UM ÍNDICE DE CAPACIDADE BASEADO NA FRAÇÃO NÃO CONFORME DO PROCESSO E CALIBRADO POR Cpm Pledson Guedes de Medeiros Doutorando em Eng. Produção - POLI/USP, [email protected] Dep. Eng. Produção Av. Prof. Almeida Prado, Travessa 2 no 128 São Paulo – SP CEP 05508-900 Linda Lee Ho Profa Dra Dep. Eng. de Produção - POLI/USP, [email protected] Dep. Eng. Produção Av. Prof. Almeida Prado, Travessa 2 no 128 São Paulo – SP CEP 05508-900 ABSTRACT: The traditional process capability indices do not relate directly to nonconforming fraction of the process. This aspect has been pointed out by Borges e Ho (1998) in their capability index C based on non-conforming fraction but calibrated to the well known C p index. In this direction, other alternative indices based on non-conforming fraction have been proposed, for example C1 calibrated to C pk by Barriga et all.(2000). Here we present the index C2 also based on non-conforming fraction but calibrated to C pm index. A simulation was conducted to compare the performance of the natural estimators of C2 and C pm . KEY WORDS: Process capability indices; fraction non-conforming; non-normal process. 1 Introdução Um índice de capacidade de processo (ICP) é uma medida adimensional usada para quantificar o desempenho de um processo de manufatura em relação aos parâmetros do processo e as especificações do produto. Esses índices têm sido usados para monitorar a qualidade das unidades produzidas por um processo de manufatura e, servem como indicadores da capacidade geral de um sistema de manufatura. Seu propósito é assegurar, retrospectivamente, que o número de itens não conformes, em um lote, está abaixo de um limite especificado. Um dos índices de capacidade mais simples, e talvez o mais comumente utilizado, é o conhecido como “índice seis sigma”, denotado por C p , que exige do usuário apenas o conhecimento da variância do processo. Muitas variações e refinamentos deste índice têm sido propostos na literatura, onde cada uma requer conhecimento adicional de algum aspecto da distribuição da variável aleatória. É importante observar que os ICP mais comuns não têm uma relação direta com a fração não conforme. Propostas neste sentido foram feitas por Borges e Ho(1998) e Barriga et all.(2000) ao apresentarem, respectivamente, o índice C 0 calibrado, para o caso de modelagem pela distribuição normal, por C p e o índice C1 calibrado, também para o caso normal, por C pk . Este trabalho traz uma extensão natural, apresentando o índice C 2 calibrado, também para o caso Normal, pelo C pm . 2 Na seção 2 está um breve resumo dos índices mais usuais e dos índices C 0 e C1 baseados na fração não conforme. Na seção 3 está apresentado o índice C 2 e suas propriedades. Uma simulação foi conduzida para comparar o desempenho dos estimadores de C 2 e C pm . E, finalmente, na seção 4 estão as discussões e conclusões. 2 Uma revisão sobre índices de capacidade de processos (ICP) 2.1 Considerações iniciais Seja X alguma característica de interesse de um produto manufaturado como, por exemplo, o diâmetro de um pino. As especificações para X são geralmente iniciadas em termos de um valor alvo, digamos T. Isto é, T é um valor de X que satisfará o critério de especificação para um desempenho ótimo do produto. Além de definir o valor alvo do processo, T, é necessário definir um limite inferior de especificação (LIE) e um superior (LSE) e diremos que o produto atende às especificações se LIE < X < LSE . Além disso, LSE-LIE é o comprimento do intervalo de especificação, M = ( LSE + LIE ) / 2 é o ponto central do intervalo de especificação e d = ( LSE − LIE ) / 2 é a metade do comprimento do intervalo de especificação. O processo físico da manufatura está, geralmente, sujeito a muitas fontes de variação, começando da qualidade da matéria prima e indo até o equipamento de fabricação. Consequentemente, X é uma quantidade aleatória (ou variável aleatória) e frequentemente assumimos que segue uma distribuição normal com média µ e variância σ2. É uma prática comum assumir que ambos µ e σ 2 não mudam com o tempo, ou seja, o processo é estável ou, como é conhecido em controle de qualidade, em controle estatístico. A suposição de normalidade para X parece razoável pois, frequentemente, X é uma quantidade que pode ser medida e, tradicionalmente, medidas sujeitas a erro de simetria são assumidas como sendo normal. Segundo Kotz e Lovelace(1998), podemos dizer que