ID: 50849706
18-11-2013
Tiragem: 38650
Pág: 6
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 27,28 x 31,04 cm²
Âmbito: Informação Geral
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Há cada vez mais adolescentes nas
enfermarias psiquiátricas de adultos
Pedopsiquiatras dizem que tentativas
de suicídio dos adolescentes estão a
aumentar com a crise. No país existem
apenas 20 camas para internar crianças
e adolescentes com problemas mentais
Saúde Mental
Catarina Gomes
Com a crise estão a chegar às urgências cada vez mais adolescentes
que tentaram suicidar-se. Perante a
falta de vagas, a solução para estas
e outras situações tem sido, muitas
vezes, o internamento em enfermarias psiquiátricas de adultos. “Em
vez de ser uma experiência pacificadora, pode ser traumatizante”,
alerta o director do Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital Pediátrico de Coimbra, José Garrido.
Diz a Carta da Criança Hospitalizada que “as crianças não devem
ser admitidas em serviços de adultos. Devem ficar reunidas por grupos etários para beneficiarem de
jogos, recreios e actividades educativas adaptadas à idade, com toda a
segurança”. Desde 2010 que a idade
pediátrica em Portugal foi alargada
dos 16 para os 18 anos.
Augusto Carreira, presidente da
Associação Portuguesa de Psiquiatria da Infância e da Adolescência,
lembra o caso de uma rapariga de
16 anos do Algarve, “em situação
psíquica grave”, que andou muito
tempo para ser internada porque
naquela região do país não há pedopsiquiatria e porque o Hospital
Dona Estefânia, em Lisboa, onde
há 10 camas, estava lotado. Além
desta instituição só existem outras
dez camas no Magalhães Lemos,
no Porto.
Zulmira Correia, responsável pela unidade de pedopsiquiatria da
zona Norte, que funciona no Hospital de Magalhães Lemos, diz que
os miúdos que, por falta de alternativas, são internados na psiquiatria de adultos aterram num mundo de doentes crónicos “e podem
pensar: ‘Eu vou pertencer a este
mundo do Voando sobre um Ninho
de Cucos’”.
A médica nota que o internamento na saúde mental de adultos é estigmatizante para a família e pode
impedir a visita de colegas de escola e amigos do adolescente. Fala
no caso de raparigas que nestes internamentos ficam expostas a “re-
latos de experiências de vidas que
não são simpáticas de ouvir fora
do tempo, histórias de maridos...
Não é favorável”. E acrescenta que
a legislação e a acreditação internacional dos serviços de saúde não
permitem sequer que as salas de espera e os corredores para crianças
e adolescentes sejam os mesmos
que os adultos.
Foi com a ministra Ana Jorge que
a idade pediátrica foi alargada para os 18 anos, uma decisão acertada, diz Augusto Carreira, mas que
não foi acompanhada de reforço
de meios. O problema é saber para onde mandar os adolescentes,
sobretudo dos 16 aos 18 anos. Ou
seja, quando é necessário internamento nestas idades, “é uma aflição enorme para tentar arranjar
lugar”. Não podem ser colocados
em enfermarias de Pediatria porque muitas vezes estão em estado
de agitação e podiam colocar riscos
para outras crianças, mas nunca
deveriam ser colocados em enfermarias de adultos, como por vezes
acontece, diz.
“Famílias desorientadas”
O problema é que o recurso às enfermarias psiquiátricas de adultos
tende a ser mais frequente com o
aumento do número de adolescentes que vão parar às urgências por
tentativas de suicídio, diz Augusto
Carreira.
Não há números para quantificar
o fenómeno, mas a sua prática clínica diz-lhes que está a aumentar o
número destes casos e que a crise
contribuiu para este crescimento,
defende José Garrido. Diz que só no
primeiro semestre deste ano chegaram às urgências do Hospital Pediátrico de Coimbra 33 adolescentes
dos 13 aos 18 anos que se tentaram
suicidar ingerindo medicamentos,
embora à cabeça continuem a estar
as situações de ansiedade e depressão, com 110 casos.
“A maior parte dos casos de comportamentos suicidários precisam
de ser internados”, diz Augusto
Carreira, “para avaliar a gravidade do gesto e existência de risco”.
Além das tentativas de suicídio,
Os jovens que atravessam a crise ficam com marcas. “Não é como uma empresa em que, passada a crise, volta a
Internamento em Coimbra previsto há anos
Algumas crianças ficam internadas num quarto no serviço de urgências
D
esde a abertura do novo
Hospital Pediátrico de
Coimbra, em 2011, que os
responsáveis pelo Serviço
de Pedopsiquiatria tentam que
a unidade tenha internamento
e urgência especializados
para servir as crianças com
problemas de saúde mental
da zona Centro, diz o seu
actual director, José Garrido.
