UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ FRANCISCO SALES DOS SANTOS A LEGALIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA SÃO JOSÉ 2008 FRANCISCO SALES DOS SANTOS A LEGALIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Juliano Keller do Valle São José 2008 FRANCISCO SALES DOS SANTOS A LEGALIDADE DO TERMO CIRCUNSTANCIADO LAVRADO PELA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Área de Concentração: Direito Penal São José, 11 de novembro de 2008. Prof. Esp. Juliano Keller do Valle UNIVALI – Campus de São José Orientador Prof. MSc. Rodrigo Mioto Dos Santos UNIVALI – Campus de São José Membro Prof. MSc. Ivori Luis da Silva Scheffer UNIVALI – Campus de São José Membro Agradecimentos A Deus, pois me permitiu escolher o caminho certo, com força, perseverança e sabedoria. A meu pai José Brasiliano dos Santos e minha mãe Natália Leopoldina dos Santos pela vida heróica, exemplo de dedicação sem medidas. Ao meu orientador Mestre Juliano Keller do Valle, pela orientação, apoio e dedicação de suas horas empenhadas a esta pesquisa. Ao Mestre Cleber Pires pela amizade, paciência, auxílio e incentivo. A minha querida Esposa Giuvânia Rosa dos Santos, pelo incentivo, apoio, paciência e carinho. Às minhas lindas filhas, Nathalia, Giana, Nayara e Giovanna, pela paciência na espera e pelos beijos reconfortantes DEDICATÓRIA Aos meus pais José Brasiliano dos Santos e Natália Leopoldina dos Santos Minha esposa Giuvânia Rosa dos Santos Minhas Filhas Nathalia, Giana, Nayara e Giovanna Meus amigos Jorge, Karla Teko e Bruna Souza Pelo Amor, Carinho, Dedicação, Justiça, Amizade e Incentivo, compartilhados ao longo da minha vida. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. São José, novembro de 2008. Francisco Sales Dos Santos ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS CPPM – Código de Processo Penal Militar HC – Habeas Corpus TC – Termo Circunstanciado CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CPP – Código de Processo Penal Brasileiro ROL DE CATEGORIAS Autoridade Policial “um agente administrativo que exerce atividade policial, tendo o poder de se impor a outrem nos termos da lei, conforme o consenso daqueles mesmos sobre os quais a sua autoridade é exercida, consenso esse que se resume nos poderes que lhe são atribuídos pela mesma lei, emanada do Estado em nome dos concidadãos”1. Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo Art. 61 da Lei 9.099/95: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”. 2 Juizados Especiais Criminais “São os órgãos do Poder Judiciário com competência para a conciliação, o julgamento e a execução das penas relativas às infrações penais de menor potencial ofensivo”.3 1 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito Administrativo. Coordenação de Yussef Said Cahali. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995. 2 Lei 11.313, de 28 de junho de 2006. o o Art. 1 Os arts. 60 e 61 da Lei n 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.” 3 SOUZA FILHO, José Norberto. A Implantação do Termo Circunstanciado na Polícia Militar Rodoviária de Santa Catarina. (Orientador) Clóvis Lopes Colpani. Monografia de Especialização em Administração de Segurança Pública. Unisul, 2006. p. 17. Poder de Polícia “é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.4 Polícia Administrativa A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, além de se fundir por toda a Administração Pública.5 Polícia de Manutenção da Ordem Pública A polícia de manutenção da ordem pública exerce atividades tanto na órbita da polícia administrativa quanto na órbita da polícia judiciária, para restabelecer a ordem pública quando não foi possível mantê-la.6 Polícia Judiciária “A polícia judiciária exerce uma atividade tipicamente administrativa de simples auxiliar da repressão criminal”.7 Termo Circunstanciado Termo circunstanciado é a peça ou instrumento processual, cujo objetivo principal é a comunicação ao Poder Judiciário da ocorrência de uma infração penal de menor potencial ofensivo.8 4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30º ed. São Paulo : Malheiros, 2005. p. 131. 5 Ibidem. p. 131. 6 LAZZARINI, Álvaro et. all.; Miguel Seabra Fagundes (Apres.)Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio de Janeiro : Forense. 1986. p. 51-52. 7 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito Administrativo. 2º ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 54. 8 Ver p.32. SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................ X INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 01 1 A POLÍCIA MILITAR E A SEGURANÇA PÚBLICA .......................................... 05 1.1 HISTÓRICO DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS MILITARES NO BRASIL ....... 05 1.2 HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA ............................ 09 1.3 ASPECTOS DESTACADOS SOBRE A SEGURANÇA PÚBLICA ................. 11 1.3.1 ALGUMAS DEFINIÇÕES ............................................................................ 11 1.3.1.1 SEGURANÇA PÚBLICA E ORDEM PÚBLICA ........................................ 11 1.3.1.2 POLICIAL, POLÍCIA E PODER DE POLÍCIA ........................................... 12 1.3.2 POLÍCIA ADMINISTRATIVA E POLÍCIA JUDICIÁRIA ................................ 17 1.4 ATUAL REALIDADE SOCIAL VERSUS CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA .... 19 2 LEI 9099/95 E TERMO CIRCUNSTANCIADO .................................................. 22 2.1 FUNDAMENTAÇÃO E PRECEDENTE HISTÓRICO DA LEI 9099/95 ........... 22 2.2 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA LEI 9099/95 ........................................... 29 2.3 O TERMO CIRCUNSTANCIADO ................................................................... 31 2.4 NOÇÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DO TERMO CIRCUNSTANCIADO ..... 33 2.5 CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO ............................................ 35 3 DEFINIÇÃO DE AUTORIDADE POLICIAL PARA A LEI 9099/95 E AS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS NA ATUAÇÃO DA PMSC................................. 38 3.1 INTERPRETAÇÃO DO TERMO AUTORIDADE POLICIAL ........................... 38 3.2 O POLÍCIAL MILITAR COMO AUTORIDADE PARA A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO............................................................................. 42 3.3 O PLANO DE EXPANSÃO PARA A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO NA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA ................ 52 3.4 VANTAGENS PRÁTICAS DA LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO PELA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA ................................................ 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 60 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 63 ANEXOS .............................................................................................................. 68 RESUMO Este trabalho científico, intitulado Legalidade do Termo circunstanciado lavrado pela Polícia Militar do Estado de Santa Catarina – baseado nos ditames da Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, oferta uma abordagem acerca de aspectos conceituais e doutrinários referentes ao sobredito diploma legal, o qual dispõe sobre a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A Lei 9.099/95 conceitua como de menor potencial ofensivo, inicialmente, os delitos com pena máxima não superior a um ano, e que posteriormente com o advento da Lei Federal nº 10.259 de 12 de julho de 2001, passa esse limite para até dois anos. A Lei em estudo tem como objetivo maior otimização da prestação jurisdicional, de forma moderna e transformadora, institui no seu art. 69 o Termo Circunstanciado, documento que reunindo todas as informações inerentes ao evento delituoso, formaliza o que, por exigência legal, portanto, deverá ser lavrado pela autoridade policial, que tomar conhecimento da ocorrência, e, ato contínuo, enviado ao Juizado, corroborando com os princípios/institutos jurídicos da celeridade, informalidade, economia processual e simplicidade, os quais visam ainda desburocratizar a apuração dos delitos considerados de menor monta, para investigar a problemática do presente trabalho. Assim, foram desenvolvidas técnicas de interpretação extensiva, direcionada no sentido de atestar através da literatura jurídica, que o termo autoridade policial se estenderia aos agentes da corporação da Polícia Militar, o que de forma interpretativa, para tanto fazendo uso do ordenamento jurídico vigente, foi possível constatar que há uma corrente de especialistas que entende a legalidade e legitimidade da expedição do termo circunstanciado pela polícia militar, ensejando decisões de órgãos do judiciário pátrio, e assim atendendo ao fim social do direito, que é o de atender mais eficazmente à sociedade, nos seus anseios por justiça, e permitindo ao Estado alocar seus recursos de maneira eficiente. Palavras-chave: Juizado Especial Criminal, Polícia Militar, Termo Circunstanciado INTRODUÇÃO O fenômeno da modernidade trouxe ao mundo ocidental uma nova realidade que, bem ou mal, dominou todas as áreas da vida humana, as conseqüências marcantes foram evidenciadas na maneira de pensar do homem e, sobretudo nas instituições, e como não poderia ser diferente a ciência do direito recebeu influência desse fenômeno de cunho mundial. O grande marco para o pensamento de um novo Direito Penal, não mais pautado pelo arbítrio e pela crueldade, se dá em 1764 com a publicação da obra Dos delitos e das penas pelo Marquês de Beccaria, Cesare Bonesana, com a afirmação de três grandes eixos para o pensamento de Beccaria, quais sejam: a defesa da legalidade, da proporcionalidade e do utilitarismo. A partir daí, os ordenamentos jurídicos dos Estados foram se aperfeiçoando na busca de torná-los mais eficazes no atendimento social. O crescimento do Estado e sua pretensão de produção da totalidade de normas jurídicas motivaram ainda mais a absorção da sistemática para a compreensão do objeto da ciência jurídica. A análise do direito moderno se dá em comum na teoria do direito, porém em tempos de crise do Estado essa análise ganha novos contornos, sendo necessário que se refaçam os caminhos já percorridos e se revisitem os meandros da história. É assim, que revendo a história da dogmática jurídica, abordaremos nosso tema central, na busca da construção de uma proposta de cunho inovador e de relevante importância social. A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 trouxe em seu arcabouço o espírito de tornar os princípios fundamentais capazes de contribuir para a construção de um estado democrático de direito, não mais arbitrário, nem tampouco limitador dos direitos e das garantias individuais. Nesse rumo, a sobredita Carta Política cunhou em seu texto, mais precisamente, em seu art. 98, inciso I, a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, os quais passariam a tratar de maneira proporcional as causas e os crimes que causassem menor lesão ao tecido social. Em 26 de setembro de 1995 foi sancionada a Lei nº. 9.099 em cumprimento ao mandamento constitucional acima descrito, tendo como objetivo maior à otimização da prestação jurisdicional de forma moderna e transformadora. No artigo 69 do novo diploma legal o legislador totalmente sintonizado com o processo de 22 modernização da sociedade, e especificamente do Direito, criou um instrumento formal denominado de Termo Circunstanciado - TC, no qual a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência deverá lavrar o TC e encaminhar imediatamente ao Juizado. Considerando que a Polícia Militar é um Órgão pertencente ao Sistema de Defesa Social do Estado, que tem como missão constitucional a manutenção da ordem pública e é a Instituição a qual em primeiro lugar, na esmagadora maioria, toma conhecimento das ocorrências em virtude de sua mobilização operacional, pode com base nos princípios fundantes da Lei nº. 9.099/95 cumprir a determinação legal capitulada na referida norma. Diante da exposição factual acima relatada surge nossa problemática. Não poderíamos ficar em silêncio diante da possibilidade dos agentes do policiamento ostensivo cumprir seu papel de maneira exemplar, contribuindo mais plenamente como agentes de promoção da Justiça, porque equivaleria diretamente a compactuar com práticas nocivas para com a sociedade, que aguarda por critérios de objetividade e celeridade como pressupostos para a dinamização dos mecanismos democráticos de acesso ao Poder Judiciário. Assim sendo, nossas justificativas temáticas de cunho acadêmico contribuíram para a escolha do tema central deste estudo, referem-se ao entendimento de que se existe, em toda a população brasileira, o sentimento de que ainda falta muito para aparatar a Justiça, a lavratura do termo circunstanciado pelos agentes da Polícia Militar em muito contribuiria para o escopo e satisfação geral dos anseios referidos. Norteados pelo estilo da academia e de cunho eminentemente técnico, nos foi possível através do cumprimento dos itens abaixo, realizarmos uma interpretação extensiva do termo autoridade policial inserido no artigo 69 da lei federal nº. 9.099/95, para atestar a legalidade e a legitimidade, da lavratura do termo circunstanciado efetuado pela Polícia Militar. A problemática deste trabalho científico, intitulado a Legalidade do termo Circunstanciado lavrado pela Polícia Militar de Santa Catarina, com base na Lei Federal nº. 9.099/95, está justamente em procurar ofertar uma oportunidade de abordagem acerca de aspectos conceituais e doutrinários sobre o dispositivo legal referido. Para tanto, realizaremos uma pesquisa de natureza qualitativa, buscando a descrição de maneira sistêmica do problema anteriormente apresentado, com fito de 33 analisar e compreender as variáveis estudadas e seus benefícios advindos dessa atividade científica para a sociedade. Este trabalho se encontra estruturado em três capítulos, com o primeiro apresenta um histórico das Instituições Policiais Militares no Brasil e em Santa Catarina, visitando conceitos sobre segurança Pública e ordem pública, visualizando a situação atual em termos de criminalidade e violência e a distinção de Polícia Administrativa e Polícia Judiciária. No segundo capítulo, abordaremos histórico conceitual da Lei nº. 9.099/95 e o termo Circunstanciado, enfocando em primeiro plano os princípios orientadores, os antecedentes e as interpretações da lei 9099/95 em estudo, mostrando também a forma de elaboração do Termo Circunstanciado e definição de crimes de menor potencial ofensivo. No terceiro e último capítulo, será efetuada uma análise das discussões referentes a autoridade, debateremos sobre os fundamentos que permitem que o policial militar seja considerado autoridade para a lavratura do termo circunstanciado seguindo com as vantagens da sua elaboração pela Polícia Militar culminando com uma análise do referencial teórico. O presente trabalho se propõe por meio de uma abordagem qualitativa, desenvolver estudos com o objetivo de construir hipóteses no sentido de dar um maior esclarecimento sobre a viabilidade legal de a Polícia Militar lavrar o Termo Circunstanciado, com uma solução legitima do problema eleito nessa demanda científica. Para tanto, faremos uso de levantamento da literatura jurídica, baseandose em fundamentos fenomenológicos, com a coleta de dados para se denominar a teoria de bases, que é um conjunto de conceitos, princípios e significados e utilizando levantamento de doutrina, comentários e jurisprudências referentes ao art. 69 da Lei nº. 9.099/95. Trataremos, nessa pesquisa, de analisar o conteúdo de textos jurídicos através de um conjunto de técnicas de análise das comunicações, com vistas à obtenção do conteúdo das mensagens ali explicitadas, e para tanto procuraremos compreender melhor o escopo da lei, aprofundando em suas características de ordem gramatical e ideológica, e assim extrair a sua importância. Diante do exposto, entendemos que se torna evidente que a norma em destaque seja mais bem interpretada a luz dos princípios que a regem, com base na doutrina e na jurisprudência já bem pujantes, visando através de um estudo qualitativo embasar a legalidade da lavratura do Termo Circunstanciado pela Policia 44 Militar, como contributo para uma melhor aplicação da discutida lei, no que diz respeito ao restabelecimento e preservação do estado de harmonia social, tendo a sociedade como principal beneficiado pela boa execução da administração pública, como determina o mandamento constitucional materializado na Carta Política em vigor. 55 1. A POLÍCIA MILITAR E A SEGURANÇA PÚBLICA Ao longo de nossa história, a função das polícias sempre foi servir e proteger, mister este que foi tendo suas características alteradas em razão da época e do lugar. Faremos uma breve digressão sobre o histórico das instituições Policiais Militares no Brasil para que entendamos sua evolução. 1.1 HISTÓRICO DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS MILITARES NO BRASIL O Brasil-Colônia, possuía uma forma primária de segurança, que de acordo com Humberto da Silva Ramos: Tinha o seu ordenamento jurídico constituído pelas normas constantes das Ordenações do Reino Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, sem que houvesse previsão de criação de órgão policial. Todavia, merece destaque, o Livro I das Ordenações Manuelinas. Os quadrilheiros eram moradores da própria vila ou cidade, que exerciam uma espécie de mandato de três anos, e cada um deles possuía vinte homens. Suas atribuições eram, além de apresentar presos aos juizes, evitar os malefícios e prender os malfeitores, lavrando termo onde não houvesse juiz, mas sempre comunicando a 9 este acerca da prisão . Segundo o mesmo autor, sobre a forma de ingresso da autoridade.: O Alcaide-mor dos castelos também era nomeado, e possuía a função precípua de proteger os castelos, bem como todas as pessoas. A eles pertenciam todas as carceragens dos presos e as armas que à Alcaiadaria fossem apreendidas, e a indicação de três pessoas, a fim de que uma delas fosse escolhida para desempenhar a função de Alcaide Pequeno da Cidade e da Vila, por três anos. Os Alcaides Pequenos das Cidades e Vilas exerciam em sua área de atuação, atribuições semelhantes às desenvolvidas atualmente por delegados de polícia. Além de atender às requisições judiciais, como apresentar presos a audiências, prender pessoas e soltá-las, exercia a função policial ao investigar crimes, prender pessoas em flagrante delito, lavrando termo e apresentando imediatamente ao juiz da cidade, caso houvesse possibilidade, ou, não havendo, solicitavam autorização do alcaide-mor para mantê-los presos10. Prosseguindo o citado autor: 9 RAMOS, Humberto da Silva. O direito brasileiro ao tempo da colônia. Revista da ADPESP, Ano 16, Nº 20. São Paulo. Iglu, 1995v.I.p 48 10 RAMOS, Humberto da Silva. O direito brasileiro ao tempo da colônia. Revista da ADPESP, Ano 16, Nº 20. São Paulo. Iglu, 1995 v. I. p.57 66 Apesar da substituição das Ordenações Manuelinas pelas Filipinas, os Alcaides continuaram apurando os delitos, na forma da legislação portuguesa, até a chegada da família real ao Brasil, em 1808, quando foi criada a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, por meio do Alvará de 10 de maio do mesmo ano11. Diante disso, percebe-se que o Intendente-geral possuía atribuições não apenas de delegado de polícia, mas de promotor de justiça e de magistrado, pois apurava crimes; submetia os criminosos a julgamento; os condenava ou os absolvia; aplicava a pena e fiscalizava o seu cumprimento. Sobre aos funções do Alcaide Mor, Marques escreve: Desempenhava, ainda, as funções de administrar as cidades, edificar obras, garantir a ordem pública, o bem-estar e a segurança dos cidadãos. Para cumprir suas atribuições de forma eficiente, nomeava alcaides, que realizavam atividades de delegados de polícia, bem como seus auxiliares, os meirinhos (oficiais de justiça), quadrilheiros e escrivães12 Com o passar do tempo houve a substituição da denominação, porém com a mesma função: A alteração da denominação alcaide para comissário de polícia não modificou a forma de apuração das infrações, que perdurou até o advento da primeira Constituição Imperial de 182413, propugnando a elaboração de um Código Criminal e Civil, estabelecendo vários direitos e garantias processuais, extirpando as penas desumanas e degradantes 14. Todavia, somente em 1832, dez anos após a proclamação da independência do Brasil e oito após a primeira Carta Política, surge o Código de Processo Criminal, prevendo a figura dos inspetores de quarteirão, com atribuições de zelar pelo cumprimento da lei e apontar os seus infratores. Subordinados ainda à Intendência Geral de Polícia foram criados por intermédio de Lei em 3 de dezembro de 184115, o cargo de chefe de polícia, delegados e subdelegados em cada província da Corte, com competência para (art. 58, § 18): 11 RAMOS, Humberto da Silva. O direito brasileiro ao tempo da colônia. Revista da ADPESP, Ano 16, Nº 20. São Paulo. Iglu, 1995 p.57 12 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. São Paulo. Bookseller, 1997. v.I p. 65 13 BRASIL. Constituição de 25 de março de 1824. Constituição Política do Império do Brazil. disponível em: <http://www.direitoeneqocios.com.br/Constituicao1824.htm.>Acesso em: Fev.2007. 14 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v.I p 69 15 Tratava-se da lei 261 77 (...) remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma exposição de caso e de suas circunstâncias, aos juizes competentes para formação da culpa. Por intermédio do Regimento n° 120, de 31 de janeiro de 184216, art. 198, § 5°, as atribuições da polícia foram ampliadas, estendendo-se à formação da culpa, gerando críticas severas, já que na Europa, vigorava a limitação do poder policial. A norma acima vigorou por quase trinta anos, apesar do descontentamento entre muitos juristas, ocorrendo à restrição daquelas atribuições com o advento da Lei n°. 2.033, de 20.09.187117 e sua regulamentação pelo Decreto-Lei n°. 