deficiente. Ao retirar do cidadão a possibilidade de utilizar o instrumento para defesa do direito fundamental à probidade administrativa, através da Ação de Improbidade, transferindo-a para outros legitimados, principalmente o Ministério Público, deve o legislador viabilizar mecanismos suficientes e eficientes à efetiva proteção do direito em comento, sob pena de se configurar a proibição da proteção deficiente. Através de diversos dispositivos, a Constituição impôs ao legislador infraconstitucional o dever de proteção da probidade administrativa. Assim, a produção da legislação infraconstitucional e a sua conseqüente interpretação e aplicação não podem estar dissociadas deste cânone, sob pena de violação ao citado princípio, também chamado de “proibição de insuficiência”394. 394 Infere-se, Ainda acerca do tema, impõe-se registrar o pensamento de Lênio Luiz Streck, para quem os atos do Poder Legislativo não podem ser discricionários. Ao contrário, devem observar o dever de proteção de determinados bens fundamentais estabelecidos na Carta Magna, emprestando-lhes eficácia. No dizer deste autor, voltado para o direito penal, mutatis mutandi aqui aplicado em perfeita sintonia, “Não há, pois, qualquer blindagem que “proteja” a norma penal do controle de constitucionalidade (entendido em sua profundidade, que engloba as modernas técnicas ligadas à hermenêutica, como a interpretação conforme, a nulidade parcial sem redução de texto, o apelo ao legislado, etc). STRECK, Lênio Luiz. “Do Garantismo Negativo ao Garantismo Positivo: a dupla face 126 nessa linha, que as normas infraconstitucionais não podem dificultar ou, em alguns casos, inviabilizar a tutela do direito fundamental à probidade administrativa, através, por exemplo, de proibições de acesso a elementos imprescindíveis à persecução investigativa pelo Ministério Público. Luis Virgílio Afonso da Silva395, ao abordar o tema, afirmou que: “conquanto a regra da proporcionalidade ainda seja predominantemente entendida como instrumento de controle contra o excesso dos poderes estatais, cada vez mais vem ganhando importância a discussão sobre a sua utilização na finalidade oposta, isto é, como instrumento contra a omissão ou contra a ação insuficiente dos poderes estatais. Antes se falava apenas em übermasverbot, ou seja, proibição de excesso. Já há algum tempo fala-se também em untermasverbot, que poderia ser traduzido por proibição de insuficiência.” (grifo do autor). Igualmente, Ingo Wolfgang Sarlet sustenta que a proibição de insuficiência396 caracteriza-se, em regra, por uma omissão do Poder Público no tocante ao cumprimento de uma imposição decorrente da Constituição – “imperativo de tutela ou dever de proteção” – podendo também configurar-se na hipótese de ação estatal destinada a afastar ou revogar legislação que assegure a proteção de direito fundamental constitucionalmente consagrado. A discricionariedade do agente estatal deve amoldar-se à impossibilidade de violação do princípio da proibição da proteção deficiente ou por excesso, cujos limites são traçados pelos princípios constitucionais. A margem na qual o agente pode transitar constitui o campo da probidade administrativa, direito fundamental da coletividade. do princípio da proporcionalidade”. In: Júris Poiesis, Revista do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, n.7, jan 2005, p. 225-256. 395 SILVA, Luis Virgílio Afonso da. “O Proporcional e o Razoável”. In: Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 798, abril de 2002, p. 23-50. 396 Nas palavras de Ingo Wolfang Sarlet: “O legislador, ao implementar um dever de prestação que lhe foi imposto pela Constituição (especialmente no âmbito dos deveres de proteção) encontra-se vinculado pela proibição de insuficiência, de tal sorte que os níveis de proteção (portanto, as medidas estabelecidas pelo legislador) deveriam ser suficientes para assegurar um padrão mínimo (adequado e eficaz) de proteção constitucionalmente exigido. A violação da proibição de insuficiência, portanto, encontra-se habitualmente representada por uma omissão (ainda que parcial) do Poder Público, no que diz com o cumprimento de um imperativo constitucional, no caso, um imperativo de tutela ou dever de proteção, mas não se esgota nesta dimensão (o que bem demonstra o exemplo da descriminalização de condutas já tipificadas na legislação penal e que não se trata duma omissão no sentido pelo menos habitual do termo). In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. In: Revista de Estudos Criminais, n. 12, ano 3, Sapucaia do Sul, Editora Nota Dez, 2003, p. 86. 127 CAPÍTULO 9 A PROBIDADE E A EFICÁCIA DAS OBRIGAÇÕES PRESTACIONAIS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO O dever de probidade possui estreita relação com a implementação dos direitos fundamentais sociais, também identificados como direitos positivos a serem assegurados pelo Estado, uma vez que tanto quanto a ação como a omissão podem configurar conduta violadora do dever de probidade, com profundos e graves reflexos nos referidos direitos fundamentais. A constatação de que a corrupção e a ineficiência na gestão da verba pública397 produzem nefastas conseqüências no campo dos direitos fundamentais sociais, cuja prestação é dever do Estado, parece algo notório e, portanto, perceptível a partir de uma simples e perfunctória análise do contexto social.398 Esta relação, sob uma perspectiva negativa – descumprimento do dever de probidade em geral, visto a partir do conceito de boa administração –, pode se manifestar sob dois aspectos distintos: diminuição da disponibilidade de verba para 397 No mês de abril de 2008, foi divulgado pela Controladoria-Geral da União o resultado de fiscalização nos Municípios sorteados. Somente cinco dos 60 municípios contemplados na 24ª edição do Programa de Fiscalização não apresentaram indícios de irregularidades em processos licitatórios. Há Município em que foram constatadas irregularidades em todas as licitações realizadas no período objeto de exame dos técnicos. Controladoria-Geral da União. