Ludoterapia como um Vygotskiano faz
O presente trabalho tem como objetivo analisar e fundamentar o processo de
ludoterapia com as crianças, de acordo com os pressupostos teóricos de
Vygotsky, Luria, Leontiev e Rita Leal.
O interesse pelo tema está vinculado ao fato de há mais de 6 anos no Brasil, os
profissionais do IPAF – Instituto de Psicologia Aplicada e Formação vem
estruturando o trabalho em psicoterapia vygotskiana dirigido pelo Dr. Quintino
Aires e como pesquisadora tenho o interesse em fundamentar, cada vez mais a
ludoterapia vygotskiana no Brasil.
A escolha pelo público infantil está enredada com a vivência de consultório,
pois tenho me deparado, nesses anos, com muitas crianças que buscam o
processo de ludoterapia devido às dificuldades encontradas no curso do seu
desenvolvimento. As queixas de dificuldade de aprendizagem, déficit de
atenção e concentração, dificuldade no relacionamento interpessoal, são
freqüentes e, diversificadas e levam os responsáveis e a criança a procurarem
ajuda profissional.
Diante da diversidade das queixas, a ludoterapia vygotskiana é uma prática
psicológica que propicia o desenvolvimento das funções nervosas superiores,
pois no processo de ludoterapia a criança pode se apropriar dos significados e
ou criar novos significados dos objetos do meio externo, dos eventos e das
relações sociais humanas.
Vygotsky enfatiza, ao longo do desenvolvimento teórico, que a criança em
contato com o mundo das relações vai internalizando os instrumentos, as
ações, as relações que vão sendo apresentadas pelos outros da relação a ela
e, que através do processo de internalização a criança vai desenvolvendo as
funções nervosas superiores e se desenvolvendo como ser social e ativo.
Nesse sentido que os fundamentos teóricos de Vygotsky (1896-1934) da
mediação da palavra e do brincar, bem como o processo de internalização
auxiliam na compreensão do desenvolvimento das funções nervosas
superiores nos seres humanos, e torna possível analisar como a criança se
apropria dos objetos, eventos e relações humanas, no processo de ludoterapia.
Por esse legado teórico, acima descrito, o conceito de mediação da palavra e
do brincar e o processo de internalização são considerados aspectos chaves
do trabalho em ludoterapia, para propiciar o desenvolvimento psicológico da
criança nas relações que estabelece com os brinquedos, com o psicoterapeuta
e, a mediação da palavra de ambos na relação psicoterapêutica.
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O processo de ludoterapia vygotskiana, nesse sentido, tem como objetivo
proporcionar um espaço para a construção de novos significados das
experiências e propiciar o desenvolvimento psicológico da criança, sendo,
portanto, um processo de intervenção psicológica direcionada para a
transformação do sujeito.
A relação dialética que ocorre entre os protagonistas do processo de
ludoterapia marca um processo de construção mútua e essa relação pode ser
estabelecida pela ação e pela palavra dos integrantes e pela relação entre os
mesmos.
A ludoterapia vygotskiana tem como alicerce a compreensão dos processos
nervosos superiores em sua rede de significados e sentidos e, essa rede é
estabelecida pela criança e psicoterapeuta através da percepção, seleção,
significação e sentidos das informações provenientes dos meios externo e
interno.
O sujeito pode construir significados e sentidos de suas experiências baseado
na objetividade da relação e do mundo. Desse modo a ludoterapia, tem uma
conotação de construção mútua, de significação e ressignificação, de
construção de sentidos, e as pessoas envolvidas no processo estão em relação
interpsicológica, construindo e constituindo o intrapsicológico. Pode ser
considerado um espaço de construção da vida mental e corporal.
Quintino Aires (2006) destaca que a relação psicoterapêutica “facilita e/ou
promove os processos de formação partilhada e o registro individual de
significados apontados e nomeados por ambos da relação”. (p.17)
Como refere Luria (1981), é através da relação interpessoal e da palavra que a
função interpsicológica partilhada por duas pessoas se transforma num
processo intrapsicológico de organização da atividade humana e o
comportamento externo passa a ser determinado por uma rede semântica
interna, que se reflete na situação externa, reformula os motivos e interesses e
dá um caráter consciente à atividade humana. (p. 221)
Nesse sentido, a criança, em relação com outros humanos e com os
instrumentos externos, passa a construir os seus sistemas simbólicos, os
signos psicológicos que vão mediar a sua ação no meio externo.
“A aplicação de meios auxiliares e o passo da atividade
mediadora reconstrói a raiz de toda operação psíquica, é
semelhante a como a ferramenta modifica a atividade
natural dos órgãos e amplia infinitamente o sistema de
atividade das funções psíquicas superiores. Na estrutura
superior, o signo e o modo de seu emprego é o
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determinante funcional e o foco de todo o processo de
desenvolvimento.” (Vygotsky, 1995, p. 123)
As representações mentais são produtos da internalização e estão
intrinsecamente relacionadas à subjetividade do homem, por representarem
mentalmente aquilo que faz sentido para eles, ou seja, o que está
intrinsecamente ligado às suas emoções.