a idéia geral do ICP é comparar o que o processo devia fazer, denotado pelos limites(intervalo) de especificação, com o que o processo está fazendo, denotado pela dispersão do processo. Com isso, podemos dizer que a forma geral de um índice de capacidade é: ICP = _Intervalo de Especificação_ Dispersão do processo Assim, tornou-se padrão, na indústria, dizer que o processo é capaz se a dispersão dele corresponde, no máximo, a 75% do intervalo de especificação, o que equivale a ter um ICP igual a 1.33, que corresponde a uma fração não conforme de 0.006336%, ou seja, 63 defeitos por milhão. Com isso, é comum se desejar um ICP > 1.33, pois proporcionaria uma fração não conforme ainda menor, ou seja, quanto maior for o ICP menor será a fração não conforme. 2.2 Índices de capacidade tradicionais e seu desenvolvimento cronológico Entre os índices de capacidade existentes na literatura (ver Singpurwalla, 1998), vamos descrever , os três mais difundidos. 3 O primeiro índice de capacidade de processo, denominado C p , foi introduzido por Juran (1974) e definido como, Cp = LSE − LIE d = 6σ 3σ Se µ = T , com T = M , então, para C p = 1 teremos, P ( LIE < X < LSE ) = Φ (3C P ) − Φ (−3C P ) = 0.997 No caso de µ = T = M , o que equivale ao processo estar centrado, podemos ver que C p = 1 implica que 99.7 % dos itens produzidos estarão dentro dos limites de especificação. Neste caso, qualquer valor de C p maior que 1 (um) aumentará a probabilidade acima, tornando o processo de manufatura mais eficiente por passar a ter uma fração não conforme menor. Como σ 2 é desconhecido e precisa ser estimado dos dados, para compensar a incerteza desta estimação a prática industrial segue o dito de que o ideal é ter C p superior a 1.33. Muitas críticas foram feitas ao índice C p pelo fato dele não envolver a média do processo. Assim, introduzido por Kane(1986), surgiu um índice que incorpora o efeito da média do processo, denominado C pk e dado por, LSE − µ µ − LIE C pk = min , , 3σ 3σ onde µ ∈ ( LIE , LSE ) O processo é dito capaz se C pk ≥ 1 e, visto que ambos µ e σ 2 são estimados dos dados, a prática industrial segue a regra de que o ideal é C pk > 1.33. Segundo Singpurwalla(1998), podemos ver que, C pk = C p − µ−M , se µ ≠ M então C pk < C p 3σ se µ = M , C pk = C p Com isso, C pk ≥ 1 ⇒ C p ≥ 1 e C p ≥ 1 ⇒ C pk ≥ 1 Vale ressaltar que ambos, C p e C pk não envolvem o valor alvo T, o que acaba sendo uma desvantagem pois não temos a idéia do efeito da diferença da média µ para o valor alvo T. Chan, Cheng e Spring (1988) retificaram esta omissão trocando o denominador de C p , σ 2 = E ( X − µ ) 2 , por E ( X − T ) 2 e, com isso, introduziram o índice, Cp C pm = 1+ (µ − T ) σ2 2 = LSE − LIE 6 E( X − T ) 2 = d 3 σ + (µ − T ) 2 2 4 É importante observar que o C pm incorpora todos os parâmetros relevantes, d , µ , T e σ . Quando µ = T , C pm = C p , já quando µ distancia de T, o denominador de C pm fica 2 inflacionado e, com isso, C pm ≤ C p . Isto sugere que um desvio da média do processo µ para o valor alvo T se manifesta como uma penalidade no C pm , o que não ocorre nos casos de C p e C pk . Com isso, C pm seria interpretado como a razão da dispersão admitida e da dispersão atual, onde esta última é a tolerância natural do processo mais um fator de inflação que depende do desvio de µ para T. A intuição por trás de C p é que se trata de uma comparação entre as tolerâncias admitida e natural. Uma forma de estender esta intuição quando o divisor é E ( X − T ) 2 é interpretá-lo como uma perda ocorrida quando X desvia de T, de modo que E ( X − T ) 2 é a perda média ponderada ocorrida, com os pesos determinados pela distribuição normal de X com média µ e variância σ 2 . 2 Podemos ver que C e C tornam-se arbitrariamente grandes quando σ ↓ 0 , p pk independente de onde o processo está centrado, ou seja, se µ = T ou µ ≠ T . d Diferentemente, C pm é limitado por quando σ 2 ↓ 0 e, segundo 3µ −T Singpurwalla(1998), isto é uma propriedade interessante. 