Actualmente, as crianças mais
novas (é raro o internamento
antes dos 12 anos) são mandadas
para o Porto, mas “mais de
metade ficam cá, ou voltam para
casa ou andam para trás e para
diante”. Os que têm mesmo que
internar ficam num quarto das
urgências. “Já há miúdos que
estiveram ali duas semanas. Não
é essa a vocação da urgência e
não são instalações adequadas,
mas como não temos para onde
os mandar...” Também não há
urgência de Pedopsiquiatria.
A consulta aberta funciona em
dias úteis das 8h às 18h e fora
desse horário, não há assistência
médica especializada. Para
o internamento já estiveram
pensadas oito ou 12 camas,
informa.
O director do Programa
Nacional para a Saúde Mental,
Álvaro de Carvalho, diz que a
não-abertura do internamento
em Coimbra se deve a falta
de dinheiro para contratar
enfermeiros, uma vez que está
prevista a possibilidade de
os pedopsiquiatras da região
participarem no serviço e “até
têm espaço em excesso”. O
gabinete de comunicação do
Centro Hospitalar e Universitário
de Coimbra responde que “está
a ser estudada, numa fase muito
adiantada, a implementação
do internamento e da
urgência de pedopsiquiatria
em Coimbra, para a Região
Centro”. Em resposta enviada
por email, escreve-se: “O nosso
compromisso foi ter até ao
final do ano uma decisão e um
cronograma”.
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18-11-2013
RICARDO SILVA
dar lucro. Perdura”, avisa especialista
Augusto Carreira fala do aumento
de comportamentos violentos para com os outros e contra si mesmos, por exemplo com situações
de automutilação, como os cortes
dos pulsos. “As famílias estão muito
desorientadas”, diz, sublinhando
que “as crianças, para se desenvolverem de forma satisfatória, precisam de se sentir protegidas. No
contexto em que nós vivemos, as
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Área: 16,36 x 24,46 cm²
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famílias não se sentem tranquilas,
não sabem se chegam ao final do
mês com dinheiro para dar de comer aos filhos”. “Os recursos que
se oferecem neste momento estão
a rebentar pelas costuras” e estes,
defende, ainda são mais importantes “nesta fase”. “Uma criança
que atravessa a crise vai ficar com
marcas, não é como uma empresa
em que, passada a crise, volta a dar
lucro. Perdura”.
“As enfermarias psiquiátricas não
são sítios muito agradáveis. Estes
internamentos são primeiras experiências de internamento”, nota,
e “podem ser traumatizantes, até
para a família que pode ver aquilo
quase como se estivesse a vislumbrar o futuro do filho. É pesado, era
importante que se pudesse evitar
isso”, sublinha o presidente da Associação Portuguesa de Psiquiatria
da Infância e da Adolescência.
O director do Programa Nacional
para a Saúde Mental, Álvaro de Carvalho, confirma “uma maior pressão
desde a crise, com maiores necessidades de internamento”. O responsável diz que “a situação de crise desencadeia tensões emocionais que
muitas vezes criam estados de crise
emocional, em que o internamento
transitório pode ser uma solução”.
Os últimos dados oficiais dizem que
em 2011 houve 295 internamentos
por perturbações mentais da infância, com uma média de quase nove
dias de permanência.
“A única prevenção em saúde
mental é na infância, na adolescência já é muitas vezes tarde de
mais”, reforça José Garrido. Está
descrito em estudos internacionais
que, em momentos de crise económica, aumentam as tentativas de
suicídio também na adolescência,
“são sintomas da crise”, que se faz
acompanhar “de mais conflitos familiares, mais violência doméstica, mais consumo de álcool, pais
que emigram. É uma sociedade em
stress”.
Cuidados
continuados não
arrancaram
P
elo menos desde 2009
que está prevista a criação
de unidades de cuidados
continuados para pessoas
com problemas em saúde
mental. Só no primeiro ano
chegaram a estar previstas
1400 vagas. Mas até agora
nada, admite o director do
Programa Nacional para a
Saúde Mental, Álvaro Carvalho.
Por exemplo, na área da
infância e adolescência está
previsto arrancarem uma
unidade residencial para
crianças com doença mental
grave, em Lisboa, e uma
unidade sócio-ocupacional
para adolescentes, em Idanha.
Estão também previstas
equipas de apoio domiliciliário,
mas as restrições financeiras
têm adiado a criação destas
unidades no âmbito da rede
de cuidados continuados que
neste momento só tem oferta
para doenças físicas, diz. No
final de 2016 chegou a preverse haver resposta para cinco
mil pessoas.
O Plano de Saúde Mental
prevê que, até 2016, todos os
hospitais centrais passem a
ter serviços de Psiquiatria da
Infância e da Adolescência.
Aqui, os progressos têm sido
maiores, diz o responsável.
Em 2007 havia 20 serviços
com esta valência, agora
existem em 36 dos 41 serviços.
Mas o psiquiatra admite que
muitos deles às vezes só têm
médico, não têm enfermeiros,
faltando também psicólogos e
assistentes sociais.
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Enfermarias
psiquiátricas para
adultos com mais
adolescentes
No país, existem apenas
20 camas para internar
crianças e adolescentes com
problemas mentais. Sobram as
enfermarias para adultos p6/7
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