FOLHA DIRIGIDA
CADERNO DE
Educação
20 a 26 de maio de 2010
www.folhadirigida.com.br
DIVULGAÇÃO
“
Escolas não conectadas são
escolas incompletas, mesmo quando
didaticamente avançadas
”
A distância e
o presencial
cada vez mais
próximos
PAULO CHICO
[email protected]
F
ascinado pela educação a distância e suas possibilidades, José Manuel
Moran veio de longe. Nascido em Vigo, na Espanha, cruzou o Atlântico
e tornou-se um dos mais respeitados especialistas no uso de tecnologias
aplicadas aos processos de aprendizagem. É disso que trata esta
entrevista, que tem como foco a instalação da internet banda larga
na quase totalidade das escolas públicas do Brasil, meta anunciada
recentemente pelo governo federal, ainda para este ano.
Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e Diretor do Centro de EAD da
Universidade Anhanguera-Uniderp, Moran é autor de diversos livros, como A
educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá, pela Papirus Editora,
e que acaba de chegar à terceira edição. Qualificação dos professores, recursos
de ambientes virtuais, redes de colaboração e riscos do mau uso da internet
foram alguns dos temas abordados pelo educador que, defensor das interações
humanas como combustível da aprendizagem, vê fragilizada a fronteira entre
o que é presencial e o que se acredita a distância.
“A boa escola precisa de professores mediadores, vivos, criativos, experimentadores,
presenciais e virtuais. De mestres menos falantes, e mais orientadores. Precisamos
de uma escola que fomente redes de aprendizagem, entre professores e entre
alunos. Onde todos possam aprender com os que estão perto e longe, conectados
audiovisualmente. Aprender em qualquer tempo e em qualquer lugar, de forma
personalizada e, ao mesmo tempo, colaborativa”, afirma.
FOLHA DIRIGIDA - A META DO GOVERNO FEDERAL É
DE QUE, ATÉ O FINAL DESTE ANO, 92% DA POPULAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA ESTEJA ATENDIDA POR
INTERNET BANDA LARGA. O QUE ESSA MEDIDA REPRESENTA?
José Manuel Moran - Esse é um passo importante para que as escolas possam ter acesso à
internet, às redes e à mobilidade. Inicialmente o plano governamental era que todas as
escolas tivessem acesso a um laboratório conectado à internet. Mas, com a banda larga, será
possível ampliar o acesso, transformando salas de aula, bibliotecas, pátios e outros espaços em lugares de aprendizagem flexível e
compartilhada.
ACREDITA QUE ESSA META SERÁ CUMPRIDA?
Não sei bem se será atingida já neste ano. O
importante é que essa política continue e tenha suficientes recursos alocados para que seja
implementada o quanto antes possível.
ISSO DE FATO É PRIORIDADE NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA? NÃO HÁ OUTRAS DEFICIÊNCIAS
BÁSICAS MAIS URGENTES?
Na educação há muitas frentes importantes.
Posso destacar algumas, como as políti- “Informatizar
cas de formação, para
atrair os melhores as escolas é
professores, remunemais do que
rá-los bem e qualificá-los melhor; as po- simplesmente
líticas inovadoras de
gestão, que consis- disponibilizar
tem em levar os mo- computadores”
delos de sucesso de
gestão da iniciativa
privada para a educação básica; o forte apoio
ao ensino técnico e tecnológico, integrandoos melhor, de forma que um aluno possa profissionalizar-se antes e ao mesmo tempo seguir um currículo superior mais próximo do
que a sociedade necessita; e, por fim, o incentivo a parcerias público-privadas eficientes e
constantes, com maior integração de programas e recursos econômicos e tecnológicos.
C OMO AS T ECNOLOGIAS DA I NFORMAÇÃO E DA
COMUNICAÇÃO (TICS) ENTRAM NESSE PACOTE?
A inserção no mundo das tecnologias conectadas é um caminho importante para preparar
as pessoas para o mundo atual, para uma sociedade complexa, que exige domínio das linguagens e recursos digitais. Em educação não
podemos esperar que todos os outros problemas sejam equacionados, para só depois ingressar nas redes. Escolas não conectadas são
escolas incompletas, mesmo quando didaticamente avançadas. Alunos sem acesso contínuo às redes digitais estão excluídos de uma
parte importante da aprendizagem atual: do
acesso à informação variada e disponível de
forma online, da pesquisa rápida em bases de
dados, bibliotecas digitais, portais educacionais. Estão fora da participação em comunidades de interesse, de debates e publicações
online. Enfim, da variada oferta de serviços no
campo virtual.
QUAIS AÇÕES CORRELATAS DEVEM SER TOMADAS
PARA QUE A INFORMATIZAÇÃO DAS ESCOLAS SURTA
O EFEITO DESEJADO, COM SALTO NA QUALIDADE DO
ENSINO ?