2.3 Índices de Capacidade baseados na fração não conforme Vamos, agora, apresentar os índices C e C1 que surgiram a partir da abordagem introduzida por Borges e Ho(1998) que se baseia em criar um ICP baseado na fração não conforme e calibrado por um dos ICP descritos na seção anterior. Borges e Ho(1998) introduziram uma nova abordagem para os índices de capacidade ao proporem um ICP, denominado C, baseado na fração não conforme do processo e calibrado, para o caso em que a característica X de interesse possui distribuição Normal, pelo C p . Este índice foi apresentado como: C= p 1 −1 Φ 1 − , onde p é a fração não conforme e 3 2 p = 1 − P( X ∈ A) , onde A é a região de tolerância. (2.1) É importante observar que este índice C possui correspondência um a um com respeito à fração não conforme p, o que acaba sendo uma grande vantagem pois, na própria expressão de cálculo do índice, podemos vislumbrar a relação existente entre p e C. Vale salientar ainda que, Borges e Ho(1998) assumem que o posicionamento ótimo da média é para µ = M , ou seja, abordam o caso em que as frações não conforme à esquerda e à direita são iguais. Dando sequência a esta abordagem Barriga et all(2000) fez uma extensão do índice C, denominado índice C1 , que também é baseado na fração não conforme porém, é calibrado pelo índice C pk . Com isso, o índice C1 incorpora a situação em que as frações não conforme a direita do LSE, γ S , e a esquerda do LIE, γ I , não sejam iguais. 5 Neste caso a fração não conforme p passa a ser escrita como: p = γ I +γ S , µ − LIE γ I = P( X < LIE ) = 1 − Φ σ onde LSE − µ γ S = P( X > LSE ) = 1 − Φ σ E o índice C1 é representado como, Φ −1 (1 − γ S ) Φ −1 (1 − γ I ) C1 = min , 3 3 (2.2) 3. O índice C2 : Um índice de capacidade baseado na fração não conforme do processo e calibrado por C pm A proposta deste trabalho é complementar a abordagem introduzida por Borges e Ho(1998) e seguida por Barriga et all(2000), fazendo uma extensão através da proposição de um índice C2 que será calibrado, para o caso em que a característica de interesse X possui distribuição normal, pelo índice C pm . É importante observar que C pm incorpora o efeito da diferença entre µ e o valor alvo T, o que torna uma extensão para C, calibrada por C pm , bastante interessante. 3.1 O índice proposto Primeiramente, sob a suposição de que T=M, vamos partir da expressão de C pm escrita em função dos índices C p e C pk (Parlar and Wesolowsky, 1999), ou seja, Cp C pm = 1+ (µ − T ) 2 σ2 = Cp 1 + 9(C p − C pk ) 2 (3.1) Finalmente, utilizando as expressões (2.1) e (2.2) da seção 2.3, para C e C1, respectivamente, a extensão do índice C, C2 , também será baseada na fração não conforme porém, calibrada, para o caso Normal, pelo índice C pm sob a suposição de que T = M . Neste caso, C2 será dado por: 1 −1 (γ I + γ S ) Φ 1 − 3 2 C2 = (3.2) 2 1 −1 (γ I + γ S ) Φ −1 (1 − γ S ) Φ −1 (1 − γ I ) , 1 + 9 Φ 1 − − min 3 2 3 3 6 3.2 Vantagens e desvantagens no uso de C2 Entre as vantagens associadas ao uso do índice C2 ,aqui proposto, podemos destacar: - possui correspondência um a um com respeito à fração não conforme; - assim como o C1, também incorpora a situação em que as frações não conforme a direita do LSE, γ S , e a esquerda do LIE, γ I , não sejam iguais; - é calibrado, para o caso normal, pelo C pm com γ I = γ S e T = M , ou seja, C 2 = C pm ; - é invariante com relação a distribuição do processo, para frações não conformes a direita, γ S , iguais e a esquerda, γ I , também iguais; - pode ser aplicado a processos não normais; - pode incorporar desvios entre µ e o valor alvo T. Para exemplificar estas vantagens, consideremos o seguinte exemplo. Exemplo: Seja X uma característica de interesse de um dado processo. Consideremos, a título de ilustração, X modelado pelas distribuições Normal, Weibull e Exponencial, com T = M e γ I = γ S = 0.00003168 e LIE = 6 E LSE = 14. Com isso, temos que, Distribuição da característica Normal(10,1) Weibull(5.99,1.68,1.5) Exponencial(5.99,0.77) Tabela 1: Índices de diferentes Média Variância C pm 10 1 1.33 7.52 1.06 0.50 6.77 0.6 0.40 capac. com a mesma fração C2 C pk C1 Cp 1.33 1.33 1.33 1.33 1.33 1.33 0.49 1.33 1,29 1.33 1.33 0.33 1.33 1,73 1.33 não conforme para distribuições Podemos ver que, para frações não conformes γ I e γ S iguais, C2 assumirá o mesmo valor 1.33, independentemente da distribuição dos dados, ou seja, C2 é invariante com relação à distribuição do processo. Já C pm assumirá valores diferentes, apesar de ter as frações não conformes iguais em distribuições diferentes. Estas observações também são válidas para C e C p e C1 e C pk . Entre as desvantagens associadas ao uso do índice C2 podemos destacar: - é calibrado pelo C pm apenas para o caso normal com γ I = γ S e T = M , ou seja, C 2 = C pm apenas para este caso; - C é válido somente quando T = M pois, caso contrário, a expressão (3.1) apresentada na seção 3.1 não será a mesma; dificuldade em obter a distribuição do estimador natural de C2; não está implementado nos softwares existentes. 