PROPOSTAS PEDAGÓGICAS PARA O USO DA NARRATIVA
TRANSMÍDA NAS AULAS DE LITERATURA
Daniele Toledo Machado1 (UCB)
Resumo: O século 21 veio marcado pela tecnologia, e nele nasceu uma
geração de alunos dependentes dos aparelhos eletrônicos. Assim,
percebemos os desafios que os professores têm enfrentando dentro da
escola, principalmente nas aulas de literatura. Os alunos leem 400 páginas
das aventuras de Harry Potter, mas não se sentem atraídos por Machado de
Assis (obrigatório para o vestibular da UnB). Acreditamos que o fenômeno
está associado ao conceito de narrativa transmídia, criado por Jenkins
(2009), e comumente aplicado à história do bruxo. A transmídia possibilita
a construção da autonomia intelectual a partir da leitura de obras
complexas e rompe com as verdades absolutas impostas por professores. O
objetivo desta análise é associar tecnologia móvel à literatura.
Apresentaremos a narrativa transmídia como instrumento de estímulo ao
educando a fim de torná-lo capaz de trabalhar com diferentes
interpretações das obras literárias, relacionando o conhecimento adquirido
por meio da obra com aquele que ele produz como sujeito social. A
intenção é mostrar o uso de diferentes tipos de letramentos que o aluno
pode ter acesso diariamente no processo de ensino e aprendizagem. Ele
deve compreender que a sociedade somente é construída e transformada
em razão da intervenção e da interpretação de diferentes fatores.
Palavras-chaves: Tecnologia móvel. Narrativa transmídia. Literatura.
Abstract: The 21st century came marked by technology and from that a
generation of students was born dependent on electronic gadgets. Thus,
we can see the challenges that teachers have endured in the school,
especially in the literature classes. Students read 400 pages of Harry
Potter’s adventures, but they do not feel captivated by Machado de Assis
(mandatory for UnB’s admittance exam). We believe that this phenomenon
is associated to the concept of transmedia storytelling, created by Jenkins
(2009), and commonly applied to the warlock’s history. The transmedia
allows the construction of an intellectual autonomy from the reading of
complex works and severs with the absolute truths imposed by teachers.
This analysis objective is to associate mobile technology to literature. We
will present the transmedia storytelling as an instrument of stimuli to the
educating in order to make it capable of working with literary works’
different interpretations, connecting the acquired knowledge through the
work with that that it creates as a social subject. The intention is to show
the usage of different literacy types that the student can access daily in
1
Daniele Toledo MACHADO, Pós-graduanda em Leitura e Produção de Textos.
Universidade Católica de Brasília
E-mail: [email protected]
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the process of teaching and learning. He must understand that the society
is build and changed due to the intervention and interpretation of multiple
factors.
Keywords: Mobile technology. Transmedia storytelling. Literature.
Introdução
O ato de ler não é a tarefa mais simples dentro do ambiente escolar, ele é
complexo e se desenvolve em múltiplas direções e sentidos. Para Jouve (2002,
apud ROUXEL, 2013), a leitura é uma operação de percepção e de identificação dos
signos antes que seja feita qualquer análise do conteúdo. É um processo cognitivo
que exige competência e certo saber por parte do leitor, caso ele queira prosseguir
com a leitura.
Ninguém nasce sabendo ler. Aprende-se a arte da leitura à medida que se
vive e, dessa forma, lê-se para entender o mundo e para viver melhor. Em nossa
cultura, quanto mais ampla a concepção de mundo e de vida, maior será a “sede”
pelos livros. É o que podemos chamar de “mundo da leitura à leitura do mundo”,
como explicita Marisa Lajolo (1993). Para a autora, “ou o texto dá um sentido ao
mundo, ou ele não tem sentido nenhum” (LAJOLO, 1993, p. 15).
