PSICOPEDAGOGIA REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 86 • 2011 • ISSN 0103-8486 EDITORIAL / EDITORIAL .......................................................................................................115 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES • Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças (LNNB-C) ......................................................................................................117 • Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora .......................................................................... 126 • Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas” .................................... 133 • O emprego da literatura na educação infantil: a investigação e intervenção com professores de pré-escola ................................................................................................ 144 • Mães de crianças com baixa visão: compreensão sobre o processo de estimulação visual ....................................................................................... 156 RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT • Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos ............................................................................. 167 ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE • Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação ..................................... 178 ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES • Educação, Psicologia Escolar e inclusão: aproximações necessárias .............................. 185 • Aprendizagem e transtorno bipolar: reflexões psicopedagógicas .................................. 194 • Quando o vínculo é doença: a influência da dinâmica familiar na modalidade de aprendizagem do sujeito................................................................... 201 30 ANOS RESENHA / REVIEW • Miniaulas .......................................................................................................................... 214 VOLUME 28 Associação Brasileira de Psicopedagogia Sede: Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 - São Paulo - SP Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 - www.abpp.com.br - [email protected] NÚCLEOS E SEÇÕES DA ABPp (Agosto de 2011) Núcleo Espírito Santo Coordenadora: Maria da Graça Von Kruger Pimentel R. Elesbão Linhares, 420/601 – Praia do Canto Vitória – ES – CEP 29057-220 (27) 3225-9978 [email protected] Núcleo Sul Mineiro Coordenadora: Maria Clara Rainato Foresti R. Deputado Ribeiro Rezende, 494 – Centro Varginha – MG – CEP 37002-100 (35) 3222-1214 [email protected] Núcleo Teresina Coordenadora: Amélia Cunha Rio Lima Costa R. Eletricista Guilherme, 815 – Fátima Teresina – PI – CEP 64049-486 (86) 3233-2878 amé[email protected] Seção Bahia Diretora Geral: Jozélia de Abreu Testagrossa Av. Tancredo Neves, 3343, sala 1103 – Ed. Cempre Torre B – Caminho das Árvores Salvador – BA – CEP 41820-021 (71) 3341-0121 [email protected] Seção Brasília Diretora Geral: Marli Lourdes da Silva Campos SCLN Quadra 102 – Bloco D – sala 110 Brasília – DF – CEP 70722-540 (61) 3964-1004 [email protected] Seção Ceará Diretora Geral: Francisca Francineide Cândido R. Assis Chateaubriand, 362 A – Dionizio Torres Fortaleza – CE – CEP 60135-200 (85) 3261-0064 [email protected] Seção Goiás Diretora Geral: Luciana Barros de Almeida R. 85, 684, sala 207 – Ed. Eldorado Center – Setor Oeste Goiânia – GO – CEP 74120-090 (62) 3954-2178 [email protected] Seção Paraná Norte Diretora Geral: Neocleide Milani R. Dinamarca, 381 – Centro Cambé – PR – CEP 86181-080 [email protected] Seção Paraná Sul Diretora Geral: Rose Mary da Fonseca Santos R. Fernando Amaro, 431 – Alto da XV Curitiba – PR – CEP 80050-020 (41) 3603-8006 [email protected] Seção Pernambuco Diretora Geral: Maria das Graças Sobral Griz R. das Pernambucanas, 277 – Graças Recife – PE – CEP 52011-010 (81) 3222-4375 [email protected] Seção Rio de Janeiro Diretora Geral: Ana Paula Loureiro e Costa Av. Nossa Senhora de Copacabana, 861, sala 302 – Copacabana – Rio de Janeiro – RJ – CEP 22060-000 (21) 2236-2012 [email protected] Seção Rio Grande do Norte Diretora Geral: Francy Izanny de Brito B. Martins R. Coronel Silvino Bezzera, 1178 – Lagoa Seca Natal – RN – CEP 59000-000 (84) 3223-3260 [email protected] Seção Rio Grande do Sul Diretora Geral: Iara Caierão Av. Venâncio Aires, 1119 – sala 9 – Cidade Baixa (51) 3333-3690 Porto Alegre – RS – CEP 90520-000 [email protected] Seção Santa Catarina Diretora Geral: Albertina Celina de Mattos Chraim R. Eurico Gaspar Dutra, 445, sala 101 – Estreito Florianópolis – SC – CEP 88075-100 (48) 3209-8035 [email protected] Seção Minas Gerais Diretora Geral: Regina Maria Caldeira Couto e Silva Av. Brasil, 248, sala 202 – Santa Ifigênia Belo Horizonte – MG – CEP 30140-001 (31) 3221-3616 [email protected] Seção São Paulo Diretora Geral: Maria Cristina Natel R. Marselhesa, 341 – Vila Mariana – São Paulo – SP – CEP 04020-060 (11) 9513-1411 [email protected] Seção Pará Diretora Geral: Maria Nazaré do Vale Soares Trav. 3 de Maio, 1218, sala 307 – São Braz Belém – PA – CEP 66060-600 (91) 3229-0565 [email protected] Seção Sergipe Diretora Geral: Auredite Cardoso Costa Av. Ivo Prado, 312 – Centro Aracaju – SE – CEP 49010-050 (79) 3211-8668 [email protected] A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) é uma entidade de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos, que congrega profissionais militantes na área da Psicopedagogia. Em 12 de novembro de 1980, um grupo de profissionais já envolvidas e atuantes nas questões relativas aos problemas da aprendizagem fundou a Associação Estadual de Psicopedagogos do Estado de São Paulo, a AEP. Devido ao grande interesse em torno dessa Associação, a sua expansão a nível Nacional surgiu como necessidade imperiosa. Em 1986, a AEP transformou-se na ABPp e gradativamente foram sendo criados os seus escritórios de representação por todo o Brasil, denominados de Núcleos e Seções. ANOS 30 Durante estes anos, a ABPp vem cuidando de questões referentes à formação, ao perfil, à difusão e ao reconhecimento da Psicopedagogia no Brasil, já tendo alcançado muitas vitórias na luta pela sua regulamentação. Atualmente, conta com 16 Seções e 2 Núcleos, espalhados pelo Brasil, para melhor divulgar a Psicopedagogia e aproximar os profissionais em torno de seus objetivos comuns. A ABPp promove conferências, cursos, palestras, jornadas, congressos, bem como a divulgação de trabalhos sobre sua área de atuação, por meio da revista científica Psicopedagogia, da Revista do Psicopedagogo, do informativo Diálogo Psicopedagógico e do site www.abpp.com.br. Oferece, ainda, descontos tanto nos eventos que organiza quanto em eventos de terceiros, que são parceiros e interessados nos assuntos desta área. Preocupada com as questões sociais, a atual diretoria da ABPp Nacional organizou um novo trabalho de cunho sociocientífico, que visa não só ao atendimento da população carente, promovendo a inserção social e a divulgação da importância da prática psicopedagógica, como também à implantação de um novo modelo de estudo e pesquisa nesse campo. Dele poderão participar todos os associados interessados em prestar um trabalho social. Podem associar-se à ABPp todas as pessoas interessadas nessa área de atuação, tendo ou não concluído a sua especialização em Psicopedagogia. Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 www.abpp.com.br - [email protected] II Simpósio Nacional de Psicopedagogia ABPp 2011 O FAZER PSICOPEDAGÓGICO NA CONTEMPORANEIDADE O APRENDER E O ENSINAR EM FOCO 4 e 5 de novembro – UNIFIEO – Osasco, SP A Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp, em parceria com a UNIFIEO, REALIZAÇÃO convida todos os www.abpp.com.br Psicopedagogos, profissionais PARCERIA da Educação e áreas afins, www.unifieo.br bem como estudantes e demais interessados, a participarem. ORGANIZAÇÃO www.arteemeventos.com.br Arte em Eventos (11) 3589-5560 Mais informações e inscrições pelo site http://www.abppsimposio2011.com.br EDITORIAL E mbora tenhamos um grande e incessante empenho em apresentar, quadrimestralmente, uma coletânea especial de artigos que revelem as últimas e mais