A criança necessita construir as representações internas do mundo externo,
social e, construindo as representações do mundo, desenvolve as funções
nervosas superiores; sendo assim, a relação da criança com o meio externo é
sempre mediada pela cultura.
O mundo externo da criança está em constante relação dialética com o seu
mundo interno, devido ao processo de internalização que ocorre à medida que
a criança representa mentalmente os objetos, eventos e relações do meio em
que está inserida. A criança é um ser ativo no processo de desenvolvimento à
medida que se interessa se relaciona e constrói com as coisas, eventos e
relações do meio externo.
O papel do psicoterapeuta na ludoterapia é de ser um outro dinâmico, que guia,
regula, seleciona, compara, analisa, registra as ações da criança a auxiliando a
construir maneiras de pensar e de agir, como também disponibilizar os
instrumentos mediadores para que no brincar possa construir novos
significados e novas redes mentais.
O brincar da criança na ludoterapia traduz e possibilita a construção de
significados em relação a objetos, eventos e relações sociais, uma vez que a
análise do brincar está focada no modo como a criança se relaciona com os
objetos e com o psicoterapeuta, enfatizando o processo do brincar e não a
brincadeira propriamente dita.
Leal (2001) enfatiza que para uma atividade ser considerada brincar deve-se
levar em conta “que o controle, a motivação e a realidade sejam, de algum
modo, estabelecidos pelo próprio sujeito que brinca” (p. 14), para possibilitar
que a criança seja um ser ativo no meio externo. Ressalta que o verdadeiro
brincar ocorre quando a criança, na interação com um outro, tem a condição de
escolher o que e como vai fazer no seguimento da própria imaginação.
O brincar propicia também a construção da autonomia e da consciência de que
se pode construir algo ou alguma ação de acordo com a sua necessidade e
motivo1. A criança, em contato com os objetos, internaliza os significados dos
1
Leontiev destaca as categorias necessidade e motivo como a mola propulsora o
desenvolvimento psicológico do sujeito. A categoria necessidade pode ser descrita como uma
mobilização interna que pode não direcionar inicialmente o sujeito para uma ação específica,
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mesmos e, em contato com o outro da relação, tem a possibilidade de
internalizar os significados da própria relação, pois é nela que um exerce sobre
o outro uma influência que gera uma construção mútua e propicia um contínuo
movimento de desafio, transformação e desenvolvimento.
O brincar da criança possibilita a construção dos signos psicológicos, a
apropriação do mundo externo e a construção da representação interna do
meio externo. Num processo dialético, são as representações internas que
fazem a criança brincar e, brincando, constitui mais e mais a construção de
sentido do mundo. O brincar da criança propicia a construção subjetiva dos
signos e dos significados das coisas, eventos e relações humanas à medida
que internaliza e se apropria do significado dos objetos, coisas, eventos e
relações e constrói sentido das mesmas. A ação do brincar constrói a atividade
mediada da criança e é uma atividade no meio social que representa os
objetos, eventos e relações construídos e transformados num mundo externo
internalizado.
Vygotsky (1995) refere que durante o brincar a criança substitui os signos dos
objetos por outros signos e esses se convertem em outros objetos. Para o
autor, o importante no brincar é utilizar funcionalmente os objetos com a
possibilidade de realizar a atividade com a ajuda do gesto representativo.
No brincar, a criança pode realizar tarefas para as quais na realidade não tem
habilidade física e psíquica, como, por exemplo, dirigir um carro. Um objeto
circular pode se converter na direção do carro e a criança pode dirigi-lo e
representar mentalmente a ação de dirigir, a atitude do motorista e o próprio
objeto, o carro. Um pedaço de pano ou de madeira pode se converter em um
bebê e a criança faz, no brincar, os mesmos gestos que representam o cuidado
e a nutrição dos outros com os bebês.
“É o próprio movimento da criança, seu próprio gesto, os
que atribuem a função de signo ao objeto
correspondente, o que lhe confere sentido. Toda a
atividade simbólica representacional está cheia desses
gestos indicadores”.(Vygotsky, 1995, p. 188)
Vygotsky (1995) descreve “que é só nele (brincar) que radica a chave da
explicação de toda a função simbólica” das brincadeiras infantis e pode ser
entendido como um “sistema de linguagem muito complexo que mediante
gestos informa e assinala o significado dos diversos brinquedos”. (p. 187-188)
mas que auxilia na construção de significado dessa ação como algo que pode satisfazer a sua
necessidade, se configurando num motivo. O autor destaca que para compreender o processo
do desenvolvimento psíquico humano é necessário perceber qual a sua necessidade interna, o
que o está mobilizando para uma atividade no meio social e como o sujeito está construindo
significado capaz de satisfazê-lo. Portanto a ação do brincar da criança pode se configurar em
atividade ligada à sua necessidade e ao seu motivo.
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O autor enfatiza que com a atividade do brincar “o objeto se emancipa de sua
qualidade do signo e do gesto” (p. 188) e passa a ser significado pela ação,
pela linguagem que lhe é atribuída e representa determinadas relações
convencionais, deixando para segundo plano a necessidade do gesto. O
importante é a semelhança que o objeto tem com a representação simbólica.