Atualmente, existe uma grande questão que envolve a leitura e está
relacionada ao ensino da literatura nas escolas. Percebemos que na disciplina de
Língua Portuguesa os alunos têm rendimento satisfatório em gramática e redação,
mas esse desempenho não se iguala quando o assunto é literatura.
O ensino da língua vai se renovando aos poucos, mas no que se refere à
literatura ainda existe certa resistência. Tal postura contribui para que ela atue
como coadjuvante na formação das crianças e dos adolescentes.
A explosão das novas tecnologias, o seu acesso facilitado e a adesão maciça
dos estudantes aos diversos dispositivos móveis, trouxe à tona algumas
problemáticas: Qual é a importância da literatura na vida do estudante? Qual é o
nível de interesse do aluno nas obras literárias adotadas pela escola? É possível
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pensar na relação entre o ensino de literatura e a tecnologia? O professor está
disposto a aderir os dispositivos tecnológicos e a mudar sua postura dentro da sala
de aula?
Pensando nessas questões, desenvolvemos a pesquisa a fim de investigar as
causas da resistência em estudar literatura. O método utilizado foi o questionário,
aplicado em uma escola particular de Brasília, quando foram entrevistados 105
alunos do ensino médio (faixa etária entre 14 e 18 anos), além da revisão
bibliográfica sobre o tema. O estudo realizado pretende demonstrar que a
narrativa transmídia é uma proposta pedagógica viável para as aulas de literatura
desses alunos, uma vez que, além de ferramenta, privilegia os multiletramentos e
trata o educando como o nativo digital que é.
Nativo digital versus imigrante digital
Conforme leciona Prensky (2001), o nativo digital é aquele que nasceu
cercado pelas novas tecnologias. Ele usa computadores, videogames, players de
música, câmeras de vídeo, celulares, entre outras ferramentas do mundo digital,
com muita facilidade e destreza. Os alunos que estão hoje nos bancos das escolas
constituem o grupo dos nativos digitais e, nessas condições, processam as
informações diferentemente dos imigrantes digitais.
O professor, por sua vez, é um sujeito imigrante digital e a velha fórmula de
sentar-se enfileirado diante dele na sala de aula já não funciona mais. O método
tem como foco o próprio professor (postura de palestrante), quando na realidade o
aluno tem a necessidade de interagir.
O professor do século 21 não deve ser o transmissor de interpretações
institucionalizadas. Quando tratamos dos clássicos da literatura, os discursos
prontos se sobressaem: abordagens que não tomam o texto como referência, mas
as informações históricas e formais sobre os autores e suas respectivas obras.
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O aluno nativo digital quer ver acolhida a sua própria proposição, quer
investigar, pesquisar, dialogar, trocar informações. Não se ensina literatura, se
vive literatura. O livro literário, muito mais do que apenas informar, contribui para
que o leitor pense, reinvente, critique e se torne um formador de opinião.
A pesquisa revelou que dentro daquele contexto escolar (estudantes de classe
média e classe média-alta) 88% têm interesse por algum tipo de leitura, mas
quando perguntado a respeito dos livros adotados pela escola, 81% dos
entrevistados responderam que têm pouco ou nenhum interesse. A partir da
postura dos alunos, foi possível concluir que o problema não é ter gosto pela
leitura, mas pelo tipo de livro que é imposto a ele. Ainda sobre o tema, a maioria
absoluta dos estudantes se mostrou insatisfeita com a forma como as aulas são
ministradas. Para 96% deles, o uso das novas tecnologias pode contribuir para
aumentar o rendimento das aulas de literatura.
Os números ainda nos mostra a realidade do ensino descrita por Tapscott
(2004):
Se alguém, congelado há 300 anos, acordasse hoje e observasse as
profissões — um médico numa sala de cirurgia, um piloto na cabine de um
jato, um engenheiro projetando um automóvel com sistema de CAD —,
certamente ficaria maravilhado ao ver como as tecnologias transformaram
o trabalho. Mas se a mesma pessoa entrasse numa sala de aula na
universidade, não teria dúvida de que algumas coisas não mudaram.