4.824, de 28.11.187118, oportunidade em que a polícia subordinou-se à Justiça, e os atos até então praticados na investigação dos delitos receberam a denominação de inquérito policial. Após a Proclamação da República, e com a promulgação da Constituição de 19 1891 , foi fixada a competência para os Estados legislarem em matéria civil e criminal, bem como organizarem a Justiça, o que ensejou a quebra da unidade processual, sendo as polícias organizadas pelas unidades federativas. Tal autonomia persistiu na Constituição brasileira de 193420. Com a unidade processual restaurada, e ainda no período do Estado Novo, é promulgado o Código de Processo Penal, que entra em vigor a partir de 194221, dando vida ao inquérito policial ao dispor, em seu art. 4°: "A polícia Judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e 16 BRASIL. Regimento n° 120, de 31 de janeiro de 1842. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=68895>. Acesso em Nov2007. 17 _________. Lei nº 2.033 de 20 de setembro de 1871. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L2033.htm>. Acesso em Jan2008. 18 _________. Decreto Lei nº 4.824 de 28 de novembro de 1871. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1850/Del1871.htm>. Acesso em Dez2007 19 _________. Constituição de 24 de fevereiro de 1891. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.dhnetorQ.br/direitos/brasil/leisbr/1988/1891.htm.> Acesso em: Nov.2007. 20 __________. Constituição de 16 de julho de 1934. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.dhnet.orq.br/direitos/brasil/leisbr/1988/1934.htm> Acesso em: Nov.2007. 21 _________. Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L3689.htm>. Acesso em Dez2007. 88 terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria". Essa legislação foi ratificada pela Carta de 194622. A Constituição de 196723 não tratou da Polícia Civil, mas apenas das Polícias Federal e Militar, porque a organização administrativa e judiciária do Distrito Federal e Territórios era de competência da União nos termos do seu art. 8°, inciso XVII, letra t. Antes que essa sofresse alterações, entraram em vigor as Leis nº. 1.711, de 28.10.5224, dispondo sobre o regime dos funcionários públicos civis da União, e a Lei n°. 4.87825, de 03.12.65 tratando do regime jurídico peculiar aos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal, e instituindo o dia 21 de abril como o dia do Policial Civil. Meses após o advento da Lei n°. 4.878/65 entrou em vigor o Decreto n°. 59.31026, de 27.09.66, dispondo acerca do regime jurídico dos funcionários policiais civis do Departamento Federal de Segurança Pública e da Polícia do Distrito Federal, e fundamentando o exercício da função policial na hierarquia e disciplina. A Emenda Constitucional n°. 1, de 196927, não inovou ao tratar das polícias, mantendo as disposições de 1967 e demais leis. A denominada Constituição-Cidadã, promulgada em 198828, foi além das demais ao tratar das polícias e de suas atribuições. Em seu art. 21, tratou da competência da União para organizar e manter as polícias e recepcionando de forma expressa o CPP de 1941, ratificando a primeira fase da persecução penal, como instrumento de defesa do Estado, na consecução de seus objetivos. No Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Capítulo III – Da 22 BRASIL. Constituição de 18 de setembro de 1946. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em:<http://www.dhnetorq.br/direitos/brasil/leisbr/1988/1946.htm.> Acesso em: Jan2007 23 _________. Constituição de 15 de março de 1967. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.qeorqetown.edu/pdba/Constitutions/Brazil/brazil.> Acesso em: Nov.2007. 24 _________. Lei nº 1.711 de 28 de outubro de 1952. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L1711.htm>. Acesso em: Nov2007. 25 _________. Lei nº 4.878 de 03 de dezembro de 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L4878A.htm>. Acesso em: Fev2008. 26 _________. Decreto Lei nº 59.310 de 27 de setembro de 1966. Disponível em: Acesso em Nov007 27 ___________. Emenda Constitucional n° 1 de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/em c0169.htm>. Acesso em: Nov2007. 28 __________. Constituição de 05 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: Ago.2007. 99 Segurança Pública, art. 144, § 4°: Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, exceto as militares, ressaltamos que o legislador de maneira cristalina não capitulou de maneira exclusiva o exercício das atividades de polícia judiciária para a Polícia Civil, como o fez no inciso IV do § 1º da CF. E ao tratar da Polícia Militar. Coube o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. de forma genérica como especificado no caput do próprio artigo 144 da Lei Maior. 1.2 HISTÓRIA DA POLICIA MILITAR DE SANTA CATARINA Criada por Feliciano Nunes Pires, então Presidente da Província de Santa Catarina, através da Lei Provincial Nº 12, de 05 de Maio de 1835, a “força policial”, denominação que lhe foi conferida na época, substituiu os Corpos de Guardas Municipais Voluntários, com a missão de manter a ordem e a tranqüilidade públicas e atender às requisições de autoridades judiciárias e policiais. Sua área de atuação ficava restrita à vila de Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis) e distritos vizinhos. O Regulamento da Força Policial, aprovado em 1836, só veio ratificar a missão acima citada, outorgando-lhe a missão ampla e complexa de atender desde incêndios até a prisão de infratores das posturas municipais. Essa foi, durante muitos anos, a principal missão da Força Policial, porém, durante o período Imperial, o Brasil se viu envolvido em inúmeras contendas internas e externas, tais como a Guerra dos Farrapos e a Guerra do Paraguai, para citar apenas as que atingiram mais diretamente o Estado de Santa Catarina. Durante esses eventos, a Força Policial atuou em conjunto com o Exército Brasileiro, quer seja repelindo as agressões externas, quer seja para defender a unidade pátria, tendo contribuído em muito para a definição e defesa dos limites territoriais tanto do Brasil quanto do Estado. Assim sendo, além da preocupação com a segurança pública, a Força Policial passava a atuar também no campo da Defesa Interna e Segurança Nacional. 10 10 Em 1916, recebe a denominação de Força Pública29 e em 1917 passa a ser considerada, através de acordo firmado entre a União e o Estado, força reserva do Exército de 1ª Linha. Em 10 de Janeiro de 1934 novo acordo entre a União e o Estado eleva a Força Pública à categoria de força auxiliar do Exército Brasileiro. Nesse mesmo ano, a Constituição Federal também passa a considerar as Forças Públicas como sendo Auxiliares do Exército, conferindo-lhes assim, “status” constitucional. Em 1946, a Constituição Federal altera a denominação para POLÍCIA MILITAR, descrevendo como missão a segurança interna e a manutenção da ordem. Prevê ainda que a União legislará sobre a organização, instrução, justiça e garantias das PM. Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989, que estabelece em seu artigo 107 que30: À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras atribuições estabelecidas em lei: I – exercer a polícia ostensiva relacionada com: 29 30 - a preservação da ordem e da segurança pública; - o radiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial; - o patrulhamento rodoviário; - a guarda e fiscalização do trânsito urbano; - a guarda e fiscalização das florestas e mananciais; - a polícia judiciária militar; - a proteção do meio ambiente. SANTA CATARINA , Lei Nº 1.137, de 30 de Setembro de 1916 CONSTITUIÇÃO do Estado de Santa Catarina, promulgada em 19.10.1989 11 11 1.3 ASPECTOS DESTACADOS SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA 1.3.1 Algumas definições Alguns aspectos se tornam importante para o real entendimento do tema proposto, para tanto estudaremos alguns conceitos relevantes que terão o condão de direcionar nossos estudos. 1.3.1.1 Segurança Pública e Ordem Pública Para que possamos entender a função e atuação da Polícia Militar frente a segurança da população, inicialmente precisamos buscar o significado de segurança pública e de ordem pública. Sobre segurança pública, Mário Pessoa, citado por Lazzarini, sustenta: A segurança pública é o estado antidelitual, que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das contravenções. As ações que promovem a Segurança Pública são ações policiais repressivas ou preventivas típicas. As mais comuns são as que reprimem os crimes contra a vida e a propriedade. Todavia, a Segurança Pública pode resultar da simples ausência, mesmo temporária, dos delitos e contravenções. Assim, o próprio conceito de Segurança Pública não prescinde daqueles ilícitos, presentes ou prováveis como fatores antes de essência psicológica que material. A Segurança Pública ideal seria aquela em que os ilícitos houvessem desaparecido. Pelo visto a Segurança Pública é flutuante ou instável, resultado dos numerosos fatores que podem afetá-la31. Lazzarini traz também a definição dada por Plácido e Silva: Segurança Pública é o afastamento, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão. A segurança pública, assim, limita as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a 32. Porém, o conceito de ordem pública difere do acima proposto , e o autor ao falar sobre o assunto assim a descreve: 31 PESSOA, 1971 apud LAZZARINI, Álvaro et al. Direito administrativo da ordem pública. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 15-6. 32 LAZZARINI, Álvaro et al. Direito administrativo da ordem pública. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 133 12 12 A situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se confunde com a ordem jurídica, embora seja uma conseqüência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada. 33 Os órgãos encarregados constitucionalmente, no Brasil, de promover atividades de segurança pública34 são longa manus do Poder Executivo e, como tal, praticam atos administrativos, por vezes discricionários, coercitivos e dotados de presunção juris tantum de legitimidade e auto-executoriedade. Vale aqui enriquecer a assertiva com as palavras de Kelsen: De acordo com a maioria das ordens jurídicas e, sobretudo, de acordo com as ordens jurídicas que reconhecem o princípio da separação de poderes, os órgãos administrativo estão autorizados a interferir no patrimônio e na vida do indivíduo em um processo sumário, quando tal interferência é o único modo de prevenir com rapidez danos à segurança pública. [...] Esses atos coercitivos – para os quais têm autorização órgãos administrativos, em especial os órgãos da polícia – diferem das sanções e dos atos coercitivos preparatórios de sanções pelo fato de não serem condicionados por certa conduta humana contra a qual é dirigido, como sanção, um ato coercitivo. Eles são condicionados por outras circunstâncias. [...] Como os atos coercitivos em questão não estão condicionados por conduta humana, eles não podem ser evitados pelos indivíduos envolvidos nem se espera que estes o façam. Tais interferências no patrimônio ou na liberdade dos indivíduos não são sanções, mas seriam delitos caso não fossem estipuladas por lei. Ao autorizar órgãos administrativos a executar esses atos coercitivos que não são sanções, a ordem jurídica abre uma exceção à regra segundo a qual as medidas coercitivas são permitidas apenas como sanção.35 1.3.1.2 Policial, Polícia e Poder de Polícia Estes conceitos que permeiam nosso trabalho devem estar bem claros, pois embora tratemos a seguir sobre o tema, é necessário que façamos agora breves comentários. 33 LAZZARINI, Álvaro et al. Direito administrativo da ordem pública. p. 125 Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. 35 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 271-2 34 13 13 Falando sobre o termo Policial, DE PLÁCIDO E SILVA 36, mostra que tem sua derivação da palavra polícia, que por sua vez é um vocábulo derivado do latim politia, que provém do grego politéia. Em Roma, porém, o termo politia adquiriu outro significado, pois denotava a ação do governo no sentido de manter a ordem pública, tranqüilidade e paz interna.37 Passado o tempo, esse conceito foi assumindo nova forma, pensada sobre a ótica do “controle social” a serviço dos Estados e Governo. Segundo a Enciclopédia Saraiva do Direito, Policial é: Vocábulo concernente à polícia. Denomina-se atividade policial aquela que tem por objeto a prevenção e repressão de delitos, a manutenção da ordem pública, a limitação dos interesses ou liberdades individuais, em nome da coletividade e do bem-estar social. Policial é, também, aquele que integra a polícia, seja civil ou militar.38 Podemos falar então que Policial tem próxima ligação com polícia, pois é a personificação dessa e as suas funções estão atreladas aos interesses da instituição policial a que está subordinado. Na definição do verbete Policial no Grande Dicionário Enciclopédico Novo Brasil, encontramos: “gên. Que se refere ou pertence à polícia; próprio da polícia.”39 Nazareno, em estudo da segurança pública, explica: Originariamente polícia era o conjunto de funções necessárias ao funcionamento e à conservação da Cidade-Estado. Era a organização administrativa que tinha por atribuição impor limitações à liberdade, individual ou de grupo na exata medida necessária à salvaguarda e manutenção da ordem pública.40 Assim pensando, Polícia, passa a ser uma atividade inerente à administração pública, assim, Guido a descreve como: [...] a atividade da administração pública dirigida a concretizar, na esfera administrativa, independentemente da sanção penal, as limitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares ao 36 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. v. III, 1º ed. Rio de Janeiro : Forense. 1963. p. 1.174. 37 TOURINHO FILHO, Fernado da Costa, Processo Penal. V. 1. 29. ed. Ver. Atual. São Paulo : Saraiva, 2007. p. 191. 38 SARAIVA. (coord) Prof. Rubens Limongi. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo : Saraiva, 1977. 39 COSTA, Altino et al. In. ROSA, Hamílcar de Garcia Ubiratan (Coord.). Grande Dicionário Enciclopédico Novo Brasil. Vol. IV. São Paulo : Novo Brasil, 1979. p. 1197. 40 MARCINEIRO, Nazareno. Introdução ao estudo da segurança pública: livro didático. UnisulVirtual : Palhoça, 2005. p.55. 14 14 interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais41. Assim, polícia é um órgão com a incumbência de manter a ordem pública e, considerando-a num sentido mais amplo, é aquela que quer assegurar o conjunto de leis que se impõe aos cidadãos com a pretensão de resguardar a moral, a ordem pública e a segurança pública42. Em seu sentido estrito designa: [...] o conjunto de instituições, fundadas pelo estado, para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas, exerçam vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade, a saúde pública e se assegure o bem-estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros direitos individuais.43 De acordo com Hely Lopes os “poderes administrativos nascem com a Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem”.44 Dessa forma, para que um agente possa praticar um ato, ele deve estar investido dos poderes necessários para este fim. Assim salienta o autor: O Estado é dotado de poderes políticos exercidos pelo Legislativo, pelo Judiciário e pelo Executivo, no desempenho de suas funções constitucionais, e de poderes administrativos que surgem secundariamente com a administração e se efetivam de acordo com as exigências do serviço público e com os interesses da comunidade. Assim, enquanto os poderes políticos identificam-se com os Poderes de Estado e só são exercidos pelos respectivos órgãos constitucionais do Governo, os poderes administrativos difundem-se por toda a Administração e se apresentam como meios de sua atuação. Aqueles são poderes imanentes e estruturais do Estado; estes são contingentes e instrumentais da Administração.45 Porém, para a legitimidade das ações de segurança, os órgãos precisam de um poder reconhecido como o “poder de polícia”; e é, em outras palavras, poder do Estado – Administração Pública em geral – de policiar a sociedade como um todo e 41 ZANOBINI, Guido apud OLIVEIRA, Ary José Lage de. Conflito aparente de atribuições entre autoridades policiais das polícias militares e polícias civis na repressão imediata . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3754>. Acesso em: 22 ago. 2007. 42 PEREIRA, Murilo Macedo. Segurança Pública-política, revista 14, ADPESP, ano VIII, edição histórica, 1987. p. 77. Apud AZKOUL, Marco Antonio. A polícia e sua Função Constitucional. São Paulo : Oliveira Mendes, 1998. p. 07. 43 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. v. III, 1º ed. Rio de Janeiro : Forense. 1963.p. 1.174. 44 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30º ed. São Paulo : Malheiros, 2005. p. 116. 45 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30º ed. p. 130 15 15 o indivíduo em particular com vistas à ordem pública, não simplesmente poder de um ou mais órgãos de segurança pública. Sobre o poder de polícia é tratado por Meirelles, que recorre a Cooley: O poder de polícia , em seu sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, senão também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, 46 até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais . Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o poder de polícia em sentido amplo é: A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia”. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos.47. Também MELLO define a expressão Poder de Polícia em sentido mais restrito: a expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde a noção de polícia administrativa.48 Devemos ter sempre claro que o termo Poder de Polícia pode ser utilizado em diversas situações, porém sempre atrelado ao poder Estatal de limitar ou condicionar a tutela dos direitos individuais. Neste sentido seguindo os conhecimentos socializados por Álvaro Lazzarini que, ensinando sobre direito administrativo, cita sua obra “Limites do Poder de Polícia”, com o fito de esclarecer e conceituar este poder estatal: 46 MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 111. 47 MELLO, Celso Antônio Bandeira de . Curso de Direito Administrativo. 21º ed. Rev. Atul. Até a Emenda Constitucinal 52, de 8.3.2006. São Paulo : Malheiros, 2006. p. 780. 48 MELLO, Celso Antônio Bandeira de . Curso de Direito Administrativo. 21º ed. Rev. Atul. Até a Emenda Constitucinal 52, de 8.3.2006. p. 780 16 16 torna-se possível afirmar – e conceituar – que “Como poder administrativo, assim, o Poder de Polícia, que legitima o poder da polícia e a própria razão dela existir, é um conjunto de atribuições da Administração Pública, como poder público e indelegáveis aos entes particulares, embora possam estar ligados àquela, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades”.49 . Cada órgão tem uma área de atuação e competência, e toda instituição do governo possui um Poder de Polícia que é limitado e direcionado à atuação a que se destina. Assim, “a própria liberdade de ação do órgão policial, hoje, está adstrita à sua competência legal”50. Lazzarini prossegue deixando bem claro que a polícia só pode intervir no que lhe é dado a competência: Deve, portanto, ficar assentado que o Poder de Polícia, forçosamente, deve sofrer limitações, como, por exemplo, as previstas na Constituição da República e relativas às liberdades pessoais, à manifestação do pensamento e à divulgação pela imprensa, ao exercício das profissões, ao direito de reunião, aos direitos políticos, à liberdade do comércio, etc. O Código Civil, igualmente, cuida de limitar o exercício dos direitos individuais, quando o condiciona ao seu uso normal, proibindo, no seu art. 160, o seu abuso, o abuso do direito.51 Já José Cretella Júnior 52, que lecionando sobre a Polícia Militar e Poder de Polícia no direito brasileiro define o termo “Polícia” como: “conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre as atividades do cidadão mediante restrições impostas a essas atividades, quando abusivas, a fim de assegurar-se a ordem pública.” No sentido estrito, é onde se encontram aqueles órgãos policiais do governo divididos em Polícia Militar e em Polícia Administrativa. Assim, Policial pode ser entendido como aquele que faz parte do efetivo de uma instituição policial53 ou de uma corporação policial54, a qual pode ser civil, militar ou pertencer à administração pública municipal, estadual ou federal. 49 LAZZARINI, Álvaro. Limites do Poder de Polícia. in. Álvaro Lazzarini. Estudos de Direito Administrativo. 2º ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 38. 50 LAZZARINI, Álvaro. Limites do Poder de Polícia. in. Álvaro Lazzarini. Estudos de Direito Administrativo. p. 39. 51 LAZZARINI, Álvaro. Limites do Poder de Polícia. in. Álvaro Lazzarini. Estudos de Direito Administrativo. p. 39. 52 CRETELLA JÚNIOR, José; Miguel Seabra Fagundes (Apres.). Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio de Janeiro : Forense. 1986. p. 165. 53 COSTA, Altino et al. In. ROSA, Hamílcar de Garcia Ubiratan (Coord.). Grande Dicionário Enciclopédico Novo Brasil. Vol. IV. São Paulo : Novo Brasil Editora. 1979. 54 ROCHA, Ruth; Coord. Ferraz, José Antônio. Minidicionário. São Paulo : Scipione. 1996. p. 482. 17 17 1.3.2 POLÍCIA ADMINISTRATIVA E POLÍCIA JUDICIÁRIA Polícia Administrativa Segundo a definição de Álvaro Lazzarini a Polícia Administrativa é preventiva, regida pelas normas e princípios Jurídicos do Direito Administrativo.55 Exerce atividade a priori, antes dos acontecimentos, procurando evitar que as perturbações se verifiquem.56 A Polícia Administrativa ou preventiva é a que tem a função precípua de assegurar a incolumidade pública e a paz social, para impedir, através de ordens, proibições e apreensões, o exercício irregular e anti-social dos direitos individuais, o uso abusivo da propriedade, ou a prática de atividade prejudicial à coletividade.57 Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a Polícia Administrativa tem por escopo a salvaguarda dos seguintes valores: a) de segurança pública; b) de ordem pública; c) de tranqüilidade pública; d) de higiene e saúde públicas; e) estéticos e artísticos; f) históricos e paisagísticos; g) riquezas naturais; h) de moralidade pública; i) economia popular. 