XXIX CNMAC
Congresso Nacional de Matemática Aplicada e
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“ENCONTRO COM O MUNDO NÃO EUCLIDIANO”
Sergio Alves – IME USP
Luiz Carlos dos Santos Filho – Licenciado IME
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Índice
I
Objetivos.........................................................................................................
3
II
História.............................................................................................................. 4
A vida de Euclides.......................................................................................... 4
O método axiomático..................................................................................... 8
As fontes......................................................................................................... 11
O quinto postulado......................................................................................... 13
III
Pré requisitos.................................................................................................... 24
Trabalhando com o IGEOM............................................................................ 24
Potência de um ponto..................................................................................... 25
Inverso de um ponto....................................................................................... 26
Circunferências ortogonais............................................................................
IV
27
Modelo do disco de Poincaré.......................................................................... 28
Apresentação, definições e métrica............................................................... 28
Problema 1: Traçado de retas........................................................................ 33
Problema 2: Construção da perpendicular..................................................... 34
Problema 3: Construção da reta mediatriz..................................................... 36
V
Comparando as geometrias hiperbólica e euclidiana................................... 38
Figura 1 - Pontos............................................................................................ 38
Figura 2 - Retas.............................................................................................. 38
Figura 3 - Retas paralelas.............................................................................. 38
Figura 4 - Quantidade de retas paralelas por um ponto fora da reta dada.... 38
Figura 5 - Soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo............. 39
Figura 6 -Soma das medidas dos ângulos internos de um quadrilátero
convexo.......................................................................................................... 39
Figura 7 – Encontro das mediatrizes de um triângulo: circuncentro............... 39
Figura 8 – Encontro das alturas de um triângulo: ortocentro......................... 39
Figura 9 - Simétrico de um segmento............................................................ 39
Figura 10 – Circunferência hiperbólica........................................................... 39
VI
Repercussões..................................................................................................
41
VII
Bibliografia.......................................................................................................
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I. Objetivos
Temos como principal objetivo destas notas fornecer aos professores do ensino
médio um material didático que desperte seus alunos para algumas questões
fundamentais do desenvolvimento da Geometria, desde seus primórdios até a
descoberta das chamadas Geometrias não Euclidianas.
Além disso, pretendemos introduzir o mundo não Euclidiano (no caso a Geometria
Hiperbólica) por meio de algumas construções básicas utilizando recursos
computacionais (Software IGEOM), o que nos permite traçar comparações entre
os conceitos e resultados das duas geometrias em questão, Euclidiana e
Hiperbólica.
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II. História
A vida de Euclides
O que nos compele a começar falando sobre Alexandria não é somente o
fato de ser o local onde Euclides produz “Os Elementos”, mas também um bom
início para discutirmos com nossos alunos o que chamamos de civilização, o que
entendemos e qual o papel do conhecimento e da tecnologia. Lembremos que em
seu auge Alexandria tornou-se um dos mais importantes centros comerciais e
intelectuais da época. Para despertar a curiosidade entre os alunos do ensino
médio basta citarmos que esta cidade possuía o famoso farol de Alexandria, a
Universidade e a Biblioteca descomunal que foi durante muito tempo o maior
depósito de conhecimento de todo o mundo chegando a ter mais de 600.000
pergaminhos. Também foi um centro cosmopolita chegando a ter 500.000
habitantes, número este maior que a maioria das cidades existentes no mundo
hoje. Ao lembrar esta quantidade de pessoas é preciso pensar nos problemas
referentes a transporte, distribuição de água, saneamento e organização como um
todo, e não esquecer que estamos falando de uma cidade construída a mais de
dois mil e trezentos anos.
Após a derrota de Atenas em Queronéia (338 a.C.) a Grécia tornou-se parte
do império macedônio.
Dois anos após a queda dos estados Gregos, Filipe foi sucedido por seu
filho Alexandre, O Grande. Na trilha de suas conquistas foi fundando várias
cidades, sempre em locais bem escolhidos. Uma destas cidades foi Alexandria
fundada em 332 a.C. no Egito.
Num local extremamente bem situado, entroncamento das mais importantes
rotas comerciais da época, a cidade prosperou rapidamente e se tornou grande
metrópole e centro comercial.
Alexandre morre em 323 a.C. e seu império se divide entre alguns de seus
generais, resultando na formação de 3 estados. O Egito ficou sob comando de
Ptolomeu e Alexandria foi escolhida como capital. Para atrair os sábios da época
Ptolomeu empreendeu a construção da universidade de Alexandria. Obra
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incomparável em sua arquitetura e planejamento, primeira em seu gênero,
assemelha-se em estrutura e objetivos as atuais universidades. Seu maior
patrimônio era a biblioteca que por muito tempo foi o maior repositório de registros
culturais de todo o mundo.
Para formar uma equipe com os mais valorosos homens do conhecimento
de sua época, Ptolomeu recorreu a Atenas e Demétrio de Faleron foi convidado
para dirigir a grande biblioteca de Alexandria. Juntamente com ele vieram homens
de vulto em todas as áreas do conhecimento. Euclides, provavelmente oriundo de
Atenas foi escolhido para liderar o departamento de matemática.
Neste cenário, por volta de 300 a.C. Euclides desenvolveu seu mais
importante trabalho que seria eternizado com o nome de “Os Elementos”. Cinco
obras de Euclides chegaram até nós. Além dos Elementos temos: Os Dados,
Divisão de Figuras, Os Fenômenos e Óptica.
Muito pouco se sabe sobre Euclides e sua vida, acreditando-se que sua
formação matemática tenha se dado na Escola Platônica de Atenas.
Para termos uma idéia do quanto é dificultoso situá-lo na história, podemos
citar Proclo (410-485 ) comentador dos Elementos e autor do Sumário Eudemiano.
Este documento é a principal fonte de informações sobre a geometria grega e,
apesar de Proclo ter vivido no século V d.C, é provável que teve acesso a muitos
documentos que se perderam, entre estes o que parece ser uma história completa
da geometria grega abordando um período anterior a 330 a.C. Este trabalho teria
sido supostamente elaborado por Eudemo, discípulo de Aristóteles, e o nome
Sumário Eudemiano foi assim batizado por utilizar esta fonte como principal ([8] pg
7). Proclo diz que Euclides precedeu Arquimedes (287-212 a.C.), pelo fato de
Arquimedes citar os Elementos e também diz que Euclides é posterior a Eudoxo e
Teeteto, pois os Elementos incorporam os trabalhos destes últimos e ainda usa
uma história ligando Euclides e um Rei Ptolomeu, e conclui que este rei deve ser
Ptolomeu I.
Uma confusão comum é identificar os Elementos a um tal Euclides de
Megara, o que é um erro, pois Euclides de Megara era um discípulo de Sócrates.
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A respeito da personalidade de Euclides são contadas algumas histórias
curiosas, a primeira contada por Proclo (consta em seu Sumário Eudemiano),
sobre a resposta que Euclides teria dado ao rei Ptolomeu I que o questionou se
não havia um caminho mais curto para o conhecimento geométrico: “Não há
estradas reais na Geometria”, teria respondido Euclides.