O conflito entre nativos (estudantes) e imigrantes (professores) digitais pode
ser mais bem ilustrado pelo quadro a seguir:
Quadro 1: Diferença de comportamento entre nativos e imigrantes digitais
ESTUDANTES NATIVOS DIGITAIS
PROFESSORES IMIGRANTES DIGITAIS
Preferem receber rapidamente informação de
múltiplas fontes.
Preferem a transmissão de informação de forma
lenta e controlada, com recurso a fontes
limitadas como as aulas e os manuais escolares.
Preferem realizar múltiplas tarefas em
simultâneo (estudar, ouvir música, pesquisar na
internet, enviar mensagens, por ex.).
Preferem realizar uma tarefa de cada vez.
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Preferem aprender através de vídeos, imagens e
sons em vez de textos.
Preferem ensinar recorrendo ao texto do
manual escolar.
Preferem aceder à informação de forma
aleatória, explorando os hiperlinks de modo
livre e caótico.
Preferem seguir o programa da disciplina e
transmitir a informação de forma lógica e
sequencial, ou seja, passo a passo.
Preferem estar conectados e interagir com
muitas pessoas, em simultâneo.
Preferem que os estudantes trabalhem sozinhos.
Preferem aprender “just-in-time”.
Preferem ensinar “just-in-case”.
Preferem ser gratificados instantaneamente e
receber prêmios imediatos.
Preferem adiar as gratificações e os prêmios
para o final do período ou do ano letivo.
Estão orientados para o jogo, preferindo
aprender o que é relevante, imediatamente útil
e divertido.
Estão orientados para o trabalho, limitando-se a
cumprir o programa e a fazer os testes de
avaliação.
Fonte: http://pt.scribd.com/doc/9196803/Estudantes-Nativos-Digitais-Tabela
O perfil do aluno de literatura no ensino médio
No ensino médio, o adolescente tem acesso ao que chamamos de clássicos da
literatura (nacional ou não). O contato com o texto canônico eleva o nível de
leitura e exige maior grau de compreensão e interpretação daquilo que se lê.
Em Brasília, a escolha dos livros adotados pelas escolas ocorre em razão da
lista de obras cobradas pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade
de Brasília (UnB). Podemos citar: no 1º ano do ensino médio, O Príncipe
(Maquiavel) e Marília de Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga); no 2º ano, Dom
Casmurro (Machado de Assis) e Otelo, O Mouro de Veneza (William Shakespeare); e
no 3º ano, São Bernardo (Graciliano Ramos) e A Hora e a Vez de Augusto Matraga
(Guimarães Rosa).
Embora se espere mais experiência e maturidade do leitor dos anos finais da
educação básica, na maioria dos casos, ele nem sequer percebe as características
apontadas como específicas das escolas ou períodos literários; apresenta
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dificuldade em interpretar a ironia e o humor característicos de certos autores;
tem resistência ao vocabulário rebuscado e ainda esbarra no ensino “engessado”.
Por questão de praticidade e economia de tempo, os alunos optam por
resumos disponíveis na internet, filmes e/ou adaptações que são facialmente
acessados por qualquer dispositivo móvel conectado à rede mundial de
computadores.
O perfil do leitor do ensino médio é o que Rita Jover-Faleiros (2013, p.120)
chama de “leitor compulsório”, “[...] que deve reproduzir determinado discurso
sobre aquilo que lê, constando que os métodos para a análise de obras literárias
por vezes prevalecem sobre o próprio objeto”.
Conforme explicitado anteriormente, esta pesquisa conseguiu desmistificar a
ideia de que os jovens de hoje não gostam de ler. Pelo contrário, o interesse pela
leitura está relacionado à necessidade informativa ou recreativa do adolescente e
ele a encontra nas obras de ficção, que por sua vez desencadeiam o processo de
identificação do sujeito-leitor com os elementos da narrativa. Quando a obra de
ficção rompe com as expectativas do leitor é o momento em que surge o diálogo, o
questionamento, as propostas de inovação e a expansão do horizonte cultural desse
leitor.
