Um caminho negativo para o crescimento? Nos últimos seis anos, a política monetária tornou-se cada vez mais não convencional, com os bancos centrais praticando taxas de juros próximas de zero, o Quantitative Easing, a flexibilização do crédito, o Forward Guidance e ilimitadas intervenções cambiais. Contudo, surge o instrumento mais inusitado: taxas de juros nominais negativas. Essas taxas prevalecem atualmente na zona do euro, Suíça, Dinamarca e Suécia. E não são apenas as taxas de política de curto prazo que estão em terreno negativo em termos nominais: aproximadamente US$ 3 trilhões em ativos na Europa e no Japão, com prazos de vencimento de 10 anos (no caso de títulos do governo suíço), passaram a apresentar taxas de juros negativas. À primeira vista, isso parece absurdo: por que alguém iria querer emprestar dinheiro para obter um retorno nominal negativo quando poderia simplesmente entesourar o dinheiro e, pelo menos, não perder em termos nominais? De fato, os investidores têm aceitado retornos reais negativos (ajustados pela inflação). Para a maioria das pessoas que vivem nas economias avançadas, quando você mantém uma conta em um banco não existe remuneração alguma. Assim, descontada a inflação, o retorno real é negativo: daqui a um ano, seu saldo de caixa poderá comprar menos bens do que o faz hoje. E se você considerar as taxas que muitos bancos impõem para a manutenção dessas contas, o retorno nominal efetivo já será negativo, mesmo antes que os bancos centrais promovessem taxas nominais de juros negativas. Em outras palavras, as taxas nominais negativas simplesmente tornam o retorno mais negativo do que já era. Assim, em certo sentido, investidores aceitarem retornos negativos para a conveniência da gestão dos saldos de caixa não representaria nenhuma novidade. Além disso, se a deflação fosse estabelecida na zona do euro e em outras partes do mundo, o retorno nominal negativo poderia estar associado a um retorno real positivo, devido à deflação persistente e as taxas de juro perto zero de muitos ativos. Essa tem sido a experiência histórica do Japão nos últimos 20 anos. Assim, ao invés de manter um ativo com um retorno negativo, poderia fazer sentido pensar em guardar dinheiro em espécie. Mas isso pode ser arriscado. Os poupadores gregos, preocupados com a segurança de suas poupanças, aprenderam a guardar em colchões e paredes. Com isso, o número de assaltos armados às casas aumentou muito e, em alguns casos, o dinheiro foi devorado pelos roedores. Então, se considerarmos os custos de detenção de moeda com segurança e os benefícios da conta corrente, faz sentido aceitar um retorno negativo para os depósitos. Adicionalmente, os poupadores de varejo e bancos com excesso de reservas obrigatórias não têm alternativa à aceitação de taxas de juros negativas que os bancos centrais determinam. Na verdade, a opção de não aceitar e manter os recursos os impede de gerir e transferir essas reservas excedentes, o que seria possível por meio de uma conta com rendimento negativo junto ao Banco Central. É claro que isso só será verdade quando a taxa nominal de juros não for muito negativa. Caso contrário, a mudança para o dinheiro – apesar dos custos de armazenamento e segurança – começaria a fazer mais sentido. Mas por que os investidores aceitariam um retorno nominal negativo por três, cinco ou mesmo dez anos? Nos casos de Suíça e Dinamarca, os investidores optariam pela exposição a fim de esperar uma apreciação da moeda em termos nominais. Se pouco antes do Banco Central suíço mudar sua política cambial você tivesse mantido ativos em franco suíço com retorno nominais negativos, em uma noite poderia ter obtido retorno de 20% – e o retorno nominal negativo seria um preço pequeno a pagar para um grande ganho de capital. E ainda, títulos com rendimentos negativos também podem ser observados em países e regiões onde a moeda está se desvalorizando e, provavelmente, continuará se depreciando, como na Alemanha, outras partes do núcleo da zona do euro e Japão. Então, por que os investidores gostariam de manter esses ativos? Muitos investidores de longo prazo, como as companhias de seguros e fundos de pensão não têm alternativa, são obrigados a manter os seus recursos em investimentos mais seguros. Naturalmente, os retornos negativos podem comprometer os balanços patrimoniais: um plano de pensão com benefício definido precisa de retornos positivos para atingir o ponto de equilíbrio financeiro. Com a maior parte de seus ativos apresentando uma remuneração nominal negativa, bons resultados tornam-se cada vez mais difíceis de serem alcançados. Mas, dados os passivos de longo prazo (créditos e benefícios) de tais investidores, o mandato é o de se investir principalmente em títulos, que são menos arriscados do que ações ou outros ativos voláteis. Mesmo que os retornos nominais sejam negativos, eles devem optar pela segurança. Além disso, em um ambiente em que os investidores são avessos ao risco ou quando ações e outros ativos estão sujeitas às oscilações de mercado e/ou incerteza de crédito, pode ser melhor manter títulos com rendimento negativo do que ativos mais arriscados e voláteis. Ao longo do tempo, é claro, os retornos nominais e reais negativos podem levar os indivíduos a pouparem menos e gastarem mais. E isso é exatamente o objetivo das taxas de juros negativas: em um mundo onde a oferta excede a demanda e muita poupança persegue poucos investimentos produtivos, a taxa de juros de equilíbrio é baixa, se não for negativa. Na verdade, se as economias avançadas sofrerem da “estagnação secular”, um mundo com taxas de juros negativas nos títulos de curto e de longo prazo poderia se tornar o novo normal. Para evitar isso, os bancos centrais e as autoridades fiscais necessitam buscar políticas para impulsionar o crescimento e induzir a inflação positiva. Paradoxalmente, isso implica em um período de taxas de juros negativas para induzir poupadores a pouparem menos e gastarem mais. Mas também requer estímulo fiscal, especialmente o investimento público em projetos de infraestrutura que geram retornos mais elevados do que os títulos usados para financiá-los. Quanto mais essas políticas forem adiadas, mais tempo teremos que conviver com o mundo invertido das taxas de juro nominais negativas. Nouriel Roubini - Professor da NYU’s Stern School of Business e Chairman da Roubini Global Economics. Trabalhou no Fundo Monetário Internacional, no Federal Reserve e no Banco Mundial. Copyright: Project Syndicate, 2015. Artigo originalmente publicado em 28.02.15, traduzido e adaptado pela Assessoria Econômica da ABBC.