58 Percebemos então que a Polícia Administrativa pode se manifestar de diversas formas e em diferentes campos, resguardando diferentes bens jurídicos, podendo atuar de forma específica em cada um destes setores, conforme a necessidade e a autoridade delegada para cada função. Setores estes que Celso Antônio Bandeira de MELLO, aponta: polícia de caça, destinada à proteção da fauna terrestre; polícia de pesca, volvida à proteção da fauna aquática; polícia de divertimentos públicos, visando à defesa dos valores sociais suscetíveis de serem feridos por espetáculos teatrais, cinematográficos; polícia florestal, destinada à proteção da flora; polícia de pesos e medidas, para a fiscalização dos padrões de medida, em defesa da economia popular; polícia de tráfego e trânsito, para garantia da segurança e 55 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito Administrativo. 2º ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 54. 56 CRETELLA JÚNIOR, José. Polícia Militar e Poder de Polícia no Direito Brasileiro. In: Direito Administrativo da Ordem Pública. LAZZARINI, Álvaro et al; Miguel Seabra Fagundes (Apres.). Rio de Janeiro : Forense. 1986. p. 169. 57 ALMEIDA, Klinger Sobreira de. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da Ordem Pública. V. 1, n. 1. Belo Horizonte : Alferes, 1983. p. 39. 58 MELLO, Celso Antônio Bandeira de . Curso de Direito Administrativo. 21º ed. Rev. Atul. Até a Emenda Constitucinal 52, de 8.3.2006. São Paulo : Malheiros, 2006. p.802. 18 18 ordem nas vias e rodovias, afetável por motivo da circulação nelas; polícia dos logradouros públicos, destinada à proteção da tranqüilidade pública; polícia sanitária, voltada à defesa da saúde pública e incidente em vários campos, tais a polícia dos medicamentos, das condições de higiene nas casas de pasto, dos índices acústicos toleráveis; polícia da atmosfera e das águas, para impedir suas respectivas poluições; polícia edilícia, relativa às edificações, etc59. Após visto as inúmeras e diferentes atuações da Polícia Administrativa, analisaremos a “polícia de manutenção da ordem pública” função principal da Polícia Militar: Ela se exterioriza (...) como polícia administrativa, na medida em que previne a ocorrência da desordem, mantendo a ordem pública nas suas múltiplas facetas, ou seja, procura evitar a eclosão delitual em sentido amplo (...).60 Polícia Judiciária Já a Polícia Judiciária, é aquela que é a apontada como a polícia de repressão, por exercer uma atividade tipicamente administrativa de auxiliar da repressão criminal, que é exercida pelo Poder Judiciário. Assim, a Polícia Judiciária pratica atividade administrativa do Estado, porém é regida pelas normas e princípios de Direito Processual Penal.61 A polícia repressiva se restringe ao campo da apuração inquisitória das infrações penais, crimes e contravenções, a fim de que o Ministério Público, titular da pretensão punitiva do Estado, no curso da persecução criminal, pleiteie junto ao Poder Judiciário as medidas adequadas.62 Segundo MEIRELLES: a polícia judiciária é a que o Estado exerce sobre as pessoas sujeitas à sua jurisdição, através do Poder Judiciário e de órgãos auxiliares, para a repressão de crimes e contravenções tipificados nas leis 59 I MELLO, Celso Antônio Bandeira de . Curso de Direito Administrativo. 21º ed. Rev. Atul. Até a Emenda Constitucinal 52, pag 802 60 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito Administrativo. 2º ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 204. 61 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito Administrativo. 2º ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 54. 62 FARIAS, Paulo Ricardo. O Termo Circunstanciado: Sua implantação e manutenção em defesa da sociedade gaúcha. Marcello Martinez Hipólito (orient.) 2004. 201 p. Monografia (Especialista em Segurança Pública) – Gestão Estratégica em Segurança Pública, PMSC e UNISUL, Florianópolis, 2004. p. 26. 19 19 penais. Essa polícia é eminentemente repressiva, pois só atua após o cometimento do delito e visa, precipuamente, a identificação do criminoso e de sua condenação penal.63 Podemos dizer, então que a Polícia Judiciária, pois está intimamente unida ao Poder Judiciário, auxiliando-o nas diligências necessárias e o que for necessário ao bem de restabelecer a ordem pública. A Polícia Judiciária é exercida, conforme previsão constitucional, pela Polícia Federal64, com exclusividade no âmbito da União e pela Polícia Civil65, que exerce a Polícia Judiciária nos Estados-membros, ressalvada a competência da União. 1.4 ATUAL REALIDADE SOCIAL VERSUS CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA Mais de vinte anos já se foram desde a queda do estado de censura política no Brasil, mas embora decorrido esse tempo muitas dificuldades têm obstruído o processo de consolidação de uma sociedade democrática e mais justa. A exclusão social e as grandes diferenças econômicas ainda estão como um vírus a contaminar nossa sociedade, e em razão disso, vige no país o sentimento de impunidade, corroborando com os altos níveis de corrupção que geram um descontentamento social, um pedido para o Estado busque mecanismos de aperfeiçoamento no trato para com as relações sociais. A cidadania, apesar de ter tido proteção ao seu pleno exercício tutelado pela Constituição de 198866, que foi promulgada sob o rótulo de estado democrático de direito, ainda é frontalmente violada, e as políticas públicas voltadas para o controle social são ineficientes e retrogradas. 63 MEIRELLES, Hely Lopes. Polícia de Manutenção da Ordem Pública e suas Atribuições. In: Direito Administrativo da Ordem Pública. LAZZARINI, Álvaro et. al.; Miguel Seabra Fagundes (Apres.). Rio de Janeiro : Forense. 1986. p. 153. 64 Art. 144, CRFB/88: § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. 65 Art. 144, CRFB/88: § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. 66 BRASIL, Constituição da Republica Federativa do, 1988 20 20 Com base na posição de Marshall67, há três níveis de direitos na Cidadania, os civis (integridade física, igualdade perante a lei, liberdade de pensamento), os políticos (capacidade de votar e ser votado) e os sociais (educação, saúde, moradia, segurança e trabalho). Esses três tipos de direitos obedecem a uma seqüência lógica. O cidadão ao obter direitos civis, buscará os direitos políticos e conseqüentemente conquistará os direitos sociais. Então, por serem os direitos civis o sustentáculo da cidadania, a precariedade ao seu atendimento acarretará dificuldades na instalação de uma sociedade democrática e mais igualitária. No Brasil, esse direito básico de buscar a justiça tem sido um privilégio para poucos, e essa contradição que incomoda o espírito humano mais aguçado e suscita algumas reflexões justamente no campo acadêmico no qual se insere o presente Trabalho. O Estado brasileiro tem buscado, nos últimos anos, num sistema que traga eficácia na resolução dos conflitos, e a informalização dos procedimentos judiciários. Esse surgiu como ventos de esperança, porém quem ousaria dizer se é proporcional, mesmo à modernização tecnológica havida, e a sensação de melhoria substancial na prestação da tutela jurisdicional? Considerando as dificuldades de um país com dimensões tão amplas, uma situação econômica e educacional tão aquém da necessidade e que tais problemas geram uma realidade de crescente criminalidade de todas as espécies, tanto o tráfico internacional como o pequeno furto. E crimes tão distintos em sua feitura e conseqüência não podem ter da justiça o mesmo tratamento. As polícias não conseguem acompanhar a escalada da criminalidade, que causa uma sensação de desconforto na sociedade, ambiente em que se proliferam idéias retrógradas de contenção da criminalidade. Nesse sentido, o ordenamento jurídico norteado pela necessidade de se atender a demanda social, no tocante à prestação jurisdicional, e considerando o Estado como legítimo titular do direito de dotar o arcabouço jurídico capaz de suprir as solicitações dos seus cidadãos, veio em boa hora com a criação da Lei nº. 9.099 67 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro. Zahar, 1967 p 23. 21 21 de 26 de setembro de 199568 criar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, trazendo, como seu objetivo maior, a garantia de reparação dos danos sofridos pela vítima e definidos na lei como de menor potencial ofensivo, para tanto visando otimizar o atendimento da sobredita demanda norteado pelos princípios da oralidade, informalidade, economia processual e, sobretudo, o da celeridade na resolução das lides. Entre todas as modificações na esfera legislativa acontecidas no Brasil, na última década no campo do direito processual, entendemos que nenhuma medida, ou providência institucional tenha causado maior repercussão do que aquela que, atendendo ao espírito público do constituinte de 1988, explicitado no art. 98, inciso I, da Carta Constitucional, transformou o processamento das causas cíveis de menor complexidade e das infrações penais de menor potencial ofensivo a serem apreciadas pelos Juizados Especiais. 68 Brasil. Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em: Set2007 em: 22 22 2. LEI 9099/95 E TERMO CIRCUNSTANCIADO Com o advento da lei 9099/95, criaram-se mecanismos importantes para aproximar aqueles que necessitam do acesso a Justiça, veremos no presente capítulo o Termo Circunstanciado, advindo da referenciada lei, suas peculiaridades e funções no universo jurídico. 2.1 FUNDAMENTAÇÃO E PRECEDENTE HISTÓRICO DA LEI 9099/95 Destacamos inicialmente uma citação de Damásio de Jesus69 sobre o Sistema Penal Brasileiro: “O Direito Penal brasileiro se encontra em péssimas condições, com respingos de poucas reações corajosas Os professores, nos idos da década de 50, indicavam e adotavam as obras dos chamados autores clássicos70 e o Direito Penal, naquela época, tinha uma feição tutelar, fragmentária e de intervenção Mínima que no estudo de René Ariel Doti : "Visa restringir a incidência das normas incriminadoras aos casos de ofensas aos bens jurídicos fundamentais, reservando-se para os demais ramos do ordenamento jurídico a vasta gama de ilicitudes de menor expressão, em termos de dano ou perigo de dano. A aplicação do princípio, resguarda o prestígio da ciência penal e do magistério punitivo contra os males da exaustão e da insegurança que a conduz a chamada inflação legislativa"(33) 71. 69 JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7.ed.rev e ampl. São Paulo. Saraiva, 2000, p 58.. 70 Eram eles Nélson Hungria (1955), Magalhães Noronha (1955), Bento de Faria (1955), Basileu Garcia (1954) e Heleno Cláudio Fragoso (1955), para o ensinamento do Direito Penal e do Processo Penal. No Processo Penal, eram os esteios Walter Acosta (1955) e Espínola Filho (1957) 71 DOTTI, René Ariel, REALE JUNIOR, Miguel, Juizados Especiais Criminais Interpretação e Crítica. São Paulo: Malheiros, 1997 23 23 De acordo com os conceitos presentes nos manuais dos autores citados, a norma penal visava a proteção eficaz aos bens jurídicos fundamentais da sociedade, não a todos certamente, mas somente, os considerados mais importantes, como a vida, a incolumidade física, a honra, etc. Em relação aos interesses mais importantes, não os ampara de todas as condutas ditas ofensivas, incriminando com exclusividade as de maior gravidade. Esse caráter fragmentário do Direito Penal, o conduz a seu âmbito de incidência. Pretende-se que seja de intervenção mínima e subsidiária, cedendo às outras disciplinas legais, como o Direito Civil, o Comercial, o Administrativo entre outras. O Direito Penal existe para tutelar de forma imediata, os valores principais da convivência humana, atuando somente em último caso - ultima ratio72. E em razão de suas peculiaridades só deve intervir quando os ramos diversos do direito não sejam eficazes para tutelar o bem que esteja ameaçado permitindo que ocorra a quebra da normalidade. Nasce então para o Brasil, ao final do século passado, um novo Direito Penal, já em atuação em outros países, perigoso por trazer em seu bojo uma carga extremamente intervencionista e preventiva, baseando-se no medo infundido nas pessoas e oferecendo a tranqüilidade social como seu alvo, acreditando ser o seu único caminho. O excesso de exposição de crimes graves, como latrocínios, estupros, homicídios, chacinas, etc., produzem na população, uma sensação de total insegurança. Valem-se disso os partidários do Movimento de Lei e Ordem73, que buscam medidas repressivas de extrema severidade. Esse movimento, segundo WACQUANT, Essa Política Criminal encontra sua melhor expressão no movimento "Tolerância Zero" adotado pelo prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, e que "defende a luta contra a grande violência criminal através de uma repressão severa e da perseguição à pequena 72 Última razão Esse movimento credita o aumento da criminalidade ao tratamento excessivamente benigno que a lei dedica ao criminoso. A violência somente pode ser reprimida pelo recrudescimento do sistema penal, com a edição de leis mais severas e imposição de penas privativas de liberdade mais longas e, até, pena de morte. São seus postulados: a) a pena retoma o caráter de castigo e retribuição que apresentava no seu início histórico; b) crimes graves requerem punições severas (longa privação de liberdade ou morte), a serem cumpridas em estabelecimentos penais de segurança máxima, em regime especial de severidade; c) resposta imediata ao crime, com ampliação da prisão provisória; d) a execução da pena deve ficar a cargo, quase que exclusivamente, da autoridade penitenciária, restringindo-se o controle judicial. 73 24 24 delinqüência e aos comportamentos incivis que seriam seus sinais anunciadores”74. Damásio de Jesus, ao falar do direito hoje assim o descreve: Preventivo, o Direito Penal de hoje descreve normas incriminadoras relacionadas a um sem-número de setores da atividade humana, pouco importando a natureza do fato, seja eleitoral, ambiental, referente ao consumo, Informática, etc. Atribui-se-lhe a tarefa de disciplinar os conflitos antes mesmo de serem regulamentados pelas disciplinas próprias dessas áreas. Com isso, perde o caráter de intervenção mínima e última, adquirindo natureza de um conjunto de normas de atuação primária e imediata75 Sobre o assunto, Nilo Batista A tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana, atuando somente em último caso (ultima ratio). Dadas as suas características, só deve agir quando os demais ramos do direito, os controles formais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa tutela76. Alberto da Silva Franco também se manifesta sobre o assunto: A sanção penal, por força disso, passa a ser considerada pelo legislador como indispensável para a solução de todos os conflitos 77 sociais. É o remédio para todos os males . Damásio contesta a política criminal brasileira: Essa nova fisionomia da legislação criminal brasileira produz efeitos negativos. A natureza simbólica e promocional das normas penais incriminadoras, num primeiro plano, transforma o Direito Penal na mão avançada de correntes extremistas de Política Criminal. É o que está acontecendo no Brasil, onde movimentos de opinião partidária do princípio de lei e ordem pressionam o Congresso a elaborar leis penais cada vez mais severas. Sob outro aspecto, esse movimento faz com que o Direito Penal e o Direto Processual Penal percam a forma. Quanto ao estatuto penal, os tipos passam a ser descritos com a inclusão de normas elásticas e genéricas, enfraquecendo os princípios da legalidade e da tipicidade78 74 (WACQUANT, Loïc. A Globalização da "Tolerância Zero". DISCURSOS SEDICIOSOS: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 2000. P.111-119). 75 JESUS Damásio E. de,Sistema Penal Brasileiro:execução das penas no Brasil, disponível em /campus.fortunecity.com/clemson/493/jus/m01-003.htm> acesso em 08 de ago2008 76 BATISTA Nilo Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Revan, 1990, p. 84. 77 FRANCO Alberto Silva , Crimes Hediondos, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 3ª ed., 1994, pág. 36 e nota 4 78 JESUS Damásio E. de,Sistema Penal Brasileiro:execução das penas no Brasil, disponível em /campus.fortunecity.com/clemson/493/jus/m01-003.htm> acesso em 08 de ago2008 25 25 Segundo Rosa79 , no campo do processo penal, encurta-se a distância entre a investigação e o procedimento instrutório, desaparecendo o limite entre as fases investigatória e judicial. É o que acontece na vigência da Lei nº. 9.034/9580 - Lei do Crime Organizado, que, no art. 2º, regula meios de prova e procedimentos investigatórios em qualquer fase de persecução criminal. Impera aí, o movimento da lei da ordem, responsável pela desqualificação das finalidades primordiais do Direito Penal e da atuação dissonante do Direito Processual Penal. Para Damásio Um dos princípios do Movimento de Lei e Ordem separa a sociedade em dois grupos: o primeiro composto de pessoas consideradas de bem, merecedoras de proteção legal; o segundo, de homens considerados maus, os delinqüentes, aos quais se endereça toda a rudeza e severidade da lei penal81. A exposição constante de crimes violentos criou a idéia de intranqüilidade e de que podemos ser vítimas em qualquer hora e lugar, gerando a idéia equivocada de necessidade de leis severas. Por outro viés, sob a égide de uma crescente derrota de um sistema punitivo corporal, os que se opõem a prisão questionam que por mais adequada que seja, fere profundamente o homem e deixam marcas eternas, levando-o normalmente à reincidência criminal. Nesta linha antagônica, emoldurado por uma plêiade de notáveis mentes, adverte o Professor Damásio Evangelista de Jesus: Está desacreditada a idéia de que o delito é uma atitude anormal do homem e, por isso, deve ser combatido com princípios rígidos da “lei e ordem”. Hoje, considera-se o crime como um comportamento “normal”, atingindo a humanidade de forma integral no tempo e no espaço, no plano horizontal e no vertical. O delito sempre existiu e sempre existirá. Ocorre em todos os países, em todas as civilizações, sejam quais forem os seus costumes, alargando-se no plano horizontal. Tem o dom da ubiqüidade. No vertical, praticado por homens bons e maus, atinge todas as camadas sociais, do mais humilde agrupamento humano ao mais socialmente desenvolvido. É impossível extingui-lo. Não quer dizer que o aceitamos. Pode-se, entretanto, reduzi-lo a níveis razoáveis e toleráveis82 Surge uma luz, segundo Damásio: 79 ROSA, Antônio José Miguel. Direito penal concreto. Brasília. Consulex, 1992 p.81 Brasil. Lei nº 9.034 de 03 de maio de 1995. Lei do crime organizado. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em 01/11/2007. 81 81 JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7.ed.rev e ampl. São Paulo. Saraiva, 2000, p 58 82 JESUS, Damásio Evangelista. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 6. 80 26 26 O Estado brasileiro, que em alguns momentos parece claramente intencionado no sentido de impor um sistema criminal moderno e justo, tendo como exemplo a Lei nº. 9.099/95, que modificou as disposições penais e processuais até então vigentes, e estabeleceu um novo sistema voltado para as infrações de menor potencial 83 ofensivo . As contravenções e os crimes com pena não superior a um ano tiveram outro tratamento, o que possibilitou a transação entre o Ministério Público e o cidadão infrator, que antes era proibido. Além de visar baixar a criminalidade a índices razoáveis, e gerar a sensação popular de aplicação da lei penal com eficácia Após a vigência da Constituição Federal de 198884, foram apresentados diversos projetos de lei, por iniciativa plural de Deputados Federais85, tentando elucidar os problemas incidentes na Justiça Criminal, cujo resultado, dentro do processo legislativo, traduziu-se num projeto único, aprovado pela Câmara dos Deputados. Após, foi remetido ao Senado Federal, onde foi alterado com novo substitutivo, em face da polêmica em torno da matéria. O Deputado Manoel Moreira referiu-se à importância de uma justiça mais ágil e assim expressou: A busca de uma justiça mais ágil e mais célere tem sido uma constante em toda a sociedade. O aumento da criminalidade violenta obrigou o aparato burocrático a relegar a segundo plano pequenas infrações penais, as quais representam uma quantidade na casa de mais de um terço do movimento da justiça criminal. Diante da necessidade de trabalhar com processos que retratavam crimes mais graves, aquelas passaram a ser relegadas em prejuízo do próprio atendimento da população. Embora de menor potencial ofensivo, essas infrações agridem o ordenamento jurídico e a paz social, trazendo preocupação não apenas aos juristas, mas a todos aqueles que estão integrados no mundo de hoje. Como tais infrações não podem ficar impunes, o Legislador Constituinte, sensível a tais preocupações, previu os juizados especiais como forma de tornar mais efetiva e rápida a prestação jurisdicional, conforme dispõe o artigo 98, inciso I, da Constituição Federal86. 83 JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7.ed.rev e ampl. São Paulo. Saraiva, 2000, p 67 84 BRASIL. Constituição de 05 de outubro de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: Jan. 2008. 85 São eles, Michel Temer (1989), Jorge Arbege (1988), Daso Coimbra (1989), Gonzaga Patriota (1989) e Nelson Jobim (1989) 86 MOREIRA, Manoel. Exposição de motivos ao Projeto Lei n.º 1708/89 – art. 98, inciso I da CF/88. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposições>. Acesso em: out2007. 