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Notícias/2008/03508.asp.> Acesso em: 05/06/2008. 398 Acerca do tema, em razão da pertinência, cabe aqui o registro (como forma de alerta e contestação) de Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz: “As reações ao inquérito civil surgiram quando ele passou a ser utilizado para apuração de grandes (às vezes gigantescos) danos aos interesses sociais e difusos! Idêntica reação com certeza existiria contra o inquérito policial, caso este fosse mais freqüentemente utilizado para investigar pessoas de projeção. Refiro-me aqui a grandes empreendimentos imobiliários que aos poucos desfiguram todo o nosso litoral, suprimindo o que resta de mata Atlântica... refiro-me ainda ao desperdício de quantias vultosas de dinheiro por administrações negligentes, ou mesmo à ignominiosa e rotineira prática de atos deliberados de malversação de recursos públicos, que tem feito a fortuna de políticos, administradores e empresários. Quem se animará a negar que fatos dessa natureza ocorrem diariamente em nosso País? Esses fatos, ao contrário daqueles inicialmente considerados, de menor significado, alcançam diretamente toda a sociedade, e em maior profundidade a população carente. Explico: o dinheiro público desviado de seu destino natural significa (de imediato) escolas que não serão construídas, hospitais que são desativados ou funcionam em péssimas condições , moradias populares que deixam de ser edificadas e empregos que não são gerados – e, por conseqüência, o péssimo nível educacional, a evasão escolar, as precárias condições de saúde, alimentação e mesmo a morte, as favelas e o desemprego – dos quais a população mais pobre não tem como escapar...” FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo. “Inquérito Civil: Dez Anos de um Instrumento de Cidadania”. In: Ação Civil Pública: Lei 7347/85 – reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. Milaré, Edis (coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.65-66. 128 execução das obrigações prestacionais sociais e restrição ao recebimento de auxílio estrangeiro. Sob a óptica do cumprimento dos direitos fundamentais, como já referido, eventual omissão do Estado, ou falta de razoabilidade na escolha dos atos a serem executados, deve ser enquadrada como descumprimento do dever de probidade. Considerando-se a primeira perspectiva, pode-se dizer que se trata de relação inversamente proporcional, à medida em que o aumento dos atos de improbidade, especialmente os atos de corrupção399 – a mais expressiva materialização do descumprimento do dever de probidade –, resulta no empobrecimento das execuções voltadas a garantir ao cidadão os mais elementares direitos fundamentais assegurados no texto constitucional como saúde, educação, moradia e segurança.400 Conforme conclusões de estudo do Banco Mundial, eventual diminuição do nível de corrupção à metade resultaria em significativas mudanças no campo dos direitos sociais, a saber: redução da mortalidade infantil; diminuição da desigualdade na distribuição de renda e decréscimo do número de pessoas que sobrevivem com menos de dois dólares por dia. Foi ainda ventilado no referido estudo que a relevante diferença entre os países não estava no nível de corrupção e sim na efetividade de sua punição401. 399 Emerson Garcia, a partir da idéia de Agostin Gordillo, registra que há” (...) uma relação simbiótica entre corrupção e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo. Quanto maiores os índices de corrupção, menores serão as políticas públicas de implementação dos direitos sociais.”. Vide referido autor in: Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 19. 400 Em recentíssima fiscalização realizada pela Controladoria-Geral da União e pelo Departamento Nacional de Auditoria do Ministério da Saúde – Denasus foram analisados mil convênios, do total de 1.452 que compõem o Plano de Fiscalização desencadeado a partir da Operação Sanguessuga. Esses convênios foram celebrados com cerca de 600 municípios, visando à aquisição de unidades móveis de saúde. Após o exame dos referidos mil convênios, que totalizaram R$ 99 milhões, foi detectado um prejuízo total estimado em R$ 15,5 milhões. No tocante aos 1.452 convênios, a CGU estimou um prejuízo em R$ 25 milhões. Os auditores da CGU concluíram que houve superfaturamento em 70% dos convênios analisados; em 23% dos convênios, as ambulâncias adquiridas e entregues não estavam sendo utilizadas; em 27% dos casos, os processos licitatórios não apresentaram pesquisa de preços, como prescreve a Lei 8.666; e, em grande parte dos casos, as licitações apresentaram evidências de conluio entre os participantes. Controladoria-Geral da União. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/imprensa/notícias/2008/notícia 04808.asp>. Acesso em: 05/06/2008. 401 “A diferença básica entre países não é a existência da corrupção, mas a forma de puni-la. Há, nesse particular, diferenças culturais. No Japão, país opaco, políticos e empresários que são flagrados recebendo regalos em troca de benefícios se matam de vergonha. Na Itália, perdem o poder. Na Arábia Saudita, perdem a mão. Em Cingapura, paraíso da transparência, são condenados 129 No mesmo sentido, a Organização das Nações Unidas, após a celebração da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, registrou que entre as conseqüências da corrupção estão o desvio do dinheiro público, a redução de investimentos e o enfraquecimento do Estado de Direito. Foi ainda assinalado que a corrupção “viabiliza práticas antidemocráticas que aumentam as tensões sociais, diminuem as ofertas de serviços essenciais, facilitam a atuação do crime organizado e comprometem o desenvolvimento”.402 Igualmente merece destaque a pesquisa realizada pelo professor Marcos