importantes informações de nossa área, bem como trazer aos leitores contribuições interdisciplinares atualizadas que lhes enriqueça as ferramentas de trabalho, a verdade é que algumas edições tornam-se especiais. É com essa certeza que apresentamos a edição de agosto de 2011 da revista Psicopedagogia. A interdisciplinaridade veio multiplicar e alargar as perspectivas do aprender. Vivemos em uma época onde o respeito às diferenças se impõe em todos os campos e a articulação dos novos saberes, trazidos pelo desenvolvimento da ciência, demonstra que hoje não basta apenas estar atualizado, mas é importante fazer parte da construção desse novo conhecimento. E o psicopedagogo, como especialista em aprendizagem, mais do que qualquer outro profissional, não pode se furtar a enfrentar tal desafio. Iniciamos este número, com cinco artigos de pesquisa, O primeiro entre eles, “Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças (LNNB-C)”, é um artigo original de Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte, Adriana de Souza Batista, Luciana Silva, Ricardo Franco de Lima e Sylvia Maria Ciasca, que com certeza despertará o interesse de muitos leitores. Em seguida, temos o trabalho “Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora”, no qual Andréa Carla Machado e Simone Aparecida Capellini apresentam sua pesquisa sobre a aplicação de algumas estratégias interventivas para melhorar desenvolvimento da leitura de textos nas crianças com dificuldades nessa área. O processo da leitura é, nessa edição, objeto de mais outros dois importantes estudos. No primeiro deles, Renata Savastano Ribeiro Jardini e Lydia Savastano Ribeiro Ruiz avaliam os cursos e os multiplicadores do Método Fonovisuoarticulatório (Método das Boquinhas), bem como a metodologia envolvida. “Avaliação dos cursos de capacitação: método das boquinhas” abre precedentes para a reflexão sobre o sucesso da inclusão pedagógica, que é a demanda educacional atual. “O emprego da literatura na educação infantil: a investigação e intervenção com professores de pré-escola” é o artigo de Ana Claudia Bortolozzi Maia, Lucia Pereira Leite e Ari Fernando Maia, que aponta para o papel decisivo do educador como mediador na aprendizagem dessa faixa etária, mediante o uso de livros infantis. A reflexão em Educação e seus entrelaçamentos com a ação na atualidade é focada na pesquisa qualitativa “Mães de crianças com baixa visão: compreensão sobre o processo de estimulação visual”, de Mirela de Oliveira Figueiredo, Roberto Benedito de Paiva e Silva e Maria Inês Rubo Nobre. Quando o assunto é matemática, a possibilidade de conhecer como os alunos com dificuldades de aprendizagem criam diferentes estratégias e registros no processo de resolução de problemas torna-se um ponto de grande interesse. Esse é o tema do artigo “Análise da produção de um aluno considerado malsu cedido na resolução de problemas matemáticos” escrito por Rute Cristina Do mingos da Palma. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 115-6 115 EDITORIAL A contribuição especial desse número da nossa revista veio de Neide de Aquino Noffs e Vitória Helena Cunha Espósito, “Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação”, um texto que nos traz uma discussão importante e sempre contemporânea. Apresentamos, em seguida, o artigo “Educação, Psicologia Escolar e Inclusão: aproximações necessárias”, de Claudia Gomes e Vera Lucia Trevisan de Souza, cuja contribuição abrange uma reflexão teórica sobre as carências e desafios da Psicologia na atuação da educação inclusiva. “Aprendizagem e transtorno bipolar: reflexões psicopedagógicas”, trabalho de autoria de Lanúzia Almeida Brum, Cristian Patrick Zeni e Silzá Tramontina, faz um contraponto entre questões relacionadas à aprendizagem, refletindo também sobre os prejuízos acadêmicos causados pelo transtorno bipolar na infância e na adolescência. “A influência da dinâmica familiar na modalidade de aprendizagem do sujeito” é o artigo de Ana Paula Decnop de Almeida, que nos revela passos de uma atuação assertiva no diagnóstico e na intervenção psicopedagógica, entrelaçada