27 27 A Associação de Magistrados, por intermédio dos juízes Pedro Luiz Ricardo Gagliardi e Marco Antônio Marques da Silva, apresentou o texto de um projeto sobre o Juizado de Infrações Penais de menor potencial ofensivo. Ambos os magistrados, colocam na introdução de seu trabalho, que o excesso burocrático no andamento dos processos, levava o constituinte a estabelecer meios informais de solução de lide, tanto no âmbito civil como no criminal. Na seqüência, aludiram à demora dos feitos, que é motivada pelo grande volume de serviços e inútil repetição de atos procedimentais que acabam por levar à impunidade e a prescrição escreveu desta forma,:. O insuportável aumento da criminalidade obrigou o aparato burocrático a relegar a segundo plano pequenas infrações penais, o mesmo acontecendo com o esquema policial. Diante da maior necessidade de retirar do convívio social elementos perigosos, os processos que retratam crimes mais graves, que atentavam mais fortemente contra o bem jurídico protegido, passaram a ter preferência no julgamento. Pequenas infrações, mas que agridem o ordenamento jurídico e a paz social, passaram a não preocupar o jurista de forma mais aguda. Como tais infrações não podem ficar impunes, o Legislador Constituinte, sensível a tais preocupações, previu o denominado Juizado Especial para julgamento de infrações penais de menor potencial ofensivo87. Em uma palestra realizada versando sobre “Reformulação do Sistema Policial Brasileiro”, o Exmº. Sr. Álvaro Lazzarini, ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, enfocou o Juizado de Instrução como instrumento aperfeiçoador do ciclo de persecução criminal. Em suas considerações, abordou o assunto com propriedade e, por guardar relação muito próxima com os juizados especiais, expôs algumas de suas idéias. A pronta resposta da sociedade a uma ação criminosa está a exigir mecanicamente ações legais ágeis, que possibilitem a imediata atuação da Justiça Criminal, com o policial, seja militar na ação de polícia ostensiva, seja civil não burocrata em atividades investigantes, levando o fato imediatamente ao juiz criminal competente, apresentando o acusado, a vítima, as testemunhas e tudo o que mais torne útil à persecução criminal, já presentes o representante do Ministério Público e o Advogado, podendo este ser o de confiança do acusado. É a aproximação da Justiça com o povo. É a certeza da punição pelo que de criminoso foi feito88 87 SILVA, Marco Antonio Marques da . Juizado Especial para Julgamento das Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo. Revista dos Tribunais, São Paulo/SP, v. 630, n. ano 77, p. 401-404, 1988. 88 LAZZARINI, Alvaro. Juizados especiais para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo. Revista do Processo, Sao Paulo, v.58, p.99-109, abr./jun., 1990 28 28 Seja nas exposições de motivos, ou na palestra citada, vislumbra-se claramente a preocupação com a modernidade do Estado - Justiça, bem como com a retomada do enfoque sobre as infrações penais de menor potencial ofensivo, as quais estariam relegadas a um segundo plano e, conseqüentemente, proporcionando o aumento desenfreado da criminalidade, o que deporia de maneira contrária a busca incansável do legislador em otimizar a prestação jurisdicional. Isto considerando que a parte vítima no falido modelo pode ser penalizada duplamente, em primeiro plano, pelo autor da prática delituosa e em segundo plano, pela dificuldade e burocracia do serviço público. A partir da edição da Constituição de 1998, alguns Estados da federação procuraram criar leis no sentido de instalarem juizados especiais e, por necessidade lógica, conceituar o que fosse infração de menor potencial ofensivo que lhes competisse segundo Azor Lopes da Silva Júnior . Mato Grosso do Sul inicia o processo ao editar a Lei Estadual nº 1.071, de 11.07.1990, que, em seu artigo 69, I, dispõe como infração de menor potencial ofensivo: “I – os crimes dolosos punidos com pena de reclusão até um ano, ou de detenção até dois anos; II – os crimes culposos; III – as contravenções”. Seguidamente a Paraíba promulga a Lei nº 5.466/91, que em seu artigo 59 reproduz a norma sul mato-grossense, e, por fim, vem o Estado de Mato Grosso e edita a Lei Estadual nº 6.176, de 18.01.1993, que em seu artigo 60 define como infrações penais de menor potencial ofensivo: “I – o furto (art. 155, caput, do Código Penal; II – os crimes dolosos com pena de reclusão até 1 ano ou de detenção até 2 anos; III – as contravenções; IV – infrações penais decorrentes do Código do Consumidor.”. Todavia todas estas normas foram dadas por inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal; a pioneira Lei nº 1.071/90 foi atingida pelo HC nº 72.930-MS – Relatoria do Ministro Ilmar Galvão, a Lei nº 5.466/91 pelo HC nº 71.713-PB – Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence e, por fim, a Lei nº 6.176/93 pela ADI nº 1.807-5-MT proposta pelo Governador do Estado de Mato Grosso, também distribuída à Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence que, em notável voto suspendeu a eficácia da norma, impugnada sob a argumentação de que a Assembléia Legislativa teria violado o princípio de repartição das competências das entidades federativas, na medida em que usurpara a competência privativa da União em legislar sobre matéria penal e processual penal (art. 22, I, CRFB) – argumento sustentado também nos casos anteriores de controle difuso 89. 89 SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. Uma análise constitucional da Lei nº 10.259/01 . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 239, 3 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4911>. Acesso em: 30 out. 2008 29 29 2.2 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA LEI 9099/95 Conforme dispõe o artigo 62 da lei em estudo, os princípios por ele consagrados são os da oralidade, informalidade, simplicidade, economia processual e celeridade. Princípio da Oralidade: Chiovenda, ao referir-se ao processo oral, diz com proficiência, que ele se resolve nos seguintes princípios: a) prevalência da palavra como meio de expressão combinada com uso de meios escritos de preparação e de documentação; b) imediação da relação entre o juiz e as pessoas cujas declarações deva apreciar; c) identidade das pessoas físicas que constituem o juiz durante a condução da causa, explicitando que esse princípio depende dos dois outros; d) concentração do conhecimento da causa num único período (debate) a desenvolver-se numa audiência ou em poucas audiências contíguas, frisando que este princípio é a principal característica exterior do processo oral, e a que mais influi na abreviação das lides; e) irrecorribilidade das interlocutórias em separado. Para pôr em prática a oralidade e a concentração, exige-se ademais que a decisão do incidente não seja recorrível à parte da questão principal90 O princípio da oralidade deveria consistir na atuação direta do juiz, do promotor de justiça, do autor do fato e de seu defensor, através de manifestação de seus respectivos pontos de vista, direta e pessoalmente na audiência preliminar. A pretensão da Lei é que, tanto o acordo civil como eventual representação, denúncia ou queixa, sejam orais, exatamente para que delas decorra a informalidade, abrangendo inclusive a fase policial, uma vez que não instaura inquérito, lavrando-se apenas um termo circunstanciado referente ao fato. Para KUEHNE91, o Princípio da Oralidade “visa a concentração do julgamento, tendo como conseqüência uma agilidade para a entrega da prestação jurisdicional. Possibilita ao julgador um contato mais direto entre as partes envolvidas e seus advogados.” Princípio da Informalidade: 90 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo. Boobseller, 1969. v. II. 91 KUEHNE, Maurício et all. Lei dos Juizados Especiais Criminais: Lei nº 9.099/95. 2º ed. Curitiba : Juruá, 1997. p. 27. 30 30 A informalidade significa ainda que apenas os fatos relevantes ocorridos em audiência, serão registrados através de forma singela. Até o próprio exame de corpo de delito, exigido pelo Código de Processo Penal, para provar a materialidade dos crimes que deixam vestígio, foi substituído na Lei nº. 9.099/95 por um boletim médico ou prova similar. O juiz e os demais servidores do Juizado deverão evitar ao máximo as formalidades, a aplicação de uma burocracia desnecessária, bem o não uso da desproporcional exigência de cunho processual e cartorária. Da mesma forma, a sentença, em obediência ao mesmo princípio, não precisa conter relatório. Já a aplicação do princípio da economia processual se consubstancia no aproveitamento de qualquer ato que preencha as finalidades a que se destinou, não anulando nenhum deles, ainda que praticados sem respeito às formalidades do processo, não tendo acarretado prejuízo. Princípio da Celeridade: Quanto ao princípio da celeridade, é o colorário de todos os anteriores, uma vez que tudo é feito de forma a se chegar a uma solução no menor prazo possível, desde a fase policial, até a judicial, e conforme se explicará melhor no item destinado ao rito processual. Com destaque maior para o art. 64 do referido diploma legal, no qual preconiza que os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno ou em qualquer dia da semana, conforme norma de organização judiciária. Damásio de Jesus92, em relação ao Princípio da Celeridade, salienta que a Lei visa dar maior rapidez e agilidade aos atos processuais, como nas citações e intimações, as quais sempre foram fonte de atrasos, corrupção e reclamações no Juízo Comum. É de se observar então que, em razão do princípio da celeridade, tem ocorrido de um só juiz participar de todos os atos processuais, podendo levar à impressão de que a lei do Juizado consagrou o princípio da identidade física do juiz, onde na realidade não acontece, podendo vir a ocorrer, somente como conseqüência da rapidez com que os atos são praticados. Princípio da economia Processual: Neste Princípio processual deve-se escolher entre duas destas alternativas “a menos onerosa às partes e ao próprio Estado. Procura-se sempre buscar o máximo 92 JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo : Saraiva, 1995. p. 43. 31 31 resultado na atuação do direito com o mínimo possível de atos processuais ou despachos de ordenamento.” 93 A economia processual requer que todos os atos possíveis, já praticados, sejam validados no processo, não sendo necessário repeti-los inutilmente. Também visa à realização ou à concentração do maior número de atos em uma mesma oportunidade. 94 Por fim, note-se que no Juizado Especial, o seu procedimento deve dar-se de maneira simplificada e de forma espontânea, de modo a permitir que os envolvidos possam apresentar seus objetivos natural e diretamente. 2.3 O TERMO CIRCUNSTANCIADO O “Termo Circunstanciado” teve sua origem com a Lei 9.099/95 de 26 de setembro de 1995. Sua principal função é dar rapidez aos procedimentos e cumprir os princípios processuais dos Juizados Especiais Criminais, acima descritos para, por fim reparar os danos sofridos pela vítima e aplicar pena não privativa de liberdade. 95 Em relação ao termo circunstanciado, Damásio de Jesus assim se expressa, Trata-se de um breve, embora circunstanciado, registro oficial de ocorrência, sem qualquer necessidade de tipificação do fato, bastando à probabilidade de que constitua uma infração penal. E conclui, não é preciso qualquer tipo de formação técnico-jurídica para se efetuar esse relato96. O Termo Circunstanciado substituiu o inquérito policial e o auto de prisão em flagrante, de forma a tentar reduzir o formalismo exacerbado e também como meio para a simplificação e a economia processual, trazendo mais rapidez e agilidade processual. Luiz Felipe Brasil Santos salienta que: 93 MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 10. ed. Ver. E atual. São Paulo : Atlas, 2000. p. 26. 94 JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo : Saraiva, 1995. p. 43. 95 Lei 9.099/95: Art.62 – O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual, e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade. 96 JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7.ed.rev e ampl. São Paulo. Saraiva, 2000 p 61 32 32 Muito festejada tem sido a dispensa do inquérito policial para as infrações de competência destes Juizados, o que, de um lado, representa grande economia de meios para a polícia judiciária e, de outro, viabiliza o que todo um universo infracional, que ordinariamente – sobretudo em razão dos parcos recursos postos à disposição da polícia – não chegava ao conhecimento do Poder Judiciário, agora aporte em sua totalidade.97 Como pudemos Observar que o termo Circunstanciado é a peça ou instrumento processual, com o objetivo de comunicar ao Poder Judiciário da ocorrência de uma infração penal de menor potencial ofensivo. Weber M. Batista e Luiz Fux esclarecem98 que o TC não é mais do que a “versão da autoridade sobre o que ouviu, observou, ou do que se passou”. Nele consta a assinatura das pessoas ouvidas, porém esta é desnecessária para a validade do termo. Segundo Weber Martins Batista: O termo circunstanciado é um novo instrumento “processual” introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei 9.099/95 que criou os Juizados Especiais Criminais, que, nos casos estabelecidos pela citada lei (delitos de menor potencial ofensivo), substitui o 99 inquérito policial e o auto de prisão em flagrante . Da funcionalidade do Termo Circunstanciado para a célere aplicação da lei Vaggione: Desta forma, será possível que todos os órgãos encarregados constitucionalmente da segurança pública (art. 144 da CF), tomando conhecimento da ocorrência, lavrem o termo circunstanciado e remetam os envolvidos à Secretaria do Juizado Especial, no exercício do ‘ato de polícia’ Não se deve confundir atos de investigação, função constitucional da polícia civil, com prática de ‘ato de polícia’, a ser exercida por todos os órgãos encarregados da segurança pública. De acordo com os doutrinadores, acima elencados, indubitavelmente um excelente mecanismo colocado a disposição da sociedade para uma rápida e correta aplicação da lei. 97 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Requisitos do Termo Circunstanciado. p. 394/398. Ajuris, Porto Alegre. N.67. ano XXIII, julho,1996. p 394. 98 BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei nº. 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro : Forense, 1997. p. 308. 99 BATISTA, Weber Martins. Direito penal e direito processual penal. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 1996 33 33 2.4 NOÇÕES SOBRE A CIRCUNSTANCIADO CONFECÇÃO DO TERMO Como visto, o termo Circunstanciado tem por objetivo principal informar ao Poder Judiciário da ocorrência policial, porém algumas dificuldades foram encontradas pela falta de previsão dos elementos de validade, Kassburg, sobre as dificuldades, comenta: No dia-a-dia forense, a falta de definição, quanto ao que deva conter esse instrumento, tem sido causa de enorme retardamento no fluxo dos feitos iniciados a partir de seu encaminhamento a juízo, em razão da falta de dados mínimos necessário à deflagração do processo, mesmo em sua fase preliminar, o que gera, muitas vezes, baixa à polícia para ser complementado, com deletérios efeitos sobre a celeridade que deve inspirar o sistema100. O legislador, ao construir a norma não a formalizou, porém, como esse novo instrumento é substituto do Inquérito Policial, e por isso tem a finalidade de fornecer subsídios da pretensão punitiva, tem-se que tais informações são as básicas ao Inquérito Policial Na tentativa de buscar os requisitos para a elaboração do termo circunstanciado Tourinho Filho descreve algumas das suas características.: O termo Circunstanciado nada mais representa senão um boletim de ocorrência mais completo, embora sem as minúcias do RAT (Relatório de Acidente de Trânsito) da Polícia Rodoviária. Deve conter a qualificação dos envolvidos e de eventuais testemunhas, se possível com a indicação do número de seus telefones, uma súmula das suas versões e o compromisso que as partes assumiram de comparecer perante o Juizado. Se houver necessidade, serão requisitados exames periciais, cujos laudos, se possível, deverão ser anexados ao “Termo” 101. Para Luiz Felipe Brasil Santos, a materialidade pode ser comprovada depois da primeira fase ou da audiência preliminar, por fazer-se necessária somente para a propositura da denúncia. A prova da materialidade pode ser remetida posteriormente ao Juizado competente. Porém, o mesmo autor salienta que o TC deve ser provido 100 KASSBURG, Osvaldir José. A Implementação do Termo Circunstanciado pela Polícia Militar. Monografia, Esp., APM-SC e UNISUL. Florianópolis. 2006. p. 395. 101 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários a Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo : Saraiva, 2000. p. 67. 34 34 da narração sintética do ocorrido com as versões apresentadas pelas partes e da adequada qualificação das mesmas.102 Também sobre o conteúdo do Termo Circunstanciado, Ismar Estulano Garcia indica as informações necessárias: • Notícia: número da ocorrência, data, horário, ilícito, artigo, pena máxima prevista, espécies de notícia (requerimento, representação, comunicação, jornal, revista, telefonema, reclamação verbal), natureza da ação penal (pública incondicionada, pública condicionada ou privada) e noticiante (nome, local de trabalho e residência). • Vítima: nome, alcunha, estado civil, nacionalidade, naturalidade, profissão, idade, sexo, registro geral, filiação, local de trabalho e residência. • Autor do fato: nome, alcunha, estado civil, nacionalidade, naturalidade, profissão, idade, sexo, registro geral, filiação, local de trabalho, residência e nome do responsável civil. • Histórico: local do fato, data, horário, dia da semana e outros dados mais. • Testemunhas: no máximo três, constando nome, estado civil, idade, profissão, local de trabalho e residência. • Exames requisitados: de lesão corporal, do local da ocorrência, da arma ou instrumento e outra modalidade de exame possível. • Informações complementares: registro de quaisquer dados que a autoridade policial entender serem úteis ao magistrado, bem como a relação dos documentos que seguem anexo ao TC. • Compromisso de comparecimento ao Juizado Especial Criminal: na hipótese de não haver encaminhamento imediato, marcar data, horário e local, coletando-se as assinaturas do autor do fato, do responsável civil e da vítima. • Assinaturas: noticiante e escrivão que lavrou o Termo. • Despacho: remessa do Termo ao Juizado Especial Criminal, com assinatura da Autoridade Policial.103 Desta forma, a autoridade que tomar conhecimento do fato deve lavrar termo circunstanciado, no qual fará constar tudo que for importante para a apuração do fato: como e por quem recebeu a notícia da infração; a situação do ofendido; qual o tipo de infração cometida; o que declarou; assim como a versão do autor do fato e das testemunhas se tiver e a completa identificação das partes. 102 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Requisitos do Termo Circunstanciado. p. 394/398. Ajuris, Porto Alegre. N.67. ano XXIII, julho,1996. p 397. 103 GARCIA, Ismar Estulano. Juizados Especiais Criminais: prática processual penal. 2º ed. rev. e amp. Goiânia : AB, 1996. 35 35 Observado os Termos Circunstanciados preenchidos pela Polícia Militar de Santa Catarina, constata-se que as informações ali elencadas suprem a necessidade do Magistrado para conhecimento do fato e seus participantes, assim, divide-se em dois momentos, quais sejam: 1º momento: • Especificação da data, hora e local do fato; • Descrição do fato e enquadramento legal; • Qualificação completa dos participantes (comunicante, testemunha, ofendido e autor do fato), incluindo telefones, condições físicas e bens que portava consigo. 2º Momento: • Relatório ou histórico, portando o relato do comunicante, do ofendido e do autor do fato; • Apreensões na ocorrência, tais como objetos, armas, veículos, substâncias entorpecentes, etc; • Providências adotadas na solução da ocorrência, tais como condução a hospital, solicitação de perícias, junta de documentos, etc; • Identificação dos atendentes da ocorrência. 2.5 CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO Para a correta aplicação da lei 9099/95 e, por conseguinte, a materialização do Termo Circunstanciado, se faz necessário que delimitemos o seu campo de atuação, o que já se encontra expresso na lei, pois o legislador ao editar a norma quis dar uma nova forma de atendimento àqueles crimes que causem a sociedade uma menor reprovação, por terem causados danos de menor relevância. O número de registros de infrações dessa natureza é alto e o excesso de burocracia, causavam entraves a execução da justiça, os delitos de Menor Potencial Ofensivo foram a principal causa a emperrar a Justiça Criminal104. Ao mesmo tempo, 104 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários a Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo : Saraiva, 2000. p. 01. 36 36 resultou no congestionamento das delegacias, devido a grande demanda pela instauração de Inquéritos Policiais. Com o intuito de desafogar esse sistema, o legislador verificou a necessidade de uma nova forma de tratamento para esses crimes constatou a necessidade de um tratamento diferenciado para as Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo, buscando em outros países105 soluções para a crise do sistema penal brasileiro. Veremos então o conceito de Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo e a norma que lhe dá tal condição. Na lei, constata-se que a lei definiu os crimes que ofendem em menor escala a sociedade. O texto original da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 trazia a seguinte redação: Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. Porém, tal referência foi alterada pelo § único do art. 2º da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal: Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo. Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa106. Dessa forma, as Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo passaram a ser daquelas em que a lei comine pena máxima não superior a um ano, para delitos a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. Posteriormente, para reparar essa distinção entre o Juizado federal e Estadual, com o art. 1º da Lei 11.313, de 28 de junho de 2006, que alterou os artigos 60 e 61 da Lei 9.099 e o art. 2º da Lei 10.259, o texto do art. 69 passou a ter nova redação: 105 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários a Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo : Saraiva, 2000pp. 01/03. 106 BRASIL. Lei 10.259: de 12 de Julho de 2001. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. São Paulo : Saraiva, 2006. 37 37 Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. 107 Por fim, consideram-se Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei estabeleça pena máxima até 2 (dois) anos. Conforme Luiz Flávio Gomes, não importa se a pena de até dois anos venha cumulada ou não de multa, deve-se observar apenas o limite máximo da pena privativa de liberdade.108 Como exceções a regra, tem-se o artigo 90-A da Lei 9.099 de 1995, o qual exclui as disposições da Lei para as infrações penais de competência da Justiça Militar; e o artigo 41 da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), que exclui a aplicação da lei 9.099 de 1995 nos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. Com o advento da Lei 11.313/06, sempre que a pena máxima in abstrato não passe de dois anos, independentemente se a infração penal conta ou não com procedimento especial109, os delitos são Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo e serão competentes para julgamento os respectivos Juizados Especiais Criminais. 