Outra história diz que Euclides indagado por um aluno sobre a utilidade
prática da matéria que estava sendo vista, teria ordenado a seu escravo que
desse a este aluno uma moeda, para que tivesse algum ganho com o que estava
aprendendo. Papus (290-350) elogia Euclides por sua modéstia e consideração
para com os outros.
Verdadeiras ou não, estas histórias são curiosas e como material didático
são extremamente úteis para chamar atenção e despertar interesse nos
estudantes de matemática.
Os Elementos de Euclides versam sobre questões introdutórias de
matemática geral e a afirmação de que os Elementos tinham como objetivo conter
essencialmente toda a geometria plana e sólida conhecida da época, é
considerada falsa por vários autores ([7] pg 176). Afirma-se que Euclides sabia
muita mais geometria do que a que está contida nos Elementos. Segundo Proclo,
os gregos definiam os elementos de um estudo dedutivo como sendo os teoremas
básicos e gerais sobre o assunto, são comparáveis as letras do alfabeto em
relação à linguagem. Euclides foi chamado por seus sucessores como o
“Elementador” ( [5] pg87).
Os Elementos são compostos por 13 livros contendo 465 proposições.
Como antigamente era comum atribuir a autores de sucesso obras que não eram
suas, algumas versões dos Elementos apareceram com um décimo quarto e até
um décimo quinto livro, mas provou-se que estas obras não pertenciam a Euclides
([5] pg86).
A obra se propõe a deduzir todas as 465 proposições a partir de 10
afirmações iniciais; na verdade são 23 definições, 5 postulados e 5 noções
comuns conforme os trabalhos de Heilberg ([12] Vol1 pg153). Segundo alguns
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historiadores seu objetivo era apresentar a teoria de semelhança elaborada por
Eudoxo e culminar com a apresentação da teoria dos sólidos de Platão e dos
números racionais de Teeteto ([3] pg2).
O sucesso dos Elementos é devido a sua forma de apresentação
sistemática utilizando método postulacional ou axiomático e o conteúdo
abrangente tratado como um todo inter-relacionado.
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O Método axiomático
Talvez o maior legado dos matemáticos Gregos tenha sido o método
postulacional ou axiomático de raciocínio. Os gregos sabiam o que nós estudantes
de cursos superiores começamos a nos dar conta, que nem tudo pode ser
provado e é necessário se estabelecer (admitir como verdadeiro) um início, se não
caímos em circularidade. Este inicio ou afirmações iniciais admitidas como
verdades, sem necessidade de provas, é o que chamamos de axiomas ou
postulados e todo o mais que vier a ser dito deve ser provado com base nestas
afirmações iniciais e nas regras básicas do silogismo; eis a essência do raciocínio
postulacional, axiomático ou, se preferir, dedutivo.
Os gregos faziam distinção entre axioma (por eles também chamado de
noção comum) e postulado e existiam pelo menos três vertentes a seguir
descritas:
1) Um axioma é uma afirmação assumida como auto-evidente e um
postulado é uma construção de algo assumido como auto-evidente; desta forma
relacionamos axiomas e postulados como teoremas e problemas de construção.
2) Um axioma é uma suposição comum a todas as ciências; um postulado é
uma suposição particular e peculiar da ciência em estudo.
3) Um axioma é uma suposição de algo que é ao mesmo tempo óbvio e
aceitável para o aprendiz; postulado é uma suposição que não é necessariamente
nem óbvia e nem aceitável para o aprendiz.
Atualmente não se faz distinção entre os dois termos. Tudo indica que
Euclides deve ter preferido a vertente número 2 e assumiu algo equivalente a dez
suposições que citamos abaixo, sendo cinco delas como noções comuns e as
outras cinco como postulados referentes à geometria em questão.
Axiomas ou Noções comuns:
A1) Coisas iguais à mesma coisa são iguais entre si.
A2) Adicionando-se iguais a iguais, as somas são iguais.
A3) Subtraindo-se iguais de iguais, as diferenças são iguais.
A4) Coisas que coincidem uma com a outra são iguais entre si.
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A5) O todo é maior do que qualquer uma de suas partes.
Postulados:
P1) Traçar uma linha reta de qualquer ponto a qualquer ponto.
P2) Prolongar uma linha reta continuamente em uma linha reta.
P3) Descrever uma circunferência com qualquer centro e qualquer raio.
P4) Todos os ângulos retos são iguais.
P5) Se uma linha reta cortando duas linhas retas faz os ângulos
interiores de um mesmo lado menores que dois ângulos retos, então as duas
retas, se prolongadas indefinidamente, se encontram desse lado em que os
ângulos são menores que dois ângulos retos.
Imediatamente podemos notar a diferença com relação à concisão e
obviedade do postulado número 5 em relação aos outros. Ele será o pivô de toda
a discussão até chegarmos às Geometrias não Euclidianas.
É importante discutirmos uma pouco mais a respeito de um corpo de teoria
matemática. Este é essencialmente composto por teoremas e demonstrações.
A demonstração de um teorema consiste em mostrar que o teorema em
questão é uma conseqüência lógica dos teoremas anteriores. Já observamos que
existirão teoremas que não podem ser demonstrados e são tomados como
verdadeiros: estes são os postulados ou axiomas, que marcam o ponto de partida.
É natural que existam bons conjuntos de axiomas e outros não tão bons.
Para serem considerados como bons, os conjuntos de axiomas devem ter as
seguintes propriedades:
1) Completude – significa que tudo que será usado na teoria está
propriamente contido nos axiomas, de maneira que não haverá hipóteses tácitas.
2) Consistência – significa que é impossível deduzir dois teoremas
contraditórios a partir dos axiomas.
3) Independência – significa que nenhum dos axiomas é uma conseqüência
dos outros.
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4) Categórico – significa que todos os exemplos (modelos) da teoria
axiomática em questão são, em certo sentido, equivalentes (isomorfos).
É bom notar que o que se pede não é tão simples assim. A axiomatização
de uma teoria em grande parte das vezes é feita após esta ser bastante
explorada. Com relação à consistência temos uma situação interessante. Em
geral, demonstra-se que um conjunto de axiomas e sua conseqüente teoria é
consistente se existe uma ponte (relação direta e rigorosamente estabelecida)
com um outro conjunto que é considerado consistente. Por exemplo, os axiomas
da Geometria Euclidiana Plana são consistentes se os axiomas dos Números
Reais o forem, e neste caso, a ponte é a Geometria Analítica. A questão da
independência revela uma preocupação com a economia, e esta propriedade foi
justamente um dos fatores que levaram ao questionamento do quinto postulado.
Devido ao caráter nada simples do mesmo, vários matemáticos passaram a
acreditar que ele poderia ser deduzido dos quatro primeiros ou substituído por
outro.
Sobre os Elementos disse Einstein numa certa ocasião: “Quem não soube
entusiasmar-se por este livro em sua juventude, não nasceu para pesquisador
teórico” ([14] pg29).