Vygotsky (2002) afirma que o brincar da criança é uma atividade que envolve a
imaginação e a criança brinca de ser alguém ou de fazer algo no momento em
que está construindo o significado e o sentido do objeto, da ação e da relação
e, ao brincar, constrói cada vez mais esses significados e sentidos. (p. 126) Na
ludoterapia a ação do brincar é direcionada e intencional para produzir
transformações psicológicas.
Leal (2001) enfatiza que, no brincar da criança, “os elementos dispersos da
experiência encontrarão lugar e contexto para se poderem diferenciar,
organizar e receber rótulos simbólicos que serão fonte de linguagem”. (p.1) A
criança em relação com um outro é capaz de significar, organizar e construir o
mundo simbólico e, no brincar com o outro, a criança se apropria dessas
relações.
O brincar possibilita a construção das mais variadas formas e possibilidades do
humano, na medida em que o reconhecimento do seu semelhante possibilita o
próprio reconhecimento de si, pois o outro indica, delimita, atribui significado à
realidade.
Os movimentos da criança com o psicoterapueta emergem cadências regulares
que geram um intercâmbio e torna explícito que há um interlocutor que pode
completar os atos da criança, ou seja, a criança pode compreender os seus
próprios atos no intercâmbio relacional com o outro. (p. 8) A relação é mediada
pela palavra, pelas técnicas do psicoterapeuta, pelos brinquedos e pela
atividade do brincar.
Nesse sentido as palavras utilizadas pelo psicoterapeuta, na ludoterapia têm o
objetivo de possibilitar no interpsicológico o desenvolvimento psicológico da
criança para se perceber como um sujeito ativo nas relações sociais e
transformador do próprio meio social, uma vez que as técnicas enfatizam a
iniciativa e espelham as ações, pensamentos, planejamentos, da própria
criança; de acordo com as suas necessidades e motivos.
O processo de construção e transformação, na ludoterapia, ocorre na relação
da criança com o psicoterapeuta, com os objetos disponibilizados na caixa de
ludo e na palavra de todos os envolvidos nesse processo.
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Desse modo que o processo de ludoterapia é um espaço de construção de
significados e sentidos e de ressignificação, bem como de criação de
condições para que ocorram as transformações psicológicas possíveis de
acordo com as instrumentalidades históricas. É indicado a todas as crianças
que estão em processo de desenvolvimento das funções nervosas superiores,
como forma de prevenção e direcionamento do desenvolvimento, como
também às crianças que sentem dificuldades no desenvolvimento das funções
nervosas superiores ao longo de sua história. Essas crianças encontram na
relação com o psicoterapeuta o espaço para esse desenvolvimento.
Para ilustrar os conceitos referidos nesse trabalho convido a todos a analisar
trechos de uma sessão de ludoterapia com uma criança de 8 anos de idade
denominado nesse trabalho como Pedro.
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Cenário da pesquisa
A pesquisa foi realizada no consultório e a escolha do sujeito da pesquisa foi
realizada aleatoriamente através do processo de marcação de consultas em
psicoterapia do Instituto, sendo esta a primeira criança que aceitou o horário
disponibilizado para o atendimento e a marcação da consulta foi realizada.
Personagens da pesquisa
Os personagens são um menino de oito anos de idade denominado Pedro, e
sua avó por parte de pai, D. Francisca, de sessenta e três anos de idade.
Como de praxe o Psicodiagnóstico foi realizado, por meio dos seguintes
instrumentos:
- Consulta inicial com a avó (responsável legal pela criança) e a criança;
- Relatório de observação do psicólogo que a encaminhou para o IPAF;
- Atividade de ludo com a criança;
- Aplicação da Prova de Rorschach;
- Entrevista por telefone com o diretor da escola;
- Entrevista devolutiva com a avó e a criança.
A primeira consulta teve como foco a história de Pedro inserido no contexto
familiar, tendo como objetivo central compreender como a avó se relaciona
com a criança, compreender a queixa que está sendo trazida. Cabe ressaltar
que o garoto estava presente em todas as fases do processo, pois, sendo o
protagonista da história, deve participar e estar a par de todas as situações em
que está sendo citado.
Pedro nasceu no Paraná, onde morava com o pai, a mãe e um irmão mais
novo. A mãe o abandonou há aproximadamente dois anos e Pedro e o irmão
de quatro anos foram levados pelo pai para morar em São Paulo, com D.
Francisca, uma tia paterna e um primo de três anos.
A avó afirmou que não podia cuidar dos garotos porque é doente, mas se viu
na obrigação de fazê-lo por ter sido designada pelo Juiz.
A avó era faxineira e trabalhava o dia todo em casa de família, mas após quase
ser denunciada para o “SOS Criança” pela vizinha, parou de trabalhar para
ficar com as crianças. Pedro e o irmão mais novo ficavam trancados em casa,
numa espécie de porão, enquanto ela ia trabalhar. Ela relata que o garoto era
muito cuidadoso com as coisas e com o irmão e não mexia em nada, nem
colocava ao irmão e a si próprio em risco.
