2009, março
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Concepção arquitetônica e relações com a tecnologia
António Manuel C P Fernandes
Seminário de
Tecnologia da
Arquitetura e do
Urbanismo
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
INTRODUÇÃO
“... é importante mencionar a relação entre autenticidade e
originalidade. Projetar nunca significou inventar algo do
nada, nem tem a ver com a busca de originalidade e
ineditismo. A lição mais relevante da arquitetura moderna
não é a busca do novo, mas do autêntico, característico de
projetos ordenados por leis que lhes são próprias. (...) O
verdadeiro ato criativo não está nos elementos, mas na ação
de associá-los.” (idem, p. 6).
António Manuel C P Fernandes
“Felizmente, ainda há espaço para a arquitetura autêntica,
ainda que seja cada vez menor. Só um entendimento
profundo dessa autenticidade e dos procedimentos projetuais
que podem levar a ela nos permitirão resistir à crise que
assola nossa disciplina.” (Mahfuz, 2004, p. 2).
A Secretaria de Educação de São Paulo e a Fundação
para o Desenvolvimento da Educação - FDE
propuseram um compromisso envolvendo,
inicialmente, quatro escritórios de jovens profissionais
“que possuem a vivacidade e a energia próprias dessa
geração” (in: Revista Projeto Design, nº 296, p. 58) e
com eles definiram a utilização obrigatória de um
sistema de estrutura pré-fabricada em concreto
armado, fugindo do chamado “projeto padrão”, mas
garantindo a racionalização e redução de custos da
construção.
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Embora o texto da revista não entre no mérito – apenas
afirmando que “foi estabelecida uma modulação de 10,80 x
7,20 metros” – percebe-se, obviamente, que essa modulação
tem como base as dimensões da sala de aula: uma (7,20 m)
é a medida dos lados de uma sala de aula quadrada e com
cerca de 50 m2 de área útil e a outra, 50% maior (7,20 + 3,60
= 10,80), deverá garantir: por um lado, a circulação de
acesso às salas, pelo outro, espaço suficiente para o
tratamento/proteção ambiental da fachada.
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Os 4 projetos são de: André Vainer e Guilherme Paoliello
(“VaPa”); Cristiana Muniz, Fábio Valentim, Fernanda
Barbara e Fernando Viégas, do escritório Una Arquitetos
(“Una”); Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton
Braga do escritório MMBB (“MMBB”) e de Vinícius Andrade
e Marcelo Morettin (“AnMo”).
António Manuel C P Fernandes
As quatro escolas – duas para atender o ensino fundamental
1 (da 1ª à 4ª séries ), com programas e áreas similares, e
duas para atender o ensino fundamental 2 (da 5ª à 8ª séries ),
também com programas e áreas similares, estão situadas
junto a um conjunto habitacional recém-inaugurado e ficam
perto do entroncamento das rodovias Anhangüera e D. Pedro
1º, em Campinas, São Paulo.
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
O terreno pequeno e bastante
estreito foi, com certeza, o
condicionante físico indutor do
partido: a quadra de esportes
coberta acomodou-se,
longitudinalmente,
proporcionando um bloco
pavilhonar relativamente
estreito e alongado.
António Manuel C P Fernandes
O PROJETO “VaPa”
A escada principal fica
num saguão de pé-direito
triplo onde se tem
apenas uma passarela
de acesso às circulações
centrais dos pavimentos
superiores e de onde se
pode dar uma
“espiadinha” na quadra
esportiva ao lado.
A entrada de alunos, o
recreio coberto, o pátio
externo, o acesso à
quadra e a escada
principal estão integrados
nesta área central do
projeto.
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Quatro escolas,
variantes de uma estrutura formal
“um dos pontos críticos do
projeto foi solucionar as exíguas
dimensões do lote em relação à
abrangência do programa, o que
sugeriu à equipe do Una a
implantação da quadra esportiva
no último pavimento da
edificação. Dessa forma, os
arquitetos liberaram o máximo
possível a área do térreo...”
oferecendo uma generosa área
livre em volta do pátio
descoberto e, com isso também,
garantindo um afastamento
adequado de futuras edificações
no lote vizinho.