Gonçalves da Silva,403 junto à Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo. Segundo o referido estudioso, “se a conta da corrupção for dividida igualmente por todos os brasileiros, num exercício estatístico, o custo, para cada um, corresponderia a 6658 reais por ano. Se não houvesse maracutaia, a produtividade do país aumentaria, e como resultado a renda per capta dos brasileiros poderia subir para 9800 reais nas próximas décadas.” Outro aspecto a ser destacado no tocante aos reflexos da inobservância do dever de probidade frente aos demais direitos sociais a serem assegurados através de obrigações positivas consiste em que a corrupção, em determinadas situações, dificulta o acesso ao auxílio de organismos internacionais.404 A projeção de uma imagem de corrupção onera substancialmente os empréstimos internacionais pleiteados pelos países. Em comparação com a Finlândia, há anos apontada pela Transparência Internacional como uma das três primeiras colocadas no Corruption Perception Index (CPI),405 o Brasil suporta um custo 6,5% maior na obtenção de empréstimos.406 407 à morte.” In: Revista Veja nº 1691, Abril, de 14/03/2001, disponível em: <http://veja.abril.com.br/140301/p_048.html>. Acesso em 26/02/2008. 402 Disponível em: https://www.unodc.org/pdf/brazil/folder_corrupcao.pdf. Acesso em: 20/06/2008. 403 In: Revista Veja nº 1691, Abril, de 14/03/2001, disponível em: <http://veja.abril.com.br/140301/p_048.html>. Acesso em 26/02/2008. 404 A Organização dos Estados Americanos editou, em agosto de 1998, “Modelo de Legislação sobre enriquecimento ilícito e suborno transnacional, que, dentre outras sanções, previa a impossibilidade de obtenção de benefícios fiscais ou subvenções de origem pública”. GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 27. O presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID – Luiz Alberto Moreno, anunciou que a gestão da entidade condicionará os créditos do banco ao combate à corrupção”. In: CARVALHIDO, Eunice Pereira Amorim. Ética do Agente Público: dever absoluto em face do Direito Brasileiro e do Direito Internacional. Dissertação de Mestrado em Direito. Brasília, 2006, p. 111. 405 A Transparência Internacional apresenta anualmente, desde 1995, a ferramenta de pesquisa denominada Corruption Perception Index – CPI - na qual são analisados e ranqueados 180 países de 130 Segundo registro da Transparência Internacional, nas Américas a luta contra a corrupção remanesce longe de ser vitoriosa. Um terço dos países obtiveram pontuação inferior a 3, segundo o índice CPI, indicando que a corrupção é percebida como um problema endêmico. Pouco mais de dois quintos dos países pontuaram entre 3 e 5 (de acordo com o já citado índice do CPI), demonstrando, portanto, que os níveis de corrupção entre agentes públicos e políticos são percebidos como algo grave pelos especialistas e homens de negócios. Somente 8 dos 32 países avaliados na América estão acima da pontuação média, qual seja, 5. Isto é evidentemente alarmante, considerando as óbvias ligações entre a corrupção e os altos níveis de pobreza, desigualdade e violência na região.408 A Transparência Internacional avalia ainda, através do denominado Bribe Payers Index (BPI), a propensão das empresas dos países industrializados em pagar propinas. Trata-se de avaliação a partir do lado de quem alimenta a corrupção e, com isso, viola o princípio da probidade. Dos Trinta países analisados, as empresas brasileiras, russas, chinesas e indianas estão entre as piores colocadas, ocupando, respectivamente, 23ª, 28ª, 29 e 30ª posições.409 Entre 10 de novembro de 2006 e 26 de janeiro de 2007, o Banco Mundial conduziu uma consulta em larga escala visando à definição do seu papel estratégico com intuito de fortalecer o engajamento da instituição em governança e anticorrupção. As consultas foram realizadas junto a representantes dos governos, da sociedade civil, setor privado e área acadêmica, abrangendo, entre outros, 37 países em desenvolvimento. A partir dos dados recolhidos, concluiu-se que o principal trabalho da entidade consiste em fortalecer a habilidade dos países em desenvolvimento no combate à pobreza. Para tanto, cinco linhas de ação foram extraídas, merecendo destaque àquela que informa “ser importante contar com acordo com os níveis de corrupção. Disponível em: <http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/cpi.> Acesso em: 20/06/2008. 406 Revista Veja nº 1691, Abril, de 14/03/2001, disponível em: <http://veja.abril.com.br/140301/p_048.html>. Acesso em 26/02/2008. 407 O Brasil, no ano de 2007, recebeu a pontuação de 3,4, obtendo a 72ª colocação no CPI. Na América do Sul, o Chile é um dos poucos países que obteve pontuação acima da média 5, estando em 22º lugar, com o escore de 7. 408 Disponível em: <http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/cpi/2007/regional_highlights_factsheet s>. Acesso em: 20/06/2008. 409 Disponível em: <http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/bpi/bpi_2006>. Acesso em: 20/06/2008. 131 claros e transparentes padrões para definir e avaliar o compromisso dos governos com a boa governança e o combate à corrupção, bem como o monitoramento do progresso.410 As constatações acima apontadas reforçam a assertiva de que a observância ao princípio da probidade administrativa está umbilicalmente ligada ao cumprimento dos mais elementares direitos fundamentais. A segunda perspectiva acima anunciada diz respeito não exatamente às conseqüências de outros atos de improbidade frente aos direitos sociais, mas às escolhas desarrazoadas que, por si só, configuram violação ao dever de probidade,411 no momento em que se afastam dos fins constitucionalmente estabelecidos como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ex vi dos artigos 6º e 7º, da Carta Magna.412 Reitera-se aqui, por oportuna, a assertiva esposada anteriormente (ao se tratar do princípio da eficiência) no sentido de que o uso adequado dos recursos financeiros pelos agentes estatais constitui exigência da administração eficiente e eficaz, vale dizer, do cumprimento do direito fundamental à boa administração, a depender da observância do princípio da probidade, como espécie de direito difuso.413 410 Disponível em: <http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTGOVANTICORR/0,,contentMDK:210960 79~menuPK:3065285~pagePK:210058~piPK:210062~theSitePK:3035864,00.html>. Acesso em 20/06/2008. 