clínica médica
Por MACHADO, T.V. e BRIZZOTTI, M. M.
Miastenia
grave em cã
A
miastenia grave é uma
desordem neuromuscular que resulta em
fraqueza dos músculos
esqueléticos, do esôfago, da faringe ou da
laringe. Os sinais clínicos mais frequentes incluem intolerância a exercícios,
megaesôfago, ventroflexão do pescoço,
dificuldade para engolir, hipersalivação,
regurgitação, incapacidade de cerrar
as pálpebras e disfonia. O histórico e
o exame físico proporcionam indícios
importantes para iniciar um correto
diagnóstico. O teste mais específico para
confirmar a miastenia grave adquirida é
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a imunoprecipitação por radioimunoensaio
para detecção de anticorpos circulantes
contra o receptor de acetilcolina. Várias
opções terapêuticas são utilizadas, mas o
tratamento deve ser adaptado às necessidades específicas do paciente. O prognóstico é
reservado devido à propensão para desenvolver severa pneumonia aspirativa.
A etiologia da miastenia grave permanece ainda obscura. Na espécie humana
onde o assunto vem sendo estudado,
pouco se sabe ainda em definitivo. O
potássio desempenha um papel certo e
importante na etiopatogenia da doença,
que cursa com hipocalemia e os sais de
potássios têm uma ação eficiente no tra-
tamento. Foram descritas duas formas, uma
congênita e outra adquirida.
A adquirida é um distúrbio imunomediado em que são direcionados anticorpos
contra os receptores de acetilcolina na junção neuromuscular. Os anticorpos ligam-se
aos receptores, reduzindo a sensibilidade
da membrana pós-sináptica ao transmissor
acetilcolina.
A forma congênita resulta da deficiência
hereditária de receptores de acetilcolina nas
membranas pós-sinápticas da musculatura
esquelética. Essa forma é descrita como herança de característica recessiva autossômica
em jack russell terriers, springerspaniels
e fox terriers de pêlo liso. Há maior inci-
Foto: banco de imagem C&G
ão
}
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te, fraqueza da musculatura facial e, até
mesmo, dormir com os olhos abertos.
O histórico e o exame físico proporcionam indícios importantes para se iniciar
um correto diagnóstico. O teste mais
específico para se confirmar a miastenia
grave adquirida é a imunoprecipitação
por radioimunoensaio para detecção de
anticorpos circulantes contra o receptor
de acetilcolina.
Em alguns animais, com o teste
O histórico
e o exame físico
proporcionam
indícios
importantes
para se iniciar
um correto
diagnóstico
}
negativo para anticorpo sérico, podem
ser demonstrados imunocomplexos na
junção neuromuscular dos músculos
intercostais por métodos imunocitoquímicos. Em animais cujos resultados do
teste sorológico não estejam disponíveis
ou que se suspeita de doença congênita,
o diagnóstico pode ser confirmado anticolinesterásico de curta ação (Tensilon,
0,1 a 0,2 mg/kg/IV para cães e 0,2 mg IV
para gatos), fármaco que inibe a hidrólise
enzimática da acetilcolina na junção neuromuscular, permitindo que a acetilcolina
liberada dos terminais axônicos esteja
disponível por um período mais prolongado e, portanto, com maior oportunidade de ligar-se a receptores musculares e
iniciar um potencial de ação.
Em um paciente com miastenia deverá
haver melhora óbvia nos sinais clínicos
(p. ex. fraqueza) 30 a 60 segundos após
a administração de cloreto de edrofônio,
efeito que se mantém por cerca de 5 minutos. Em geral, faz-se um diagnóstico
empírico com base na resposta positiva a
uma aplicação de anticolinesterásico. Gatos não respondem tão previsivelmente
ao Tensilon, da maneira que o diagnóstico
pode ser mais difícil. A eletromiografia
(que mostra diminuição da resposta
dos potenciais de ação musculares a >
Foto: banco de imagem C&G
dência em pastores alemães, no caso de
cães, e abissínios e somalis, no de gatos.
Ambas as formas de miastenia têm sido
reportadas em gatos. Há distribuição
etária bimodal em cães jovens (média de
4 meses a 4 anos) e idosos (média de 9
a 13 anos).
Em alguns cães idosos encontrou-se
timoma com miastenia grave associada.