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As Fontes
O trabalho de reconstituição das obras gregas é quase comparável ao dos
melhores detetives. Muitas são as dificuldades, os mais antigos textos gregos na
verdade são cópias de cópias sucessivas. Elas são as fontes para tentarmos
reconstruir o texto original.
Existe um trabalho minucioso para identificar materiais de mesma fonte e
de fontes diferentes tentando desta forma isolar as origens e poder assim chegar
ao que se chama de arquétipo que representa uma família destas fontes.
Superficialmente falando, o trabalho pode ser exemplificado como se segue.
Imagine que temos dois manuscritos A e B, nos quais faremos as seguintes
hipóteses razoáveis: se B possui todos os erros e estilo de A e alguns erros só
seus, é natural dizer que B é uma cópia de A. Se A e B tem apenas alguns erros
comuns e os demais somente seus é razoável que ambos tenham vindo de um
mesmo exemplar comum, o arquétipo.
Desta forma as famílias são separadas em arquétipos e tenta-se assim
recompor o original.
Outro ponto interessante a levantar é que os profissionais que se dedicam a
tais
trabalhos
devem
possuir
muitas
habilidades
como,
por
exemplo:
conhecimento da língua, história da língua, tipo de caligrafia, comentários antigos
sobre o texto e evidentemente conhecimento sobre o assunto do texto. Não
obstante a última observação repare que é mais fácil recompor um texto
matemático do que um literário.
Nenhuma versão original de Os Elementos chegou até nós e as edições se
basearam numa revisão e comentários do grego Têon de Alexandria (335 d.C).
Proclo escreveu, no século V, comentários sobre o primeiro livro dos
Elementos e neste também encontramos informações sobre os livros e a vida de
Euclides.
A revisão de Têon de Alexandria foi, até 1808, a mais antiga edição dos
Elementos. Nesta mesma época, Napoleão ordena que os manuscritos das
bibliotecas da Itália fossem tomados e enviados para Paris.
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F. Peyrard encontrou na biblioteca do Vaticano uma cópia do século X de
uma edição da obra que é , segundo Eves [7], anterior a revisão de Têon. Uma
revisão minuciosa deste material foi feita e constatou-se que o material introdutório
do trabalho original de Euclides sofreu alterações nas revisões que se seguiram,
mas os teoremas e demonstrações com exceção de pequenas supressões
aparecem como Euclides deveria tê-los escrito.
J.L.Heilberg (dinamarquês) estudioso da antiguidade clássica fez um
trabalho impressionante em cima destes textos gregos e chegou à conclusão que
existiam dois arquétipos básicos. Todos os manuscritos com exceção de um,
parecem ter sido originados de Têon de Alexandria, um deles porém estava livre
dos erros da edição de Têon ([7] pg 168 e [1] pg38). Heilberg desta forma
reconstituiu o texto original de Euclides tão fiel quanto possível e o publicou entre
1883 e 1888 ([1] pg38). Esta edição se tornou a base de todas as traduções
posteriores, por exemplo, a clássica tradução inglesa de Heath encontrada em
[12].
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O Quinto Postulado
Como já dissemos anteriormente basta passar os olhos no quinto postulado
e compará-lo com os demais para percebermos algumas diferenças.
Já em sua época o ainda não tão famoso quinto postulado despertou a
atenção dos contemporâneos de Euclides. Todos os postulados de 1 a 4 pareciam
sucintos e até auto evidentes, e de repente nos deparamos:
P5) Se uma linha reta cortando linhas duas retas faz os ângulos interiores
de um mesmo lado menores que dois ângulos retos, então as duas retas, se
prolongadas indefinidamente, se encontram desse lado em que os ângulos são
menores que dois ângulos retos.
Além da falta de simplicidade e concisão em relação aos outros postulados,
Euclides propositalmente o vai deixando de lado para demonstrar suas
proposições e acaba utilizando-o somente na proposição I29 de modo que as vinte
e oito primeiras proposições do livro I são verdadeiras numa geometria em que P5
não é válida. Alguns autores consideram que Euclides poderia ter utilizado o
quinto postulado já na proposição I17, a qual teria se tornado mais simples e
também facilitado raciocínios posteriores ([1] pg59).
A proposição I29 onde se utilizou o quinto postulado é a seguinte:
“Quando uma linha reta corta duas paralelas formam-se ângulos alternos
internos iguais, ângulos correspondentes iguais e ângulos interiores de um mesmo
lado iguais a dois retos”.
É importante dizer o que Euclides entendia por paralelas. Isto aparece
como uma definição, precisamente a 23 (segundo [12] pg 154), e a reproduzimos
abaixo:
“Linhas retas paralelas são linhas retas que, estando no mesmo plano e
sendo prolongadas indefinidamente em ambas as direções, não se encontram em
qualquer das direções.”
Pela definição de Euclides, o conceito de linhas retas paralelas está
desvinculado da noção de eqüidistância.
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Como se já não bastasse tudo isto, a proposição I28 abaixo enunciada
pode ser entendida como a afirmação inversa do quinto postulado (compare os
dois) o que fez alguns historiadores considerarem que Euclides o colocasse como
postulado por não conseguir demonstrá-lo.
Apresentamos abaixo as proposições I27 e I28 para entendermos melhor
como Euclides começa a abordar a questão das paralelas.
I27 – Se uma linha reta corta duas outras formando ângulos alternos
internos iguais, então as duas linhas retas são paralelas.
A prova desta proposição é simples conseqüência da proposição I16, que é
chamado teorema do ângulo externo. Observe que se as retas se encontrassem
(não fossem paralelas), teríamos um triângulo com um ângulo externo igual a um
dos ângulos internos não adjacentes.
I28- Se uma linha reta corta duas outras formando ou ângulos
correspondentes iguais ou ângulos interiores do mesmo lado iguais a dois ângulos
retos então as duas linhas retas são paralelas ([3] pg 5-8).
O cenário está montado para que todos nossos colegas matemáticos,
desde a época de Euclides, saíssem tentando mostrar que o quinto postulado era
na verdade um teorema que poderia ser deduzido das outras afirmações iniciais.
O fato de não se conseguir uma tal prova abre a possibilidade de existirem
outras geometrias diferentes da Euclidiana, o que até então era visto como
impossível, pois contrariava o senso comum, a intuição e o observado na
natureza, não se tratando de um simples capricho dos matemáticos.
Nesta busca da prova do quinto postulado foram geradas muitas afirmações
equivalentes a ele, afirmações estas chamadas de substitutos. É importante
entender que as 23 definições de Euclides, as cinco noções comuns, os quatro
primeiros postulados e mais a proposição substituta, nos dá uma teoria axiomática
que coincide com a geometria de Euclides.
O matemático e físico escocês John Playfair (1748-1819) colocou em seu
texto de geometria o substituto mais comum nos atuais livros de geometria: “Por
um ponto fora de uma reta dada não há mais que uma paralela a essa reta”.