411 Como já relatado anteriormente, o emprego eficiente dos recursos públicos pertencentes à coletividade, constitui direito difuso inserto dentro do conceito de probidade, portanto judicialmente tutelado através do Ministério Público ou dos demais co-legitimiados. 412 “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais daRepública Federativa do Brasil: I-construir uma sociedade livre, justa e solidária; II-garantir o desenvolvimento nacional; III-erradicar a pobrezas e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; 413 Estudo do Banco Mundial, realizado em 7.400 hospitais públicos e privados do Brasil, divulgado em junho de 2008, mostra que “o sistema brasileiro é perdulário e ineficiente. Numa escala que vai de 0 a 1, a rede de saúde foi reprovada com a nota 0,3. De acordo com o Banco Mundial, os hospitais brasileiros também são caros e funcionam mal. Cerca de 60% dos leitos hospitalares estão ociosos, mas o Brasil ainda é o país onde pacientes morrem à espera de atendimento. O custo de uma internação em um hospital público é 50% superior ao de um hospital privado ou administrado por associações não-governamentais. Três em cada dez internações são desnecessárias, causando um desperdício de 10 bilhões de reais a cada ano, a mesma quantia que se pretende arrecadar com o novo imposto. Não adianta apenas ter recursos a mais. É preciso gastar bem o dinheiro, disse o pesquisador Bernard Couttolenc, um dos autores do estudo.” In: Revista Veja nº 2065, de 18/06/2008, disponível em: <http://veja.abril.com.br/180608/p_074.shtml>, acesso em 24/06/2008. A pesquisa 132 Alias, segundo Norberto Bobbio,414, num Estado de Direito, “além do juízo sobre a eficiência e do juízo moral ou de moral política”, a atividade política dos órgãos superiores do Estado deve observar também “as normas fundamentais da Constituição.” Não se pretende aqui, ingenuamente, imaginar que as ditas escolhas desarrazoadas415, evidentes nas diversas esferas dos poderes do Estado, serão corrigidas como passe de mágica, fruto das Ações de Improbidade Administrativa. Nessa perspectiva analítica, pari passu com o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização, é fundamental a mudança de paradigma no que diz respeito à participação da sociedade nas escolhas que afetam o mínimo essencial. É indubitável a existência de diversas formas de participação popular no caminho a ser trilhado pelo Estado, definido como ente organizado para a consecução do bem da coletividade.416 No que tange aos direitos sociais, o reconhecimento do direito fundamental à boa administração reclama a possibilidade de utilização da Ação de Improbidade como mecanismo de sanção, quando constatada relevante omissão pelos agentes estatais na prática dos atos que deveriam e poderiam ter sido concretizados. Sob essa perspectiva de análise, eventuais omissões ou desvios comportamentais relevantes (cujo exame pressupõe o crivo do postulado da proporcionalidade) na execução das medidas necessárias para implementação das obrigações prestacionais, como corolário dos direitos fundamentais, sempre tendo realizada após cinco anos de estudo demonstrou ainda que há pouca informação sobre gastos e desempenhos nos hospitais. “São serviços muito caros e que nem sempre contribuem para a boa saúde da população, informou Gerard La Forgia, principal especialista em saúde do BIRD” In: Jornal “O Globo”, 13/06/2008. 414 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2000, p.203. 415 O campo de discricionariedade do agente estatal não lhe permite o investimento de expressivo numerário no campo da publicidade sem um fim relevante, ainda que formalmente enquadrado às exigências do artigo 37, § 1º, da Constituição de 1998 (“a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”), quando faticamente se constata a ausência , v.g. de leitos e remédios para pacientes relegados a tratamentos desumanos que, muitas vezes, culminariam em mortes que poderiam ser evitadas. 416 O presente trabalho não tem, entretanto, o condão de examinar a participação social na implementação das políticas estatais, razão pela qual não se adentrará nesta seara. 133 como paradigma o fim do Estado,417 constitui ato de improbidade a ser atacado via Ação de Improbidade. Assim posta a questão, deixando-se de lado a antiga perspectiva de subordinação dos direitos de cidadania418 – aqui compreendidos os direitos fundamentais sociais, dentre os quais o de influência no rumo das políticas públicas – à vontade do Estado, ampliam-se os mecanismos igualitários capazes de assegurá-los de forma real, a partir dos verdadeiros anseios do povo.419 Diz-se, com isso, que a atuação do Estado deve observar uma funcionalidade na qual a participação da coletividade na fixação dos interesses coletivos encontre-se contemplada.420 Exatamente neste sentido orientam-se as palavras de Emerson Garcia421 ao esclarecer que “o administrador, tal qual mandatário, não é o senhor dos bens que administra, cabendo-lhe tão-somente praticar atos de gestão que beneficiem o verdadeiro titular: o povo”, através do plano de governo insculpido na Lei Maior.422 Esta assertiva deve ser entendida respeitando-se os direitos fundamentais e a idéia de que Democracia não significa necessariamente Direito da Maioria423 (Democracia substancial ou material, em contraposição ao conceito de Democracia formal), já que 417 Art. 3º, inciso IV, já transcrito anteriormente. “povo ignorante não se insurge contra o agente corrupto, o agente corrupto desvia recursos públicos e os afasta das políticas de concreção da cidadania, o povo fica mais ignorante e dependente daquele que o lesou, sendo incapaz de romper o ciclo – quando muito, altera os personagens.” GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Ibidem, p.17. 