No ano de 2006, Pedro foi matriculado na 1º série do Ensino Fundamental de
uma escola municipal, que o encaminhou para atendimento em psicoterapia
com queixa de hiperatividade, dificuldades de aprendizagem e de
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relacionamento interpessoal. Esse início tardio da escolaridade ocorreu porque
a avó não tinha ainda a guarda definitiva das crianças e sem um responsável
legal as escolas não podiam aceitar Pedro como aluno.
A avó confirmou a queixa de agitação, salientando que seu outro neto havia se
tornado muito irritado e briguento por influência de Pedro. Salientou que a sua
casa não tem espaço para as crianças brincarem e acredita que isso pode
influenciar na agitação do garoto.
A sessão de ludo com o garoto, com trinta minutos de duração, teve como
objetivo levantar hipóteses a respeito do modo como ele brinca, como constrói
a brincadeira, como se relaciona com os objetos da caixa de ludo e como
estabelece a relação comigo, uma pessoa estranha ao seu mundo.
Após o término dessa consulta, entrei em contato por telefone com o diretor da
escola para compreender melhor sua queixa em relação às dificuldades de
aprendizagem, hiperatividade e dificuldades no relacionamento interpessoal de
Pedro. Nesse contato foi explicado que ele era uma criança muito agitada e,
por esse motivo, permanecia na escola por apenas duas horas. O diretor
relatou que sua saída antecipada era realizada em seu próprio benefício,
devido ao fato de perturbar o andamento das demais crianças e não conseguir
ter atenção focada por mais tempo.
Apesar de conversarmos sobre a importância de Pedro freqüentar
regularmente a escola e da denúncia que seria realizada por mim à Secretaria
de Educação do Município, o diretor foi firme em sua conduta de retirar Pedro
mais cedo da sala de aula por mais um mês.
No segundo encontro com Pedro foi realizado a aplicação da Prova de
Rorschach, com o objetivo de compreender como e quais funções nervosas
superiores - atenção, memória, emoção, linguagem, pensamento, imaginação,
planejamento da ação - se configuram em sua construção psicológica até o
momento da avaliação. A análise da Prova de Rorschach foi realizada de
acordo com o Sistema Compreensivo de John Exner.
A análise da Prova de Rorschach pôde evidenciar a dificuldade do garoto em
manter a atenção, por conta dos aspectos afetivos que estão interferindo no
seu comportamento explícito, pois demonstrou estar sendo bombardeado por
sentimentos de insegurança e intensa irritação interna, não conseguindo utilizar
os recursos intelectuais que possui para direcionar e levar a cabo as suas
tarefas.
Após esse processo de psicodiagnóstico, foi realizada a devolutiva na presença
da avó e de Pedro com o objetivo de explicitar a análise realizada nesses
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primeiros contatos com o garoto e com a avó além de delinear, em conjunto,
um contrato de trabalho e dar início ao processo de psicoterapia.
Diante de todos os dados compilados, pude analisar que D. Francisca
apresentou as dificuldades que sentia em relação aos garotos, somadas aos
problemas de saúde que ela apresentava, ao fato de não conseguir trabalhar, e
de ter que dividir um espaço pequeno com mais dois meninos. Na entrevista,
demonstrou necessidade de falar de si própria e das dificuldades que estava
enfrentando para cuidar do garoto.
A avó tinha a guarda judicial de Pedro, mas, seja por falta de espaço em sua
casa, seja por falta de condições físicas e emocionais, não se assumia como
responsável plena por ele e relatava que esperava devolvê-lo para o pai. Os
cuidados que a avó demonstrou ter com o garoto foram de levá-lo à escola, de
acompanhar as suas tarefas, de alimentá-lo, de vesti-lo e de proporcionar, com
dificuldade, o espaço físico para a moradia. Esses cuidados ocorrem por volta
de dois anos e, após a morte do pai de Pedro a avó imediatamente o colocou
em um abrigo para filhos de pais encarcerados.
Pedro foi referenciado, nas palavras da avó, como uma criança agitada,
briguenta, inconseqüente, que atiçava os outros, que não conseguia parar
quieto para aprender, mesmo tendo entrado há pouco tempo na escola. D.
Francisca referiu que, como os pais são desequilibrados, já era de se esperar
que Pedro fosse revoltado. Seu intuito ao trazê-lo para a psicoterapia era tentar
descobrir e sanar a revolta, a agitação e a dificuldade de aprendizagem para
que pudesse viver melhor com a família.
A análise da Prova de Rorschach pôde evidenciar a dificuldade do garoto em
manter a atenção, por conta dos aspectos afetivos que estão interferindo no
seu comportamento explícito, pois demonstrou estar sendo bombardeado por
sentimentos de insegurança e intensa irritação interna, não conseguindo utilizar
os recursos intelectuais que possui para direcionar e levar a cabo as suas
tarefas.
Nesse contexto, a proposta de ludoterapia para Pedro foi delineada para
estabelecer uma relação de confiança e de responsabilidade com o seu
desenvolvimento psicológico mediado pela palavra e pelo brincar. A proposta
de orientação com a avó foi focada na conscientização da sua
responsabilidade para com o desenvolvimento psicológico de Pedro, uma vez
que assumiu a guarda judicial dos garotos.