Outras alternativas ao postulado das paralelas são:
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a)
Há pelo menos um triângulo cuja soma das medidas dos ângulos
internos é igual a um ângulo raso.
b)
Existe um par de triângulos semelhantes e não congruentes.
c)
Existe um par de retas eqüidistantes.
d)
Por três pontos não colineares pode-se traçar uma circunferência.
e)
Por qualquer ponto no interior de um ângulo de medida menor que
60º pode-se sempre traçar uma reta que intersecta ambos os lados do ângulo.
O fato é que por quase dois mil anos os matemáticos tentaram provar o
postulado das paralelas a partir dos demais postulados. Cedo ou tarde foi
apontado erro nas demonstrações que vieram a ser dadas ([7] pg 539).
Damos a seguir uma lista de alguns matemáticos que se empenharam na
busca de uma prova do quinto postulado. Maiores detalhes podem ser
encontrados em [4].
Posidonius e Geminus (século I a.C.): O primeiro redefine paralelas como
linhas retas eqüidistantes. Esta definição, porém, equivale a assumir o quinto
postulado. Geminus indica que esta noção de paralelismo é diferente da de
Euclides e apresenta os exemplos das assíntotas da hipérbole e conchóide ([4]
pg3-8).
Ptolomeu (87 – 165): Segundo Proclo, Ptolomeu escreveu um livro em
que apresenta uma prova para o quinto postulado.
Em seu trabalho Ptolomeu utiliza a noção de figuras congruentes e assume
que paralelismo acarreta congruência o que é tacitamente assumir o quinto
postulado.
Proclo (410 – 485): O próprio Proclo também tentou fazer a demonstração
do quinto postulado: sua estratégia era provar que se uma reta intersecta uma
outra reta pertencente a um par de paralelas, necessariamente intersecta a outra.
Proclo assume que a distância entre duas retas paralelas pode variar mas é
sempre finita, o que é equivalente ao quinto postulado.
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Aganis (século VI): É referenciado por Simplícius (comentador de
Aristóteles) e sua abordagem é basicamente a mesma das retas eqüidistantes de
Posidonius ([4] pg10).
Al-Nirizi (século IX): Seguiu as idéias de Simplicius e Aganis ([4] pg 9).
Nasiredin (1201-1274): Astrônomo e matemático persa, é dele uma edição
dos Elementos em árabe. É reconhecido por ter levantado a relação da soma das
medidas dos ângulos de um triângulo com o quinto postulado.
Ele admitiu como postulado a afirmação abaixo:
“Sejam m e n duas linhas retas, A um ponto de m, B um ponto de n, tais
que AB é perpendicular a n e forma um ângulo agudo com m. Então as
perpendiculares baixadas de m à reta n, do lado do ângulo agudo, são menores
do que AB e as que ficam do outro lado são maiores do que AB”.
n
m
B
A
Embora muito semelhante ao quinto postulado, ele apenas evita dizer que
m e n se encontram. Utilizando este postulado mais a figura de um quadrilátero
(utilizado por Sacheri posteriormente) ele deduziu o quinto postulado e chegou a
fórmula da soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo ([3] pg 24).
Neste ponto é interessante salientar que as versões dos Elementos que
chegaram a Europa feitas a partir de cópias árabes nos séculos XII, XIII e mesmo
as dos séculos XV e XVI com base em textos gregos não tinham notas críticas
com relação ao quinto postulado. Estas apareceram somente nos séculos XVI e
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XVII com a tradução dos comentários de Proclo impressos pela primeira vez em
Basle (Suíça) em 1533 e depois em Pádua (Itália) em 1560 numa tradução latina
de Barozzi.
Abaixo citamos os matemáticos da Europa que escreveram trabalhos
críticos sobre o quinto postulado, todos eles trabalhando a idéia de retas paralelas
como eqüidistantes que já sabemos traz implicitamente o quinto postulado:
Federico Comandino 1509-1575,Itália.
Chistopher S. Clavio 1537-1612,Alemanha.
Pietro A. Cataldi 1548-1626,Itália.
G.A. Boreli 1608-1679, Itália.
Giordano Vitale 1633-1711, Itália.
J.Wallis (1616- 1703,Inglaterra): Wallis abandonou a idéia de eqüidistância
e postulou:
“Dado um triangulo é possível construir um outro que lhe é semelhante,
com lados arbitrariamente grandes”.
Na sua prova bem como no que postulou se esconde o quinto postulado ([3]
pg27).
Girolamo Saccheri ( 1667-1733, Itália): A importância do trabalho de
Saccheri em comparação com os anteriores é o fato de ser a primeira tentativa
considerando uma hipótese contraditória ao quinto postulado. Sua idéia é simples:
retirando o quinto postulado e colocando uma hipótese contrária, se no
desenvolvimento aparecer um absurdo significa que o quinto postulado é
verdadeiro.
Saccheri nasceu em São Remo, concluiu seu noviciado na ordem jesuíta
com 23 anos e lecionou como professor universitário o restante da vida.
Enquanto ensinava retórica, filosofia e teologia no colégio Jesuíta de Milão
tomou conhecimento dos Elementos e ficou fascinado com o método de redução
ao absurdo. Mais tarde publicou sua obra “Lógica Demonstrativa” cuja principal
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novidade era a aplicação do método de redução ao absurdo no tratamento da
lógica formal.
Anos mais tarde foi lecionar na universidade de Pávia onde teve a idéia de
aplicar o método de redução ao absurdo ao problema das paralelas o que resultou
na publicação do livro “Euclides livre de toda imperfeição” em 1733 poucos meses
depois de sua morte.
A estratégia de Saccheri neste trabalho foi a de aceitar as primeiras 28
proposições de Euclides que não dependem do 5º postulado. Com a ajuda destes
teoremas empreende o estudo do quadrilátero ABCD no qual os ângulos de
vértices A e B são retos e os lados AD e BC são congruentes. Tais quadriláteros
são hoje chamados de quadriláteros de Saccheri. Traçando diagonais e usando
teoremas simples de congruência chegou facilmente ao resultado dos ângulos de
vértices D e C serem congruentes.
C
D
A
B
A partir daí Saccheri traça três possibilidades:
1. Ângulos de vértices D e C são agudos (Hipótese do ângulo agudo).
2. Ângulos de vértices D e C são obtusos (Hipótese do ângulo obtuso).
3. Ângulos de vértices D e C são retos (Hipótese do ângulo reto).
A idéia era encontrar uma contradição nos casos 1 e 2 e sobraria a hipótese
3 que implicaria no postulado das paralelas.
A hipótese do ângulo obtuso foi facilmente eliminada, mas a do ângulo
agudo se mostrou difícil. Saccheri fez uma série de considerações não muito
rigorosas para poder eliminar esta hipótese. Acabou obtendo muitos teoremas
clássicos da primeira Geometria não Euclidiana, mas terminou forçando a
eliminação da hipótese do ângulo agudo. Não tivesse feito isto e poderia ter sido
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creditado a ele os méritos da descoberta da primeira Geometria não Euclidiana
([3] pg28, [4] pg22, [7] pg 540).
Entre as conclusões importantes de Saccheri podemos destacar:
-
Se uma das hipóteses é verdadeira para um quadrilátero de Saccheri
então ela é verdadeira para todos tais quadriláteros.
