O PRESIDENTE DA REPÚBLICA – IMPEACHMENT
Fernando França Caron
Especialista em Direito Constitucional pela
Faculdade Damásio de Jesus
Docente do Curso de Direito da UNILAGO
RESUMO
A Constituição Federal de 1988 elencou os crimes de responsabilidade
como instrumento de apuração da responsabilidade presidencial. São
infrações político-administrativas, cuja incidência enseja o processo de
impeachment, ou seja, o processo parlamentar contra o presidente da
República e outras autoridades bem como a pena de afastamento do
cargo. Nos termos da Constituição de 1988, o impeachment do presidente
da República, por crimes de responsabilidade é composto de duas fases.
A Câmara dos Deputados, por 2/3 dos seus membros autoriza o
julgamento que será realizado pelo Senado Federal. Instaurado o processo
no Senado, o presidente é afastado do cargo, que passa a ser exercido
por seu substituto legal. Havendo a condenação do presidente ficara
inabilitado para o exercício de qualquer função pública por oito anos,
inclusive cargo ou mandato eletivo.
Palavras-chaves: Impeachment, Presidente da Republica, Infrações
Político- administrativas.
1-INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe
sobre a responsabilização do Presidente da República nas infrações
comuns e nas infrações polico-administrativas. Somente as infrações
políticas que podem ensejar o processo de impeachment de seu mandato.
Neste sentido, estabelece o artigo 85 da CRFB/88 que “são crimes
de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem
contra a Constituição Federal”, (BRASIL, 2014) e o parágrafo único aponta
que “esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as
normas de processo e julgamento”. (BRASIL, 2014).
A destituição do cargo de Presidente da Republica somente
ocorrera depois de admitida a denúncia do crime de responsabilidade pela
Câmara dos Deputados e de julgado procedente pelo Senado Federal, já
que
a
possibilidade
de
impeachment
vincula-se
aos
crimes
de
responsabilidade, pois trata-se de crime de natureza jurídica-política,
sendo, portanto afastado da apreciação do Poder Judiciário. Esta é a
inteligência do artigo 86 da Constituição Federal que afirma que “admitida
a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara
dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado
Federal, nos crimes de responsabilidade.” (BRASIL, 2014).
O Brasil foi o primeiro país do mundo a concluir um processo de
impeachment contra um Presidente da República. O fato ocorreu com o
então presidente da época, Fernando Collor de Melo, que teve decretado
seu impeachment pelo Senado Federal, mesmo após ter renunciado seu
cargo, acreditando que não perderia seus direitos políticos por oito anos.
2 ORIGEM DO IMPEACHMENT
O impeachment tem suas origens na Inglaterra medieval, sendo
posteriormente recepcionado nos Estados Unidos com consideráveis
alterações, haja vista ter este instituto, inicialmente, natureza criminal e
consistir-se, assim, instrumento de punição aos nobres ou qualquer outro
cidadão, instituídos ou não de poder, acusados pelo clamor público,
cominando a estes indivíduos as mesmas sanções do direito penal;
enquanto ter o impeachment se caracterizado nos Estados Unidos pela
natureza política, instituindo penalizações de perda de cargos públicos e
de direitos políticos.
Neste sentido, Paulo Brossard em sua obra “O Impeachment”
(1965) assevera que:
Na Inglaterra o impeachment atinge a um tempo a
autoridade e castiga o homem, enquanto, nos Estados
Unidos, fere apenas a autoridade, despojando-a do
cargo, e deixa imune o homem, sujeito, como qualquer,
e quando for o caso, à ação da justiça”. (BROSSARD,
1965, p. 21).
Desta maneira, entende-se que o impeachment britânico em sua
fase inicial tinha jurisdição plena, impondo penas comuns aos acusados,
enquanto que o norte-americano caracteriza-se, desde sua instituição,
como jurisdição limitada, tendo por final efeito a punibilidade ao homem
investido de cargo público.