a um estudo bibliográfico à luz da Epistemologia Convergente. Finalizamos com uma resenha do livro “Marvelous minilessons for teaching: intermediate writing, grades 4-6”, de Lori Jamison Rog, escrita e enviada por Geraldina Porto Witter e que trata de uma interessante estratégia ainda pouco difundida no Brasil, a Miniaula. Encerramos essa edição com mais uma grata tarefa, que é trazer, em nome do Conselho Nacional, da presidente da ABPp, Quézia Bombonatto, e da vice-pre sidente dessa gestão, Luciana Barros de Almeida, um convite a todos os leitores, associados e amigos, para que visitem o site http://www.abppsimposio2011. com.br e se inscrevam no II Simpósio Nacional de Psicopedagogia da ABPp, realizado em parceria com a UNIFIEO: O FAZER PSICOPEDAGÓGICO NA CONTEMPORANEIDADE: o aprender e o ensinar em foco”, que acontecerá nos dias 4 e 5 de novembro próximo, em São Paulo. Esperamos encontrar a todos nessa ocasião e por ora desejamos bons e en riquecedores momentos de leitura, reflexão e estudo. Maria Irene Maluf Editora Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 115-6 116 Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica ARTIGO ORIGINAL Luria-Nebraska para crianças Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças (LNNB-C) Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte; Adriana de Souza Batista; Luciana Silva; Ricardo Franco de Lima; Sylvia Maria Ciasca RESUMO – Introdução: Em nosso País há carência de instrumentos neuro psicológicos para a avaliação das dificuldades de aprendizagem. Objetivo: O objetivo do presente trabalho foi realizar estudo piloto de adaptação de algumas escalas da Bateria Neuropsicológica Luria-Nebraska (LNNB-C) em crianças sem dificuldades de aprendizagem. Método: Participaram deste estudo 100 crianças de 8 anos a 8 anos e 11 meses. Os procedimentos incluíram construção da versão preliminar do instrumento, avaliação inicial, reformulação do instrumento e estudo piloto. Foram adaptadas as escalas de funções visuais, linguagem receptiva, linguagem expressiva, escrita, leitura, aritmética e memória. Resultados: Os resultados apresentam o desempenho da amostra total em termos de média dos escores-T, percentis (90% e 95%) e pontuações mínimas e máximas obtidas. Conclusão: São sugeridos novos estudos para adaptação de outras escalas e para a busca de evidências de validade. UNITERMOS: Neuropsicologia. Transtornos de aprendizagem. Criança. Testes neuropsicológicos. Exame neurológico/métodos. Correspondência Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte Rua dos Radioamadores, 1-85 – Jardim Brasil – Bauru, SP, Brasil – CEP: 17015-090 E-mail: [email protected] Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte – Fonoaudióloga. Do cente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP). Doutora em Ciências Médicas – Neurologia Infantil/ Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP. Adriana de Souza Batista – Fonoaudióloga. Especia lista em Linguagem pela FOB/USP. Docente da Uni versidade Nove de Julho. Mestre em Educação Especial pelo CECH/UFSCAR. Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP. Luciana Silva – Fonoaudióloga. Especialização em Linguagem na Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Fonoaudiologia pela FOB-USP. Ricardo Franco de Lima – Neuropsicólogo. Aprimo ramento em Psicologia Clínica em Neurologia Infantil. Mestrando em Ciências Médicas – Saúde Mental/ Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP. Sylvia Maria Ciasca – Neuropsicóloga. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Distúrbios, Dificuldades de Aprendizagem e Transtornos de Atenção/DISAPRE. Livre Docente em Neurologia Infantil/Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 117 Crenitte PAP et al. Making Test, Stroop Test, Figura Complexa de Rey e Hooper Visual Organization. Fonseca et al.7 apresentaram a adaptação bra sileira da Bateria de Avaliação Neuropsicológica Breve – NEUPSILIN, composta por 32 tarefas que têm o objetivo de avaliar as seguintes áreas e funções: tempo e orientação espacial, atenção, percepção, memória, habilidades aritméticas, linguagem, praxia e funções executivas (resolu ção de problemas e fluência verbal). No entanto, o instrumento é voltado para a avaliação de adolescentes e adultos. Argollo et al.8 realizaram a adaptação trans cultural da Bateria NEPSY, composta por 27 subtestes e voltada para a avaliação neuropsico lógica do desenvolvimento de crianças de 3 a 12 anos de idade. Romanelli et al.9 realizaram adap tação brasileira da Bateria Neuropsicológica Luria-Christensen para a avaliação de crianças, adolescentes e adultos. A bateria visa à avaliação de dez funções específicas: funções visuais su periores, organização acústico-motora, funções cutâneas superiores e funções cinestésicas, fun ções motoras, linguagem receptiva, linguagem expressiva, leitura e escrita, processos mnésicos, habilidades aritméticas e processos intelectuais. De acordo com as autoras, a adaptação do ins trumento tem como objetivo central preencher a lacuna de testes que auxiliem o diagnóstico na realidade brasileira. A versão da Bateria de Luria proposta por Christensen & Caetano10, denominada Luria’s Neuropsychological Investigation (LNI), também foi utilizada em outros países, como os países Escandinavos e Espanha11. Outra versão da Luria-Nebraska Neuropsy chological Battery – LNNB12,13 foi adaptada para crianças brasileiras por Ciasca14, com a denomi nação “Bateria Luria-Nebraska para Crianças (BLN-C)”, com versão reduzida dos subtestes. Posteriormente, a BLN-C foi revisada por Lima et al.15 e estudo piloto de normatização foi realizado com 32 crianças, de ambos os gêne ros, idade média de 10 anos, encaminhadas ao Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendi zagem (Hospital de Clínicas da Unicamp) com INTRODUÇÃO Os distúrbios de aprendizagem são transtor nos de origem neurobiológica caracterizados por dificuldades na leitura, aritmética e/ou expressão escrita que são inesperadas quando considerada a habilidade intelectual individual1,2. Sabe-se que são consequências de uma disfunção no sis tema nervoso, que altera o processamento cog nitivo e/ou de linguagem e, consequentemente, são expressas por dificuldades nas áreas acadê micas de decodificação da palavra, compreensão da leitura, cálculo, raciocínio matemático e/ou expressão escrita2. As crianças que apresentam algum tipo de distúrbio de aprendizagem possuem caracterís ticas neuropsicológicas e escolares específicas, tornando a avaliação interdisciplinar fundamen tal para a realização do diagnóstico preciso2-4. Neste contexto, a avaliação neuropsicológica desempenha um importante papel para a carac terização do perfil, assim como no planejamento e monitoramento das intervenções. De acordo com Lezak5, a avaliação neuropsi cológica tem como função inferir a organização e o funcionamento cerebral por meio do desem penho, ou seja, as respostas aos instrumentos neuropsicológicos. Segundo Costa et al.6, os resultados devem ser interpretados com cautela, de modo a auxi liar na elaboração de um perfil que combine os aspectos neurológicos, clínicos, psicológicos e sociais para auxiliar o diagnóstico. Diferentes instrumentos têm sido descritos para auxiliar no diagnóstico neuropsicológico dos distúrbios de aprendizagem. Costa et al.6 descreveram instrumentos neuropsicológicos utilizados para a avaliação de diferentes funções corticais na infância, como por exemplo: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-III), Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, Ba teria de Provas de Raciocínio (BPR-5), Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey (RAVLT), Teste de Aprendizado Visual de Desenhos de Rey (RVDLT), Teste de Nomeação de Boston, Token Test, Teste de Fluência Verbal, Teste de Classificação de Cartas Wisconsin (WCST), Trail Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 118 Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças queixas escolares16. No referido estudo, foram avaliadas as instruções e os materiais estímulos utilizados na adaptação. Apesar de ter se mos trado satisfatório como instrumento de screening de alterações em funções neuropsicológicas