-
Nas hipóteses 1), 2) ou 3) anteriormente consideradas , a soma das
medidas dos ângulos dos triângulos é, respectivamente, menor, maior ou igual a
180º.
-
Se existe um único triângulo para o qual a soma das medidas dos
ângulos é menor, maior ou igual a 180º, então vale respectivamente a hipótese 1),
2) ou 3).
-
Duas retas coplanares ou têm uma perpendicular comum, ou se
encontram em um ponto, ou são assintóticas ([[3] pg 30).
G.S. Klugel (1739 – 1812, Alemanha) publicou em 1763 um trabalho que
examinava demonstrações do quinto postulado. Este trabalho traz em sua
conclusão pela primeira vez dúvidas sobre a possibilidade de se demonstrar o
quinto postulado a partir dos demais. Curiosamente também observava que a
certeza que se tinha na época a respeito do quinto postulado ser uma proposição
vinha apenas de observações experimentais, ou seja, estava de acordo com
nossos sentidos e intuição ([3] pg 31).Começa aqui a se questionar se a dúvida
com relação ao quinto postulado era relevante.
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Johann Heinrich Lambert (1728 – 1777, Suiça) / Adrien Marie Legendre
(1752 – 1833, França):
Não obstante as imensas contribuições de Lambert e Legendre para a
matemática e para a ciência, com relação ao postulado da paralelas eles não
trouxeram abordagens inovadoras. Aprofundaram o que seus antecessores
fizeram, provando diversos teoremas que depois serviriam a Geometria não
Euclidiana. As formas que desenvolveram seus trabalhos trouxeram novos
interesses pelo assunto e pelas bases da geometria ([3] pg 31).
Lambert talvez tenha sido o primeiro a observar a semelhança entre a
geometria decorrente da hipótese do ângulo obtuso e a geometria esférica.
Há muita semelhança entre os trabalhos de Saccheri e Lambert, este último
trabalhou num quadrilátero com 3 ângulos retos conforme abaixo:
C
D
A
B
Entre as conclusões de Lambert apresentamos abaixo uma tradução livre
na qual ele discorre sobre a geometria esférica:
“Em conexão com estas fórmulas, devemos observar que a hipótese do
ângulo obtuso vale se considerarmos triângulos esféricos ao invés de triângulos
planos, porque, neste último caso também a soma dos ângulos é maior que dois
ângulos retos e a área do triângulo é proporcional ao excesso.
Parece ainda mais interessante que o que aqui afirmo sobre triângulos
esféricos, pode ser demonstrado independentemente da dificuldade das paralelas.
Estou inclinado a concluir que a hipótese do ângulo agudo ocorre na
superfície de uma esfera de raio imaginário.” ([3] pg33).
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Legendre se destaca pela elegância nas provas, a determinação em provar
o quinto postulado e a preocupação com a didática. Seu livro intitulado “Éléments
de Géometrie” (publicado no final do século XVIII) é extremamente acessível e
dominou o ensino de geometria por mais de 100 anos, ([2] pg 17).
No início do século XIX, após os esforços de Saccheri, Lambert, Legendre e
Farkas Bolyai de provar o quinto postulado, Carl F. Gauss (1777–1855) chegou à
conclusão de que eram possíveis outras geometrias diferentes da de Euclides. No
entanto ele guardou para si tais idéias ( este fato está registrado em sua
correspondência) e
devemos aqui recordar o prestígio que desfrutava a
Geometria Euclidiana, consolidada durante tantos anos, até mesmo justificada
pelos fracassos na prova do quinto postulado. A sistemática desenvolvida por
Euclides, além de modelo para desenvolvimento de todas as áreas de ciências
exatas ou não, também influenciava as correntes filosóficas mais respeitadas da
época como, por exemplo, a de Emmanuel Kant (1724-1804). Sua teoria afirmava
que o espaço era uma estrutura já existente no espírito humano e os postulados
são na verdade juízos impostos. Em outras palavras, a Geometria Euclidiana era
uma característica implícita do ser humano e esta corrente desfrutava de tanto
prestigio em sua época, que muito poucos tentavam contrariá-la ([7] pg545).
Um jovem russo chamado Nicolai Lobachevsky (1792-1856) de origem
humilde estudou na Universidade de Kazan e teve acesso a vários professores
alemães trazidos para aquela universidade, entre eles J.M. Bartels com quem
Gauss estudara antes.
Em 1829 Lobachevsky publica o artigo “On the principles of Geometry” que
é considerado o marco oficial da Geometria não Euclidiana e tornou-se o primeiro
matemático a dar o passo revolucionário de publicar uma geometria construída
sem considerar o postulado das paralelas.
Lobachevsky desenvolveu vários trabalhos sobre o assunto: entre 1835 e
1855 escreveu três exposições completas; em 1838 publicou o livro “Novos
fundamentos
da
Geometria”;
em
1840
publicou
Geométricas”; em 1855 publicou o livro “Pangeometria”.
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o
livro
“Investigações
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Gauss tomou conhecimento de sua obra identificando sua importância, mas
nunca deu apoio por escrito, talvez por temer a repercussão. Lobachevsky foi
chamado depois de o “Copérnico da Geometria”.
Paralelamente e de maneira independente o amigo húngaro de Gauss,
Farkas Bolyai (1775-1856), passou a vida inteira tentando provar o postulado das
paralelas, e quando soube que seu filho Janos Bolyai (1802-1860) estava também
absorvido pelo problema escreveu-lhe:
“Pelo amor de Deus eu lhe peço desista.
Tema tanto isto quanto as paixões sensuais, porque isso também pode
tomar todo o seu tempo e privá-lo de sua saúde, paz de espírito e felicidade na
vida ! ”( [5] pg397).
Mas Janos Bolyai não atendeu a solicitação do pai que em 1829 recebe do
seu filho um manuscrito em que este chega às mesmas conclusões de
Lobachevsky.
Farkas Bolyai escreveu para Gauss pedindo-lhe a opinião sobre o trabalho
de seu filho. Gauss respondeu que não poderia elogiar Janos, pois seria auto
elogio, já que ele mesmo já tinha tido tais idéias muitos anos antes. Janos Bolyai
ficou arrasado e não publicou mais nada depois deste episódio. Lobachevsky é,
portanto, o nome mais lembrado principalmente pela coragem de publicar e
defender suas idéias.
Frase de Lobachevsky: “Não há ramo na matemática, por mais abstrato que
seja , que não possa um dia vir a ser aplicado aos fenômenos do mundo real” ([5]
pg387).
Os trabalhos de G.F.B Riemann (1826-1866,Alemanha) solidificaram sua
aceitação. Em 1854 Riemann faz uma das mais célebres conferências da história
da matemática, em que apresenta “Sobre as hipóteses que estão nos
fundamentos da Geometria”. Propunha uma visão global da geometria como uma
estrutura trabalhada com qualquer número de dimensões e espaço. Sua
geometria era, portanto, também não euclidiana, mas num sentido muito mais
amplo do que a de Lobachevsky. É dito que pela primeira vez na vida Gauss
expressou entusiasmo pela obra de outra pessoa.