António Manuel C P Fernandes
O PROJETO “Una”
Esta atitude, talvez inusitada ou pouco convencional, evidencia a
verticalidade do bloco pavilhonar com o pé-direito mais avantajado
da quadra tendo os autores tirado partido disso, não só “abrindo” a
vista para a paisagem urbana em ambas as extremidades do
edifício como tornando o edifício uma referência marcante tanto
durante o dia como, e principalmente, à noite.
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
A esbeltez da
empena exigiu uma
adaptação
estrutural
acoplando ao pilar
original um reforço
para corrigir a
flambagem dos
pilares.
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Os arquitetos do escritório MMBB
adotaram um partido que “ocupa
quase completamente o terreno,
irregular e com três frentes. Por isso,
o projeto (...) procura desobstruir o
térreo (...) as áreas cobertas de
recreio e esportes tornam-se extensão
contínua da recreação externa.”
António Manuel C P Fernandes
O PROJETO “MMBB”
Ficam no térreo, e na cota das entradas, a secretaria, a
diretoria, o refeitório, a cozinha e, a seguir, a quadra de
esportes; em um segundo nível – vencido pelas rampas ou
pelas escadas junto à pequena arquibancada, temos o pátio de
recreio coberto.
No pavimento intermediário está a coordenação, sala multiuso,
salas de reforço, sala de professores e no pavimento superior
estão as oito salas de aula, quatro de um lado e quatro do
outro, separadas pelo vazio da quadra e interligadas por
passarelas laterais.
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Os arquitetos Vinícius
Andrade e Marcelo
Morettin partiram de um
terreno, embora extenso,
com formato triangular
difícil de trabalhar; mesmo
assim a solução procura
sutilmente se acomodar a
essa planimetria: a planta
do edifício é compacta
situando-se junto ao único
ângulo obtuso do triânguloterreno, mas projeta para
fora do bloco pavilhonar,
em direção ao vértice mais
distante, a rampa de
acesso ao primeiro piso.
António Manuel C P Fernandes
PROJETO “AnMo”
Entre o “edifício” de salas e a
quadra temos “uma espécie
de rua interna iluminada por
telhas translúcidas, possui pédireito triplo e concentra a
circulação vertical, com
escadas e elevador.”
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Embora as fachadas cegas tenham
ficado com as melhores orientações
solares, consequência das opções
escolhidas para melhor resolver a
acomodação do programa, acessos,
etc., as salas de aula ficaram viradas
corretamente a leste – e não a oeste –
e ainda com certa proteção promovida
pelo recuo da fachada para “dentro” da
estrutura e pelo posicionamento, no
topo da fachada, de uma faixa de
venezianas translúcidas de PVC – e a
quadra de esportes, na fachada oeste,
protegida pelo mesmo tipo de
veneziana e criando um grande painel
translúcido.
António Manuel C P Fernandes
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Principalmente à noite, com o edifício iluminado
internamente, o efeito externo é muito marcante
proporcionando uma referência visual para os
moradores do conjunto vizinho.
António Manuel C P Fernandes
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Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
A ESTRUTURA FORMAL
Os quatro projetos apresentam-se como blocos pavilhonares
com variações dimensionais em planta, em altura e em
volume; externo aos pavilhões temos apenas a torre da
caixa d´água, em dois casos a torre do elevador e, em um
caso, uma rampa de acesso.
Os projetos foram concebidos, organizados e desenvolvidos
a partir de uma mesma estrutura formal composta
basicamente pela associação de dois elementos: as “barras”
de salas (de aula e de apoio) e o volume da quadra de
esportes sempre associados em paralelo, na horizontal e/ou
na vertical.
António Manuel C P Fernandes
“Uma estrutura formal é ‘um princípio ordenador
segundo o qual uma série de elementos, governados por
relações precisas, adquirem uma determinada estrutura”
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
E, ainda, o volume da quadra – com seu eixo
longitudinal sempre paralelo às “barras” –
que tem sua posição relativa:
> na “ponta” das barras, como em 1 (Projeto
“VaPa”);
> sobre as barras, como em 2 (Projeto
“Una”);
> entre as barras, como em 3 (Projeto
“MMBB”);
> e ao lado das barras, como em 4 (Projeto
“AnMo”).