Os objetivos da ludoterapia com Pedro, entre outros, foram:
- ressaltar a atividade de Pedro de acordo com a sua necessidade, para que
ele possa se perceber e se constituir como um sujeito ativo no meio externo;
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- demonstrar a minha presença estável na relação com ele, apoiando,
repetindo, direcionando e organizando a sua atividade;
- proporcionar condições, ao nível interpessoal, através da palavra e do brincar
para que ele possa reorganizar as suas ações e pensamentos ao nível
intrapsicológico;
- utilizar o brincar e a palavra como mediadores do desenvolvimento.
Tendo em vista as exigências do tempo, foi selecionado para análise, alguns
trechos da sessão de ludoterapia com Pedro para melhor ilustrar a proposta
desse trabalho.
Em todas as sessões, os instrumentos da caixa de ludo foram disponibilizados
para que ele pudesse brincar, desenhar, pintar ou construir brincadeiras, para
que Pedro pudesse exercer a iniciativa ao escolher quais materiais seria
utilizados e de que maneira.
A minha ação, nos momentos de ludo, foi realizada através do brincar e da
palavra não espontânea, nem aleatória, uma vez que tinha a intenção de
favorecer o desenvolvimento psicológico. Sendo assim, minhas palavras como
psicoterapeuta foram norteadas pelas técnicas psicológicas propostas por Leal
(2004) e ocorreram durante todos os momentos de ludo.
As técnicas utilizadas foram:
- marcação: utilizada para marcar o diálogo num movimento de vai e vem, com
o intuito de não deixar no vazio a palavra da criança. Os diálogos sociais são
marcados pelas pessoas implicadas na conversa, num movimento de agora-tu,
agora-eu, com o objetivo de não deixar a fala da criança sem resposta. Essa
ação sustenta o diálogo e marca a presença do psicoterapeuta na relação com
a criança;
- repetição: utilizada para a criança perceber a sua fala através da palavra do
outro;
- pôr verbo: quando o psicoterapeuta descreve a ação da criança no momento
em que a linguagem verbal não está presente. A ação de descrever a atitude
do outro possibilita à criança perceber, através da fala do outro, como está
agindo no meio externo. O objetivo dessa técnica é possibilitar à criança se
perceber agindo no meio externo, como um ser ativo;
- eco emocional: o psicoterapeuta descreve a emoção que está permeando a
relação naquele momento. O intuito é verbalizar e deixar claros os conteúdos
emocionais que permeiam as relações interpessoais. A possibilidade de
experimentar, na atividade principal, as emoções que são sentidas, possibilita à
criança reconhecer e nomear as suas próprias emoções;
- re-expressão: o psicoterapeuta reconstrói e organiza a fala da criança. Essa
técnica possibilita ao outro da relação organizar a fala e a ação da criança para
que a mesma possa construir sentido de suas ações e organizá-las.
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TRECHOS DAS SESSÕES
A análise foi realizada da seguinte maneira:
1. Explanação das ações e falas (de modo literal)
2. Explicação das observações, sensações e inferências que realizei em
função da atividade de Pedro e que suscitaram as minhas palavras e o
meu brincar como psicoterapeuta; (indicados em verde)
3. Utilização da técnicas psicológicas; (indicados em vermelho)
4. Analise dos trechos e articulação teórica
EPISÓDIO 1
P. Pensei que era borracha. (Refere-se ao bloco de madeira para montar)
(Estava mexendo no bloco de madeira que estava perto da caixa)
Percebi que a atenção de Pedro estava em outro objeto.
Psi. Não. É bloco de madeira.
Acompanhei a sua iniciativa
P. Que pode brincar?
Senti que Pedro solicitava o aval para brincar com os blocos, uma vez que eu
estava há poucos minutos insistindo no diálogo do animal.
Psi. Pode brincar de montar. Dá para montar várias coisas.
Acrescentei um modo de iniciar a ação de montar e dei a possibilidade da
diversidade de ações para Pedro escolher o que fazer com os blocos.
P. (Pega os outros blocos de madeira na caixa de ludo)
Percebi que ele estava iniciando uma ação com os blocos.
Psi. (Pego dois blocos e coloco um em cima do outro)
Imitei a sua ação.
P. (Pega outros blocos e coloca ao lado dos meus e em cima também)
Percebi que ele estava aceitando a ação conjunta.
Psi. O que nós estamos montando?
A minha pergunta foi colocada com a intenção de Pedro organizar e planejar
antecipadamente, através da linguagem, a ação e o brincar e também mostrar
nossa participação no brincar em conjunto.
P. Um castelo.
Percebi que ele tinha um plano e que, pela minha solicitação, estava se
explicitando em palavras.
Psi. Então essa pode ser a torre do castelo. (Referi-me aos blocos que nós já
tínhamos empilhado)
Ajudei o planejamento e direcionei através da re-expressão a ação já
executada como parte integrante do castelo.
P. (Continua montando outros blocos e juntando-os ao castelo. Vai à caixa de
ludo e pega os soldadinhos)
Senti que o brincar de construir com blocos estava prestes a se transformar,
pois Pedro já estava buscando outros objetos da caixa de ludo.