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Com seu trabalho Riemann conseguiu unificar toda a geometria, tornando a
Euclidiana e a de Lobachevsky apenas casos particulares. Sua obra também deu
sustentação para a teoria geral da relatividade e ele próprio contribuiu em muitos
ramos da física teórica. A aplicação na teoria da relatividade se deve ao fato do
universo Einsteiniano ser curvo onde a Geometria Euclidiana não é adequada ([6]
pg 33).
A real independência do postulado das paralelas em relação aos demais foi
estabelecida quando se forneceram demonstrações da consistência da hipótese
do ângulo agudo. Estas demonstrações foram dadas principalmente por:
Beltrami(1835-1900.
Itália)
,
Arthur
Cayley
(1821-1895,Inglaterra),
Felix
Klein(1849-1925,Alemanha) e Henri Poincaré (1854-1912, França).
O método para esta demonstração consistia em criar um modelo na
geometria Euclidiana, de modo que a hipótese do ângulo agudo pudesse ter uma
interpretação concreta numa parte do espaço Euclidiano. Desta forma qualquer
inconsistência na Geometria não Euclidiana implicaria uma inconsistência na
Geometria Euclidiana. A apresentação de figuras onde tais geometrias ocorriam
também foi um fato importante para sua credibilidade ([7] pg539, [5] pg396, [3]
pg47) .
Por fim percebemos que a tal prova tanto procurada não existe e que o
tropeço com relação à hipótese do ângulo agudo foi devido simplesmente por
realmente não haver uma contradição. Apesar de não haver uma prova direta da
independência do quinto postulado, a estratégia de se construir modelos e
correspondências entre eles e a partir dai amarrar a consistência de um em função
do outro é algo bastante comum nos desenvolvimentos matemáticos.
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III. Pré-requisitos
Trabalhando com IGEOM
Utilizar um Sw de geometria dinâmica é um excelente recurso para a sala
de aula na investigação e solução de problemas. A investigação de idéias é
facilitada pelo caráter dinâmico do Sw, ou seja, a construção realizada pode ser
medida e é preservada com os movimentos realizados.
Maiores informações sobre o software Igeom assim como seu dowload
podem ser conseguidas no site http://www.matematica.br/igeom/instala.html. O
software é de livre uso.
O SW Igeom é extremamente intuitivo dispensando para uso básico
qualquer treinamento, portanto faremos uma apresentação prática inicial e seu
aprendizado se dará durante as construções propostas.
Demonstrações
Todas as demonstrações podem ser encontradas na referência
bibliográfica [18] , disponível no CAEM IME-USP.
[18] Filho L.C.S, Encontro com o mundo não Euclidiano, Elementos para
uma abordagem didática, Projeto de Ensino Matemática USP 2004.
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Potência de um ponto
Definição: Dado um ponto O não pertencente a circunferência C1, se duas retas
passando por O são secantes a circunferência C1, intersectando-as nos pontos
P1, P2 e Q1, Q2 temos então: (OP1).(OP2)=(OQ1).(OQ2). Este produto é
chamado de potência de O em relação a C1.
Um caso particular: Se o ponto O está fora da circunferência C1, e o ponto
de tangência a esta circunferência por O é o ponto T então (OT)2 = (OP1).(OP2).
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Inverso de um ponto
Definição : Seja C1 uma circunferência de raio r e centro O e P um ponto
qualquer tal que P não coincide com O . O inverso P’ de P com relação a C1 é o
único ponto P’ pertencente a semi-reta OP tal que (OP).(OP’) = r2 . Note que
(OP) é o tamanho do segmento OP num sistema de medidas pré – fixado.
As seguintes propriedades são imediatas da definição :
A)
P=P’ se e somente se P pertence a circunferência C1.
B)
Se P está no interior de C1 então P’ esta no exterior e vice-versa.
C)
( P’ )’ = P.
Proposição:
Suponhamos P no interior de C1. Se TU é uma corda de C1 perpendicular
ao segmento OP ( O = centro de C1), então P’, inverso de P, é o ponto de
interseção das tangentes t1 e u1 de C1 por T e U.
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Circunferências ortogonais
Definição:
Duas circunferências C1 e C2, são ortogonais se seus raios são
perpendiculares no ponto de intersecção.
Na figura abaixo temos:
- as circunferências C1 e C2
- o segmento OB é raio de C1
- o segmento MB raio de C2
- o ponto B de intersecção entre C1 e C2
C1 e C2 são ortogonais se e somente se o ângulo OBM é reto.
Proposição :
Seja P um ponto no interior de C1, de modo que P é diferente do centro e
seja C2 uma circunferência passando por P. Então C1 e C2 são ortogonais se e
somente se C2 passa pelo inverso P’ de P em relação a C1.
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IV. Modelo do disco de Poincaré
Apresentação, definições e métrica
Temos dois tipos clássicos de Geometrias não Euclidianas:
Geometria Hiperbólica : Foi à desenvolvida por Lobachevsky e Bolyai e
considera a hipótese do ângulo agudo.
Para se construir tal geometria retira-se o quinto postulado e coloca-se:
“Por um ponto P fora de uma reta r, podem ser traçadas, no plano que
contém P e r, pelo menos duas retas que não encontram a reta dada.”
Geometria Elíptica: Foi desenvolvida por Riemman e considera a hipótese
do angulo obtuso.
Nesta poderíamos colocar no lugar do quinto postulado:
“Por um ponto fora de uma reta não existe nenhuma paralela”. Paralela aqui
é no sentido Euclidiano.
Uma das figuras que modela esta geometria pode ser uma esfera
considerando-se como pontos pares de pontos antípodas e como retas os círculos
máximos da superfície esférica.
Quem primeiro utilizou estes termos, hiperbólica e elíptica foi Klein em
1871. Para a geometria de Euclides foi dado o nome de Geometria Parabólica ([6]
pg33).
Vamos trabalhar agora com o modelo do disco de Poincaré ( geometria
hiperbólica). Uma maneira de dar mais credibilidade a novas teorias é exatamente
o desenvolvimento de modelos.
A idéia fundamental consiste em construir um modelo desta nova geometria
hiperbólica utilizando-se os resultados da Geometria Euclidiana. Desta forma se
encontramos uma contradição na Geometria Hiperbólica esta será também uma
contradição na Geometria Euclidiana.
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Definições e métrica
(OP1) ou OP1 significa o segmento que vai do ponto O até o ponto
-
P1. Quando nos referirmos a sua medida será explicitado.
-
Ângulo P2Q1Q2 é o ângulo referente ao vértice Q1.
-
Todos os arcos que nos interessam estão contidos no disco C1 que
será nosso disco de Poincaré. Portanto nos referiremos a eles somente com duas
letras, por exemplo: arco AB é o arco contido no disco C1.
Definições
a) O Universo: é a região interior de uma circunferência euclidiana de
centro O e raio r.
OBS: A circunferência não está incluída.
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b) Ponto: Mesma definição Euclidiana.
