Transição, Integração e Mobilidade no Ensino Superior Pedro Jacobetty [email protected] Jorge Horta Ferreira [email protected] Projecto ETES Os Estudantes e os seus Trajectos no Ensino Superior Coordenadores: António Firmino da Costa (CIES-ISCTE) João Teixeira Lopes (ISFLUP) Apoio: A presente comunicação decorre da articulação de duas dissertações de mestrado (em curso)* “Jovens no Ensino Superior: Dinâmicas de Integração Institucional e Relacional” Pedro Jacobetty (CIES-ISCTE) “Mobilidade e Universidade: Percursos Improváveis” Jorge Horta Ferreira (CIES-ISCTE) *Estas dissertações, sob a orientação do Prof. Doutor António Firmino da Costa, foram preparadas na sequência do Projecto “Os Estudantes e os seus Trajectos no Ensino Superior: Sucesso e Insucesso, Factores e Processos, Promoção de Boas Práticas”, partindo de dados recolhidos no âmbito do mesmo. Análise biográfica de estudantes do Ensino Superior Abordagem sociológica intensiva e multidimensional, centrada nos trajectos dos estudantes do Ensino Superior, que possibilita a identificação de factores promotores ou inibidores de orientações individuais para o sucesso, insucesso ou abandono. Pretende-se assim explicitar as regularidades sociológicas presentes nos percursos e opções dos estudantes, bem como as contratendências e contradições identificáveis à escala individual. Metodologia Entrevistas semi-directivas de carácter biográfico a estudantes do Ensino Superior. Guião de entrevista Bloco A: Trajectória no Ensino Superior Bloco B: Outras Dimensões da Trajectória Social e Escolar Bloco C: Avaliações e Sugestões A entrevista visa cruzar a diacronia dos trajectos biográficos com os contextos sincrónicos nos quais se inscrevem agentes e princípios socializadores (família, escola, sociabilidades, trabalho, lazer, etc.). Retratos sociológicos (Bernard Lahire) • Reconstruir, a partir dos depoimentos de estudantes, as respectivas disposições sociais (sejam de reprodução ou de mudança). • Identificar variações reveladoras da incorporação de disposições (orientações para a acção), relacionando-as com os diversos contextos sociais. • Considerar a influência de transições, episódios e pessoas marcantes nos percursos estudantis. No âmbito do Projecto ETES definiram-se vários percursos-tipo e as dimensões e factores que os caracterizam. As dissertações em curso centram-se no desenvolvimento analítico de alguns destes percursos, designadamente: •Percursos de contratendência •Percursos com problemas de transição •Percursos com dificuldades de integração Seguidamente, apresentam-se exemplos referentes a estes percursos-tipo, bem como casos contrastantes, para uma melhor elucidação das constelações de factores que se combinam em cada um deles. Humberto Costa: Uma vitória preparada pelo processo de socialização Jaime Sampaio: Quando o improvável acontece: ultrapassando constrangimentos pesados, com o precioso apoio do estado • Percurso tendencial • Percurso de contratendência (percurso inesperado) • Origens sociais com recursos económicos e escolares razoáveis • Estratégia familiar focada na escolarização • Percurso de transição para o ES bem conseguida • Boa preparação escolar anterior • Percurso com objectivos definidos • Percurso de integração conseguida no ES • Relação positiva com o curso e a escola, de um modo geral • Origens sociais com poucos recursos escolares e pouquíssimos recursos económicos • Percurso focado na educação (prioridade estabelecida após ter ponderado abandonar no 10º ano, ao que o pai se opôs, emocionado, levando-o a reconsiderar) • Boa preparação escolar anterior • Teve apoios sociais (bolsa de montante avultado, redução de propinas e outros custos), fundamentais no percurso • Modos de estudar esporádicos, mas organizados, com elaboração frequente de trabalhos práticos • Percurso de integração conseguida no ES • Relação de reforço e complementaridade entre as sociabilidades e os estudos • Modos de estudar esporádicos, mas organizados, com elaboração frequente de trabalhos práticos • Percurso sem dificuldades de conciliação entre esferas de vida (estudo, trabalho, lazer e sociabilidade) • Relação positiva com o curso e a escola, de um modo geral • Redes de sociabilidade diversificadas, entre a escola e o local de residência, com relação de reforço relativamente aos estudos no 1º caso e relação de alternativa no 2º Jaime Sampaio: Quando o improvável acontece: ultrapassando constrangimentos pesados, com o precioso apoio do estado Humberto Costa: Uma vitória preparada pelo processo de socialização “Já quando eu era muito pequeno, achava muito estranho (…) ia a casa de pessoas que comiam comidas como uma que eu achei fabulosa, bifes “Os meus pais incentivaram-me sempre, mas tanto me incentivaram a entrar, como me incentivaram a dizer “se não for isto, podes ter aquela opção ou outra qualquer. Se quiseres, anulamos a matrícula e vamos candidatar-te naquela universidade, ou noutra”. Houve sempre muito apoio e todo o interesse em que eu vingasse, pois as minhas vitórias seriam as vitórias deles (…)” com cogumelos e molhos de natas. Os meus jantares, pelo menos umas quatro vezes por semana, eram ovos estrelados com fiambre, e aquilo para mim era estranho.” “(…) eles [pais] não tinham mesmo possibilidades, e se eu tivesse vindo para a faculdade sem a bolsa não conseguia mesmo, era quase impossível, (…) muito, muito difícil.” “Desde o 1º ano, tive bolsa da Acção Social. (…) recebia 