419 “em tudo, democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma massa ignorante, apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem-intencionados ou mal-intencionados, sobre a questão do próprio destino, é deixada na obscuridade”. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federativa da Alemanha. Trad. de Luis Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p.133. 420 NEIVA, José Antônio Lisbôa. Improbidade Administrativa. estudo sobre a demanda na ação de conhecimento e cautelar. Niterói: Impetus, 2006, p.5. 421 GARCIA, Emerson e ALVES PACHECO, Rogério. Improbidade Administrativa. Ibidem, p. 3. Igualmente, Dalmo de Abreu Dallari sustenta que “os próprios componentes da sociedade é que devem orientar suas ações, no sentido do que consideram o bem comum.” Vide referido autor in: Elementos de Teoria Geral do Estado. Ibidem, p. 31. 422 A partir da assertiva de que “quem governa é a Constituição”, cunhada do Direito Norte-Americano (nos termos da explanação de Ingo Wolfgang Sarlet na palestra “O Direito à Probidade Administrativa na Constituição Federal”), cabe à Constituição da República de 1988, na qualidade de instrumento normativo, dotado de legitimação popular, cravado por valores que lhe dão o norte, governar os atos perpetrados por todos os agentes estatais. 423 José Eduardo Faria ressalta que os valores devem prevalecer a despeito do critério da maioria. Vide referido autor in: A definição do Interesse Público, in Processo Civil de Interesse Público: O Processo como Instrumento de Defesa Social. São Paulo: Revista dos Tribunais e Associação do Ministério Público, 2003, p. 79. 418 134 esta não pode dispor acerca do núcleo fundamental dos direitos fundamentais, no qual se insere o princípio da probidade, em relação ao qual não se admite restrição. Além disso, diante das considerações expressas anteriormente, deflui como conseqüência perfeitamente compatível com o Estado Democrático de Direito a possibilidade de controle, pelo Poder Judiciário, de eventual desproporção do numerário público empregado pelos gestores e o efetivo benefício auferido pela coletividade e não apenas por uma parcela intencionalmente beneficiada de forma desarrazoada.424 Desde a implantação da República, não há mais espaço para o uso da res publica como terra de ninguém, situação que tem origem no período colonial, marcada inclusive pela corrupção. Essa nefasta prática necessita ser abolida ou, ao menos, minimizada de forma considerável. Nesse sentido, merece destaque a análise de Juarez Freitas425. Assim, pode-se dizer que, ao transferir a parcela de poder que lhe é imanente, cada cidadão, em contrapartida, adquire o direito a que esse exercício que se faz em seu nome (a ser compreendido pelo Estado no plano coletivo) o seja de forma proba, com estrita obediência aos ditames estabelecidos pela ordem constitucional que, como afirmado, impõe limites aos poderes públicos. A propósito, considera-se igualmente oportuna a interpretação de Ingo Wolfgang Sarlet426. 424 Segundo Germana de Oliveira Moraes, “a moderna compreensão filosófica do Direito, marcada pela normatividade e constitucionalização dos princípios gerais do Direito e pela hegemonia normativa e axiológica dos princípios, com a conseqüente substituição, no Direito Administrativo, do princípio da legalidade pelo princípio da juridicidade, demanda, por um lado, uma redefinição da discricionariedade, e por outro lado, conduz a uma redelimitação dos confins do controle jurisdicional da Administração Pública”. Vide referida autora in: Controle Jurisdicional da Administração Pública. Ibidem, p.30. 425 Nas palavras textuais de Juarez Freitas: “(...) em ambiente maculado, desde o período colonial, pela maciça exposição a métodos fisiológicos e até de sistêmica corrupção, a sindicabilidade erguida ao plano dos princípios fundamentais merece uma afirmação mais incisiva, afastados os paralisantes temores no tocante ao protagonismo dos controladores. Discrição não significa, no Estado Constitucional, liberdade para o erro teratológico ou para vantagens indevidas e voluntarismos de matizes irracionais, ainda que dissimulados em ideologia.” Vide referido autor in: Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. Ibidem, p. 8. 426 Conforme palavras de Ingo Wolfgang Sarlet: “verifica-se que os direitos fundamentais podem ser considerados simultaneamente pressupostos, garantia e instrumento do princípio democrático de autodeterminação do povo por intermédio de cada indivíduo, mediante o reconhecimento do direito de igualdade (perante a lei e de oportunidades), de um espaço de liberdade real, bem como por meio de outorga do direito à participação (com liberdade e igualdade), na conformação da comunidade e do processo político, de tal sorte que a positivação e a garantia do efetivo exercício de direitos políticos (no sentido de direitos de participação e conformação do status político) podem ser consideradas o 135 A simples previsão constitucional nem sempre é suficiente para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais, principalmente os sociais, num contexto em que predominavam as ações individuais. Para que se assegure o direito fundamental à probidade, correspondente ao dever a ser observado por todos os agentes estatais, o atuar do Ministério Público,427 dos demais co-legitimados nas ações coletivas e do Poder Judiciário, no campo dos direitos sociais, deve estar atento a essa advertência, estreitamente identificado com um papel transformador. É imanente ao conceito de democracia – principalmente quando se trata de democracia representativa na qual se está diante da defesa de interesses da coletividade –, e à fórmula republicana que procura alargar o espectro de controle, a viabilidade de responsabilização de todos os agentes que exercem atividades fundamento funcional da ordem democrática.” SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 427 Registre-se, por oportuno, o entendimento do STJ, através do voto do Ministro Luiz Fux, ao reconhecer a importância da cidadania no controle dos atos da Administração, através das ações coletivas: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. DANO AO ERÁRIO PÚBLICO.