“ A point is that which has no part” ([6] pg153).
c) Retas:
Dada a circunferência C1 abaixo consideremos como retas:
- arcos de circunferência ortogonais a circunferência C1
- cordas que passam pelo centro ( diâmetros de C1 ).
Na figura abaixo
- segmento AB é uma reta (os pontos A e B não estão incluídos)
- arco P1P2 (centro O2) é uma reta desde que os ângulos OP1O2 e OP2O2
sejam retos (os pontos P1 e P2 não estão incluídos).
Esta construção está detalhada e justificada na bibliografia [18].
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d) Estar entre: Mesma definição euclidiana.
e) Congruência de ângulos: Mesma definição euclidiana, sendo que o
ângulo no modelo do disco de Poincaré corresponde ao ângulo entre as
tangentes. Vejamos na figura abaixo:
- Arcos P1P2 e P3P4 são retas no modelo do disco.
- Ponto A é o encontro dos arcos, o ângulo P1AP3 é o ângulo entre as retas
tangentes t2 e t3, sendo t2 tangente a C2 em A e t3 tangente a C3 em A.
f) Paralelas: Mesma definição euclidiana.
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g) Para que as retas sejam infinitas é adotado um sistema de medida
variável. A medida que caminhamos para a circunferência (
do centro para
circunferência ), o sistema de medida muda de tal forma que nunca alcançamos a
circunferência , desta forma as retas são infinitas. Portanto a distância(A,B) que
significa distância hiperbólica do ponto A até o ponto B, fica definida como:
distância ( A, B ) = ln
AP1 BP2
AP2 BP1
Note, “AP1” é a
distância euclidiana do
ponto A até o ponto P1
Note que fixado A, se fizermos B se aproximar de P1 então distância (A,B) tornase arbitrariamente grande. Comportamento análogo acontece se fixarmos B e
fazermos A se aproximar de P2. Além disso, se B está entre A e C (C é outro
ponto sobre a reta P1P2) então distância (A,B) + distância (B,C) = distância (A,C).
A relação AP1 BP 2 é também conhecida como razão dupla.
AP 2 BP1
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Problema 1: Traçado de retas
Dados dois pontos P e Q no interior de uma circunferência C1, de tal forma
que P e Q sejam diferentes do centro O da circunferência .
Encontre a reta que passa por estes pontos no modelo do disco de
Poincaré.
Construção e Figura Prb1:
1)
Construir o ponto P’ inverso de P.
2)
Construir a circunferência C2 contendo os pontos P , P’ e Q .
3)
Por construção C1 e C2 são ortogonais, e portanto o arco AB é uma
reta hiperbólica no modelo do disco de Poincaré e evidentemente o arco PQ é um
segmento de reta hiperbólico.
Figura Prb1
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Problema 2: Construção da perpendicular
Traçar a perpendicular a uma dada reta por um ponto pertencente à reta
Nos autores pesquisados esta construção é feita usando-se o conceito de
“eixo radical”. Faremos aqui uma apresentação sem usar este conceito utilizando
os conceitos estudados de inverso de um ponto e circunferências ortogonais.
Imagine uma reta AB no modelo do disco de Poincaré (disco C1). Por um
ponto P pertencente a esta reta , devemos traçar uma perpendicular.
As dificuldades:
1)
Esta perpendicular deve fazer um ângulo reto com a reta AB no
ponto P .
2)
Esta perpendicular deve ser uma reta no modelo de Poincaré, ou
seja, deve estar contida em uma circunferência ortogonal a circunferência C1.
Se a reta AB fosse um diâmetro a solução seria simples estando o centro
da circunferência procurada sobre o prolongamento da reta AB, mais
precisamente a circunferência com centro em P’ inverso de P e raio PP’.
Construção e Figura Prb2:
Dados uma reta hiperbólica AB no modelo de disco de Poincaré, e um
ponto P pertencente a esta reta.
a)
Encontramos P’ inverso de P em relação a C1.
b)
Encontramos M ponto médio do segmento euclidiano PP’ e traçamos
a mediatriz euclidiana por este ponto M.
c)
arco
Encontramos agora o centro J da circunferência C2 que contém o
AB. Ele é o encontro da mediatriz euclidiana do segmento AB com a
mediatriz euclidiana do segmento PP’.
d)
Sabemos que o centro da circunferência procurada ( chamemos seu
centro C e a circunferência de C4 ) está na mediatriz euclidiana do segmento PP’
e que também pela definição de ortogonalidade, o ângulo CPJ deve ser reto.
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Então basta traçarmos o segmento PJ e levantarmos uma perpendicular
euclidiana a este segmento por P. O encontro desta perpendicular com a mediatriz
de PP’ é o centro C procurado. Note que os ângulos CPJ e CXO são retos.
Portanto a perpendicular hiperbólica a reta hiperbólica AB pelo ponto P é a
reta hiperbólica que contém o arco XY.
Figura Prb2
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Problema 3: Construção da reta mediatriz
Como o sistema de medidas adotado no modelo do disco de Poincaré é
diferente do usual, temos aqui o problema mais difícil e o resultado mais
interessante.
Os desenvolvimentos nas bibliografias pesquisadas apontam a solução
utilizando-se resultados provenientes de transformações lineares com números
complexos ([3] pg 167).
Apresentaremos uma solução puramente geométrica.
A estratégia será resolver inicialmente o problema abaixo que chamaremos
de 3. Uma vez resolvido estudaremos suas propriedades buscando o resultado
que nos diz que a inversão no modelo do disco de Poincaré, corresponde a
uma reflexão na geometria hiperbólica.
Este é o resultado principal do nosso estudo e com ele resolvemos o
problema do sistema de medidas e podemos realizar muitas das construções
desejadas.
Todas as provas dos resultados e a construção detalhada podem ser
encontradas na bibliografia [18].
Problema 3: No modelo do disco de Poincaré (C1, centro O) , dados uma
reta LK ( LK é um arco pertencente a uma circunferência C2 ortogonal a C1) e
um segmento hiperbólico AB contido nesta reta, queremos:
Encontrar uma reta hiperbólica M1M2 no modelo do disco de Poincaré que é a
mediatriz do segmento hiperbólico AB.
Construção e Figura
Para ser a mediatriz (prova na bibliografia [18]) esta reta M1M2 deve:
•
estar contida numa circunferência C3 ortogonal a C1.
•
fazer com que B seja inverso de A, e K inverso de L em relação a C3.
Conclusão:
•
Centro de C3 deve estar no encontro das retas euclidianas AB e LK.
Temos assim o centro P de C3, para determinar M1M2 precisamos do raio.
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Um maneira de determiná-lo é usar o fato de C1 e C3 serem ortogonais,
assim posso encontrar o ponto M1 que é o ponto de intersecção de C1 e C3
(vide a construção das circunferências ortogonais).
Outra maneira é utilizar o fato de C2 e C3 também serem ortogonais, a
reta tangente a C2 pelo ponto P determina o raio procurado e nós fornece o
ponto médio.
Agora é só traçar a reta hiperbólica M1M2 mediatriz do segmento AB.