Se a história policial ou a novela romântica explorarem questões sociais ou
psicológicas aprofundadas, se forem construídas a partir de propostas
estruturais e linguísticas inovadoras, elas vão desestabilizar o leitor, tirá-lo
de seu conforto, obrigá-lo a fazer esforços para continuar a leitura; a
partir desse momento, ele não será o mesmo, tornando-o capaz de novos
voos.
Ler ficção é, portanto, duplamente gratificante. Quando entramos em
contato com o desconhecido, temos a satisfação de encontrar a nós
mesmos no próprio texto, num processo rápido de identificação que
facilita a acomodação. [...] A tensão entre esses dois polos, o agradável
conhecido e o estranho desconhecido, patrocina a forma mais efetiva e
gratificante de leitura (Aguiar, 2013, p. 160).
A realidade exposta pela autora supracitada explica o sucesso de obras como,
as aventuras do bruxo Harry Potter e a história de amor vivida na Saga Crepúsculo.
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Ambas as coleções expõem questões existenciais presentes em nossa sociedade
(amor, morte, sofrimento etc.), porém essas mesmas sensações também estão
presentes nos clássicos. Quem nunca sofreu por Capitu, de Dom Casmurro, ao saber
que ela ficou estigmatizada por um ato que talvez nunca tenha cometido?
A escola tem um cronograma a ser seguido e não podemos interferir ou
substituir as obras clássicas por aquelas que sejam do gosto dos alunos. Então,
como fazer com que o estudante do ensino médio tenha tanto interesse pela leitura
canônica como tem pela ficção? Este estudo concluiu que dinamizar as aulas por
meio das novas tecnologias é a solução mais adequada.
Devemos promover a integração das tecnologias de modo criativo e
inteligente, no sentido de desenvolver a autonomia e a competência do estudante
e do professor enquanto “usuários” das tecnologias de informação e comunicação
(TICs), e não como meros receptores. Diante dessa afirmação, apresentamos a
narrativa transmídia ou, no original em inglês, transmedia storytelling.
O que é narrativa transmídia e por que ensiná-la
“Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de
mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o
todo.” (JENKINS, 2009, p. 138).
Henry Jenkins é professor de Ciências Humanas, fundador e diretor do
programa de Estudos de Mídia Comparada do Massachusetts Institute of Tecnology,
autor da obra Cultura da Convergência e um dos pesquisadores mais influentes na
área de mídias que se tem na atualidade.
Obviamente, a cultura da convergência não é algo atual, mas a concepção do
termo “narrativa transmídia” é atribuída a Jenkins. De acordo com os
ensinamentos do autor, o termo em questão foi incialmente incorporado à
publicidade com objetivo de estimular a venda de produtos (brinquedos, filmes,
livros, games etc.) referentes a determinadas franquias (Matrix, Star Wars, entre
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outras), em que cada um desses produtos é um ponto de acesso à franquia como
um todo.
Para que se tenha uma narrativa transmídia é necessário que a história seja
desenvolvida em uma plataforma principal (que pode ser o livro impresso, no caso
da literatura) e em outras secundárias (redes sociais, por exemplo) que, juntas,
provocam a total imersão do autor dentro daquela história, incentivando a
interação. Antes de prosseguir com o estudo, é imprescindível informar que a
simples adaptação de um romance em filme e/ou novela não se configura como
narrativa transmídia.
A proposta de ensinar por meio da narrativa transmídia foi pensada como meio
de poder ir além das práticas meramente instrumentais, discutidas anteriormente,
pois exige a constante atualização da formação dos professores e abrange diversas
maneiras de aprendizado, estudo e ensino. Certamente, os jovens alunos terão
interesse em repartir uma grande obra literária entre várias plataformas de mídia e
cada qual com o seu melhor potencial para expressar, ilustrar, construir,
desconstruir e continuar determinada história.