107 Lei 11.313, de 28 de junho de 2006. Art. 1o Os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.” 108 GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 11.313/2006: novas alterações nos Juizados Criminais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1113, 19 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8675>. Acesso em: 21 set. 2007. 109 “a nova lei eliminou qualquer referência ao procedimento do delito. Ou seja: não importa se o crime conta ou não com procedimento especial. Todos, com pena máxima até dois anos, são de menor potencial ofensivo. Crime de imprensa, crime de abuso de autoridade etc. Se a pena não passa de dois anos, é infração de menor potencial ofensivo, independentemente do procedimento ser especial ou não.” (GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 11.313/2006: novas alterações nos Juizados Criminais). 38 38 3 DEFINIÇÃO DE AUTORIDADE POLICIAL PARA A LEI 9099/95 E AS CONSEQÜÊNCIAS PRÁTICAS NA ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA O cerne do presente trabalho é o grande debate jurídico em torno do termo autoridade previsto no Artigo 69 da lei 9099/95. Passamos então a algumas considerações importantes que servirão para que ao final deste, possamos reforçar nossas convicções sobre o tema. 3.1 A INTERPRETAÇÃO DO TERMO AUTORIDADE POLICIAL Para que possamos entender o amplo sentido da palavra “Autoridade”, voltaremos nosso olhar para a definição de Álvaro Lazzarini. Para ele Autoridade é “qualquer poder de controle das opiniões e dos comportamentos individuais ou coletivos, a quem pertença esse poder.”110 A Lei nº. 9.099/95, em seu artigo 69, claramente trata de um mandamento de cunho imperativo no sentido da lavratura do termo circunstanciado que diz: A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. O termo Autoridade provém do latim “auctoritate”. Conforme Telles Junior, Autoridade é “o poder pelo qual uma pessoa ou entidade se impõe às outras, em razão de seu estado ou situação”.111, já de acordo com Altino Costa, Autoridade é o “Direito de se fazer obedecer; poder de mandar”. 112 Ainda nesse entendimento vemos que a definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira nos ensina que 110 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito Administrativo. 2º ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 266. 111 TELLES JUNIOR, Godofredo da Silva. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo : Saraiva, v. 9, 2003. p. 330. 112 COSTA, Altino et al. In. ROSA, Hamílcar de Garcia Ubiratan (Coord.). Grande Dicionário Enciclopédico Novo Brasil. Vol. I. São Paulo : Novo Brasil, 1979. p. 162. 39 39 Autoridade é “aquele que tem por encargo fazer respeitar as leis; representante do poder público. Aquele que tem direito ou poder.”113 A palavra Autoridade, que teve seu nascedouro em Roma, é um termo de importância ímpar da teoria política, pois sempre é utilizada juntamente com a palavra com a palavra poder. Atualmente porém passou a ter significados diversos. Formas de Autoridade podemos citar várias, tais como a privada (do pai sobre o filho; do patrão sobre o empregado) ou pública (do Estado sobre os cidadãos)114, autroridade política, econômica, cultural, social. Na Autoridade pública, o poder do Estado é repassado aos funcionários públicos de acordo com as suas atribuições referentes aos cargos exercidos, escalonando também suas resposabilidades. Vemos então que a autoridade do Estado é manifestada em cada cargo público, conforme a nescessidade que a função exige. Marcelo Cortez Ramos de Paula também define o termo: “Autoridade pode ser qualquer pessoa a quem a lei conceda certa competência (melhor definida, às vezes, como dever) para realizar este ou aquele ato administrativo.” Mais adiante, ainda completa que Autoridade “provém de uma confluência entre a vontade da lei que estabelece as competências e os atos a serem praticados por certa categoria de servidor”115. Hely Lopes, discorrendo sobre a Autoridade Administrativa, ensina que: Os agentes da administração “não são membros de Poder de Estado, nem o representam, nem exercem atribuições políticas ou governamentais; são unicamente servidores públicos, com maior ou menor hierarquia, encargos e responsabilidades profissionais dentro do orgão ou da entidade a que servem, conforme o cargo ou a função em que estejam investidos. De acordo com a posição hierárquica que ocupam e as funções que lhes são cometidas recebem a correspondente parcela de autoridade pública para o desempenho do plano administrativo, sem qualquer poder político. Suas atribuições, de chefia, planejamento, assessoramento ou 113 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI : o dicionário da língua portuguesa. 3º ed. Totalmente rev. e ampliada. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1999. p. 236. 114 SILVA, Elias Miler da. Autoridade Policial. Publicada por Polícia Militar do Estado de São Paulo. Revista A Força Policial. Ano 2, nº. 8. 1995. p.123. 115 DE PAULA, Marcelo Cortez Ramos. Autoridade Policial e a Lei nº. 9.099/95 – Algumas Considerações. Publicada por Polícia Militar do Estado de São Paulo. Revista A Força Policial. Ano 3, nº. 10. 1996. p.86. 40 40 execução, permanecem no âmbito das habilitações profissionais postas remuneradamente a serviço da administração”.116 Pode-se entender então que, no sentido voltado para o funcionamento da administração pública é o poder pelo qual um agente público se impõe sobre um grupo, em razão da Autoridade que lhe é delegada para o exercício da função que exerce dentro da administração pública. O funcionário público em geral executa os chamados atos materiais ou atos de administração, preparando ou executando as decisões tomadas pela autoridade administrativa ou autoridade pública maior. Em geral, toda autoridade administrativa ou autoridade pública é funcionário público, mas a recíproca nem sempre é verdadeira. Autoridade é toda pessoa que, nos três poderes, administre, editando, pois, atos administrativos, quer se trate de agente público, em sentido estrito, quer se trate de administrador ou representante de autarquia ou de entidade paraestatal, quer se trate, ainda de pessoa física ou jurídica, com funções recebidas em delegação do poder público (CRFB. Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1.945 – Lei do Mandado de Segurança).117 Desta forma, a Autoridade pública deriva de lei ou delegação da mesma e sempre com o fim de exercê-la nas atribuições legais do cargo que possuir na administração pública. O uso da autoridade não pode ser ilimitado, portanto seu excesso poderá implicar em responsabilidade civil, administrativa ou criminal, pois o agente ou adminsitrador público somente pode agir em conformidade com a lei e dentro das suas atribuições funcinais. Como explica Álvaro Lazzarini: A autoridade pública, portanto, não é um privilégio pessoal de quem quer que seja, pois, como focalizado, ela está inserida nas funções do órgão público a que se integra a pessoa física do agente público, seja Chefe do Poder Executivo e seus Ministros ou Secretários, ou, então, Parlamentares, Magistrados, Membros do Ministério Público, Conselheiros dos Tribunais de Contas, Membros do Corpo Diplomático, todos como agentes políticos do Estado, como também aqueles servidores públicos, os agentes administrativos do Estado, que constituem a grande massa dos agentes públicos e têm, assim, a sua autoridade pública reconhecida de acordo com a respectiva investidura legal.118 116 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 11.ª ed., 1980, São Paulo : Revista dos Tribunais. 1985. p. 52. 117 CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo. 3. ed., São Paulo : Forense, 1978. p. 74. 118 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito Administrativo. 2º ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 33. 41 41 Destarte resta claro que, sendo funcionário público, estabelece ao agente uma certa Autoridade, o que fica evidente nas instituições policiais, o que certamente acarreta ao agente uma responsabilidade ainda maior no trato com suas funções como servidor público, pois a lei limita a sua Autoridade ao uso das funções do cargo exercido. Visto a abrangência do termo autoridade, faz-se necessário se saber, dentro do universo real quem é a Autoridade Policial prevista na Lei dos Juizados Especiais, pois este é o tema em debate no presente trabalho. Um correto entendimento do termo pode determinar a competência de atuação de uma e outra instituição policial e de seus respectivos agentes públicos. Em Santa Catarina, como nas outras unidades da federação existem duas instituições Policiais que são o braço armado do Estado, a Polícia Militar e a Polícia Civil, ambas com estrutura organizacional própria, com comandos próprios, independentes e autônomos, quais sejam: Policias Civis – Sob Comando do Delegado Geral, para SILVA, Elias Miler da, vê-se “que como autoridade máxima na Polícia Civil, está o Delegado Geral de Polícia e por delegação, os demais delegados titulares e plantonistas; bem como os investigadores e escrivães, dentro de suas atribuições legais”.119 Policias Militares – Comandado pelo comandante geral, delega aos demais comandantes, oficiais e praças dentro das atribuições de cada posto ou graduação. O autor, sobre as polícias militares assim dispõe: Neste caso o Comandante Geral é a mais alta autoridade; enquanto os demais comandantes por delegação, até o oficial de serviço; as praças, dentro de suas atribuições repartem a autoridade que compatível com as missões constitucionais e legais outorgadas à Instituição.120 Tendo então cada Instituição uma autoridade máxima que a transfere de acordo com sua competência e função exercida. Lato sensu, a Autoridade Policial também pode pertencer à administração pública do executivo municipal, estadual ou federal, sendo: 119 SILVA, Elias Miler da. Autoridade Policial. Publicada por Polícia Militar do Estado de São Paulo. Revista A Força Policial. Ano 2, nº. 8. 1995. p. 125. 120 SILVA, Elias Miler da. Autoridade Policial. Publicada por Polícia Militar do Estado de São Paulo. Revista A Força Policial. P 125. 42 42 um agente administrativo que exerce atividade policial, tendo o poder de se impor a outrem nos termos da lei, conforme o consenso daqueles mesmos sobre os quais a sua autoridade é exercida, consenso esse que se resume nos poderes que lhe são atribuídos pela mesma lei, emanada do Estado em nome dos concidadãos.121 Como visto para o direito administrativo, Autoridade Policial é aquela que pode se impor a outrem dentro da legalidade. A Autoridade se delega dentro das instituições civil, militar e administrativa. Nesta forma, tanto o policial civil quanto o militar, assim como agente da administração pública que tenha poder de polícia são autoridades policiais. 3.2 O POLICIAL MILITAR COMO AUTORIDADE PARA A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO O legislador alude, singelamente, o termo “autoridade policial”, deixando a tarefa de conceituá-la ao doutrinador. Vejamos, no direito processual o termo Autoridade Policial se refere ao cargo do Delegado de Polícia, como se entende ao interpretar os seguintes artigos do Código de Processo Penal Brasileiro (CPP): “arts. 5º, §§ 3º e 5º, 6º, 7º, 9º, 10º, §§ 1º a 3º, 13 a 17, 20 e parágrafo único; 21, parágrafo único, 22 e 23, 39, §§ 1º, 3º e 4º, 46, 241, 301, 307, 308, 311, 325, 326, 332 etc.” 122. É com esse pretexto do CPP que doutrinadores como Julio Fabbrini Mirabete e Ismar Estulano Garcia123 afirmam que a Autoridade Policial para fins da Lei 9.099/95, é o Delegado de Polícia. Já para o Código de Processo Penal Militar (CPPM), ao tratar do Delegado de Polícia, se refere como autoridades civis (Art. 8º, f), Autoridade Policial competente (Art. 10, § 3º) e Autoridade Policial civil (Art. 184). Assim, observa-se que o CPP trata o Delegado de Polícia como Autoridade Policial, enquanto o CPPM o trata, dependendo do contexto, como Autoridade 121 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito Administrativo. Coordenação de Yussef Said Cahali. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995. 122 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. São Paulo : Atlas, 1996. p. 61. 123 GARCIA, Ismar Estulano. Juizados Especiais Criminais: prática processual penal. 2º ed. rev. e amp. Goiânia : AB, 1996. p. 75. 43 43 Policial competente, porém, na sua grande maioria o trata como Autoridade Policial civil. Observando os artigos, 26; 33, § 2º; 80; 176; 184, ambos do CPPM, dentre outros, observa-se que o Código Penal Militar diferencia o tratamento dentre as autoridades, tratando o Delegado de Polícia como “autoridade policial civil” e o policial militar como “autoridade policial militar”. Desta forma, existe fundada divergência doutrinária, pois o artigo 69 da Lei 9.099 aparentemente não deixa clara a intenção do legislador, dando margem ao entendimento de que qualquer policial pertencente aos quadros de funcionários da Administração Pública também possam ser a Autoridade Policial autorizada à elaboração do TC. Para alguns doutrinadores, o policial militar é competente para elaborar o TC, enquanto para outros autores a elaboração do referido termo é função exclusiva do cargo de Delegado, como veremos a seguir. Para Julio Fabbrini Mirabete, “somente o delegado de polícia pode determinar a lavratura do termo circunstanciado a que se refere o art. 69.” 124. No mesmo sentido Ismar Estulano Garcia, sobre a Autoridade Policial competente para elaborar o TC, entende que: “Autoridade Policial é o Delegado de Polícia. Não pode existir uma Autoridade Policial para o Código de Processo Penal e outra para a Lei dos Juizados Especiais Criminais.”125 Já outra parte da doutrina entende que a intenção do legislador foi evitar que as infrações de menor potencial ofensivo tivessem o mesmo caminho dos casos mais complexos e que exigem a atuação do Delegado de Polícia. Assim explica Ada Pelegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flavio Gomes, escrevendo sobre Juizados Especiais Criminais: Qualquer autoridade policial poderá dar conhecimento do fato que poderia configurar, em tese, infração penal. Não somente as polícias federal e civil, que tem a função institucional de polícia judiciária da 124 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. São Paulo : Atlas, 1996. p. 61. 125 GARCIA, Ismar Estulano. Juizados Especiais Criminais: prática processual penal. 2º ed. rev. e amp. Goiânia : AB, 1996. p. 76. 44 44 União e Estados (art. 144, § 1º, inciso IV, e § 4º), mas também a polícia militar126 Tratando da lavratura do TC, Weber Martins Batista e Luiz Fux, entendem que “Pode fazê-lo qualquer pessoa que se encontre em função policial”127, enquanto que, para Damásio E. de Jesus, “Nada impede que a autoridade policial seja militar”128. Por este viés, um questionamento que se apresenta como objeto central na análise desse trabalho, além de ensejar questões doutrinárias e jurisprudenciais, é o que diz respeito à possibilidade do Policial Militar realizar ou não a lavratura do TC, o que passaremos a discorrer; A parte da Lei nº. 9.099/95 que trata dos Juizados Especiais Criminais129 precisa ser interpretada sob uma nova ótica processual, levando-se em conta os princípios e objetivos específicos que a orientam. Não se pode analisá-la a revelia dos princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, bem como se pode distanciar dos seus objetivos, que são a reparação dos danos sofridos pela vítima e a não aplicação de penas privativas de liberdade. (art. 62). Qualquer interpretação à Lei nº. 9.099/95 deve estar em sintonia com os princípios mais importantes que regem o procedimento sumaríssimo dos Juizados Criminais, sob pena de estar se afastando dos fins perseguidos pelo legislador, ao elaborar esta lei que agiliza de sobremaneira a justiça criminal. A forma como é disposto a o art. 69, caput, da Lei nº. 9.099/95, “a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará o termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao juizado”, deixa claro que o legislador objetivou “agilizar o procedimento inquisitivo e, com isso, a prestação jurisdicional final”, como ensina Damásio de Jesus . Não haveria nenhum sentido, por exemplo, se um policial militar tomasse conhecimento de uma infração penal de competência do Juizado Especial Criminal, e tivesse de conduzir o autor do fato e a 126 GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995. pp.96/97. 127 BATISTA, Weber Martins; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei nº. 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro : Forense, 1997. p. 309. 128 JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo : Saraiva, 1995. p. 50. 129 A partir do art. 60 45 45 vítima para uma delegacia de polícia, pois assim procedendo estaria descumprindo o disposto no art. 69, da Lei nº. 9.099/95, ou seja, “lavrará o termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com autor do fato e a vítima” 130. Referente aos elementos necessários, o termo Circunstanciado se contenta com elementos bastantes para ensejar a aproximação das partes e conciliação. Como se nota, a diferença é normativa, contudo bem definida, conforme Koerner Júnior: Nesse aspecto, então, impedir à Polícia Militar que preenchesse e encaminhasse o termo circunstanciado seria um despropósito, mesmo que sob a ótica de normativa constitucional, que não se aplica à espécie. Na verdade, desconsiderada a natureza diferencial entre termo circunstanciado e inquérito policial, se pretendia apenas burocratizar esse setor novo da justiça brasileira? Por quê? Só para prestigiar um dos pólos da segurança pública e sacrificar os princípios que, essencialmente, deviam conduzir a ação de autoridade? A ser tão simplório o termo circunstanciado (mero cartão de apresentação de jurisdicionados ao seu juiz natural) por que exigir a sua confecção por agente de autoridade policial civil? Onde, da lei maior, a vedação para isso? Questão de atribuição invadida por uma das polícias não se faz presente; sequer o termo circunstanciado poderia ser impugnado pela via político-jurídica do habeas corpus131 . Está evidenciado que a Lei nº. 9.099/95 não prevê a realização do inquérito policial na apuração dos crimes de menor potencial ofensivo, mas somente lavratura do termo circunstanciado pela autoridade policial, como se percebe no art. 69. Em momento algum, se conferiu à autoridade policial judiciária, exclusividade na confecção do termo circunstanciado, porque, se houvesse essa exclusividade, os princípios da economia processual e da celeridade estariam prejudicados, pois, raramente, o policial civil é primeira autoridade policial a tomar conhecimento da ocorrência. Neste sentido o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo já decidiu pelo não cabimento do inquérito policial no caso de incidência da Lei nº. 9.099/95: Nas hipóteses de incidência da Lei nº. 9.099 de 1995 (art. 61), não cabe à autoridade policial instaurar algum inquérito ou procedimento assemelhado, nem proceder ao indiciamento e identificação do 130 JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7.ed.rev e ampl. São Paulo. Saraiva, 2000, p. 48 131 KOERNER JÚNIOR, Rolf. Obediência hierárquica. São Paulo. Del Rey, 2003, p.07 46 46 acusado, mas sim tão somente fazer lavrar e encaminhar ao juízo competente o termo circunstanciado, além das demais providências de que fala o art. 69 da referida lei132. Também, sobre a possibilidade de o Policial Militar lavrar o Termo Circunstanciado, Jesus: Trata-se de um breve, embora circunstanciado, registro oficial de ocorrência, sem qualquer necessidade de tipificação do fato, bastando à probabilidade de que constitua uma infração penal. E conclui Damásio, ‘não é preciso qualquer tipo de formação técnico133 jurídica para se efetuar esse relato A procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina emitiu parecer referente à possibilidade da Polícia Militar elaborar o Termo Circunstanciado. Assim evidenciou: (...) é de ser reconhecido que a lavratura do Termo Circunstanciado não é ato de polícia judiciária, pois desprovido da necessidade de investigação dos fatos nos moldes do inquérito policial. A autoridade policial a que se refere o parágrafo único do art. 69 da lei 9.099/95 é o policial civil ou militar. Exegese esta orientada pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade prescritos nos arts. 2 e 62 da citada lei e art. 98, I, da Constituição Federal134. É válido ao tema central de nosso trabalho, e também prudente, destacar a posição do Promotor de Justiça da Comarca de Uruguaiana,: (...) seria uma superposição de esforços e uma infringência à celeridade e economia processual, sugerir que o PM, tendo lavrado o respectivo talão de ocorrência, fosse obrigado a encaminhá-lo para o Distrito Policial, repartição cujo trabalho se quis abreviar135. No XIII Fórum Nacional de Juizes Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil – FONAGE, ocorrido em junho de 2003 no Mato Grosso do Sul, o Enunciado Criminal de nº. 34, está assim explícito: “Atendidas as 132 HC nº. 1.028.223/3, 2ª. Câmara, com o Relator Juiz Érix Ferreira em 15 de agosto de 1996 133 JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo. Saraiva, 1997, p 58 134 Referente ao processo PPGE nº. 4004/019, em que figura como interessado a Polícia Militar do Estado De Santa Catarina 135 SALTZ, Sikinowski Alexandre. Parecer Ministério Público da comarca de uruguaiana RS. 1997. Disponível em site: <http://www.mp.rs.gov.br/criminal/legislação/id126.htm> acesso em Dez 2006 47 47 peculiaridades locais, o Termo Circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar”. Semelhante interpretação foi a conclusão do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, reunido em Vitória – ES, de 19 a 20 de outubro de 1995: “pela expressão autoridade policial se entende qualquer agente policial, sem prejuízo da parte ou do ofendido levar o fato diretamente a conhecimento do Juizado Especial”. No mesmo sentido de uma interpretação ampla, latu sensu, do termo autoridade policial, do art. 69, da Lei nº. 9.099/95, o jurista Damásio de Jesus tem a seguinte posição: Entendemos, portanto, que, para os fins específicos do disposto no art. 69 da Lei nº. 9.099/95, a expressão “autoridade policial” significa qualquer agente público regularmente investido na função de 136 policiamento preventivo ou de polícia judiciária . Nos comentários do art. 69 da Lei nº. 9.099/95, Grinover, demonstra ter um entendimento em sentido amplo do termo “autoridade policial”, quando faz o seguinte comentário: O legislador não quis – nem poderia – privar as polícias federal e civil das funções de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Mas essa atribuição – que só é privativa para a polícia federal, como se vê pelo confronto entre o inc. IV do § 1º do art. 144 e seu § 4º não impede que qualquer outra autoridade policial, ao ter conhecimento do fato, tome as providências indicadas no dispositivo, até porque o inquérito policial é expressamente dispensado nestes casos137. Corroborando com a interpretação latu sensu da expressão autoridade policial tem-se a conclusão da Comissão Nacional de Interpretação da Lei nº. 9.099/95, sob a coordenação da Escola Nacional da Magistratura e presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio Figueiredo Teixeira. A nona conclusão indica que: A expressão autoridade policial, referida no art. 69, compreende quem se encontra investido em função policial, podendo a Secretaria 136 JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 7.ed.rev e ampl. São Paulo. Saraiva, 2000 p 76. 