António Manuel C P Fernandes
As “barras“ estão sempre associadas
paralelamente, com as seguintes variações:
> paralelas adjacentes e sobrepostas, como
em 1 (Projeto “VaPa”) e em 2 (Projeto “Una”);
> paralelas “distantes” e sobrepostas, como
em 3 (Projeto “MMBB”);
> e paralelas sobrepostas, como em 4
(Projeto “AnMo”).
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
TRÊS CRITÉRIOS FUNDAMENTAIS:
Embora qualquer um dos projetos
apresentados, pelas suas características e
qualidades, possa ser tomado para
demonstrar qualquer um dos conceitos acima
citados, e que são critérios de qualificação da
arquitetura, segundo Mahfuz, escolheu-se,
para cada um dos conceitos, um dos projetos
que se entendeu de maior potencial.
António Manuel C P Fernandes
RIGOR, PRECISÃO E ECONOMIA
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
“Projetar com rigor significa voltar o foco da concepção
para aqueles aspectos do problema arquitetônico que
são relevantes e transcendentes, para aquilo que é
essencial em um programa, lugar ou processo
construtivo, deixando de fora o que for meramente
acessório. O rigor aplicado na hierarquização de um
programa deve ser acompanhado por uma atitude
análoga no momento de definir os elementos que
materializam a estrutura formal.”
António Manuel C P Fernandes
RIGOR
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
António Manuel C P Fernandes
No projeto “Una”, a interpretação do
terreno e do sítio, a sintaxe com o
contexto, o respeito à essencialidade do
programa e às condições e
possibilidades construtivas obtiveram um
partido que resgata de maneira muito
clara o conceito de rigor acima referido.
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
“Um projeto preciso acentua a identidade formal
de um artefato arquitetônico, o que não apenas
facilita o entendimento da sua estrutura formal
em suas varias escalas como também a própria
construção material do objeto.”
António Manuel C P Fernandes
PRECISÃO
No projeto “VaPa”, repare-se nas
prumadas de descida de água
pluvial. As tubulações são
aparentes e posicionadas de
forma precisa, duas a duas, uma
de cada lado do pilar,
ligeiramente “para dentro” da
fachada, passando internamente
à viga, logo atrás do apoio tipo
“gerber”. Sendo dez o número de
vãos e onze pilares, esta solução
aplica-se pilar não, pilar sim: não
haveria outra possibilidade de se
ter simetria na fachada e
compatibilizar a solução técnica
das inclinações de escoamento
das calhas, isto é, a cada módulo
(7,20 m), um trecho de calha, ora
inclinada para um lado, ora
inclinada para o outro.
O conceito de precisão completa-se
no detalhe da fixação dos tubos: a
posição das abraçadeiras, visíveis
nas fotos, repete-se perfeita e
sucessivamente ao longo da fachada.
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
“O critério de economia tem a ver com o uso do menor
número possível de elementos para resolver um problema
arquitetônico, e se refere tanto aos meios físicos quanto
conceituais de que uma obra é composta. (...) Ser
econômico não significa eliminar elementos necessários
(...) Uma qualidade muito importante dos projetos
econômicos é a intensidade a que conduz uma relação
formal entre um número reduzido de elementos espaciais.
Se enganam aqueles que afirmam que a arquitetura que
prima pela economia de meios é regida por uma ‘lei do
mínimo esforço’: nada exige mais esforço intelectual do
que fazer uma grande obra com poucos elementos.”
António Manuel C P Fernandes
ECONOMIA
No projeto “MMBB”, o grande
vazio da quadra de esportes está
delimitado, a leste e a oeste, por
grandes empenas contínuas.
Segundo a Projeto Design, “... por
uma questão de
contraventamento, os pilares são
implantados com seção inversa à
dos restantes e, em vez de dois
módulos de 10,80 metros, foram
colocados três de 7,20 metros.”