(...)3. O Ministério Público é parte legítima para promover Ação Civil Pública.visando ao ressarcimento de dano ao erário público.4. O Ministério público, por força do art. 129, III, da CF/88, é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º). 5. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 6. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). 7. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori , legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 8. A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela contraditio in terminis . 9. Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edição, valorizava-se o parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis.10. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo.11. Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo mandamuscoletivo. 12. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atingem o interesse difuso, passível é a propositura da Ação Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação Popular multilegitimária.13. As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definiçãodos interesses que protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral, etc. 14. A moralidade administrativa e seus desvios, com conseqüências patrimoniais para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses difusos, habilitando o Ministério Público a demandar em juízo acerca dos mesmos. (...). REsp. 401964/RO. Rel. Min. LUIZ FUX, julgado em 22/10/2002, publicado DJ em 11/11/2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 27/05/2008. 136 estatais, que visam a atender o interesse público dessa coletividade,428 como conseqüência lógica do dever de observância do princípio da probidade, reconhecido como corolário de um direito fundamental difuso, pela Lei Maior. O diagnóstico acima foi evidenciado por Lênio Luiz Streck429 em registro lançado no artigo “A Necessária Constitucionalização do Direito: o óbvio a ser desvelado”. Com fundamento nesses postulados, deve-se analisar as normas voltadas à proteção do direito fundamental à probidade administrativa, concluindo-se que a eficácia das normas constitucionais de proteção do referido direito reclama redefinição do papel dos atores envolvidos na prestação jurisdicional. Com isso, todo o sistema instituído para proteção da probidade merece releitura, calcada na premissa de que se trata de defesa de um direito fundamental difuso. O Estado Democrático de Direito reclama permanente debate acerca do atuar de todos os agentes políticos e públicos, cujo trabalho deve sempre estar voltado ao bem-estar coletivo, razão da existência do Estado. Somente dessa forma, haverá plena sintonia com os anseios constitucionais, representados, in casu, pela fiel obediência aos princípios esculpidos na Carta Magna, em que a compreensão do dever de probidade pressupõe dirigir o olhar em favor do genuíno interesse da sociedade, pautado a partir dos direitos fundamentais de titularidade transindividual. 428 A representação da qual se faz menção aqui não se restringe à representação decorrente do voto e sim de todo agente que realiza atividade em nome do Estado, instituído para a promoção do bem da coletividade. 429 Lenio Luiz Streck elucida que “Em nosso país, não há dúvida de que, sob a ótica do Estado Democrático de Direito – em que o Direito deve ser visto como instrumento de transformação social –, ocorre uma desfuncionalidade do Direito e das Instituições encarregadas de aplicar a lei. O Direito brasileiro e a dogmática jurídica que o instrumentaliza está assentado em um paradigma liberalindividualista que sustenta essa desfuncionalidade, que, paradoxalmente, vem a ser a sua própria funcionalidade! Ou seja, não houve ainda, no plano hermenêutico, a devida filtragem – em face da emergência de um novo modelo de Direito representado pelo Estado Democrático de Direito – desse (velho/defasado) Direito, produto de um modelo liberal-individualista-normativista de direito.” Vide referido autor in: A Necessária Constitucionalização do Direito: o óbvio a ser desvelado.In: Revista Direito Santa Cruz do Sul, nº 9/10, jan./dez. 1998, p. 55/56 137 10 - CONCLUSÃO Como anunciado na introdução, procurou-se examinar os fundamentos teóricos da tutela do princípio da probidade, a partir das fontes consultadas, cabendo neste momento a apresentação de algumas considerações finais, particularmente orientadas para a garantia do controle e da fiscalização do atuar dos agentes estatais na gestão pública. De início, é premente ressaltar que o Estado contemporâneo deve ser capaz de responder aos anseios de uma sociedade pluralista, sem descurar-se dos valores mínimos que dão suporte aos direitos fundamentais, não mais considerados apenas sob a ótica individual, eis que estão focados, sobretudo, nos reclamos, expectativas e necessidades da coletividade. Sob essa diretriz, o cumprimento do dever de probidade estabelece os contornos e direciona as atividades dos agentes estatais, de forma a assegurar aos indivíduos que compõem a sociedade a observância dos direitos fundamentais que lhes são inerentes, propiciando o respeito à dignidade da pessoa humana, que se vê refletido nas mais variadas dimensões (saúde, educação, moradia, alimentação, e similares). Nesse diapasão, uma sociedade caracterizada por marcantes diferenças sociais, como é o caso da brasileira, clama ainda mais por submissão dos atos estatais ao conceito de probidade, cuja compreensão necessita ser expandida para além da idéia de corrupção stricto sensu, como verdadeiro direito difuso fundamental, dessarte, pertencente à coletividade. O enquadramento da observância da probidade como direito fundamental é uma decorrência da expressão da cidadania, uma vez que a participação dos cidadãos na vontade do Estado também configura um direito fundamental. Nesta medida, o controle do resultado dessa exteriorização, seja diretamente ou por intermédio do Ministério Público, via ação coletiva de Improbidade Administrativa, constitui uma extensão do referido direito fundamental difuso. 