A miastenia também pode desenvolverse como um distúrbio paraneoplásico
associado à ampla variedade de tumores,
osteossarcoma e tumores pulmonares
primários. Cães de qualquer raça e idade
podem ser acometidos.
A principal anormalidade clínica
apresentada pela maioria dos animais é
a fadiga que se agrava progressivamente
com o exercício, presença de marcha
cambaleante antes de se deitar e intolerância ao movimento. Após breve
descanso, o animal é capaz de levantar e
andar novamente na maioria dos casos,
exceto nos mais graves. O estado mental, as reações posturais e os reflexos na
maioria das vezes, encontram-se normais.
Outros sinais podem incluir regurgitação,
causada por megaesôfago, hipersalivação,
dificuldade para engolir, disfonia, ventroflexão do pescoço, incapacidade de fechar
as pálpebras, dilatação pupilar persisten-
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clínica médica
Foto: divulgação
Imagem 1
estímulos nervosos repetitivos) pode
ser realizada como método auxiliar para
se chegar ao diagnóstico definitivo. Por
uma resposta positiva à administração de
cloreto de edrofônio.
Várias opções terapêuticas são utilizadas, mas o tratamento deve ser adaptado
às necessidades específicas do paciente.
Antes de iniciar uma terapia `a longo
prazo, devem ser avaliadas radiografias
torácicas para detectar megaesôfago,
pneumonia por aspiração ou timoma.
Muitos animais com miastenia morrem
em decorrência de pneumonia aspirativa.
Se houver megaesôfago, o animal deve
ser alimentado em plano elevado para
facilitar o esvaziamento do conteúdo
esofágico para o estômago.
A identificação de um timoma em
radiografias torácicas e na citologia deve
fazer com que se considere a exérese
cirúrgica, pois alguns animais mostram
melhora formidável da doença quando
se faz a timectomia. A administração de
anticolinesterásicos de ação prolongada
é quase sempre eficaz no controle de sinais clínicos da miastenia. Tem-se usado
brometo de piridostigmina (Mestinon,
0,5 a 3mg/kg/VO/2 a 3 vezes ao dia) em
cães. A dose deve ser individualizada com
base na resposta clínica. Em cães que
não podem tolerar a administração oral,
devido a presença de megaesôfago grave,
pode-se iniciar o tratamento com metilsulfato de neostigmina (Prostigmin, 0,01
a 0,04 mg/kg/IM/3 a 4 vezes ao dia). Em
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O tempo
entre o início
dos sinais
clínicos até a
remissão pode
variar de dias
a meses
}
animais com miastenia gravis adquirida,
algumas vezes são recomendadas doses
imunossupressoras de corticosteróides
(prednisona, 2 a 4 mg/kg a cada 24 horas,
reduzindo-se gradualmente a dose para
a terapia em dias alternados), além da
terapia com anticolinesterásicos. Embora
cães tenham sido tratados com sucesso
apenas com corticóides, a presença de
pneumonia por aspiração impede seu uso
na maioria dos animais com miastenia.
A resposta ao tratamento clínico pode
ser boa se forem evitadas as pneumonias
por aspiração e a dosagem excessiva de
anticolinesterásico. Alguns cães apresentam recuperação espontânea associada à
diminuição nos títulos séricos de anticorpos direcionados contra os receptores
de acetilcolina e não necessitam de tratamento posterior. O tempo entre o início
dos sinais clínicos até a remissão pode
variar de dias a meses, daí recomenda-se
a monitoração dos títulos de anticorpos
séricos contra receptores de acetilcolina
a cada 4 a 8 semanas. Geralmente existe
boa correlação entre o título de anticorpos e o estado clínico. O prognóstico
para a recuperação de pacientes com
megaesôfago grave é desfavorável.
Objetivo
O objetivo deste trabalho é relatar o caso
de um cão da raça poodle, com miastenia
grave e megaesôfago secundário e discutir
o tratamento e diagnóstico da doença.
Relato de caso
O Hospital Veterinário Animaniac’s (São
Paulo/SP) atendeu um cão, macho, com
2 anos de idade, da raça poodle, com
5kg de peso corpóreo e um histórico de
fraqueza muscular e vômitos frequentes
com evolução de 1 mês.