137 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 3.ed. rev. e atual. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002. p 109-110 48 48 do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências no referido artigo. No Paraná, pela possibilidade do Policial Militar ser competente para elaborar o Termo Circunstanciado, de acordo com FERGITZ, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, através do Provimento de n. 34, de 28 de dezembro de 2000, determinou que: A autoridade policial, civil ou militar, que tomar conhecimento da ocorrência, lavrará termo circunstanciado, comunicando-se com a secretaria do juizado especial para agendamento da audiência preliminar, com intimação imediata dos envolvidos138 No mesmo sentido, Pedro Aparecido Antunes da Silva informa que, o Conselho Superior de Magistratura do Estado de São Paulo, através do Provimento 758/2001, estabeleceu normas para o procedimento dos seus Juizados Especiais Criminais: Art. 1º. Para os fins previstos no art. 69, da Lei nº 9.099/95, entendese por autoridade policial, apta a tomar conhecimento da ocorrência, lavrando o termo circunstanciado, encaminhando-o, imediatamente, ao Poder Judiciário, o agente do Poder Público investido legalmente para intervir na vida da pessoa natural, atuando no policiamento ostensivo ou investigatório . Art. 2º. O Juiz de Direito, responsável pelas atividades do Juizado, é autorizado a tomar conhecimento dos termos circunstanciados elaborados pelos policiais militares, desde que assinados, concomitante por Oficial da Polícia Militar. Art. 3º. Havendo necessidade da realização de exame pericial urgente o policial militar deverá encaminhar o autor do fato ou a vítima ao órgão competente da Polícia Técnico-Científica, que o providenciará, remetendo o resultado ao distribuidor do foro do local da infração.139 De mesma sorte, o Estado de Santa Catarina tem caminhado no sentido de que o Policial Militar também é competente para elaborar o TC, conforme tece o Parecer 229/02 da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina: 138 FERGITZ, Andréia Cristina. Policial Militar: autoridade competente para lavratura do termo circunstanciado. Polícia Militar de Santa Catarina. Florianópolis, 13 set. 2007. Disponível em: <http://www.pm.sc.gov.br/website/redir.php?site=40&act=1&id=2193>. Acesso em: 02/10/2007. 139 SILVA, Pedro Aparecido Antunes da. Conceito extensivo de autoridade policial no contexto da Lei nº 9.099/95 . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1171, 15 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8927>. Acesso em: 09 out. 2007. 49 49 Diante do exposto, percucientemente sopesado o presente processo é de ser reconhecido que a lavratura do Termo Circunstanciado não é ato de polícia judiciária, pois desprovido da necessidade de investigação dos fatos nos moldes do inquérito policial. A autoridade policial a que se refere o parágrafo único do art. 69 da lei 9.099/95 é o policial civil ou militar, exegese esta orientada pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade prescritos nos arts. 2° e 62 da citada lei e art. 98, I, da Constituição Federal. 140 O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina também tem se manifestado a favor da competência do Policial Militar para a elaboração do TC, ao julgar um Habeas Corpus (HC): Para a persecução penal dos crimes de menor potencial ofensivo, em face do sistema previsto na Lei dos Juizados Especiais Criminais, e dando-se adequada interpretação sistemática à expressão "autoridade policial" contida no art. 69 da Lei n. 9.099/95, admite-se lavratura de termo circunstanciado por policial militar, sem exclusão de idêntica atividade do Delegado de Polícia.141 Como tornou-se público pela internet142, no dia 26 de setembro de 2007, o Governador de Santa Catarina Luiz Henrique, o Vice-governador Leonel Pavan e os secretários Ronaldo Benedet e Ari Vequi, assinaram o Decreto nº 660 estabelecendo diretrizes para a integração dos procedimentos a serem adotados pelos órgãos da Segurança Publicada de Santa Catarina, na lavratura do TC. Como noticiado em 27/9/2007 pela Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, o procedimento dará mais agilidade às ações da Segurança Pública. Exemplo disso são as ocorrências registradas durante a Operação Veraneio: “40% delas correspondem à Perturbação 140 SANTA CATARINA., Procuradoria Geral do Estado. Parecer 229/02. Disponível em: <http://www.policiaeseguranca.com.br/pgesc.htm>. Acesso em: 8 de outubro de 2007. 141 _________________. Tribunal de Justiça. HC 00.002909-2. Relator Desembargador Nilton Macedo Machado. 18/04/2000. Disponível <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/PesquisaAvancada.do.> Acesso em: 9 de outubro de 2007. 142 http://www.weblages.com/noticias/wmview.php?ArtID=14041; http://www.pm.sc.gov.br/website/rediranterior.php?site=40&act=1&id=2256; http://www.ssp.sc.gov.br/noticia.asp?cdassunto=18592 e http://www.sargentosoares.com.br/noticia.php?id=277 50 50 do Sossego, que agora poderão ser resolvidas no próprio local, salientou o secretário de Segurança” 143. Ainda examinando-se o texto da Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, obteve-se a informação que de acordo com o decreto assinado, o TC: deverá ser lavrado na Delegacia de Polícia, caso o cidadão a esta recorra, ou, no próprio local da ocorrência, pelo policial militar ou civil que a atender, devendo ser encaminhado ao Juizado Especial nos termos do artigo 69, da Lei Federal 9.099.144 Andréia Cristina Fergitz informa que no XVII Encontro Nacional do Colégio dos Desembargadores Corregedores Gerais de Justiça do Brasil, realizado em São Luís do Maranhão nos dias 04 e 05 de março de 1999, foi elaborada a "Carta de São Luís do Maranhão”, onde foi apontado que: Autoridade policial, na melhor interpretação do art. 69 da lei 9.099/95, é também o policial de rua, o policial militar, não constituindo, portanto, atribuição exclusiva da polícia judiciária a lavratura de Termos Circunstanciados. O combate à criminalidade e a impunidade exigem atuação dinâmica de todos os Órgãos da Segurança Pública.145 O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de HC impetrado em razão de suposto constrangimento ilegal quando da lavratura de TC por Policial Militar, foi pela inexistência do constrangimento, como segue: PENAL. PROCESSUAL PENAL. LEI Nº 9099/95. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO E NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÊNCIA. ATUAÇÃO DE POLICIAL MILITAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. - Nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69, da Lei nº 9099/95, é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar, em face da deficiência dos quadros da Polícia Civil. 143 SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão. Disponível em: <http://www.ssp.sc.gov.br/noticia.asp?cdassunto=18592>. Acesso em: 14/10/2007. 144 SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão. Disponível em: <http://www.ssp.sc.gov.br/noticia.asp?cdassunto=18592>. Acesso em: 14/10/2007. 145 FERGITZ, Andréia Cristina. Policial Militar: autoridade competente para lavratura do termo circunstanciado. Polícia Militar de Santa Catarina. Florianópolis, 13 set. 2007. Disponível em: <http://www.pm.sc.gov.br/website/redir.php?site=40&act=1&id=2193>. Acesso em: 02/10/2007. 51 51 "Habeas corpus" denegado. Ou seja, independe ser polícia judiciária ou administrativa, todo policial tem autoridade para elaborar o TC. Pois esta foi a intenção da norma no artigo 69 da Lei 9.099/95, atendendo alguns dos princípios dos Juizados Especiais, “simplicidade, informalidade e celeridade processual”, assim como a necessidade contemporânea dos grandes centros de descongestionar o Judiciário e as delegacias de polícia. 146 A jurisprudência já consolidou o entendimento de que o termo utilizado pelo legislador tem seu sentido mais amplo - abrange qualquer Autoridade Policial147. Denota-se que, para o art. 69 da Lei 9.099/95, o Policial Militar é competente para elaborar o TC e encaminhá-lo aos Juizados Especiais. Vislumbrando que a delegação de poder hierárquico dentro das instituições policiais militares deriva da autoridade do comando para os subordinados, dependendo de amparo legal e de outras providências administrativas, constata-se que o Policial Militar é uma autoridade que recebe por delegação o poder necessário para efetuar as atividades condizentes com a sua função. Confrontando a idéia de que toda e qualquer Autoridade Policial é competente para elaborar o TC, com a de que o Policial Militar é apto a realizar uma atividade só após a autorização ou delegação do poder pela autoridade máxima da corporação, chega-se ao entendimento de que a Autoridade Policial Competente é aquela que está devidamente habilitada e autorizada por seu comando, ou seja, o Policial Militar que recebeu a ordem e a Delegação de Poder é competente para elaborar o TC. Para efeitos de Juizados Especiais, portanto, infração penal de menor potencial ofensivo é só aquela cuja pena máxima cominada seja igual ou inferior a dois anos. Mas nada impede que, para outros efeitos, o legislador fixe critérios diversos para determinar a abrangência das infrações penais de menor potencial ofensivo. Isso porque, o legislador não definiu de forma exclusiva o conceito de autoridade policial, nada impedindo, portanto, o surgimento de outras hipóteses, previstas em leis diversas. Inclusive, com critérios outros que não o máximo da pena cominada em abstrato ou a inexistência de procedimento especial. 146 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HC7199/PR; 1998/0019625-0. Relator: Ministro Vicente Leal. DJ 28.09.1998. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=HC+7199&&b=ACOR&p=true&t=& l=10&i=1>. Acesso em: 9 de outubro de 2007. 147 KASSBURG, Osvaldir José. A Implementação do Termo Circunstanciado pela Polícia Militar. Monografia, Esp., APM-SC e UNISUL. Florianópolis. 2006. p. 09. 52 52 Isto significa que, no nosso entendimento, o art. 69 da Lei nº. 9.099/95 ampliou o conceito de autoridade policial, para efeito de caracterização dos crimes nela definidos, estendendo-a aos crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a dois anos (na disposição da Lei nº. 10.259/01). Desde que a Constituição Brasileira de 1988 cunhou a expressão “infrações de menor potencial ofensivo”, art. 98, I, assinalando para elas um novo modelo de Justiça Criminal, a comunidade em geral e a comunidade jurídica em particular esperavam ansiosamente por uma lei que viesse impor a necessária delimitação a essa alocução. Constatamos que o legislador em sua ação primeva intencionou descaracterizar um modelo inflexível do Direito Penal, sua vigência inovou profundamente no ordenamento jurídico-penal. 3.3 O PLANO DE EXPANSÃO PARA A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO NA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA A da lavratura do Termo Circunstanciado pela Polícia Militar de Santa Catarina teve seu princípio no ano de 1999, com a atuação especializada da Polícia Militar Ambiental, em parceria com o Ministério Público Estadual, nas infrações penais de menor potencial ofensivo contra o meio ambiente. Para que se tenha a dimensão do trabalho desenvolvido, a Polícia Militar Ambiental em todo o Estado já lavrou, somente nos últimos três anos, mais de 5.600 (cinco mil e seiscentos) Termos Circunstanciados. A esta experiência, já consolidada que serviu de referência nacional, seguiram-se as do Pelotão da Polícia Militar no município de Pomerode, nos delitos de trânsito e, posteriormente, as da Guarnição Especial de Florianópolis, localizada no norte da ilha de Santa Catarina, neste caso, fazendo frente ao problema de perturbação do trabalho e sossego alheio. Em face dos ótimos resultados obtidos e da ampla aceitação por parte da comunidade e dos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público, a Polícia 53 53 Militar Rodoviária a partir do mês de abril de 2007 passou, também, a desenvolver a primeira etapa do projeto de expansão da lavratura do Termo Circunstanciado. Porém o processo tomou corpo de forma ordenada e contínua, através de uma nota de Instrução editada pelo Comando Geral da Corporação148 em 26 de junho de 2007 que deu início ao processo com a seguinte estrutura 1) O Estado Maior Geral foi o responsável pela coordenação do processo de expansão da lavratura do Termo Circunstanciado na Polícia Militar. 2) Para este fim, foi criado um Grupo Gestor composto de Oficiais nomeados através de portaria Comandante Geral e presidido pelo diretor da Seção de planejamento e ensino da Polícia Militar. 3) Foi criada, também, uma coordenadoria, vinculada a Seção de planejamento e ensino da Polícia Militar, responsável por gerenciar, em nível estadual, o processo atinente ao Termo Circunstanciado. 4) A nível regional e nas Unidades Policiais Militares, a gestão do Termo Circunstanciado ficará afeta ao setor de planejamento e instrução, devendo o oficial gestor estar vinculado a esta seção. A citada nota de instrução, dividiu em três momentos a aplicação do Termo Circunstanciado pela Polícia Militar, quais sejam a) Primeira fase: “Planejamento e Preparação“ Nesta fase houve: 1) Elaboração da Diretriz que regula a confecção do Termo Circunstanciado, 2 ) Reunião com Chefes e Diretores para adoção das medidas administrativas voltadas a expansão da lavratura do Termo Circunstanciado. 3) Desenvolvimento do Sistema de Controle do Termo Circunstanciado – Sistema de Controle do Termo Circunstanciado; 4) Elaboração dos Planos de Ensino e do material didático; 5) Reunião para apresentação do plano de expansão; 6) Impressão dos formulários e material didático b) Segunda fase: “Processo de Expansão“ 148 Tratava-se da Nota de Instrução nº 005/Cmdo Geral/2007 54 54 1) Projeto piloto Polícia Militar Rodoviária em todo o Estado 2) Avaliação dos resultados obtidos 3) Capacitação Centralizada – Onde foram orientados os oficiais gestores 4) Capacitação Local – Onde foram orientados os Policiais responsáveis pela aplicação do Termo Circunstanciado em Unidades. 5) 1ª Etapa Jaraguá do Sul Tubarão Lages Florianópolis Balneário Camboriú Brusque São Miguel do Oeste Concórdia Araranguá 6) Avaliação dos resultados da primeira etapa, com os aprimoramentos necessários 7) Capacitação Centralizada para os oficiais da segunda etapa. 8) Capacitação Local para os Policiais que aplicarão nas suas cidades. 9) 2ª Etapa Palhoça Santo Amaro da Imperatriz São Francisco do Sul Caçador Itajaí Rio do Sul Chapecó Herval do Oeste São José Biguaçu Blumenau Timbó Florianópolis 55 55 10) Avaliação da segunda fase com os necessários aprimoramentos 11) Capacitação Centralizada dos Oficiais para a terceira etapa 12) Capacitação Local para os Policiais Militares que aplicarão o Termo Circunstanciado nas cidades da terceira etapa 13) 3ª Etapa Joinville Canoinhas Criciúma Florianópolis Curitibanos Laguna c) Terceira fase: “Avaliação geral e consolidação” onde houve: 1) Reunião de avaliação geral do processo de implantação; 2) Consolidação do processo com a publicação da Diretriz que regula a lavratura do Termo Circunstanciado pela Polícia Militar 3.4 VANTAGENS PRÁTICAS DA LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO PELA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA Não fosse à cogência do tema em questão, nos seria permitido tratar de situações genéricas e aplicáveis a qualquer assunto da temática penal. É de conhecimento público, que a Lei nº. 9.099/95 introduziu um moderno padrão processual, focado para o exame da criminalidade, especificamente nas infrações conceituadas de menor potencial ofensivo. Isso ocorreu em cumprimento ao mandamento constitucional explicitado no art. 98, I, da Carta Magna de 1988, como resposta às questões penais que necessitavam uma maior atenção do Poder Judiciário em delitos dessa natureza, ressaltando e salvaguardando, a segurança da prestação jurisdicional. A criação dos Juizados Especiais Criminais indica uma moderna definição de institutos da ação e de processos penais, importantes na compatibilização à necessária proporcionalidade com as atividades judicial, ministerial e também com a 56 56 policial, com o bem jurídico violado e definido previamente no direito material. Como vislumbrar as reais contribuições da aplicabilidade do termo circunstanciado, se a lavratura estivesse sendo operacionalizada com a colaboração institucional dos agentes da Polícia Militar? Neste contexto especial, peculiaríssimo, em que está mergulhada a sociedade civil, aqui e ali, estupefacta com os altos índices de criminalidade, com a morosidade dos procedimentos judiciais, e, com as contradições entre os indicadores de pobreza, e até de miserabilidade, com a pujança do Produto Interno Bruto que nos coloca entre as cinco maiores economias do mundo, se torna gritante a necessidade por melhores níveis de prestação de serviço público por parte do Estado. Entretanto, ainda assim melhor dizendo, é evidente que a correção de todo anacronismo, quando se estuda a estrutura institucional de um Estado, ainda emergente como é o caso do Brasil, ou qualquer outro contingente populacional, em qualquer tempo, se de um lado incomoda e perturba o status quo vigente, por outro tem o condão de substituir antigas regras, privilégios, usos e costumes, induzindo repercussões sociais, relevantes no aperfeiçoamento das relações entre o Estado, suas autoridades constituídas e o povo em geral. É evidente que este anacronismo ainda é geral na prestação da tutela jurisdicional, atribuída ao Poder Judiciário, e por extensão, às autoridades policiais correlatas à sistemática de ofertar garantias elementares na esfera da Segurança Pública. Há, incontestavelmente, muitos fatos novos, que afloram no seio da sociedade nacional, dentre esta efervescência, própria do nosso momento como sociedade organizada, o aparato policial poderia claramente ser estimulado e motivado a destinar suas energias para fins cada vez mais nobres e, principalmente, úteis à população, no qual a elucidação de delitos pode e deve ser almejada, e promovida, sempre se cotejando as repercussões sociais. No Rio de Janeiro, houveram manifestações positivas com relação aos resultados da Lavratura do TC pela Polícia Militar, segundo Bolsonaro: A PM pode contribuir, e muito, ao lavrar o termo circunstanciado, para a redução da criminalidade, pois a partir do momento em que os crimes menos graves não passam desapercebidos, reduz-se, diretamente, a sensação de impunidade, inibi-se a ocorrência dos 57 57 crimes mais graves por parte de marginais que não mais terão a certeza de que suas atitudes delituosas não serão penalizadas pelo Estado149. A otimização de qualquer recurso público, de qualquer concessão justa e cidadã de benefícios à população civil, no caso do tema do nosso estudo, em específico, através do eficiente emprego dos recursos humanos e materiais, também conceituais e práticos, a partir da contribuição e auxílio direto dos agentes da Polícia Militar, poderá repercutir positivamente, reduzindo a sensação de impunidade reinante no atual cenário. O benefício destinado à sociedade, através do emprego do policial militar incorporado ao efetivo de agentes públicos, que efetuam a lavratura do chamado termo circunstanciado, não seria demais para reforçar, que os efeitos práticos da adoção desta rotina seriam de fácil visualização, conforme abordado no presente estudo. Entre estes efeitos práticos, podemos relacionar: A redução de ocorrências levadas aos já abarrotados distritos policiais; a diminuição de tempo desperdiçado pelos agentes policiais militares na condução e no refazimento do TC na Delegacia; a conseqüente maior rapidez na solução do conflito, uma vez que o TC percorrerá um caminho menor até o Juizado; a contenção de desperdícios econômicos de responsabilidade da administração pública, também a eficácia na prestação jurisdicional e o respeito aos direitos e garantias individuais garantidos na Constituição, não devendo deixar de citar, que todos esses benefícios se resumirão no respeito ao império da legalidade. Considerando que, se o legislador descaracterizou a situação de flagrância baseada no caso do acusado assumir o compromisso de comparecimento no Juizado, não há porque conduzi-lo coercitivamente a um Órgão público apenas para atender uma burocracia desnecessária e improcedente. Um número sem fim de ocorrências, poderia de pronto ser deslindada, e seu esclarecimento, fruto da comunicação direta com o Judiciário, através do preenchimento de termos circunstanciados e com dados suficientes para protocolização no Ofício do Distribuidor pertinente, permitiria que unidades civis e militares, ficassem disponibilizadas à retornar rapidamente ao policiamento de rua, 149 BOLSONARO, FLÁVIO Deputado Estadual