Observa a figura:
C1 e C2 ortogonais, portanto ângulo OLC2 = 90º
C1 e C3 ortogonais, portanto ângulo PM1O = 90º
C2 e C3 ortogonais, portanto ângulo PTC2 = 90º
B é o inverso de A em relação a C3, portanto PA*PB=MX2
K é o inverso de L em relação a C3, portanto PL*PK=MX2
Figura Prb3
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V. Comparando as geometrias hiperbólica e euclidiana
Critérios:
•
Ao lado esquerdo ficará a construção na geometria euclidiana.
•
Ao lado direito ficará o círculo C1 que representará o Modelo do
Disco de Poincaré e possuirá a construção equivalente.
•
•
Os arcos referenciados são sempre interiores à circunferência C1.
As observações estão no final.
Figura 01 – Pontos
Figura 02 – Retas
Figura 03 – Retas Paralelas
Figura 04 – Qtde Paralelas
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Figura 05 – Triângulo
Figura 06 – Quadrilátero
Figura 07 – Circuncentro
Figura 08 – Ortocentro
Figura 09 – Simétrico de AB
Figura 10 – Circ. Hiperbólica
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Observações:
Figura 4: Pelo ponto C passam infinitas paralelas a reta Hiperbólica PQ.
Figura 5: Triângulo Hiperbólico N-L-Centro , soma dos ângulos internos < 180º.
Figura 6: Quadrilátero Hiperbólico Centro-A-B-C, soma dos ângulos internos<360º.
Figura 7: As mediatrizes do triângulo Hiperbólico A-B-C não se encontram (caso
particular).
Figura 8: Ortocentro: o encontro das alturas pode ocorrer dentro do triângulo, no
triângulo, fora do triângulo ou não ocorrer.
Figura 9: Reta hiperbólica XY é mediatriz da reta hiperbólica AP, P é inverso de A
e B’é inverso de B ambos em relação a C3. Medida de AB = Medida de PB’.
Inversão no modelo do disco de Poincaré equivale a uma reflexão na geometria
hiperbólica.
Figura 10: A imagem da circunferência hiperbólica é a mesma da circunferência
euclidiana, porém o centro é deslocado em relação ao mesmo centro euclidiano.
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VI. Repercussões
“A essência da matemática está em sua liberdade.”
George Cantor(1845-1918, Rússia) [7] pg545.
O cenário desenhado anteriormente é suficiente para percebermos que as
Geometrias não Euclidianas causaram uma revolução na maneira de fazer
ciência.
Uma conseqüência imediata foi a libertação da matemática, os sistemas
axiomáticos se tomaram meras hipóteses sem nenhum compromisso com a
realidade física seguindo apenas os critérios de rigor já estabelecidos.
Podemos citar também que a preocupação com o rigor e os fundamentos
foi levada ao extremo disparando um movimento na matemática que teve como
um de seus principais representantes David Hilbert (1862-1943, Alemanha). O
objetivo era rever diversas áreas da Matemática e colocá-las de forma a estar
dentro de um sistema axiomático rigoroso, eliminando tudo que fosse tácito e
implícito. Um dos resultados deste movimento, no âmbito da geometria, foi o
trabalho elaborado pelo próprio Hilbert em 1899 entitulado “Grundlagen der
Geometrie” (Fundamentos da Geometria), onde um conjunto completo de axiomas
tornava absolutamente rigorosa a Geometria Euclidiana.
Neste momento é interessante destacar algo até curioso e de extrema
importância. Enquanto este movimento ganhava força tornando a matemática
extremamente rigorosa em todas as áreas e fazendo crer que desta forma tudo
que for matematicamente estabelecido será um espelho de completude e verdade,
eis que um golpe estabelece alguns limites a esta pretensão. Kurt Godel ( 19061978, Republica Tcheca) desenvolve o conhecido Teorema da Incompletude,
onde afirma que num sistema axiomático onde valham os axiomas de Peano
(1858-1932, Itália) , não pode haver completude e consistência ao mesmo tempo.
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Em outras palavras Godel mostra que se um sistema é consistente
necessariamente ele é incompleto e se for completo é inconsistente.
Podemos entender ainda que se nosso sistema for consistente então
existirão hipóteses sobre as quais não poderemos decidir se são falsas ou
verdadeiras.
Outro aspecto interessante é que esta revolução ocorrida na Geometria de
alguma forma se enquadra no moldes das revoluções científicas descritas por
Thomas S. Kuhn [13]. De modo bem resumido as revoluções científicas cobrem
etapas que poderíamos citar como sendo:
1)
Duas ou mais concepções concorrem até uma prevalecer.
2)
Esta nova concepção é articulada até se firmar, isto pode levar muito
tempo.
3)
A ciência se desenvolve aprimorando esta concepção como novo
paradigma (período chamado de ciência normal).
4)
Com o tempo este próprio aprimoramento dispara uma crise, já que
este paradigma passa a não responder a todas as questões.
5)
Um período de crise é estabelecido onde novos paradigmas ou
concepções são propostas, e podem não ter nenhum elo com seus antecessores.
6)
Voltamos ao início do ciclo.
Em seu trabalho Kuhn defende a idéia que o novo paradigma difere
completamente de seu antecessor sendo uma nova visão de mundo que acabará
influenciando toda a sociedade.
Fica claro também a razão do porque a Geometria não Euclidiana não foi
aceita ou até mesmo divulgada anteriormente. A ciência caminha de acordo com
os valores culturais de uma sociedade e de uma época, não é um acontecimento
isolado livre dos valores de seu tempo. A história atual da ciência que passou por
grandes modificações nas suas concepções (século XIX), nos traz vários
exemplos de idéias novas e revolucionárias que foram refutadas de imediato pela
comunidade científica da época e só depois de muito tempo (as vezes gerações
depois) se firmaram [10].
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A mensagem é que a ciência está influenciada pelos padrões estéticos,
emocionais, políticos e religiosos de sua época e as revoluções vagarosamente
quebram estes freios e numa simbiose ciência e humanidade caminham uma
moldando a outra.
Outro pensamento importante, este talvez fuja aos âmbitos da matemática,
pois parece que todos acham razoável dizer que a Geometria Euclidiana é um
caso particular de outra Geometria. Isto parece não acontecer no âmbito da Física,
depois das mudanças nos fundamentos de como fazer a história da ciência e
como entender a estrutura das revoluções científicas, há uma discussão
extremamente forte que parece pender para o chamado não continuísmo. O
modelo gravitacional de Newton, por exemplo, não é um caso particular do
relativismo de Einstein. O relativismo é outra concepção da realidade e o modelo
de Newton fornece apenas alguns resultados aproximados em situações muito
específicas. A conceituação relativista é absolutamente diferente e independente.
Este fascinante assunto está detalhado nas bibliografias [10],[13].
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VII. Bibliografia
[1]
Aaboe A., Episódios da história Antiga da Matemática, Editora da
SBM, 2002.
[2]
Ávila G., “Legendre e o Postulado das Paralelas”, Revista do Professor
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ENCONTRO COM O MUNDO NÃO EUCLIDIANO