A multimídia formada a partir dessa conexão entre o texto com os sons, as
imagens e o movimento, quando vai ao encontro do hipertexto, caracteriza o que
Santaella (2007, p. 317) chamou de hipermídia — mistura de dados interconectados
por meio de links. Segundo a autora, a hipermídia faz referência ao “[...]
tratamento digital de todas as informações (som, imagem, texto, programas
informáticos) com a mesma linguagem universal”.
A geração dos nativos digitais está tão familiarizada com o tipo de discurso
que circula no meio digital, que não há mais como adiar, dentro da sala de aula, o
envolvimento com as produções a que os alunos estão em contato fora do ambiente
escolar. O professor deve estar atento a essa mudança e não se curvar diante das
dificuldades em ser um imigrante digital, pois a narrativa transmídia presta um
auxílio ao currículo escolar e possibilita que o educador vivencie novas maneiras de
lecionar a literatura por meio das novas tecnologias.
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Ensinar sobre uma obra escrita no século 19 (Machado de Assis, por exemplo)
por meio da narrativa transmídia promove o diálogo entre o passado e o presente e
permite a discussão de uma série de questões que podem despertar o interesse do
aluno. É fazer uso da tecnologia para compreender a obra e o seu tempo e como a
história ainda pode nos influenciar na atualidade.
Por fim, para que esse fenômeno ocorra, é imprescindível que o aluno tenha
acesso à obra por completo e não por resumos ou leitura de fragmentos. A leitura
integral, entre outros fatores, constrói o personagem e estimula a imaginação do
leitor para articular a histórica lida e o contexto sociocultural em que está
inserido. A leitura que se faz de um livro nunca é única, as histórias são formadas
como imagens de um caleidoscópio e o que muda são as posições dos elementos.
Possíveis contribuições da narrativa transmídia nas aulas de
literatura
Os questionários aplicados revelaram que 100% dos entrevistados têm acesso à
internet em casa ou na escola, e são usuários das redes sociais. O estudo também
apontou que 98, dos 105 alunos pesquisados, passam mais de três horas diárias
conectados à rede. Os dados se tornam relevantes para a aplicação da narrativa
transmídia, à medida que o aluno pode acessar o conteúdo das aulas dentro e fora
do ambiente escolar, já que passa tanto tempo navegando no ambiente virtual. No
intervalo entre a leitura de um e-mail, ou da conversa em chats, o estudante pode
interagir com a disciplina e com os demais alunos que estiverem igualmente
conectados.
Após a análise dos dados e da percepção de que os alunos estão totalmente
inseridos no contexto digital, é chegada a hora de o professor avaliar e decidir
como fará o uso da transmídia nas aulas de literatura. O primeiro passo é a análise
da narrativa. Sabemos que as obras literárias, em geral, trazem ações que
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envolvem os personagens em conflitos, transformações, dor, perda, superação, ou
simplesmente deixam ao gosto do leitor o destino daquela história.
O importante é a existência de uma problemática que desperte a atenção do
aluno e o estimule a ler, a pensar e a desenvolver o texto. A narrativa transmídia é
a leitura além do livro e para que ela exista é extremamente necessário
desenvolver narrativas complementares (é complementar, pois não é essencial ao
entendimento do leitor) à obra, mas que se forem lidas de forma independente não
descaracterizarão o original. A intenção é enriquecer o texto clássico, tornando-o
mais atrativo.
A partir da estruturação da narrativa, o segundo passo é a escolha das mídias.
Esse momento exige cautela, pois não adianta “jogar” o conteúdo na internet e
deixar que os alunos naveguem livremente. O professor deve assumir o papel de
mediador, mas para isso precisa conhecer o potencial de cada mídia, além de saber
utilizar as ferramentas disponíveis.