No exame físico constatou-se bom
estado nutricional, parâmetros fisiológicos normais (frequência cardíaca de
100 bpm, frequência respiratória de 16
rpm, temperatura retal 38,3ºC, mucosas
normocoradas, hidratação normal, nível
de consciência alerta), porém o animal
apresentava relutância em moviementarse, disfonia e fraqueza muscular generalizada (IMAGEM 1).
Foram realizados exames como hemo- >
clínica médica
Imagem 3
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Imagem 2
Fotos: divulgação
grama com pesquisa de hematozoários,
glicemia, lactato, dosagem de potássio,
função renal completa e função hepática
completa, com resultados dentro da normalidade. O exame radiográfico de tórax
apresentou acentuado megaesôfago cervical e torácico com deslocamento ventral
de traqueia (IMAGEM 2). Com os sinais
clínicos apresentados, fraqueza muscular
generalizada associada ao megaesôfago,
ausência de problemas dermatológicos e
dor suspeitou-se de miastenia grave com
megaesôfago secundário.
O protocolo de diagnóstico terapêutico para miastenia grave com o uso de
anticolinesterásico foi realizado e administrado sulfato de atropina (0,2 mg/
Kg via intramuscular) 15 minutos antes
da administração de neostigmina para
prevenir efeitos muscarínicos. Após este
tempo, foi administrado neostigmina na
dose de 2 mg/Kg via intravenosa. Cerca
de alguns minutos após a administração
do anticolinesterásico o animal apresentou melhora evidente ao caminhar e
conseguiu subir escada sem relutância
(IMAGEM 3). Este efeito durou cerca de
1 hora, portanto confirmada a suspeita
de miastenia grave.
O paciente permaneceu internado por
15 dias com prescrição de brometo de
piridostigmina 2 mg/Kg, a cada 12 horas,
por via oral, metroclopramida 0,5 mg/Kg
a cada 8 horas, por via intramuscular e
omeprazol 0,8 mg/Kg , a cada 24 horas,
por via oral. Durante todo o período de
internação o animal foi alimentado em
posição bipedal com alimentação pastosa,
cerca de 4 vezes ao dia. No retorno, após
10 dias da alta, o animal apresentava
melhora visível ao caminhar e ausência
de episódios eméticos. O tratamento foi
feito durante 30 dias, com melhora clínica evidente a cada dia, segundo relato
do proprietário. Foi retirado o brometo
de piridostigmina com redução gradativa
e cerca de 40 dias após a alta o animal
estava sem medicações em casa. O exame >
clínica médica
radiográfico do tórax foi repetido e não
havia mais a existência de megaesôfago.
O animal voltou a alimentar-se normalmente com dieta seca e apresentou cura
clínica.
O proprietário leva o animal mensalmente ao hospital para consulta de
rotina e o mesmo encontra-se em bom
estado geral cerca de 6 meses após a alta
hospitalar.
Discussão
Para determinar o diagnóstico definitivo
seria necessária a realização do teste eletromiográfico e imunocitoquímica para
localização de complexos imunes depositados nas junções neuromusculares.
Devido ao elevado custo desses exames e
não habituais, optou-se por estabelecer o
diagnóstico diferencial para outras possíveis causas de atrofia muscular e fraqueza
muscular acompanhada de megaesôfago,
além do diagnóstico terapêutico para
miastenia grave.
A determinação de miastenia grave
baseia-se nos sinais clínicos e principalmente no diagnóstico terapêutico,
obtendo melhora no estado geral, redu-
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ção dos sinais clínicos e estabilidade dos
parâmetros fisiológicos do animal.
Conclusão
O objetivo desse relato é demonstrar que
a determinação de um diagnóstico preciso muitas vezes é dificultada pela impossibilidade de métodos auxiliares eficazes
e pela multifatorialidade como causa de
doenças. O que faz com que médicos
veterinários clínicos de pequenos animais
basearem-se no diagnóstico terapêutico e
no conhecimento da história natural da
doença, em alguns casos específicos, para
chegar a essa determinação.
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MACHADO, T.V.
Médica veterinária (Hospital Veterinário
Animaniac’s) - [email protected]
BRIZZOTTI, M. M.
Médica veterinária (Hospital Veterinário
Animaniac’s)
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