Psi. Vai brincar com os soldadinhos.
Pus verbo na sua ação, mostrando que ele já estava com os soldadinhos.
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P. Tira o castelo agora, senão nós vamos atirar. (Faz barulho de tiro com a
boca)
A idéia de Pedro estava sendo transmitida para mim, mas como uma ordem de
que a brincadeira estava se configurando de outra forma. Não estávamos
apenas na construção do castelo, mas agora ele ia ser destruído pelos
soldados.
Psi. “Nossa” Os soldados estão destruindo o castelo.
O eco-emocional foi realizado com uma expressão de espanto e coloquei verbo
na sua ação com os soldados.
P. (Pega a caixa de madeira, coloca os soldadinhos em cima da caixa em
direção ao castelo e empurra a caixa no castelo, desmontando-o)
Os movimentos de construir e destruir estavam presentes nessa atividade de
Pedro. A construção foi efetuada em conjunto, mas logo em seguida ele
executou a destruição do castelo com os soldados. Inferi que essa atitude dele
de destruir o castelo pode repercutir em agressividade ou briga quando ele
brinca com os colegas. Nós dois estávamos construindo algo e ele, na
continuidade da brincadeira, sem verbalizar a sua intenção na brincadeira,
destruiu o castelo. A palavra não foi utilizada antecipadamente para organizar e
compartilhar comigo a atividade do brincar.
Psi. Agora destruíram todo o castelo.
Re-expressei a ação da destruição do castelo.
P. Nunca. Ah, é? (Pega uns soldados e coloca junto aos blocos – castelo - e
atira em direção aos outros soldados. Faz barulho com a boca)
Senti que Pedro demonstrou indignação com a destruição do castelo e isso foi
expresso na sua palavra e nas suas ações de combate aos soldados.
Psi. (Pego alguns soldados e também brinco de proteger o castelo. Faço
barulho de tiro com a boca)
Aceitei a sua iniciativa e demonstrei essa aceitação acompanhando e repetindo
o seu movimento na defesa do castelo.
P. (Continua atirando e lutando, com os dois lados dos soldados.) Sobrou um.
(Referindo-se ao soldado dele)
Compreendi que Pedro gostava de se destacar na brincadeira, devido ao fato
de o seu boneco ser o único a sobreviver. Percebi que, com essa ação, ele me
retirou da brincadeira novamente.
Psi. Sobrou só o seu soldado. (Tombo os soldados que estavam em minhas
mãos como se tivessem morrido)
Re-expressei as suas palavras, enfatizei o destaque de o seu boneco ser o
único sobrevivente e a minha retirada da brincadeira.
P. Até esse morreu. (Refere-se ao seu soldado)
Pedro pareceu perceber as ações implícitas no brincar e re-expressadas por
mim e retirou também o seu soldado.
Psi. Todos os soldados que estavam protegendo o castelo morreram.
A re-expressão serviu para organizar a ação que estava acontecendo. As
ações foram transformadas em palavras e colocadas para ambos da relação.
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Neste episódio da sessão, alguns pontos no movimento do brincar de Pedro
comigo foram interessantes. Primeiro chama a atenção que iniciamos uma
brincadeira em conjunto em que ora eu colocava uma parte do material, ora ele
acrescentava outra parte na montagem de um único castelo. No entanto, as
regras da brincadeira ainda não estavam explícitas nessa relação, uma vez que
Pedro decidiu continuar o brincar com a destruição do castelo, sem o aviso ao
outro da relação. Inferi que esse movimento de Pedro pode gerar conflito e
briga quando brinca em conjunto com outras crianças devido às regras serem
estabelecidas por ele e não explicitadas antecipadamente para que o outro
possa entrar em um acordo da brincadeira. A dificuldade de Pedro em
organizar e explicitar a regra pode gerar, no outro, incômodo e/ou raiva ao
brincar com ele.
Os movimentos de construção e desconstrução apareceram no brincar com o
castelo que foi construído por ele em conjunto com o outro, destruído pelos
soldados que ele mesmo acrescentou à brincadeira e, posteriormente, ficou
indignado com a destruição do castelo e automaticamente o protegeu, matando
os soldados. Inferi que Pedro pareceu estar criando sentido de que tudo pode
ser construído e destruído da mesma maneira e na mesma proporção, tanto
em relação aos objetos, como nas relações.
Apesar de utilizar a linguagem, a sua função não antecipa e substitui a sua
ação; no entanto, apresenta certa organização neste episódio, com um brincar
com início, meio e fim, até o guardar dos brinquedos.
EPISÓDIO 2
P. Nós vamos fazer um passeio na piscina! (Fala com grande entusiasmo)
Pedro demonstrou mais uma vez através da linguagem a brincadeira do
passeio à piscina e, nesse momento, me incluiu na brincadeira. A emoção de
entusiasmo permeou essa fala de Pedro.
Psi. Nós vamos fazer um passeio na piscina, eba!
Confirmei o seu entusiasmo através da repetição seguida de um eco-emocional
e acompanhei a sua iniciativa.
P. Lá na chácara. (Enquanto conversa mexe na massinha)
Pedro designou antecipadamente, através da linguagem, como seria a
brincadeira.