O impeachment inglês passou por evoluções ao longo da história,
e é de suma relevância a perda do caráter criminal inicial, amoldando-se
plenamente a um processo com resultados políticos.
Com o nascimento da Constituição dos Estados Unidos fixou o
impeachment como processo exclusivamente político, ao prever que
somente ocupantes de alguns cargos públicos poderiam ser acusados e
processados, além de cominar apenas sanções políticas aos condenados
portanto, que aquele que não fosse probo para preencher cargo público,
necessariamente não estaria vinculado ao crime comum.
A introdução do impeachment nos Estados Unidos teve a
finalidade de aprimorar a separação dos poderes, característica essencial
do
Estado
Democrático
de
Direito,
vinculando-o
diretamente
ao
mecanismo dos “freios e contrapesos”, tornando assim imprescindível a
descriminalização do instituto.
No Brasil o processo de impeachment traz raízes do direito anglosaxônico. Por exemplo, a Constituição Brasileira de 1824 previa a
responsabilização, através de processo penal, aos ministros condenados
por crimes de traição, suborno e abuso de poder. No entanto, o
impeachment constituiu características próprias ao longo do tempo, sendo
tipificado
em
todas
as
constituições
brasileiras
o
instituto
teve
características distintas em cada momento histórico.
No Brasil República, com a Constituição de 1891, que o
impeachment brasileiro trouxe previsões que identificariam com o modelo
atual, como a competência da Câmara para julgar procedente, ou não, as
acusações contra o Presidente ou Ministros de Estado em crimes conexos
com o Presidente e a competência judicante do Senado Federal. Sob a
Constituição
de
1891,
também
predominou
o
entendimento
do
impeachment como processo de natureza política objetivando a proteção
da coisa pública.
Neste sentido:
Trata-se, pois, de um processo administrativo ou
político e de uma pena de natureza disciplinar; e assim
se explica a razão por que a acumulação da pena
imposta ao Presidente da República pelo senado e da
pena criminal imposta pelos tribunais ordinários, não
constitui violação do princípio do non bis in idem; do
mesmo modo por que esse princípio não é ofendido,
quando
o
empregado
público,
punido
administrativamente, é depois processado e punido
criminalmente pelos tribunais, e em razão do mesmo
delito”. (BROSSARD, 1965, p. 74).
O processo de impeachment sofreu modificações substanciais
como passar do tempo, mantendo em cada país relevantes peculiaridades,
mas conservando sua função essencial de controle sobre os atos do
Presidente da República.
3 ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
As regras sobre a responsabilização do Presidente da Republica
pelos atos que atentarem contra a Constituição Federal está nos arts. 85 e
86 do Texto Maior. O parágrafo único do artigo 85, em consonância com o
caput que tipifica os crimes de responsabilidade do Presidente da
República, preleciona que: “Esses crimes serão definidos em lei especial,
que estabelecerá as normas de processo e julgamento”. Permanece em
vigência a Lei n.º 1.079 de 1950 cuja essência converge com os princípios
constitucionais que consideraram crimes os atos incompatíveis com o
exercício honroso do cargo de Presidente da República.
O procedimento para responsabilização pelas infrações policoadministrativas é bifásico. Primeiro há um juízo de admissibilidade pela
Câmara dos Deputados e posteriormente o julgamento pelo Senado
Federal sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, Marcelo Novelino, leciona:
A autorização para instauração do processo por crime
de responsabilidade do Presidente da Republica deve
ser dada pela Câmara dos Deputados, por dois terços
de seus membros (CF, art. 51, I), cabendo a esta Casa
admitir a acusação feita por qualquer parlamentar ou
cidadão no gozo dos direitos políticos. (NOVELINO,
2014, p.860).