138 O conceito de probidade deve abarcar a idéia de boa governança, a ser traduzida pela justa e moral aplicação dos recursos da sociedade. Nesse passo, o parâmetro precisa ser a redução da espessa desigualdade social, notoriamente presente no espectro nacional. É inelutável que a idéia de boa governança pressupõe o reconhecimento e a fiel observância dos princípios basilares que regem as condutas dos agentes públicos e políticos, nomeadamente, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Todavia, contemplando o que se passa na realidade pátria, é notório que um número considerável de agentes públicos e políticos desvia-se de suas finalidades, visando a interesses que vão de encontro às expectativas e reclamos da coletividade, fixados desde a origem do Estado Moderno e hoje expressamente consagrados no texto constitucional no artigo 3º. Tal desvio de conduta ocorre a despeito de o país estar formalmente dotado de uma estrutura político-jurídica organizada para a promoção do bem comum – o Estado - devendo, destarte, pautar sua conduta unicamente por essa premissa. Compreende-se o Estado, portanto, como instituição instrumental, finalisticamente dirigido à realização dos direitos assegurados constitucionalmente. Sendo assim, mostra-se evidente a necessidade de que o controle sobre os atos dos agentes públicos lato sensu seja realizado de forma rígida e permanente, subsidiando a solidificação de uma cultura baseada nos valores imanentes ao Estado Democrático de Direito, em que a concretização do bem geral é condição basilar. Dessa forma, vislumbra-se a ação coletiva de Improbidade Administrativa como instrumento adequado para a proteção do patrimônio público, cujo conceito não se restringe à idéia de erário. Em verdade, o patrimônio público merece ser compreendido não mais como pertencente exclusivamente às entidades estatais, autárquicas e paraestatais, mas a toda a sociedade. O termo patrimônio público compreende o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico, turístico, incluindo-se o aspecto moral, como valor da coletividade, e os direitos sociais constitucionalmente assegurados aos indivíduos. 139 Assim, a Ação coletiva de Improbidade Administrativa não deve se restringir apenas à reparação de efetivo dano na sua acepção monetária. A deflagração desta ação coletiva necessita ser empregada como uma das vias para a proteção dos princípios constitucionais da administração pública que, como demonstrado, densificam o princípio da probidade, qualificado como direito fundamental difuso. O direito à observância do princípio da probidade é o continente no qual estão contidos os princípios que orientam a atuação dos agentes estatais, especialmente aqueles elencados no artigo 37, caput, da Lei Maior. Conquanto seja dever de todos a adoção de condutas pautadas pela probidade, de forma a contribuir para sua disseminação, as prerrogativas estabelecidas aos agentes políticos devem merecer nova abordagem em que a tutela da probidade, na qualidade de direito fundamental, principalmente através do processo judicial, seja o paradigma. O modelo republicano não se coaduna com a irresponsabilidade de quem exerce prerrogativa pública. Nesta linha de pensamento, a ação coletiva de Improbidade Administrativa deve estender-se a todos os agentes estatais, independentemente da função por cada qual desempenhada. Após os esclarecimentos apresentados, pode-se concluir que o direito não pode ser um mecanismo para justificar os governos autoritários, embora exercidos com base na legislação. Na verdade, no escopo do modelo de Estado Democrático de Direito, o Poder é disciplinado e limitado pelo Direito que, por sua vez, pressupõe que as normas jurídicas não devem contemplar apenas os requisitos formais que condicionam sua vigência ou existência. Acima de tudo, essas deverão ser congruentes com os princípios e valores constitucionais que condicionam sua validade. Nessa medida, é possível evidenciar que o cumprimento do dever de probidade encontra-se diretamente ligado à observância dos direitos sociais fundamentais assegurados aos cidadãos, cuja implementação se mostra imprescindível como condição para o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. A efetividade dos direitos sociais fundamentais pressupõe, 140 imperiosamente, a observância do princípio da probidade por parte dos agentes estatais. É indispensável, portanto, a implementação de instrumentos eficazes que possibilitem ao Ministério Público (cabe registrar que há necessidade de estruturação do Ministério Público para enfrentar o combate à improbidade com eficiência, aparelhando os órgãos de execução com estrutura técnica suficiente capaz de subsidiar o titular da investigação, principalmente através de profissionais detentores de conhecimentos necessários à interpretação de informações em diversas áreas, mormente nos campos da auditoria, saúde, educação e do meio ambiente, onde se verificam os mais expressivos atos de improbidade) o cumprimento do dever de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, fixado pela Carta Magna, no artigo 127, caput430, através da ação coletiva de Improbidade Administrativa.431 A mencionada implementação não reclama profundas mudanças normativas432 no âmbito do ordenamento jurídico pátrio; demanda apenas a releitura das normas insertas no arcabouço jurídico, cotejando-as com os princípios e regras insculpidos na Carta Magna, por meio da utilização dos mecanismos de controle da constitucionalidade. Na mesma linha de desdobramento acima apontada, extrai-se como consectário lógico que eventuais mudanças legislativas, editadas para restringir ou mesmo inviabilizar o cabimento da ação coletiva de Improbidade Administrativa, ferem o núcleo mínimo de balizamento do ordenamento jurídico – inferido dos 430 “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 122. 