Psi. Que delícia! (Eu mexo na massinha também enquanto conversamos)
Fiz um eco-emocional para incentivar a brincadeira e demonstrar a minha
emoção em participar com ele dessa brincadeira.
P. Na chácara tem piscina, né?
Pedro pareceu designar o objeto e buscou se certificar de que estava certo em
seu pensamento a respeito da chácara e pediu o meu aval para ter certeza.
Pareceu estar querendo ampliar o conhecimento a respeito das coisas.
Psi. Algumas chácaras têm piscina, outras não têm...
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Trouxe a realidade para a nossa fantasia e imaginação, no entanto, deixei a
resposta em aberto para que ele decidisse se a nossa chácara teria piscina ou
não.
P. No meu passeio vai ter piscina na chácara.
Ele decidiu e se posicionou como um ser ativo no meio externo.
Psi. Hum hum.
Usei a marcação para deixar o diálogo fluir e observar o planejamento da
brincadeira através de sua fala. A função da imaginação estava presente e
explícita nesse momento da sessão, uma vez que a linguagem estava
permeando e organizando a nossa brincadeira.
P. Tem uma piscina grande, aquele negócio que a gente segura assim e desce.
Pedro permaneceu descrevendo como seria a chácara e usou a linguagem
para explicitar a sua representação mental e o seu pensamento em relação à
chácara, à piscina, ao passeio etc.
Psi. Tobogã.
Acrescentei o conceito que estava sendo explicitado por ele para ajudá-lo na
nomeação dos objetos e poder ampliar o seu vocabulário.
P. É tobogã que se chama?
Pedro manteve o diálogo da construção da brincadeira de ir à chácara e à
piscina e pareceu estar interessado em aprender o nome do objeto a que
estava se referindo.
Psi. Aquele negócio que escorrega na piscina é tobogã.
Confirmei o nome do objeto e acrescentei alguns atributos para facilitar sua
visualização e representação mental.
P. Vai ter tobogã. (Pega a folha de papel)
Pedro ressaltou a idéia do tobogã na piscina e pareceu completar a cena que
foi criada para essa brincadeira.
Psi. Hum hum.
Usei a marcação para deixar o diálogo fluir de acordo com a sua necessidade.
Este episódio mostrou uma alteração importante no comportamento de Pedro
em relação ao seu brincar. A linguagem foi a mediação principal da brincadeira
e substituiu as ações e gestos necessários para a execução da mesma.
Como afirma Vygotsky, uma vez que as crianças vão substituindo as ações, os
gestos com objetos, e começam a utilizar a fala para planejar e organizar as
ações, a linguagem passa a ocupar um papel importante como função nervosa
superior no brincar.
EPISÓDIO 3
P. Vou fazer um avião.
Pedro tomou outra iniciativa após a brincadeira da piscina.
Psi. Vai fazer um avião.
Repeti com o intuito de prender a sua atenção a essa atividade.
P. De dobrar assim. Você dobra aqui e faz assim.
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Pedro pareceu estar me ensinando a fazer um avião de papel. Inferi que o
conhecimento e certa superioridade necessitavam ser explicitados por ele
nesse momento. Pensei que ele deve ter esse movimento com o irmão e com o
primo, ambos mais novos que ele.
Psi. Um avião de dobradura de papel.
Pus verbo em sua ação e tentei organizá-la introduzindo o conceito da
dobradura de papel.
P. (Faz o avião e dobra o papel) Me ajuda a dobrar aqui?
Senti que a relação entre Pedro e eu nessa sessão estava sendo de partilha,
uma vez que ele pediu para ajudá-lo a fazer a dobradura, bem como
anteriormente me perguntou a respeito da chácara. Pareceu que, nesse
momento, ele estava mais atento ao que estava executando e pedindo auxílio
quando tinha alguma dificuldade.
Psi. Assim é que tem que dobrar? (Ajudo-o a dobrar o papel para fazer o avião)
Ajudei-o a dobrar o papel, mas perguntei a ele como era para ser feito. Essa
atitude foi para prolongar esse movimento de partilha da relação.
P. Que da hora!
Pedro demonstrou explicitamente ter gostado do resultado final que
construímos juntos.
Psi. Hum hum
A marcação foi utilizada para deixar Pedro fluir no seu brincar com o avião.
Poderia ter enfatizado a sua emoção, mas no momento não me dei conta
dessa possibilidade.
P. Tem que arrumar aqui, porque um ficou maior e o outro pequeno. (Refere-se
ao lado das asas do avião)
Ele permaneceu pedindo a minha ajuda e prosseguiu a relação de partilha.
Inferi que a relação que estava sendo realizada naquele momento não era de
que eu sabia mais do que ele e sim de que poderíamos montar juntos o avião.
Psi. (Pego o papel e dobro de novo) Ficou bom agora?
Aceitei e executei o seu pedido e reafirmei a importância da sua apreciação.
P. Ficou. Vamo ver se vai voar.
Pedro pareceu querer ver o produto final que foi construído sendo utilizado e
inferi que a expectativa implícita era de o avião pudesse voar.
Psi. Hum hum.