em crianças com dificuldades de aprendizagem, os resultados indicaram necessidade de estabeleci mento de critérios para aplicação e correção, assim como alterações em alguns materiais utilizados16. A BLN-C é um instrumento destinado a crianças de 6-12 anos de idade e tem sido utili zada exclusivamente para pesquisa. É composta por tarefas simples, que têm como objetivo o rastreamento de funções neuropsicológicas: a) habilidade motora; b) ritmo; c) habilidade tátil; d) habilidade visual; e) linguagem expressiva; f) linguagem receptiva; g) leitura; h) escrita; i) raciocínio matemático e; j) memória14-16. A versão original da Luria-Nebraska Neuro psychological Battery: Children’s Revision – LNNB-C contém itens adaptados diretamente do trabalho desenvolvido por Luria, sendo proposta padronização com análises quantitativas e qua litativas do desempenho do indivíduo17. A LNNB-C é composta por 149 itens indivi dualmente construídos para mensuração de di versos tipos de déficits cognitivos em crianças na faixa etária dos 8 a 12 anos. A bateria atualmente consiste em 487 subtestes e é composta pelas escalas clínicas a seguir: funções motora, ritmo, funções táteis, funções visuais, linguagem re ceptiva e expressiva, escrita, leitura, aritmética, memória e processos intelectuais. As escalas po dem ser reunidas em clínicas, sucintas e factuais e têm sido utilizadas com os seguintes propósi tos: identificar lesões cerebrais em crianças com sintomatologia incerta, identificar a extensão e natureza dos déficits em crianças com lesões conhecidas para auxiliar o planejamento de in tervenções; avaliação dos efeitos de intervenções específicas ou das estratégias neuropsicológicas na reabilitação e examinar os efeitos de dife rentes tipos de lesões em população diversas17. Estudos desenvolvidos com adultos com qua dros neurológicos, psiquiátricos e normais in dicaram relação adequada dos subtestes com a teoria de Luria18, correlação dos subtestes com as variáveis idade e nível de escolaridade19, con fiabilidade para teste-reteste20, além de estudo transcultural21. Teichner et al.22 demonstraram que a versão derivada da LNNB (LNBB-III) apre senta alta consistência interna em cada escala clínica, e evidências de validade para diferenciar adequadamente indivíduos adultos normais de sujeitos com quadros neurológicos. Lewis e Lorion23 conduziram estudo com 30 adolescentes do gênero masculino com diagnós tico de distúrbio específico de aprendizagem e que foram avaliados por meio da LNNB. Ao comparar o desempenho dos participantes com o grupo controle, verificou-se que as médias do escore T do grupo propósito foram significativa mente maiores que as do grupo controle em pra ticamente todas as escalas, com exceção da escala tátil e linguagem receptiva. Os resultados indicam sensibilidade do instrumento para diferenciar indi víduos com e sem dificuldades de aprendizagem. Outros estudos foram realizados para avaliar a eficácia da LNNB-C na avaliação em distúrbios de leitura e escrita, na tentativa de caracterizar estas dificuldades e correlacioná-las a alterações de funções corticais superiores. Pfeiffer et al.24 aplicaram a LNNB-C em crianças com e sem distúrbios de aprendizagem e observaram que as escalas de linguagem e aritmética foram par ticularmente sensíveis para identificar 84% da amostra de crianças com os distúrbios. O estudo de Oehler-Stinnett et al.25 teve resultado seme lhante com as escalas motora, escrita, aritmética e de inteligência e Geary et al.26 observaram 93,3% de precisão da LNNB-C para diferenciar crianças com e sem dificuldades de aprendiza gem, principalmente nas escalas de linguagem expressiva, leitura e escrita. Myers et al.27 encontraram diferenças entre crianças com e sem dificuldades de leitura e escrita, utilizando a LNNB. Foram observadas diferenças significativas no desempenho dos grupos em toda a bateria e em um formulário re duzido da bateria que excluiu as escalas referen tes a linguagem, leitura e aritmética. Na bateria reduzida, maiores diferenças foram encontradas Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 119 