431 Segundo Luiz Werneck Vianna, “o novo desenho institucional concedido ao Ministério Público pela Carta de 1988 é revelador da intenção construtivista do constituinte em produzir uma reordenação democrática da sociedade brasileira. Foi elaborado a partir da compreensão de que o autoritarismo político não residiria apenas na ação excludente dos interesses da maioria da população, originandose também da natureza fragmentária do tecido social, pouco dotado da capacidade de estimular a associação e a participação em favor do bem comum.” Vide referido autor in: A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p.83. 432 A despeito dessa assertiva, não se pode olvidar que a produção normativa deve tomar como base, sempre, a realidade brasileira, em que se faz imperioso severo combate aos atos de improbidade, sob pena da ausência de efetividade desde o nascedouro, obviamente balizado pelos valores próprios do Estado Democrático de Direito. 141 princípios e regras insertos na Constituição – do qual a proteção da probidade é parte integrante e a fortiori, violam o princípio da proibição de proteção deficiente. 142 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Gregório Assagra. 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FRANCIULLI NETTO. Julgado em 04/09/2003, DJ 03/11/2003. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10/05/2008. ______.______. Recurso Especial nº 255861. Recorrente: Alfredo Almeida Junior. Recorrido: Estado de São Paulo. Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA. Julgado em26/06/2001, DJ 22/10/2001. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10/05/2008. ______.______. Recurso Especial nº 401964. Recorrente: Valla Construtora Comércio e Representação e Assessoria Ltda. Recorrido: Ministério Público do Estado de Rondônia. Rel. Min. LUIZ FUX. Julgado em 22/10/2002. DJ 11/11/2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 27/05/2008. ______.______. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 6183. Recorrente: Roberto Shitiro Sato. Recorrido: Banco do Brasil S.A. Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julgado em 14/11/1995, DJ 18/12/1995. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 10/04/2008. ______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Declaratória de Constitucionalidade- Medida Cautelar nº 12. Requerente: Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB. Requerido: Conselho Nacional de Justiça. Rel. Min. CARLOS BRITTO. Julgado em 16/02/2006, DJ 01/09/2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 10/04/2008. ______.______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3853. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Requerido: Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul. Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgado em 12/09/2007, DJ 26/10/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 10/04/2008. ______.______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2306. Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Requerido: Congresso Nacional. Rel. Min. ELLEN GRACIE. Julgado em 21/03/2002, DJ 31/10/2002. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 27/05/2008. 146 ______.______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2797. Requerente: Associação Nacional do Ministério Público. Requerido: Congresso Nacional. Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgado em 15/09/2005, DJ 19/12/2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 27/05/2008. ______. ______. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 262134. Agravante: Estado do Maranhão. Agravado: Ministério Público Federal. Rel. Min. CELSO DE MELLO. Julgado em 12/12/2006, DJ 02/02/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/05/2008. ______.______. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 365368. Agravante: Município de Blumenau e outro. Agravado: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Julgado em 22/05/2007, DJ 29/06/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/05/2008. ______.______. Reclamação nº 2138. Reclamante. União. Reclamado: Juiz Federal Substituto da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. Rel. Min. NELSON JOBIM. Rel. para Acórdão, Min. GILMAR MENDES. Julgado em 13/06/2007. DJ 18/04/2008. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 27/05/2008. ______. ______. Recurso Extraordinário nº 170768. Recorrente: Wady Mucare e outros. Recorrido: Carlos Eduardo Mendonça Melluso. Rel. Min. Ilmar Galvão. Julgado em 26/3/1999, DJ 13/8/1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 10/04/2008. ______.______. Recurso Extraordinário nº 186088. Recorrente: Humberto Coutinho de Lucena. Recorrido. Ministério Público Eleitoral. Rel. Min. Néri da Silveira. Julgado em 30/11/1994, DJ 24/02/1995. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 27/05/2008. CALAZANS, Paulo Murillo. “Participação e Deliberação Democrática: acomodando diferenças e superando as dificuldades de efetivação dos princípios fundamentais”. In: Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. MAIA, Antônio Cavalcanti et al (Org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed., Coimbra: Almedina, 2003. 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