(idem, p. 62). A inversão da seção
não só resolve bem o
contraventamento citado como
permite, com maior racionalidade,
absorver os esforços (momentos)
provenientes dos consolos que
servem de apoio às passarelas
de circulação.
António Manuel C P Fernandes
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
António Manuel C P Fernandes
Ao “trocar” dois vãos de 10,80 por três de 7,20 – o que aparenta ser uma
deseconomia, se se aprofundar a análise, poderá perceber-se que essa
decisão permite uma resposta bastante racional ao conjunto de variáveis
que estão em “jogo”, isto é: com quatro pilares, e não três, ficará menos
exigente o esforço que cada um dos consolos, e também dos pilares,
sofrerá com a colocação das passarelas em balanço; além disso, as
empenas, com seis painéis de elementos vazados, e não quatro, formam
uma composição mais interessante e com maior estabilidade física já que
seus comprimentos passam a ser menores.
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
E, ainda, percebe-se com clareza que, ao dividir o vão em três
partes pode-se obter o resultado abaixo: o módulo central está
perfeitamente associado à faixa translúcida da cobertura que
ilumina a quadra de esportes.
António Manuel C P Fernandes
A associação de todas estas características satisfaz muito bem o
atributo de economia proposto por Mahfuz.
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
Todos os procedimentos projetivos seguiram tal atributo e
“ao contrário do que possa parecer, trabalhar de modo
sistemático não significa obter resultados sempre iguais,
pois o encontro de um sistema com uma situação concreta
sempre resulta em uma obra singular.” Isto, sem dúvida,
pode ser constatado ao se comparar as soluções
apresentadas pelos quatro projetos.
Ora é a geometria do terreno, ora seu tamanho, ora sua
topografia, ou a orientação solar ou o potencial da
paisagem, ora uma certa interpretação do programa, ora
uma determinada intenção, e, quase sempre, são diversos
desses e ainda outros fatores conjugados de forma
complexa e interdependente e que vão gerando a
singularidade da solução, do projeto, da arquitetura.
António Manuel C P Fernandes
A QUESTÃO DA SISTEMATICIDADE
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
A QUESTÃO DA DIMENSÃO ARTÍSTICA
“...em obediência aos mais severos preceitos técnicos e funcionais,
mas, também, àquela intenção superior que escolhe, coordena e
orienta no sentido da idéia inicial toda essa massa confusa e
contraditória de pormenores, transmitindo assim ao conjunto, ritmo,
expressão, unidade e clareza – o que confere à obra o seu caráter
de permanência – isto sim é arquitetura.” (Lúcio Costa, 1980.)
Seja “um modo superior de resolver”, seja “aquela intenção
superior que escolhe, coordena e orienta”, o recado é o mesmo.
Os projetos apresentados são exemplos bastante didáticos e
resgatam esse modo ou intenção superior de propor a arte da
arquitetura e comprovam que “a lição mais relevante da arquitetura
moderna não é a busca do novo, mas do autêntico, característico
de projetos ordenados por leis que lhes são próprias.”
António Manuel C P Fernandes
“Quando se fala em arte na arquitetura, ou na arte da arquitetura,
falamos de um modo superior de resolver, através da forma, os
problemas práticos que definem um dado problema arquitetônico.”
Quatro escolas, variantes de uma estrutura formal
MAHFUZ, Edson da Cunha. Reflexões sobre a construção da forma
pertinente. Disponível em
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq045/arq045, acesso em
31/10/2004
SERAPIÃO, Fernando. Estrutura pré-fabricada marca nova etapa de
escolas paulistas. in: Revista Projeto Design, Nº 296, outubro, 2004
COSTA, Lúcio. Arquitetura. MEC/FENAME/Editora Bloch; Rio de
Janeiro; 1980
CRÉDITOS
> Todas as fotografias e os desenhos técnicos – plantas, cortes e
elevação foram retirados da Revista Projeto Design, Nº 296, outubro,
2004.
> Os cortes esquemáticos em croquis foram feitos pelo autor.
> As quatro fotografias que compõem a capa são fotos usadas no
corpo do trabalho, uma de cada projeto.
António Manuel C P Fernandes
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Estudo de Caso - Quatro Escolas