Informatização é mais do que colocar computadores. É conectar todos os espaços e elaborar políticas de capacitação dos professores,
gestores, funcionários e alunos para a inserção
das tecnologias no ensino e aprendizagem de
forma inovadora, coerente e enriquecedora. Os
projetos pedagógicos precisam refletir essa
integração horizontal e vertical com o currículo. As tecnologias digitais facilitam a pesquisa, a comunicação e a divulgação em rede. Temos as tecnologias mais organizadas, como os
ambientes virtuais de aprendizagem – Moodle e semelhantes – que permitem que tenhamos um certo controle de quem acessa o ambiente e do que precisa ser feito nas etapas de
cada curso. Além desses ambientes, há um
conjunto de tecnologias, que denominamos
popularmente de 2.0, que são mais abertas,
fáceis e gratuitas, como blogs, podcasts, wikis...
Nesses espaços, os alunos podem ser protagonistas dos seus processos de aprendizagem. E
isso facilita a aprendizagem horizontal, isto
é, dos alunos entre si, das pessoas em redes de
interesse. A combinação dos ambientes mais
formais com os informais, feita de forma integrada, nos permite a necessária organização
dos processos com a flexibilidade da adaptação ao perfil de cada aluno.
DE FORMA PRÁTICA, COMO AS TECNOLOGIAS DEVEM
SER EXPLORADAS? QUAL SEU USO MAIS RACIONAL
E EFICAZ NAS ESCOLAS?
O ideal é que estas tecnologias Web 2.0 – gratuitas, colaborativas e fáceis - façam parte do
projeto pedagógico da instituição para serem
incorporadas como parte integrante da proposta
de cada série, curso ou área de conhecimento.
Quanto mais a instituição incentiva o trabalho com atividades colaborativas, pesquisas,
projetos, mais elas se tornarão importantes.
Podem ser utilizadas também para produzir
conteúdos interessantes e deixar para o pro-
Moran aponta descompasso entre a escola e a sociedade
fessor o papel de organização das atividades,
de discussão, orientação, apresentação dos
resultados e sua publicação pelos alunos. Com
boas propostas no começo de cada semestre,
as possibilidades de motivação dos alunos e
professores aumentarão, sem dúvida.
MAS, E SE NÃO HOUVER ESSA CONSCIÊNCIA POR
PARTE DA DIREÇÃO DA ESCOLA?
Se não houver ainda uma consciência institucional, os professores mais próximos destas
tecnologias podem utilizá-las em suas disciplinas ou áreas de atuação, incentivando os
alunos para serem produtores, e não só receptores. Os professores podem disponibilizar os
conteúdos ou, ao menos, parte deles, em ambientes virtuais de aprendizagem, para sentirem-se livres da tarefa monótona, repetitiva,
cansativa e pouco produtiva de falar e escrever os mesmos assuntos para diversas turmas.
Assim eles podem se concentrar em atividades mais criativas e estimulantes. As tecnologias nos libertam das tarefas mais penosas as repetitivas. E nos permitem centrar o foco
em atividades criativas, produtivas e fascinantes.
COM ESSAS TECNOLOGIAS, A ESCOLA DERRUBA OS
MUROS DO SABER?
A escola pode estender-se fisicamente até os
limites da cidade e, virtualmente, até os limites do universo. A escola pode integrar os espaços significativos do município: museus,
centros culturais, cinemas, teatros, parques,
praças, ateliês, centros esportivos, centros comerciais, centros produtivos... A escola pode
captar as manifestações culturais e artísticas
próximas, fazendo dos alunos espectadores
críticos e produtores de novos significados e
produtos. Trazer pessoas com diversas competências para a escola revela novas possibilidades vocacionais para os estudantes.
É DIFÍCIL TORNAR A ESCOLA MAIS ABERTA À PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS?
Há uma percepção crescente do descompasso
entre os modelos tradicionais de ensino e as
novas possibilidades que a sociedade já desenvolve informalmente, e que as tecnologias atuais
permitem. A maioria das escolas repete modelos ultrapassados ou foca só a competência intelectual. Trata-se do conhecimento para avançar rumo à universidade. A maior parte do que
se ensina não é percebida pelos alunos como
algo significativo. Quanto mais tecnologias
avançadas, mais a educação precisa de pessoas
humanas, evoluídas, competentes, éticas. São
muitas informações, visões, novidades. O que
faz a diferença no avanço dos países é a qualificação das pessoas. É preciso encontrar na educação novos caminhos de integração do humano ao tecnológico; do racional ao sensorial; do
emocional ao ético; do presencial ao virtual. A
formação em todas as suas dimensões.
S EM TREINAMENTO OU DIRECIONAMENTO PEDA GÓGICO , O USO DA INTERNET PODE TRAZER PRE JUÍZOS ?