3.3 Um estudo de simulação Para comparação dos desempenhos dos índices C pm e C2 realizamos uma simulação com base no estudo feito por Spiring(1991). Neste trabalho ele comparou os índices C p , C pk e C pm mostrando que os índices C pk e C pm conseguem captar a mudança na 7 capacidade do processo, para desvios entre µ e o valor alvo T, considerando-se casos de processos com mesma dispersão, ao contrário do C p que permanece invariante. Além disso, o C pm se mostra mais sensível aos desvios entre µ e o valor alvo T do que o C pk . Seguindo esta mesma linha, um estudo de simulação foi feito para avaliar a sensibilidade de C pm e C2 quando há desvios entre µ e o valor alvo T, considerando-se dois casos onde o valor alvo adotado foi T = 10. No primeiro caso, denominado Caso 1, os limites de especificação são LIE = 6 e LSE = 14 com valores de µ = 7,8,9,10. No segundo caso, denominado Caso 2, os limites de especificação são LIE = 8 e LSE = 14 com valores de µ = 8,9 e 10. Para cada um dos casos foram geradas 1000 amostras de 100 observações de uma distribuição Normal com σ = 1 e valores de µ especificados acima. As médias e desvios padrões amostrais das simulações estão resumidos na Tabela 2. µ C2 C2 σC 2 C pm 10 1.33333 1.33629 0.098 1.33333 9 1.04658 1.05623 0.074 0.94281 8 0.73154 0.73960 0.054 0.59628 7 0.43481 0.43675 0.034 0.42164 10 0.66667 0.66481 0.048 0.66667 Caso 2 9 0.43409 0.43731 0.035 0.47140 8 0.18638 0.18572 0.186 0.29814 Tabela 2: Resultado da simulação para os casos 1 e 2 . Caso 1 C pm σ Cpm 1.33915 0.94965 0.59807 0.42232 0.66719 0.47369 0.29799 0.098 0.058 0.025 0.013 0.048 0.029 0.012 Vemos, pela simulação, que C2 acompanha o índice C pm com respeito à sensibilidade aos desvios apresentando, apenas, diferença na magnitude. Para o caso 1, esta diferença indicaria que o C2 é um pouco menos sensível a desvios de até 3 desvios padrões de µ para T, do que o C pm . Já para o caso 2, onde os limites de especificação são mais rígidos, a diferença indicaria que C2 parece apresentar uma sensibilidade maior que o C pm . 4 Discussões e Conclusões De uma forma geral, podemos dizer que os índices C 2 e C pm apresentam um comportamento equivalente com relação à sensibilidade aos desvios entre µ e o valor alvo T, o que é uma vantagem, em relação aos índices C p e C pk , para o caso em que se está trabalhando com processos onde a sensibilidade a este tipo de desvio é considerada importante para a determinação da capacidade do processo. Com isso, o uso do C2 é recomendado por se tratar também de um índice invariante com relação à distribuição do processo, para frações não conformes a direita, γ S , iguais e a esquerda, γ I , também iguais. Além disso, C2 possui correspondência direta com respeito à fração não conforme e pode ser aplicado a processos não normais. Uma perspectiva futura seria estudar as propriedades desses índices para o caso em que T não está centrado no ponto médio M do intervalo de especificação. Outra abordagem seria a comparação do comportamento dos índices de capacidade na presença de outras distribuições como Weibull e exponencial. 8 Referências bibliográficas Barriga, G. D. C., Ho L. L., Borges, W. S. e Garibay V. (2000). Um índice de capacidade para especificações bilaterais baseado em fração não conforme do processo. XX Encontro nacional de engenharia de produção – ENEGEP. São Paulo. Borges, W and Ho, L. L. (1998). A fraction non-conforming based capability index. Relatório técnico. RT-MAE 9822, IME-USP, São Paulo. Chan, L. K., Cheng, S. W. and Spring, F. A. (1988). A new measure of process capability: C pm . Journal of Quality Technology, 20, 162-175. Juran, J. M. (1974). Jurans quality control handbook, 3rd edition. McGraw-Hill, New York. Kane, V. E. (1986). Process capability indices. Journal of Quality Technology , 18, 41-52. Kotz, S. and Lovelace, C. R. (1998). Process capability indices in theory and practice. Arnold. Parlar, M. and Wesolowsky, GO (1999). Specification limits, capability indices, and process centering in manufacturing. Journal of quality Technology, 31, 317-325. Singpurwalla, N. D. (1998). The stochastic control of process capability indices. Test, 7, 1-74. Spiring, F. A. (1991). The C pm index. Quality progress, 24, no 2, 57-61.