PP/RJ" http://www.queronoticia.com.br 58 58 como também à investigação de crimes mais graves, desburocratizando seu trabalho pelas vias da eficácia e da simplificação de procedimentos elementares, esvaziando assim, os plantões dos Distritos Policiais, liberando em especial os Delegados de Polícia para atividades mais adequadas à relevante formação jurídica das quais também se incumbem regularmente, fruto da natureza e suas tutelas. O Juizado Especial Criminal foi criado com o escopo de simplificar, e tornar mais célere, a persecução penal nos delitos de menor potencial ofensivo. Portanto, não faz sentido, limitar os agentes policiais aptos a lavrar o termo circunstanciado e tomar as medidas previstas no artigo 69, da citada lei, atos estes tendentes a encetar, com gravidade mas também sobretudo com presteza, o procedimento processual penal. Toda limitação, anteriormente referida, prejudica a prestação jurisdicional inerente ao Poder Judiciário, para quem o termo circunstanciado é destinatário final. Quanto maior o número de servidores públicos disponíveis para a realização da tarefa de municiar os julgadores legais, aumenta-se substancialmente a probabilidade da lide penal ser solvida no menor tempo possível. E não custa sublinhar, que o Juizado Especial, seja Cível ou Criminal, é regido pelos princípios elencados no art. 2º da lei nº. 9.099/95, de sorte que fugiria do espírito da lei, restringir o alcance da norma exatamente e apenas à polícia civil. Não constitui supérfluo destacar, ainda que isso ainda contribuiria para a demora no desempenho da atividade judiciária, e por conseqüência no aumento do emaranhado e complexo sistema formal. Nessa esteira de pensamento, o legislador gerou soluções inéditas, como a ampliação dos horários de funcionamento da justiça especial, a concentração de todos os atos em uma única audiência, a conciliação como elemento fundamental para o sucesso do objetivo legal, a inocorrência da prisão em flagrante quando o autor se compromete a comparecer em Juízo, a dispensa de fiança, a participação da vítima nos atos procedimentais de maneira mais ativa, entre outras, evitando atos procrastinatórios e inúteis, que contribuem para emperrar a prestação jurisdicional. Dessa forma, se demonstra cristalinamente, que a implementação da lavratura do Termo Circunstanciado, pela Polícia Militar, no sentido de se adicionar aos seguimentos já existentes, produzirá uma significativa contribuição na solução pré-processual da abalada relação social distinta de alguns modelos, que não 59 59 conseguem solucionar problemas da criminalidade, oriundas de toda sorte de condições sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma norma preconizada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem é o de que: “Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo”. O Brasil, um Estado populoso e de elevada demanda de ações judiciais, por ocasião das relações sociais mal resolvidas em função dos gritantes contrastes na distribuição de renda, escolarização sofrível, sensação geral de impunidade e até de arraigada corrupção funcional, não pode prescindir da aplicabilidade de mecanismos que aproximem a população, o cidadão comum exposto a delitos do cotidiano, às autoridades constituídas. Nosso estudo procurou demonstrar, a permanente necessidade de que o ordenamento jurídico seja aperfeiçoado, onde as lides, quer sejam as mais simples ou aquelas onde a complexidade é inevitável, possam receber tutela e tratamento de maneira célere e eficaz, onde a reparação, alcance resultados positivos, não sendo permitido que os entraves burocráticos penalizem ainda mais o cidadão, que ao procurar o Estado na busca de justiça, não encontre um sistema viciado na injustiça e na impunidade. Assim sendo, o legislador pátrio não mediu esforços no sentido de otimizar a prestação jurisdicional, legislando norteado pela função social de alcançar um estado de convivência pacífica e harmoniosa entre os cidadãos, evitando que o particular promova “justiça” com as próprias mãos, e num momento de solidificação do estado democrático de direito, a sociedade recepciona o diploma jurídico da Lei nº. 9.099/95 que fundada na Constituição Federal, instituiu os Juizados Especiais, não podendo e não devendo ser considerada como uma justiça de segunda classe, porquanto, não refletem qualquer dado indicativo capaz de importar num desprestígio ou diminuição para a resolução de controvérsias. Esse novo modelo de prestação jurisdicional significa antes de tudo, um avanço legislativo, que abriga os anseios da sociedade de uma justiça apta a proporcionar uma prestação da tutela de modo simples, rápido, econômico e seguro. Daí podemos constatar a existência de um rompimento de paradigmas entre eles, que justiça é apenas para os mais favorecidos, a sobredita norma, por haver inovado, suscitou algumas ponderações em razão de dúvidas existentes. No caso de nossa pesquisa, versando sobre o termo “autoridade policial”, registrado no art. 61 61 69, nos conduziu a uma interpretação extensiva para a aplicação da Lei, e, por conseguinte, de sua constitucionalidade diante dos resultados positivos colhidos, onde constatamos que, como atesta a doutrina jurídica e as decisões de Órgãos Judiciais, quer monocráticas, quer colegiadas, de que para efeitos do mencionado diploma legal, a polícia militar é competente para a lavratura do Termo Circunstanciado, e, dessa forma, amplia com qualidade a prestação de serviços à sociedade, e que com o aprimoramento do organismo policial onde está presente, o segmento de polícia comunitária, as controvérsias serão tratadas no decurso de prazo mínimo, quase que no seu nascedouro. A Polícia Militar, que é quem tem como essência, o substantivo polícia em sua atividade-fim, irá preencher uma grande lacuna no sistema de defesa social, que com um efetivo em torno de quinhentos mil profissionais no serviço ativo, e presentes em todos os municípios do Brasil, contribuirá para a interiorização da norma epigrafada, tantas vezes referida de uma forma ou de outra ao longo do nosso modesto estudo, como também para desafogar os distritos policiais e permitir que a polícia judiciária desprenda seus recursos nos crimes de maior monta. Entendemos que o presente estudo, não teve a pretensão de esgotar a discussão acerca da matéria, mas que o sucesso na sua implementação já nos permite vislumbrar, uma vez que nos foi possível constatar, que nos encontramos sintonizados com os princípios inspiradores da Lei nº. 9.099/95, e que certamente, evoluirá para uma produção desenvolvida e estimulada por consciências sensíveis. O presente estudo nos fez refletir, como parte integrante de uma ideologia direcionada a efetivar um célere e econômico acesso à Justiça, acostado a uma verdadeira revolução do Direito Penal Brasileiro, ainda que incipiente, mas com estímulo suficiente para inspirar o legislador a prosseguir em uma rota diferente da vocação punitiva, repressora e excessivamente formal que, conforme constatado no cotidiano, tem descredenciada sua utilidade na redução da criminalidade. Chamamos a atenção para que, todos os segmentos que constroem a Justiça, entre eles os juízes, advogados, ministério público e a polícia, devam continuar atentos ao sentido de não interromper o processo revolucionário que se posiciona em lado oposto à equivocada tendência excessivamente burocratizadora, e para que se instale em nossa consciência e sensibilidade, o desejo de materializar a verdadeira justiça. Importante também que sejam modernizados alguns mecanismos, como o de que as diligências necessárias oriundas de Termos Circunstanciados lavrados pela 62 62 Polícia Militar sejam efetuadas pela própria Polícia Militar, sem que seja desfeito o elo de operacionalidade da aplicação da justiça. Portanto, e em síntese, buscou-se desde o início, concretizar com propriedade, uma justiça cidadã, acerca do oferecimento de uma prestação alternativa de serviços, isto é, diversa do modelo tradicional, em sintonia com o arcabouço jurídico vigente, onde a população de forma legal e legítima, passaria a dispor de mais uma instituição no atendimento de suas necessidades, sem perder de vista, o fundamental valor da segurança e da paz social, entendo-se a Justiça como mecanismo de prosperidade geral, que toda sociedade almeja. 63 63 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Klinger Sobreira de. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da Ordem Pública. V. 1, n. 1. 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ZANOBINI, Guido apud OLIVEIRA, Ary José Lage de. Conflito aparente de atribuições entre autoridades policiais das polícias militares e polícias civis na repressão imediata . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3754>. Acesso em: 22 ago. 2007 68 68 ANEXOS ANEXO – A - JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO - São Paulo, Sexta- Feira, 03 de novembro de 1995. Caderno 3 - Página 2. JUSTIÇA Juizado Especial e Autoridade ÁLVARO LAZZARINI A Lei n.º 9.099/95, no seu art. 69, ao disciplinar o art. 88 da Constituição Federal, dispôs que “a autoridade policial que tomar conhecimento de ocorrência da infração penal de menor potencial ofensivo lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando as requisições dos exames periciais necessários”. Tal norma conforma-se com a do art. 62 que exige, para o Juizado Especial, adoção de “critérios de oralidade, informalidade, economia processual e celeridade”. Em o “Direito Administrativo da Ordem Pública” (1987), tivemos oportunidade de enfatizar que todo policial, de acordo com a investidura que ocupe na hierarquia policial respectiva, é autoridade policial. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público isso reconhecem, assim como o STF. É o Estado que delega autoridade aos seus agentes. O delegado de polícia é o agente que tem a delegação da chefia das investigações de infração penal cometida e de presidir o respectivo inquérito. O constituinte de 1988 e o legislador infraconstitucional não mais quiseram a desnecessária intervenção do delegado de polícia nas infrações penais de menor potencial ofensivo, salvo na hipótese de ser necessária alguma investigação, como apuração da autoria ou coleta de elementos da materialidade da infração. A autoridade decorre do fato de o agente ser policial, civil ou militar, razão de, na repressão imediata, comum à polícia de ordem pública (militar) e à polícia judiciária (civil), o policial deverá encaminhar a ocorrência ao Juizado Especial, salvo aquelas de autoria desconhecida, própria da repressão mediata, que demandam encaminhamento prévio ao distrito policial para apuração e encaminhamento ao juizado competente. Daí concluir pelo acerto do posicionamento daqueles que, diante da filosofia que animou o constituinte e o legislador infraconstitucional para a oralidade, informalidade, economia processual e celeridade do processo, ao policial, militar ou civil, não se deve exigir o seu prévio encaminhamento ao distrito policial e de lá para 69 69 o Juizado Especial Criminal, prejudicando a atividade da corporação com formalidades burocráticas desnecessárias. “Juizados Especiais pedem mudança de mentalidade”, advertiu Walter Ceneviva (Folha, 7/10/95), mudança que também de ser na mentalidade policial, que não pode ser classista. O policial é autoridade nos limites de sua investidura legal e independentemente da denominação do cargo público que ocupa. ÁLVARO LAZZARINI, 59, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, é Professor de Direito Administrativo na Academia de Polícia Militar do Barro Branco e membro da “The International Association of Chiefs of Police” (EUA) 70 70 ANEXO – B - JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO - São Paulo, Sábado, 18 de novembro de 1995. Caderno 3 - Página 2. DATA VENIA Conceito de autoridade ÁLVARO LAZZARINI Chega de corporativismo!, no dizer de Bismael B. Moraes, ex-sargento da Polícia Militar de São Paulo e ex-delegado de polícia, no artigo “Conceito de Autoridade” (Folha, 11/11 - pág. 3-2). Respondo-lhe: Chega de Classismo! Chega de tese de que só uma classe de servidores policiais civis tem autoridade policial, enquanto que as demais, civis ou militares, são seus simples serviçais. A crítica, só por isso, é inconsistente e faz lembrar a lição filosófica de Wittgenstein: “sobre aquilo que não se pode dizer nada, deve-se calar”. Bismael B. Moraes não percebe que o Código de Processo Penal no art. 4º, que invocou, não diz quem é autoridade policial. Não percebe que o parágrafo único do mesmo artigo é expresso no sentido de que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função” de polícia judiciária. Trata-se de norma processual penal em branco a do referido art. 4º. O direito administrativo deve assim fornecer o conceito jurídico de autoridade policial, que é agente administrativo, para o exercício da atividade de polícia, que tem a legitimá-la o poder de polícia (Caetano, Marcello. Princípios Fundamentais de Direito Administrativo, pág. 335). Tal poder de polícia é capítulo do direito administrativo. Bismael B. Moraes acerta ao dizer que devemos conhecer a “sistemática jurídica brasileira”. Por isso, lembro-lhe que a polícia, civil ou militar, é uma atividade jurídica do Estado e deve ter seus problemas solucionados à luz das ciências do direito e da administração pública. O conhecimento científico, abrangente de experiências diversas e sedimentado pelo tempo, representa caminho seguro na tomada de posição. O direito é ciência e evolui. Muitos de seus conceitos modificaram-se, em especial aqueles tidos como normas em branco ou juridicamente indeterminadas: a própria noção de direito ou do que é justo varia de acordo com o tempo e espaço. Inconcebível, portanto, que o cientista do direito fique estancado no tempo, usando conceito de autoridade policial de 50 anos atrás, e também parado no espaço, porque não vê além do seu interesse classista. Na organização policial deve haver hierarquia, que é definida como “o vínculo que subordina uns aos outros os órgãos do Poder Executivo, graduando a 71 71 autoridade de cada um” (Marsagão, Mário. Curso de Direito Administrativo, n.º 148, pág. 60). O policial ocupa uma posição na linha hierárquica. Daí o direito lhe reconhecer autoridade policial, decorrente de sua investidura legal. Para isso saber, basta conhecer a teoria dos agentes públicos (Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, pág. 75) ou a teoria dos servidores públicos (Bandeira de Mello, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo, v.2, n.º 36, pág 370). A autoridade decorre de estar ocupando cargo público na linha hierárquica policial, com atribuições próprias. Todo polícia é autoridade no sentido técnicojurídico do termo (Cretella Júnior, José. RDA, v. 162, pág. 33). A Comissão Nacional de Interpretação da Lei n.º 9.099/95, sob a coordenação da Escola Nacional da Magistratura também concluiu que “a expressão ‘autoridade policial’ referida no art. 69 compreende quem se encontra investido em função policial”, tudo a demonstrar o desacerto da crítica de Bismael B. Moraes ora respondida. ÁLVARO LAZZARINI, 59, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, é Professor de Direito Administrativo na Academia de Polícia Militar do Barro Branco. 72 72 ANEXO – C - PROVIMENTO 004/99 CORREGEDORIA DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA O Excelentíssimo Senhor Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA FILHO, Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, no uso de suas atribuições legais e, CONSIDERANDO que, nos termos do art. 383 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, a Corregedoria-Geral da Justiça é órgão de fiscalização e orientação da Justiça de Primeiro Grau; CONSIDERANDO que "A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários (art. 69, da Lei 9.099/95); CONSIDERANDO a necessidade da Justiça de Primeiro Grau conhecer e julgar todas as infrações penais de menor potencial ofensivo, cuja impunidade constitui germe de fatos mais graves; CONSIDERANDO que a imprecisão acerca do conceito de autoridade policial pode prejudicar a investigação de um fato punível, embaraçando o funcionamento de parte da Justiça Criminal (CDOJESC, art. 383, IX); CONSIDERANDO que todo policial, inclusive de rua, é autoridade policial (2ª Conclusão da Reunião de Presidentes de Tribunais de Justiça, Vitória/ES, 20/10/95); CONSIDERANDO que autoridade policial compreende todas as autoridades reconhecidas por lei (9ª Conclusão da Comissão Nacional de Interpretação da Lei n° 9.099 /95, da Escola Nacional da Magistratura, Brasília, 10/95); CONSIDERANDO que "A expressão 'autoridade policial', prevista no art. 69 da Lei n° 9.099/95 abrange qualquer autoridade pública que tome conhecimento da infração penal no exercício do poder de polícia" (1ª Conclusão da Confederação 73 73 Nacional do Ministério Público, Júlio Fabrini Mirabete, "Juizados Especiais Criminais, 2ª ed., Editora Saraiva, pág. 60); CONSIDERANDO que, embora peça híbrida entre o boletim de ocorrência e o relatório do Inquérito Policial (Joel Dias Figueira Júnior e Maurício Antônio Ribeiro Lopes, "Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais", ed. RT., 2a ed., pág.472), nada impede que a autoridade policial responsável pela lavratura do termo circunstanciado "seja militar" (Damásio E. de Jesus, "Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada", 2ª ed., Editora Saraiva, pág. 53); RESOLVE: Art. 1° - Esclarecer que autoridade, nos termos do art. 69 da Lei n° 9.099/95, é o agente do Poder Público com possibilidade de interferir na vida da pessoa natural, enquanto o qualificativo policial é utilizado para designar o servidor encarregado do policiamento preventivo ou repressivo. Art. 2° - Ressalvando o parágrafo único do art. 4° do Código de Processo Penal, a atividade investigatória de outras autoridades administrativas, ex vi do art. 144, parágrafo 5°, da Constituição da República, nada obsta, sob o ângulo correicional, que os Exmos. Srs. Drs. Juízes de Direito ou Substitutos conheçam de "Termos Circunstanciados" realizados, cujo trabalho tem também caráter preventivo, visando assegurar a ordem pública e impedir a prática de ilícitos penais. Art. 3° - Este provimento entrará em vigor na data de sua publicação. REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE. CUMPRA-SE. Florianópolis, 15 de janeiro de 1999. FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA FILHO Corregedor-Geral da Justiça 74 74 ANEXO – D – PROVIMENTO 758/2001 Aviso Nº. 564/01 - PGJ O PROCURADOR DE JUSTIÇA no uso de suas atribuições legais e a pedido do Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais, Dr. José Oswaldo Molineiro, AVISA que foi publicado no Diário Oficial do Estado Poder Judiciário, do dia 12 de setembro de 2001, o Provimento nº. 758, de 23 de agosto de 2001, com o seguinte teor: P R O V I M E N T O N°. 758/2001, DE 23 DE AGOSTO DE 2001. Regulamenta a fase preliminar do procedimento dos Juizados Especiais Criminais. O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, no uso de suas atribuições legais, CONSIDERANDO o decidido no Processo CG-851/00; CONSIDERANDO os princípios orientadores do procedimento do Juizado Especial Criminal, que são a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade, RESOLVE: Artigo 1º - Para os fins previstos no art. 69, da Lei 9.099/95, entende-se por autoridade policial, apta a tomar conhecimento da ocorrência, lavrando o termo circunstanciado, encaminhando-o, imediatamente, ao Poder Judiciário, o agente do Poder Público investido legalmente para intervir na vida da pessoa natural, atuando no policiamento ostensivo ou investigatório. Artigo 2º - O Juiz de Direito, responsável pelas atividades do Juizado, é autorizado a tomar conhecimento dos termos circunstanciados elaborados pelos policiais militares, desde que assinados concomitantemente por Oficial da Polícia Militar. Artigo 3º - Havendo necessidade da realização de exame pericial urgente, o policial militar deverá encaminhar o autor do fato ou a vítima ao órgão competente da Polícia Técnico-Científica, que o providenciará, remetendo o resultado ao distribuidor do foro do local da infração. Artigo 4º - O encaminhamento dos termos circunstanciados respeitará a disciplina elaborada pelo juízo responsável pelas atividades do Juizado Especial Criminal da área onde ocorreu a infração penal. Artigo 5º - Este Provimento entrará em vigor na data da sua publicação. São Paulo, 23 de agosto de 2001. MÁRCIO MARTINS BONILHA, Presidente do Tribunal de Justiça, ÁLVARO LAZZARINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, e LUÍS DE MACEDO, Corregedor Geral da Justiça 75 75 ANEXO – E DECRETO No 660, DE 26 de SETEMBRO de 2007 Estabelece diretriz para a integração dos procedimentos a serem adotados pelos órgãos da Segurança Pública, na lavratura do Termo Circunstanciado, conforme previsto no art. 69 da Lei Federal n° 9.099, de 26 de setembro de 1995. O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, usando da competência privativa que lhe confere o art. 71, incisos I e III, da Constituição do Estado, D E C R E T A: Art. 1º O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado na delegacia de polícia, caso o cidadão a esta recorra, ou no próprio local da ocorrência pelo policial militar ou policial civil que a atender, devendo ser encaminhado ao Juizado Especial, nos termos do art. 69 da Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. § 1º Para os casos de infração penal de menor potencial ofensivo, cuja lavratura do Termo Circunstanciado se revista de maior complexidade, ou que necessitem de expedição de carta precatória para posteriores diligências, as partes devem ser conduzidas à Delegacia de Polícia. § 2º Nos casos em que houver a necessidade de retirar do local os envolvidos na infração penal de menor potencial ofensivo, a fim de preservar-lhes a integridade física, ou ainda objetivando a pacificação do conflito, estes devem ser conduzidos às Delegacias de Polícia ou, em caso de impedimento, a outro local adequado, ficando vedada a criação de cartório e a condução para o interior dos Quartéis da Polícia Militar, para a lavratura do Termo Circunstanciado. § 3º Havendo requisição de diligências complementares por parte do Poder Judiciário ou do Ministério Público para fatos atinentes a infração penal de menor potencial ofensivo, comunicado ao Juizado por meio de Termo Circunstanciado, caberá à Polícia Civil assim proceder, salvo quando por razões técnicas a instituição requisitante o fizer diretamente à Polícia Militar. 