A internet é uma projeção de tudo que o ser
humano faz de bom e de ruim. Ela tem tudo de
mais interessante, resolve um monte de problemas, como pagar contas sem filas. Tem mil vantagens, de comodidade. Ao mesmo tempo, o
ser humano coloca ali diversas aberrações, tanto do imaginário quanto das situações reais. Na
internet há o acesso à informação para a qual o
aluno pequeno não está preparado, na área da
sexualidade, pornografia e violência. Isso sempre
existiu, mas a internet escancarou a facilidade
de acesso. A solução não está principalmente
em bloquear ou em não falar disso. Temos que
aprender a lidar com as tecnologias. Orientar,
acompanhar, porque uma criança pode envolver-se em situações complicadas. A criança,
quando percebe que os pais e professores confiam nela e se preocupam, mostra quais sites
costuma visitar, ou logo aponta alguma situação anormal. A internet é um meio rico de possibilidades e de problemas. E a escola é um
espaço privilegiado de aprendizagem de como
saber fazer essas escolhas.
C OMO QUALIFICAR OS PROFESSORES? POR QUE
AÇÕES NESTE SENTIDO CAMINHAM EM PASSOS TÃO
LENTOS NO BRASIL?
O professor demora em torno de dois anos –
numa pesquisa feita na França – para dominar as tecnologias e poder utilizá-las no seu
planejamento e avaliação. Há um longo caminho de aprendizagem como usuário, e depois
como educador. O importante é começar com
recursos simples – um blog, por exemplo – e
ir tornando mais complexas as atividades, aos
poucos, para que se sinta seguro de que faz
sentido o que está se propondo. Não basta só
ser moderninho. O importante é que o aluno
aprenda cada vez mais.
ONDE O PROFESSOR, ÀS VEZES ABANDONADO PELAS
POLÍTICAS PÚBLICAS, PODE BUSCAR INFORMAÇÕES
SOBRE INCLUSÃO DIGITAL?
O Portal do Professor do MEC e alguns portais
educacionais, como o ‘Diaadiaeducação’, da Secretaria de Educação do Paraná, são excelentes
para conhecer o que é feito, realizar cursos básicos e encontrar materiais e atividades importantes em diversas áreas de conhecimento.
O PROFESSOR JÁ SE DEU CONTA DE QUE NÃO É MAIS
A ÚNICA FONTE DO SABER PARA OS ESTUDANTES?
ESSE TEM SIDO UM
PROCESSO TRAUMÁTICO PARA OS EDU CADORES ?
“Não existem
tecnologias
avançadas que
salvem maus
profissionais nas
salas de aula”
Uma boa escola
depende fundamentalmente de
contar com gestores e educadores
bem preparados,
remunerados, motivados e que possuam comprovada competência intelectual,
emocional, comunicacional e ética. Sem bons
gestores e professores nenhum projeto pedagógico será interessante, inovador. Não há
tecnologias avançadas que salvem maus profissionais. São poucos os educadores e gestores pró-ativos, que gostam de aprender e
conseguem colocar em prática o que aprendem. Temos muitos profissionais que preferem repetir modelos, obedecer, seguir padrões. Sem pessoas autônomas é muito difícil ter uma escola diferente, mais próxima dos
alunos que já nasceram com a internet e o celular. Uma boa escola precisa de professores
mediadores, vivos, criativos, experimentadores, presenciais e virtuais. De mestres menos
‘falantes’, mais orientadores. De menos aulas informativas e mais atividades de pesquisa, e experimentação. Desafios e projetos. Uma
escola que fomente redes de aprendizagem,
entre professores e entre alunos. Onde todos
possam aprender com os que estão perto e
também longe, conectados. Onde os mais experientes possam ajudar aqueles que têm mais
dificuldades.
E O FUTURO? QUAL SERÁ A PRÓXIMA REVOLUÇÃO NA
ÁREA DA APRENDIZAGEM?
Aprender em qualquer tempo e lugar, de forma personalizada e, ao mesmo tempo, colaborativa. Teremos flexibilidade curricular e
facilidade de estarmos juntos, conectados audiovisualmente.
O SENHOR É CRÍTICO CONTUMAZ DOS MODELOS
DE ENSINO . S EMPRE FOI ASSIM ? A EDUCAÇÃO O
FASCINA EXATAMENTE PELA BUSCA DO APERFEI ÇOAMENTO ?
Minhas críticas têm se acentuado nos últimos
15 anos, ao perceber o descompasso entre os
avanços sociais e tecnológicos e a lentidão das
respostas na educação formal. Entendo que
essas mudanças são lentas e há uma resistência normal diante do novo. Que aquilo que
já está claro para alguns, não está para todos,
ainda. Por isso precisamos insistir, mostrar,
experimentar, divulgar resultados até criar uma
massa crítica maior, termos mais aliados. Sem
dúvidas, as mudanças se acelerarão nos próximos anos. Mas, sabemos que esse é um processo longo, complexo, às vezes exasperante, dada sua baixa velocidade. Precisamos de
muitos educadores humanistas inovadores
para acelerar as mudanças inevitáveis. Percebo que há maior atenção para com estas ideias novas, apesar das resistências. É grande a
minha esperança de que estejamos colaborando para uma educação mais flexível, criativa,
humanista e empreendedora.
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A distância e o presencial cada vez mais próximos