Com base nos conhecimentos dos alunos e na popularidade dos gêneros
digitais, elegemos três por se caracterizarem como sendo de fácil acesso e
manuseio, e com alto potencial de eficácia no ensino da literatura, são eles: redes
sociais, blogs e fan fiction.
Redes sociais
As redes sociais tornaram-se meios de comunicação e interação eficazes e
muito utilizadas pelos nativos digitais. Hoje, é muito comum ver crianças cada vez
mais novas acessando o Facebook. No caso da escola pesquisada, todos os alunos
entrevistados disseram ter perfil social no Facebook e/ou Twitter.
Esses alunos, assim como qualquer usuário de uma rede social, é um
participante autônomo que interage com outros participantes em busca de um
objetivo, não importando a localização geográfica ou de qual tecnologia (móvel ou
não) se dará o acesso. Trata-se de um espaço democrático em que até os alunos
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mais tímidos podem se expressar sem precisar expor a opinião em voz alta e na
frente de outros colegas de classe.
Dentro da narrativa transmídia, as redes sociais podem contribuir da seguinte
forma: criação de grupos de discussão — grupo fechado em que os estudantes
discutirão suas impressões sobre a obra, além de servir como espaço para expor e
esclarecer dúvidas —; perfil social do personagem — a maioria dos clássicos foram
escritos em séculos passados e o perfil social é uma forma de os estudantes
trazerem os personagens para a realidade do século 21. Como se comportariam?
Quais seriam seus anseios?
Lembrando que para dialogar com o personagem é
preciso ter conhecimento do inteiro teor da obra —; e microcontos — como o
próprio nome sugere, são pequenas histórias, escritas com pouquíssimos caracteres
e que a partir de um conto inicial, os alunos poderão continuá-lo por meio de
outros pequenos contos.
É interessante frisar que o estudo iniciado dentro da sala de aula se expande
por meio das redes sociais, nas quais os estudantes podem colaborar e interagir por
meio de um smartphone, por exemplo. Quando inscrito nos grupos, as redes sociais
notificam os integrantes sempre que há uma atualização, ou seja, é possível
acompanhar os estudos por qualquer dispositivo móvel, não sendo preciso esperar
até a aula seguinte para contribuir com o estudo.
Blogs
Os blogs, desde sua criação, passaram a ficar cada vez mais populares por ser
uma ferramenta fácil de alimentar, editar e atualizar o conteúdo já publicado.
Inicialmente, os usuários os utilizavam como diários online e escreviam textos mais
longos e detalhados sobre sentimentos, viagens etc.
O conceito se expandiu e atualmente temos uma gama de manifestações
circulando nos blogs (blog jornalístico, blog humorístico, blog religioso, entre
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outros). Um blog em especial é o que nos chama a atenção: o blog literário. Tratase de um espaço capaz de reunir textos de diversos gêneros.
O professor, por meio do blog, pode trabalhar com artigos de opinião, contos,
tutoriais, comentários e a interdisciplinaridade, integrando a escrita, o som e as
imagens estática e dinâmica.
Embora a interação nas redes sociais aconteça de forma mais rápida e
dinâmica, no blog é possível reunir maior número de informações, principalmente
no que se refere a conteúdos de pesquisa. Tanto o blog quanto as redes sociais
precisam ser mediadas pelo professor para evitar a dispersão dos alunos com
assuntos que não se relacionam à obra estudada ou para conter postagens “pobres”
daqueles que só leem resumos ou assistiram a alguma adaptação cinematográfica.
Fan fictions
A nomenclatura se refere a uma experiência de escrita colaborativa, criativa,
que pertence a uma base de fãs (fandom) e é atualmente desenvolvida em meio
eletrônico. É uma história escrita por fãs, a partir de uma narração original (livro,
quadrinhos, séries de TV etc.). Geralmente a plataforma escolhida para publicação
é um blog ou qualquer outro tipo de página que permita a mídia escrita.
Os fanfics (termo reduzido para fan fiction) não nasceram na internet.