76 76 Art. 2º A Polícia Militar lavrará Boletim de Ocorrência na modalidade de Comunicação de Ocorrência Policial, nos casos em que não se configure a situação de flagrância, devendo encaminhar a Polícia Civil, para a devida apuração da infração penal, no primeiro dia útil após o registro. Art. 3º O Instituto Geral de Perícias receberá as requisições de Exames Periciais emitidas, providenciando os exames e respectivos Laudos Periciais e encaminhando para o órgão que o requisitou. Art. 4º É vedado à Polícia Militar praticar quaisquer atos de Polícia Judiciária, dentre os quais apuração de infrações penais, pedidos de mandados de busca e apreensão, interceptação telefônica, escuta de ambiente e representações de prisões temporárias e preventivas, bem como, cumprimento de mandados de busca e apreensão, exceto, neste caso, por determinação judicial. Art. 5º É vedado à Polícia Civil executar ações de polícia ostensiva de preservação da ordem pública, privativas da Polícia Militar, exceto em operações conjuntas. Art. 6º Fica criada comissão presidida pelo Diretor de Integração e composta por 2 (dois) integrantes da Polícia Militar e 2 (dois) da Polícia Civil, indicados pelo Comandante-Geral e pelo Delegado-Geral da Polícia Civil, respectivamente, para no prazo de 60 (sessenta dias), elaborar e apresentar projeto de implantação de boletim de ocorrência e banco de dados policial unificados, regulamentado por portaria do Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão. Art. 7º Os casos omissos e conflitantes serão regulados por atos do Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão. Art. 8º O disposto neste Decreto não se aplica aos crimes militares. Art. 9º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Florianópolis, 26 de setembro de 2007 LUIZ HENRIQUE DA SILVEIRA Governador do Estado 77 77 ANEXO – F – ACÓRDÃO E DESACATO ART 331 ADN Nº 71000863100 2005/Crime DESACATO (ART. 331, CP). APELAÇÃO DEFENSIVA. PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA DA BRIGADA MILITAR PARA LAVRAR O TERMO CIRCUNSTANCIADO. AFASTADA. A Brigada Militar também possui competência para a lavratura do Termo Circunstanciado, especialmente tendo o autor do fato assinado o termo de comparecimento ao Juizado Especial Criminal. Havendo prova do fato, deve ser mantida a sentença condenatória. NEGARAM PROVIMENTO. RECURSO CRIME TURMA RECURSAL CRIMINAL Nº 71000863100 COMARCA DE PELOTAS LUCIANO FERNANDES MENDES RECORRENTE MINISTÉRIO PÚBLICO RECORRIDO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Juizes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em negar provimento à apelação. Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras DR.ª NARA LEONOR CASTRO GARCIA (PRESIDENTE E REVISORA) E DR.ª ÂNGELA MARIA SILVEIRA. Porto Alegre, 04 de dezembro de 2006. ALBERTO DELGADO NETO, Juiz de Direito, Relator. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATÓRIO Dispensado, de acordo com o artigo 81, §3°, da lei 9.099/95. VOTOS ALBERTO DELGADO NETO – JUIZ DE DIREITO (RELATOR) 78 78 Luciano Fernandes Mendes apelou (fls. 57/60) da sentença (fls. 49/53) que julgou procedente a ação penal para condená-lo à pena de sete meses de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade. Em suas razões, limitou-se a pugnar pela nulidade do feito em razão do termo circunstanciado ter sido lavrado pela Brigada Militar (fls. 57/60). O Ministério Público apresentou contra-razões (fls. 64/66). Nesta sede, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso (fls. 70/71). A apelação é tempestiva, pois interposta no decêndio previsto no artigo 82 § 1º da Lei 9099/95. O fato ocorreu em 03 de abril de 2004 (fl. 02), a denúncia foi recebida em 02 de junho de 2005 (fl. 40) e a sentença penal condenatória publicada em 21 de setembro de 2005 (fl. 54). As medidas despenalizadoras não foram ofertadas em razão da ausência do réu em audiência (fls. 25 e 40). Eu sua peça apelativa, a defesa pugnou pela nulidade do feito em razão do termo de compromisso ter sido lavrado pela Brigada Militar e não ter sido remetido posteriormente à autoridade policial competente, no caso, a polícia civil. A preliminar argüida não merece guarida. As infrações de competência dos juizados especiais não necessitam de uma investigação aprofundada dos fatos, ocasião em que seja necessário um inquérito policial para a apuração da infração delitiva, esta sim, atividade constitucionalmente prevista para a polícia judiciária. No procedimento dos juizados especiais criminais, sempre se procura vislumbrar a possibilidade de conciliação entre acusado e acusador, pautando-se pelos princípios da celeridade processual, economia e informalidade. Assim, o registro do fato pela própria autoridade policial militar, nos casos em que não se mostra necessário a abertura de inquérito policial para a apuração do fato, se coaduna com os próprios princípios do juizado especial. Nesse sentido, o Desembargador Nereu José Giacomolli ressalta em sua obra: Ocorre que nas infrações afetas à Justiça Consensual não haverá propriamente uma investigação policial, uma apuração pormenorizada, um inquérito policial, ou seja, uma atividade típica da polícia judiciária. Basta a lavratura de um termo circunstanciado, isto é, a materialização do fato e de suas circunstâncias, com a identificação dos envolvidos e das possíveis testemunhas, consignando-se uma sintética conclusão do que foi informado. GIACOMOLLI. Nereu José. Juizados Especiais Criminais: Lei 9.099/95. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 87 79 79 A infração de menor potencial ofensivo tanto pode chegar ao conhecimento da autoridade policial civil, da autoridade policial militar, ou do Ministério Público. O registro sumário do fato pela polícia militar, com o encaminhamento à polícia civil para lavratura do termo circunstanciado, e posterior remessa a juízo, vai de encontro ao princípio da celeridade processual preconizado na nova lei. A necessidade de encaminhamento do autor à autoridade judiciária policial, se mostra necessário apenas nas situações em que há recusa do autor do fato em assinar o termo de comparecimento ao juízo. No entanto, no caso vertente, há expressa anuência do autor do fato em comparecer ao Juizado Especial Criminal, ante a aposição de sua assinatura no termo circunstanciado (fl. 15v), bem como no termo de comparecimento ao juizado especial criminal (fl. 16). Assim, uma interpretação do artigo 69, da Lei 9.099/95, conforme o artigo 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal, e de acordo com os princípios da celeridade e da economia processual, preconizados pela própria Lei 9.099/95, nos leva a concluir que a polícia militar também pode lavrar o termo circunstanciado. Dessa mesma forma, somente se justifica o encaminhamento dos autores da infração criminal ao Poder Judiciário quando o fato delituoso não for de competência da Lei n.º 9.099/95; quando o autor do fato não for se comprometer a comparecer ao Juizado Especial Criminal, houver necessidade de se lavrar o auto de prisão em flagrantes, bem como nas hipóteses em que a autoria for desconhecida. No mais, embora o réu não tenha manifestado sua irresignação recursal acerca do mérito da demanda, a sentença prolatada pelo Juiz de Direito José Antônio Dias da Costa Moraes bem apreendeu a matéria fática e probatória, dispensando aqui nova argumentação do que se passou nos autos, demonstrando a perfeita integração da conduta do acusado ao tipo penal, pelo que vai confirmada por seus próprios termos. Os depoimentos de fls. 44/46 confirmam o fato do desacato indicado no termo circunstanciado. Voto pois, pelo não acolhimento da preliminar argüida e, no mérito, em negar provimento à apelação, mantendo-se a sentença penal condenatória. DR.ª NARA LEONOR CASTRO GARCIA (PRESIDENTE E REVISORA) – De acordo. DR.ª ÂNGELA MARIA SILVEIRA - De acordo. DR.ª NARA LEONOR CASTRO GARCIA - Presidente - Recurso Crime n.º 71000863100, Comarca de Pelotas: 80 80 "À UNANIMIDADE REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, MANTENDO-SE A SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA." Juízo de Origem: JUIZ.ESP.CRIMINAL PELOTAS - Comarca de Pelotas 81 81 ANEXO – G - ENUNCIADOS ATUALIZADOS ATÉ O XVIII ENCONTRO NACIONAL DE COORDENADORES DE JUIZADOS ESPECIAIS DO BRASIL 23 a 25 de novembro de 2005 – GOIÂNIA -GOIÁS ENUNCIADOS CRIMINAIS Enunciado 1 - A ausência injustificada do autor do fato à audiência preliminar implicará em vista dos autos ao Ministério Público para o procedimento cabível. Enunciado 2 - O Ministério Público, oferecida à representação, em juízo, poderá propor diretamente a transação penal, independentemente do comparecimento da vítima à audiência preliminar. (Redação alterada no XI Encontro, em BrasíliaDF).Enunciado 3 - O prazo decadencial para a representação nos crimes de ação pública condicionada é de trinta (30) dias, contados da intimação da vítima, para os processo em andamento, quando da edição da Lei 9.099/95. Enunciado 4 - SUBSTITUÍDO pelo Enunciado 38. Enunciado 5 – CANCELADO em razão da nova redação do Enunciado 46. Enunciado 6 – O artigo 28 do Código de Processo Penal é inaplicável, no caso de não apresentação de proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo, cabendo ao juiz apresentá-las de ofício, quando satisfeitos os requisitos legais. Enunciado 7 – (CANCELADO) Enunciado 8 - A multa deve ser fixada em dias-multa, tendo em vista o art. 92 da Lei 9.099/95, que determina a aplicação subsidiária dos Códigos Penal e de Processo Penal. Enunciado 9 - A intimação do autor do fato para a audiência preliminar deve conter a advertência da necessidade de acompanhamento de advogado e de que, na sua falta, ser-lhe-á nomeado Defensor Público. Enunciado 10 - Havendo conexão entre crimes da competência do Juizado Especial e do Juízo Penal Comum, prevalece a competência deste. Enunciado 11 - – Os acréscimos do concurso formal e do crime continuado não devem ser levados em consideração (para efeito de aplicação da Lei 9.099/95). Enunciado 12 – (Substituído no XV Encontro – Florianópolis/SC pelo Enunciado 64). Enunciado 13 - É cabível o encaminhamento de proposta de transação através de carta precatória. Enunciado 14 - É incabível o oferecimento de denúncia após sentença homologatória de transação penal, podendo constar da proposta que a sua 82 82 homologação fica condicionada ao cumprimento do avençado. (SUBSTITUÍDO pelo Enunciado 57 – XIII Encontro - Campo Grande/MS). Enunciado 15 – O Juizado Especial Criminal é competente para execução da pena de multa. (Alteração aprovada no XII Encontro – Maceió - AL) Enunciado 16 - Nas hipóteses em que a condenação anterior não gera reincidência, é cabível a suspensão condicional do processo. Enunciado 17 - É cabível, quando necessário, interrogatório através de carta precatória, por não ferir os princípios que regem a Lei 9.099/95. Enunciado 18 - Na hipótese de fato complexo, as peças de informação deverão ser encaminhadas à Delegacia Policial para as diligências necessárias. Retornando ao Juizado e sendo o caso do artigo 77, parágrafo 2.º, da Lei n. 9.099/95, as peças serão encaminhadas ao Juízo Comum. Enunciado 19 - SUBSTITUÍDO PELO ENUNCIADO 48. (Aprovado no XII Encontro – Maceió/AL) Enunciado 20 - A proposta de transação de pena restritiva de direitos é cabível, mesmo quando o tipo em abstrato só comporta pena de multa. Enunciado 21 - (CANCELADO). Enunciado 22 - Na vigência do sursis, decorrente de condenação por contravenção penal, não perderá o autor do fato o direito à suspensão condicional do processo por prática de crime posterior. Enunciado 23 - (CANCELADO) Enunciado 24 - SUBSTITUÍDO pelo Enunciado 54. Enunciado 25 - O início do prazo para o exercício da representação do ofendido começa a contar do dia do conhecimento da autoria do fato, observado o disposto no Código de Processo Penal ou legislação específica. Qualquer manifestação da vítima que denote intenção de representar vale como tal para os fins do art. 88 da Lei 9.099/95. Enunciado 26 - SUBSTITUÍDO pelo Enunciado 55. Enunciado 27 - Em regra não devem ser expedidos ofícios para órgãos públicos, objetivando a localização de partes e testemunhas nos Juizados Criminais. Enunciado 28 - (CANCELADO no XVII Encontro – Curitiba/PR) Enunciado 29 - Nos casos de violência doméstica, a transação penal e a suspensão do processo deverão conter, preferencialmente, medidas sócio - educativas, entre elas acompanhamento psicossocial e palestras, visando à reeducação do infrator, 83 83 evitando-se a aplicação de pena de multa e prestação pecuniária. (Alteração aprovada no XII Encontro – Maceió-AL) Enunciado 30 – (CANCELADO – Incorporado pela Lei n. 10.455/02) Enunciado 31 - O conciliador ou juiz leigo não está incompatibilizado nem impedido de exercer a advocacia, exceto perante o próprio Juizado Especial em que atue ou se pertencer aos quadros do Poder Judiciário. Enunciado 32 - O Juiz ordenará a intimação da vítima para a audiência de suspensão do processo como forma de facilitar a reparação do dano, nos termos do art. 89, parágrafo 1º, da Lei 9.099/95. Enunciado 33 - Aplica-se, por analogia, o artigo 49 do Código de Processo Penal no caso da vítima não representar contra um dos autores do fato. Enunciado 34 - Atendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar. Enunciado 35 - Até o recebimento da denúncia é possível declarar a extinção da punibilidade do autor do fato pela renúncia expressa da vítima ao direito de representação. Enunciado 36 - Havendo possibilidade de solução de litígio de qualquer valor ou matéria subjacente à questão penal, poderá ser reduzido a termo no Juizado Especial Criminal e encaminhado via distribuição para homologação no juízo competente, sem prejuízo das medidas penais cabíveis. Enunciado 37 - O acordo civil de que trata o enunciado 36 poderá versar sobre qualquer valor ou matéria. Enunciado 38 - SUBSTITUI o Enunciado 4 - A Renúncia ou retratação colhida em sede policial será encaminhada ao Juizado Especial Criminal e , nos casos de violência doméstica, deve ser designada audiência para sua ratificação. Enunciado 39 - Nos casos de retratação ou renúncia do direito de representação que envolvam violência doméstica, o Juiz ou o conciliador deverá ouvir os envolvidos separadamente. Enunciado 40 - Nos casos de violência doméstica, recomenda-se que as partes sejam encaminhadas a atendimento por grupo de trabalho habilitado, inclusive como medida preparatória preliminar, visando a solução do conflito subjacente à questão penal e à eficácia da solução pactuada. Enunciado 41 – (CANCELADO – vide enunciado 29) 84 84 Enunciado 42 - A oitiva informal dos envolvidos e de testemunhas, colhida no âmbito do Juizado Especial Criminal, poderá ser utilizada como peça de informação para o procedimento. Enunciado 43 - O acordo em que o objeto for obrigação de fazer ou não fazer deverá conter cláusula penal em valor certo, para facilitar a execução cível. Enunciado 44 - No caso de transação penal homologada e não cumprida, o decurso do prazo prescricional provoca a declaração de extinção de punibilidade pela prescrição da pretensão executória. Enunciado 45 – (CANCELADO). Enunciado 46 - A Lei n.º 10.259/2001 ampliou a competência dos Juizados Especiais Criminais dos Estados e Distrito Federal para o julgamento de crimes com pena máxima cominada até dois anos, com ou sem cumulação de multa, independente do procedimento (Alteração aprovada no XII Encontro - Maceio-AL). Enunciado 47 – redação alterada pelo Enunciado 71 Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC. Enunciado 48 - O recurso em sentido estrito é incabível em sede de Juizados Especiais Criminais. Enunciado 49 - Na ação de iniciativa privada, cabe a transação penal e suspensão condicional do processo, por iniciativa do querelante ou do juiz. (Alteração aprovada no XII Encontro, Maceió-AL). Enunciado 50 - (CANCELADO no XI Encontro, em Brasília-DF). Enunciado 51 - A remessa dos autos à Justiça Comum, na hipótese do art. 66, parágrafo único, da Lei 9099/95 (Enunciado 12), exaure a competência do Juizado Especial Criminal, que não se restabelecerá com localização do acusado. Enunciado 52 - A remessa dos autos à Justiça Comum, na hipótese do art. 77, parágrafo 2º, da Lei 9099/95 (Enunciado 18), exaure a competência do Juizado Especial Criminal, que não se restabelecerá ainda que afastada a complexidade. Enunciado 53 - No Juizado Especial Criminal, o recebimento da denúncia, na hipótese de suspensão condicional do processo, deve ser precedido da resposta prevista no art. 81 da Lei 9099/95. Enunciado 54 - SUBSTITUI o Enunciado 24 - O processamento de medidas despenalizadoras, aplicáveis ao crime previsto no art. 306 da Lei n.º 9503/97, por força do parágrafo único do art. 291 da mesma Lei, não compete ao Juizado Especial Criminal. Enunciado 55 - (CANCELADO no XI Encontro, em Brasília-DF). 85 85 Enunciado 56 - Os Juizados Especiais Criminais não são competentes para conhecer, processar e julgar feitos criminais que versem sobre delitos com penas superiores a um ano ajuizados até a data em vigor da Lei n. 10.259/01 (Aprovado no XI Encontro – Brasília-DF). Enunciado 57 - A transação penal será homologada de imediato e poderá conter cláusula de que, não cumprida, o procedimento penal prosseguirá. (Aprovado no XIII Encontro – Campo Grande/MS). Enunciado 58 - A transação penal poderá conter cláusula de renúncia á propriedade do objeto apreendido. (Aprovado no XIII Encontro – Campo Grande/MS). Enunciado 59 - O juiz decidirá sobre a destinação dos objetos apreendidos e não reclamados no prazo do art. 123 do CPP. (Aprovado no XIII Encontro – Campo Grande/MS). Enunciado 60 - Exceção da verdade e questões incidentais não afastam a competência dos Juizados Especiais, se a hipótese não for complexa. (Aprovado no XIII Encontro – Campo Grande/MS). Enunciado 61 - O processamento de medida despenalizadora prevista no artigo 94 da Lei 10.741/03, não compete ao Juizado Especial Criminal. (Aprovado no XIV Encontro – São Luis/MA) Enunciado 62 - O Conselho da Comunidade poderá ser beneficiário da prestação pecuniária e deverá aplicá-la em prol da execução penal e de programas sociais, emespecial daqueles que visem a prevenção da criminalidade. (Aprovado no XIV Encontro – São Luis/MA) Enunciado 63 - As entidades beneficiárias de prestação pecuniária, em contrapartida, deverão dar suporte à execução de penas e medidas alternativas. (Aprovado no XIV Encontro – São Luis/MA). Enunciado 64 (Substitui o Enunciado 12) - O processo será remetido ao Juízo Comum após a denúncia, havendo impossibilidade de citação pessoal no Juizado Especial Criminal, com base em certidão negativa do Oficial de Justiça, ainda que anterior à denúncia. (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 65 - Nas hipóteses dos artigos 362 e 363, inciso I, do Código de Processo Penal, aplica-se o parágrafo único do artigo 66 da Lei 9.099/95 (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 66 - É direito do réu assistir à inquirição das testemunhas, antes de seu interrogatório, ressalvado o disposto no artigo 217 do Código de Processo Penal. No 86 86 caso excepcional de o interrogatório ser realizado por precatória, ela deverá ser instruída com cópia de todos os depoimentos, de que terá ciência o réu (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 67 – A possibilidade de aplicação de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículos automotores por até cinco anos (art. 293 da Lei n.º 9.503/97), perda do cargo, inabilitação para exercício de cargo, função pública ou mandato eletivo ou outra sanção diversa da privação da liberdade, não afasta a competência do Juizado Especial Criminal (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 68 - É cabível a substituição de uma modalidade de pena restritiva de direitos por outra, aplicada em sede de transação penal, pelo juízo do conhecimento, a requerimento do interessado, ouvido o Ministério Público (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 69 – (Alterado no XVI Encontro – Rio de Janeiro/RJ – Enunciado 74) – redação original: Deve ser tentada a conciliação (composição civil) visando atender ao princípio da pacificação social, mesmo transcorrido o prazo decadencial ou prescricional (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 70 - O conciliador ou o juiz leigo podem presidir audiências preliminares nos Juizados Especiais Criminais, propondo conciliação e encaminhamento da proposta de transação (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 71 - A expressão conciliação prevista no artigo 73 da Lei 9099/95 abrange o acordo civil e a transação penal, podendo a proposta do Ministério Público ser encaminhada pelo conciliador ou pelo juiz leigo, nos termos do artigo 76, § 3º, da mesma Lei (nova redação do Enunciado 47 - Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 72 - A proposta de transação penal e a sentença homologatória devem conter obrigatoriamente o tipo infracional imputado ao autor do fato, independentemente da capitulação ofertada no termo circunstanciado (Aprovado no XVI Encontro – Rio de Janeiro/RJ) Enunciado 73 - O juiz pode deixar de homologar transação penal em razão de atipicidade, ocorrência de prescrição ou falta de justa causa para a ação penal, equivalendo tal decisão à rejeição da denúncia ou queixa (Aprovado no XVI Encontro – Rio de Janeiro/RJ). 87 87 Enunciado 74 (substitui o Enunciado 69) - A prescrição e a decadência não impedem a homologação da composição civil (Aprovado no XVI Encontro – Rio de Janeiro/RJ). Enunciado 75 - É possível o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado pela projeção da pena a ser aplicada ao caso concreto. (Aprovado no XVII Encontro – Curitiba/PR). Enunciado 76 – A ação penal relativa à contravenção de vias de fato dependerá de representação. (Aprovado no XVII Encontro – Curitiba/PR). Enunciado 77 (novo) - O juiz pode alterar a destinação das medidas penais indicadas na proposta de transação penal. – (APROVADO XVIII FONAJE – Goiânia – 22 a 25 de novembro:) Enunciado 78 (novo) - No caso de concurso material as penas serão consideradas de per si, para fixação da competência. (APROVADO XVIII FONAJE – Goiânia – 22 a 25 de novembro:)