Segundo Pedro Lenza:
Tal procedimento é bifásico, composto por uma fase
preambular, denominada juízo de admissibilidade do
processo, na Câmara dos Deputados (Tribunal de
Pronúncia, art. 80, da Lei n. 1.079/50), e por uma fase
final, em que ocorrerá o processo propriamente dito e o
julgamento,
no
Senado
Federal
Julgamento). (Lenza, 2014, p.748).
(Tribunal
de
A acusação poderá ser formula por qualquer cidadão ou
parlamentar. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma
reconhecida deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem,
ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do
local onde possam ser encontrados, nos crimes de que haja prova
testemunhal, a denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número
de cinco no mínimo.
Recebida a denuncia, pela Câmara dos Deputados, o Presidente
passa a figurar como acusado, podendo exercer o contraditório e ampla
defesa. Sendo admitida a acusação fica autorizado o julgamento, pelo
Senado Federal, mediante Resolução.
Sendo admitida acusação pela Câmara dos Deputados, por dois
terços, será o presidente submetido a julgamento perante o Senado
Federal, nos crimes de responsabilidade. Neste momento o chefe do
executivo ficara afastado do seu cargo pelo prazo de 180 dias. O parágrafo
único do seu artigo 52 da CRFB/88 que, nos casos de impeachment, o
Senado Federal será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal
Federal e decidido por quórum qualificado de dois terços dos votos,
devendo a pena limitar-se à perda do cargo, com inabilitação por oito anos
para o exercício de função pública, sem prejuízo das sanções judiciais
cabíveis.
O
Congresso
Nacional
não
possui
discricionariedade
na
cominação da pena. Havendo a condenação o Presidente perde seu cargo
e fica inabilitado por oito anos para o exercício da função pública.
Pedro Lenza leciona que:
A sentença condenatória materializar -se -á mediante
resolução do Senado Federal, que somente será
proferida por 2/3 dos votos, limitando -se a condenação
à perda do cargo e inabilitação para o exercício de
qualquer
função
pública
(sejam
decorrentes
de
concurso público, de confiança ou de mandato eletivo)
por 8 anos, sem prejuízo das demais sanções judiciais
cabíveis (art. 52, parágrafo único). (Lenza, 2014, p.749)
Questão interessante é a renuncia do Presidente durante o tramite
do processo. Dispõe o art. 15 da Lei n° 1.079 de 1950 que “a denuncia só
poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer
motivo,deixado definitivamente o cargo”. Contudo o STF, ao analisar
mandado de segurança impetrado pelo ex- presidente Fernando Collor,
por maioria de votos, decidiu que a renuncia ao cargo não extingue o
processo quando já instaurado (MS 21.689-1).
Havendo a condenação pela infração política-administrativa, o
Presidente perde seu cargo imediatamente. Nesta hipótese quem assume
a presidência será o Vice-Presidente e somente este não poder assumir,
será feita nova eleição de forma direta ou indireta.
CONCLUSÃO
A democracia pressupõe equilíbrio de poderes, probidade e
moralidade na Administração Pública, predicados de construção e
manutenção de uma ordem justa e equilibrada. Dentre os instrumentos de
garantia desta probidade e moralidade está o instituto do impeachment, o
qual, conforme visto, deita suas raízes no direito inglês, estando previsto
atualmente na Constituição brasileira de 1988 e tendo também seu
procedimento previsto na Lei n.º 1.079 de 1950.
A história constitucional brasileira, apesar de ter positivado há
muito o instituto do impeachment nos textos legais, somente uma vez, com
Fernando Collor, assistiu a um impeachment, o que demonstra o fato de
que, na prática não ser fácil acusar e julgar um Presidente da República
por crime de responsabilidade.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília: Senado, 2014.
.
BROSSARD, Paulo. O impeachment. Porto Alegre: Globo, 1965.
NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 9ª. Ed. São
Paulo: Gen, 2014
GALLO, Carlos Alberto Provenciano. Crimes de responsabilidade: do
impeachment. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1992.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional, 5. ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
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