Inicialmente, eram produzidos e distribuídos de forma impressa, dentro de
comunidades particulares de fãs e que somente eles tinham acesso à produção
(JENKINS, 1992).
Este gênero traduz a mais pura essência do que é uma narrativa transmídia.
Ele pode e deve ser usado pelo professor, principalmente após o uso das
ferramentas anteriormente citadas, como forma de trabalho de conclusão da
disciplina literatura, permitindo a transposição para a esfera escolar de uma
prática tão comum entre os nativos digitais.
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O escritor da fan fiction mescla o discurso do autor com o do leitor, quando a
história é recontada, produzindo além do que foi dado. O aluno, como autor de
uma fan fiction, passará a pensar na maneira como escreve, no domínio da língua,
na sua maturidade enquanto escritor e no seu conhecimento de mundo. Esse
fenômeno acontece porque os textos são publicados, lidos e comentados por outros
leitores.
A literatura, do ponto de vista da disciplina, exclui obras valorizadas fora da
escola, pois não são legitimadas como parte integrante do seleto grupo canônico.
Ao pensar em uma pedagogia dos multiletramentos que atenda o novo perfil do
aluno, não podemos excluir os três gêneros citados neste estudo. Os próprios
alunos sentem a necessidade de deslocar o estudo dos clássicos para o universo
digital e trabalhá-los sob a perspectiva juvenil.
Podemos pensar como seria uma fan fiction de Dom Casmurro: imagine um
desfecho contado por Capitu, em pleno século 21, assumindo a culpa pela traição
por se considerar uma mulher moderna que não teme represálias da sociedade e
que sentiu a necessidade de dar um rumo melhor a sua vida. Isso é a narrativa
transmídia! Um misto de cultura popular e erudita, mas que ainda é mantida na
“periferia” da escola.
Considerações finais
Os dados coletados na pesquisa e o perfil do estudante nativo digital só
reforçaram a necessidade de uma mudança imediata na postura escolar em relação
às aulas de literatura. Nossos alunos, em vez de devidamente orientados, estão
desinteressados pela leitura dos clássicos. Conceitos repetitivos e ultrapassados
são, diariamente, repassados aos estudantes.
Não adianta dizer que tal autor pertence à determinada escola literária. O
aluno que entender a obra e o motivo pelo qual ele está sendo obrigado a lê-la.
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Ensinar literatura se tornou apenas uma obrigação, talvez o próprio professor não
veja utilidade prática nesse ensino.
No intuito de mudar o atual cenário educacional, trouxemos a narrativa
transmídia como proposta de ensino da literatura. Esperamos que as ideias aqui
expostas sirvam de inspiração aos professores e promovam a mudança na postura
adotada na sala de aula.
Referências
AGUIAR, Vera Teixeira de. O saldo da leitura. In: Dalvi, Maria Amélia (Org.).
Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. 166 p. p. 153-162.
FALEIROS, Rita Jover. Sobre o prazer e o dever ler: figurações de leitores e
modelos de ensino da literatura. In: Dalvi, Maria Amélia (Org.). Leitura de
literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. 166 p. p. 113-134.
JENKINS,Henry. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009. 428 p.
______. Textual poachers: television fans and participatory culture. 1. ed. Nova
York: Routledge, 1992. 424 p.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 2. ed. São Paulo:
Ática, 1993. 112 p.
PRENSKY, Marc. Digital natives, digital immigrants. MCB University Press, 2001.
ROUXEL, Annie. Aspectos metodológicos do ensino da literatura. In: Dalvi, Maria
Amélia (Org.). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. 166 p.
p. 17-34.
SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. 1. ed. São Paulo:
Paulus, 2007. 472 p.
TAPSCOTT, Don. Educação digital. Info Exame, 2010. Disponível em:
<http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/artigo-educacao-digital12072010-1.shl>. Acesso em: 10 jul. 2013.
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propostas pedagógicas para o uso da narrativa transmída nas aulas