ID: 43116992
03-08-2012
Tiragem: 46555
Pág: 20
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 26,72 x 31,26 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
Há cada vez mais provas de que
o cancro nasce de células estaminais
As últimas edições das revistas Nature e Science têm revelações sobre as células que têm sido apontadas
como as que originam os cancros. É uma nova forma de ver estas doenças, com contributos em Portugal
DR
Oncologia
Teresa Firmino
Três equipas de cientistas de vários
países revelaram novas provas, em
experiências em ratinhos, da existência das controversas células estaminais cancerígenas e dizem que elas
são as sementes dos cancros: originam todas as células malignas, suportam o crescimento dos tumores,
criam as metástases e, como se não
bastasse, resistem aos tratamentos
convencionais. Publicados esta semana para diferentes tipos de cancro,
dois dos trabalhos surgem na revista
Nature e o terceiro na Science.
Deu-se a estas células o nome de
“células estaminais cancerígenas”
porque — tal como as normais células estaminais dos embriões e dos
adultos, capazes de dar origem a diferentes tipos de tecidos no organismo
— conseguem dividir-se vezes sem
conta. Mais: é delas que descendem
todas as outras células de um cancro
e que, ainda por cima, não são todas
iguais. Também lhes chamam “células iniciadoras dos tumores”.
Segundo a hipótese das estaminais
cancerígenas, nos cancros há uma
hierarquia — e no topo da pirâmide
encontram-se estas células. “Estão
em menor número, mas fazem muitos estragos”, explica Célia Gomes,
que estuda as estaminais cancerígenas no Instituto de Investigação da
Luz e da Imagem da Faculdade de
Medicina de Coimbra. “As estaminais
cancerígenas são uma das explicações para a heterogeneidade das células dos tumores.”
Proposta há algumas décadas, esta
hipótese tem suscitado grande debate. Foi em 1994 que estas células
foram identificadas pela primeira vez
de forma conclusiva, na leucemia:
quando transplantadas para ratinhos
com o sistema imunitário enfraquecido, essas células formaram tumores com as mesmas características.
“Segundo a teoria, só estas células
têm capacidade de gerar um tumor.
Qualquer outra desse tumor que não
seja estaminal não tem essa capacidade”, explica Célia Gomes.
Desde a década de 1990, a hipótese
foi ganhando força com a identificação de células estaminais cancerígenas em cancros como o da mama, da
próstata, do cérebro e pâncreas.
Mas o papel exacto que elas de-
sempenham continua a suscitar
debate. Será que, como propõe a
hipótese, são realmente responsáveis pelo início dos cancros, pelo
seu crescimento e pela sua disseminação a outros tecidos e órgãos?
Também não é muito claro se resultam da transformação de células estaminais adultas, que deixaram de
ser capazes de controlar a proliferação, ou de células já diferenciadas
que ganharam características das
estaminais.
“O tumor pode ter origem em mutações que ocorreram em células estaminais adultas. Todos nós as temos
e, no caso de haver um dano no organismo, elas dividem-se e o tecido
regenera-se”, explica Célia Gomes.
“Ou podem ocorrer mutações em
células não-estaminais, que fazem
com que elas adquiram o comportamento das estaminais”, acrescenta a
cientista, considerando que as duas
origens são possíveis.
Equipa portuguesa
já identificou as
células que estão
na origem do
osteossarcoma, um
cancro dos ossos
Células de linfoma: as estaminais dão um novo olhar sobre o cancro
Como as estaminais cancerígenas
diferem de cancro para cancro, como explica Célia Gomes, é preciso
localizar esse reservatório de malignidade para cada um deles. As três
equipas dizem agora ter identificado,
de forma independente, as estaminais de diferentes cancros e lesões
pré-malignas.
A de Arnout Schepers, do Centro
Médico da Universidade de Utrecht,
na Holanda, confirmou as suas suspeitas para os adenomas intestinais,
pólipos no cólon e recto. “Mediante
estudos em ratinhos, apresentamos
provas directas e funcionais da actividade das células estaminais nos
adenomas intestinais primários, precursores do cancro intestinal”, diz o
grupo de Schepers na Science.
Já a equipa de Cédric Blanpain,
da Universidade Livre de Bruxelas,
seguiu a evolução de um grupo de
células de um cancro da pele, o
carcinoma de células escamosas,
e apontou-as como as iniciadoras
de tudo.
Por fim, a equipa de Luis Parada,
da Universidade do Sudoeste do Texas, nos EUA, identificou as estaminais cancerígenas do glioblastoma
— um cancro do cérebro agressivo e
com mau prognóstico, porque resiste à terapêutica e reaparece após a
cirurgia. Além disso, as suas experiências mostraram que, depois da quimioterapia, esse pequeno número
de células foi a fonte que alimentou
novamente o cancro.
Vários trabalhos têm concluído que
estas células são muito resistentes aos
tratamentos convencionais (quimio
e radioterapia), pelo que têm de ser
um alvo para novos medicamentos.
Aliás, Célia Gomes fez estudos deste
género para o osteossarcoma, cancro
dos ossos que atinge sobretudo crianças e adolescentes, e em Abril deste
ano o seu grupo publicou os resultados na revista BMC Cancer. “Isolámos
e caracterizámos uma subpopulação
de células com características de estaminais e estudámos os efeitos que
a quimioterapia e a radioterapia têm
nelas. Verificámos que resistem mais
a estas terapias”, diz.
“Elas podem ser responsáveis pelo
aparecimento de recidivas nos doentes de osteossarcoma. A taxa de
sobrevida anda à volta dos 70% em
cinco anos. Mas, destes 70%, cerca
de 30 a 40% têm recidivas”, acrescenta. “Muitas vezes, a seguir aos
tratamentos observa-se uma diminuição significativa da massa tumoral.
Estas células não se vêem numa TAC
ou PET — é como se tivessem hibernado e deixam se ser atingidas pelas
terapias convencionais, que têm como alvo as células muito proliferativas. Não estando a dividir-se, não
são atingidas, mas estão lá e podem
voltar a dar origem a tumores.”
Todos estes estudos mudam a
forma de olhar para o cancro? “Mudam”, responde Célia Gomes. As estaminais cancerígenas não podem
ficar de fora dos tratamentos e esta
nova visão é importante para se desenvolverem novos medicamentos
que, usados em combinação com a
quimio e a radioterapia, as atinjam.
Mas as terapias não poderão centrar-se só nas células estaminais, explica a cientista: “Porque, ao longo
do desenvolvimento do tumor, uma
subpopulação de células não-estaminais pode adquirir características
estaminais. [O cancro] é um processo
dinâmico.”
ID: 43116992
03-08-2012
Tiragem: 46555
Pág: 1
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 5,39 x 7,01 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 2
NOVAS PROVAS
CÉLULAS ESTAMINAIS
SÃO AS SEMENTES
DOS CANCROS
Ciência, 20
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Há cada vez mais provas de que o cancro nasce de células