55 contos (…). O apoio era esse e já era bastante bom, já dava para eu fazer a minha vida perfeitamente.” Vânia Giraldo: Um percurso de formação deliberado e partilhado Martinho Salvador: Quando as redes se rompem • Percurso focado na educação • Percursos com problemas de transição • Recursos económicos razoáveis • Disposições orientadas para a escola • A conclusão do ES fazia parte dos seus objectivos e projectos de vida • Boa preparação escolar anterior • Expectativas ajustadas ao curso • Integração positiva a todos os níveis (plano de estudos, professores, colegas, actividades para-escolares) • Apoio do quadro familiar durante o ES • Sem dificuldades de conciliação entre esferas de vida (trabalho e estudo) • Relação de reforço entre sociabilidades e os estudos para o ES/vida adulta • Boa preparação escolar anterior • Indefinição de projecto de vida • Curso não preferido • Expectativas desajustadas face ao curso (relativas ao plano de estudos) • Percurso com problemas de integração • Deslocado • Ruptura dos laços sociais • Episódio marcante (morte do pai) enquanto estudava Martinho Salvador: Quando as redes se rompem Vânia Giraldo: Um percurso de formação deliberado e partilhado “A minha cultura e das minhas colegas era a de estudar (…) A motivação parte também muito dos “Eu nunca fui muito de objectivos, não tive como colegas, quem está ao nosso lado (…) No meu “objectivo específico ir para um curso superior.” grupo de trabalho ninguém chumbou nenhum ano e temos todos mais ou menos as mesmas médias.” a mim fascina-me um bocado a matemática, tecnologia todo o ser humano (…) quando tu perdes isso tudo ao mesmo tempo torna-se mais difícil “[O curso] tinha muita matemática, e realmente muita “(…) a família, o sítio e os amigos são o apoio de alimentar, alguma física… Pronto, tudo áreas que vinham na sequência do meu 12º ano. Achei interessante e então por isso candidatei-me com o curso na primeira opção. (…) Achava fascinantes todas as disciplinas que estavam no conteúdo programático do curso. (…) Foi tudo de encontro aos meus gostos (…).” concretizar seja o que for” “(…) porque aqueles com que eu poderia conviver, conviviam uns com os outros naquelas festas habituais entre universitários e não sei quê, que é uma coisa a que eu também nunca fui dado e continuo a não ser (…) como nunca fui assim, facilitou-se um bocadinho essa questão de me sentir desintegrado.” Vânia Giraldo: Um percurso de formação deliberado e partilhado Vasco Álvares: Objectivos de estudo indefinidos com projecto de vida garantido • Percurso focado na educação • Percursos com dificuldades de integração • Recursos económicos razoáveis • Disposições orientadas para a escola • A conclusão do ES fazia parte dos seus objectivos e projectos de vida no ensino superior • Origens sociais com recursos elevados • Objectivos indefinidos (com enfoque no lazer) • Preparação escolar anterior insuficiente • Boa preparação escolar anterior • Curso não preferido • Expectativas ajustadas ao curso • Problemas de integração (plano de estudos, • Integração positiva a todos os níveis (plano de estudos, professores, colegas, actividades para-escolares) • Modos de estudar descontinuados, em • Apoio do quadro familiar durante o ES • Sem dificuldades de conciliação entre esferas de vida (trabalho e estudo) • Relação de reforço entre sociabilidades e os estudos pedagogia e perspectivas profissionais) continuidade com os da escolaridade anterior e não evolutivos • Com dificuldades de conciliação entre esferas de vida (lazer, trabalho e estudo) • Amigos mais próximos não mobilizados para o ensino superior Vasco Álvares: Objectivos de estudo indefinidos com projecto de vida garantido “No 12º foi o descalabro (…) Foi um ano de deboche total em que saía à noite, ia surfar sempre que me apetecia, enfim. (…) Chumbei eu e chumbou todo o meu grupo de amigos a todas as disciplinas. Éramos uns cinco gajos e ninguém fez nada.” “(…) o curso não estava ligado aos meus interesses. Eu nunca tive um gosto em especial por nada, desde o liceu. Não fui daquelas pessoas que queria ser médica ou assim. Eu nunca tive aquele apego de dizer: «pá, vamos fazer isto». (…) [O curso] era fazer redes eléctricas, o que não tem qualquer tipo de interesse. Pá é uma seca, basicamente. (…) Quando chegou o 2º semestre, eu praticamente deixei de ir às aulas.” “O meu grupo de amigos nunca foi um grupo que tenha estudado ou que tenha seguido estudos. (…) tenho alguns amigos que fizeram o 9º ano, a grande maioria fez o 12º, mas estudar na faculdade, praticamente ninguém o fez.” “Não tive que adquirir esta casa nem pago renda, pronto, era pertença da minha família. (…) foi basicamente oferecida, nunca tive que lutar pela casa, não tive que contrair nenhum empréstimo. (…) Se eu não sentisse que tinha o meu futuro relativamente assegurado na óptica, onde me encontro há 12 anos, era obrigado a ter que me fazer à vida e se calhar a ter que estudar mais alguma coisa.” Conclusões • Como observámos, são diversos os contextos de socialização que contribuem para estruturar as disposições dos estudantes. • O peso que cada um destes contextos adquire nas orientações para a acção dos estudantes é variável. • Cada caso é caracterizado por uma configuração singular de disposições e orientações. • Quanto mais abrangente e intensiva for a recolha de informação, ao nível do número de variáveis identificadas, maior poder explicativo terá o modelo analítico.