Usei a marcação para apenas marcar a minha presença na relação e deixar
fluir o diálogo e a brincadeira.
P. Faz um bolo e o pastel enquanto isso. (Me dá a massinha e joga o avião
para o alto, para voar)
Nesse momento Pedro construiu duas brincadeiras ao mesmo tempo e, através
da designação verbal (linguagem), pôde partilhar comigo suas intenções e seu
planejamento.
Psi. Enquanto você brinca com o avião, eu faço o bolo e o pastel. (Pego a
massinha)
O uso da re-expressão serviu para explicitar a organização de Pedro e as suas
intenções nas brincadeiras.
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P. Voou. (Pega o avião do outro lado da sala) Voou, voou
Pedro parecia eufórico com o fato de ter construído o avião e o mesmo ter
voado.
Neste episódio o movimento de ação partilhada entre Pedro e eu apareceu de
forma explícita na sessão. Referi a relação partilhada, pelo fato de não ter
aparecido a relação de poder e sua sobrevalorização em relação a mim. Ele
solicitou ajuda quando necessitava para construir algo que percebia não
conseguir fazer sozinho.
Refiro ao que Quintino Aires (2005) salientou sobre que a relação
psicoterapêutica facilita e/ou promove os processos de formação partilhada e o
registro individual de significados e sentidos, apontados e nomeados por
ambos os envolvidos na relação. O brincar de Pedro, neste momento, pareceu
mais organizado e tranqüilo, com início, meio e fim.
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Considerações Finais
De acordo com o objetivo deste trabalho o processo de ludoterapia realizada
com o Pedro pode disponibilizar novos instrumentos mediadores, uma relação
estável e direcionada para que Pedro pudesse se desenvolver como um sujeito
ativo da ação, com iniciativas de acordo com as suas necessidades e motivos.
O desenvolvimento de Pedro foi analisado a longo prazo, devido ao processo
de ludoterapia ter sido realizada por 2 anos consecutivos. Quase ao término do
processo, o pai de Pedro foi assassinado e a avó encaminhou Pedro e o irmão
a um abrigo de menores, porque considerou que não tinha mais compromissos
com a justiça, após a morte do seu filho, esse ato da avó prolongou o processo
de ludoterapia para que Pedro pudesse se preparar para esse novo contexto.
Os funcionários do abrigo permaneceram levando Pedro aos atendimentos em
ludoterapia o que também possibilitou a ressignificação do lugar que ocupou
fora da família de origem.
Durante os atendimentos, com o uso dos brinquedos e das técnicas
psicológicas foi possível que Pedro planejasse as brincadeiras antes mesmo de
iniciá-las em virtude de ter um outro no qual Pedro deveria comunicar os seus
desejos. A presença constante e participativa do outro mais experiente
possibilitou a habilitação de funções nervosas superiores da linguagem
antecipatória da sua ação e do brincar mais organizado.
Vygotsky (1995) refere que ao longo do desenvolvimento das funções nervosas
superiores a linguagem ocupa um papel importante no brincar por substituir as
ações e os gestos com os objetos, de forma que a criança utilize a fala para
organizar e planejar a sua atividade. A linguagem passa a ser mediadora e
estrutura o planejamento e o pensamento da criança.
As mudanças na dinâmica psicológica de Pedro foram notórias e auxiliaram
também a Escola a realizar um trabalho mais efetivo na alfabetização de Pedro
e facilitou a aproximação dos amigos da escola a ponto de Pedro ser
convidado a fazer parte do time de futebol da escola. A inserção de Pedro no
abrigo o obrigou a seguir algumas regras institucionais que também auxiliaram
Pedro na construção de limites internos, uma vez que a sua ação era partilhada
com os monitores e com mais crianças.
Pedro foi uma das inúmeras crianças atendidas em ludoterapia vygotskiana no
IPAF – Brasil, mas acredito que o legado maior desse trabalho além de
visualizar o desenvolvimento psicológico de Pedro, foi a possibilidade de
fundamentar uma pratica clínica direcionada a produzir transformações
psicológicas.
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A prática clínica vygotskiana possibilita fundamentar a Psicologia como uma
ciência imprescindível e capaz de compreender e atuar no contexto social dos
sujeitos, pois fundamenta como papel da Psicologia a integração dos
acontecimentos sociais, econômicos, políticos como constitutivos e, de modo
dialético, constituintes dos sujeitos. Nesse sentido desfoca as dificuldades dos
sujeitos como causas intrínsecas, particulares e isoladas dos mesmos. O caso
de Pedro demonstrou que o contexto social, as relações desiguais
estabelecidas na sociedade brasileira e as relações que Pedro estabeleceu ao
longo da sua vida, foram constitutivos para não possibilitar o desenvolvimento
psicológico pleno do Pedro.
Acredito que o legado da Psicologia Clínica vygotskiana é fundamentar uma
ciência constitutiva e participativa da Educação, Política, Economia, da
sociedade de modo geral e o nosso papel como profissionais da Psicologia é
fundamentar cada vez mais a prática psicológica focada na prevenção,
intervenção e transformação da nossa sociedade e da própria Psicologia como
ciência e profissão.
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