Crenitte PAP et al. nos testes de ritmo, que influenciam no desen volvimento as habilidades básicas de leitura. Kilpatrick e Lewandowski28 compararam dois grupos de crianças, um com distúrbio de apren dizagem e outro grupo controle em três instru mentos: Teste Viso-motor de Bender, “Quick Neurological Screening Test” (QNST) e o Teste de Screening da LNNB-C. Os resultados obtidos indicaram que os grupos não se diferenciaram no Bender e no QNST, no entanto, o LNNB-C teve taxa de precisão de 97,5% (39 de 40 crianças) para diferenciar os dois grupos, uma vez que o grupo com distúrbio apresentou resultados significativamente inferiores. Resultados diferentes foram encontrados por Morgan e Brown29, que avaliaram 82 crianças com distúrbios de aprendizagem divididas em três grupos distintos, conforme o desempenho na Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-R): auditivo-linguísticos, visuo-espaciais e mistos. As análises não revelaram diferenças no desempenho da LNNB-C entre os grupos, in dicando que os subtestes não falharam em dife renciar padrões de distúrbios de aprendizagem. Apesar dos relatos de desenvolvimento de instrumentos neuropsicológicos adaptados para o Brasil, observa-se que os trabalhos utilizando a LNNB-C em nosso contexto são incipientes, principalmente para auxiliar no diagnóstico dos distúrbios de aprendizagem. Com base no exposto, foi objetivo do presente trabalho reali zar um estudo piloto de adaptação de algumas escalas da LNNB-C que estão envolvidas com as habilidades de leitura e escrita e verificar o desempenho de estudantes sem dificuldades de aprendizagem em tais escalas. Os critérios utilizados para a seleção da amos tra foram: a) estarem dentro da faixa etária do estudo; b) assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais e/ou responsáveis; c) ausência de alterações sensoriais, motoras, cog nitivas ou linguísticas; d) desempenho adequado nos instrumentos de avaliação da linguagem oral e escrita. Instrumentos Para a verificação do desempenho na lingua gem oral e escrita foram usados os instrumentos: avaliação fonológica da criança, prova de leitura em voz alta e prova de escrita sob ditado. Bateria Neuropsicológica Luria-Nebraska – Revisada para crianças (LNNB-C)17 Designada para avaliação de crianças na faixa etária de 8 a 12 anos de idade. É composta por 149 itens divididos em 11 escalas: funções motoras, ritmo, funções táteis, funções visuais, linguagem receptiva, linguagem expressiva, escrita, leitura, aritmética, memória e processos intelectuais (Quadro 1). Para o presente estudo foram adaptadas as principais escalas clínicas, conforme descrição abaixo: • C4 - Funções Visuais – avalia as habili dades visuais, sem envolvimento dos aspectos motores, com respostas orais. Composta por 7 itens (do item 59 ao 65) e envolvem nomeação de figuras com fina lidade de avaliar a percepção de objetos e seus atributos, avaliação de orientação espacial e operações intelectuais no espaço; • C5 - Linguagem Receptiva – avalia a ha bilidade de compreensão da linguagem oral. Composta por 18 itens (do item 66 ao 83), que incluem tarefas de audição fonêmica, compreensão de palavras, com preensão de frases simples (frases reais e contraditórias), compreensão de estrutu ras gramaticais lógicas; • C6 - Linguagem Expressiva – avalia a habilidade de expressão da linguagem oral. É composta por 21 itens (do item MÉTODO Participantes Participaram deste estudo 100 crianças de ambos os sexos, sem dificuldades de aprendi zagem, com idade entre 8 anos e 0 meses a 8 anos e 11 meses. Destas, 50 crianças foram pro venientes de escolas particulares e 50 da rede pública (municipal e estadual). Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 120 Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças Quadro 1 – Escalas Completas da Bateria Neuropsicológica Luria-Nebraska – Revisada para crianças (LNNB-C). Escalas Nº Itens Clínica Escalas Nº Itens Sucinta 1C1 – Funções Motoras 34 S1 – Patognomômica 13 1C2 – Ritmo 8 S2 – Sensoriomotora Direita 9 1C3 – Funções Táteis 16 S3 – Sensoriomotora Esquerda 9 1C4 – Funções Visuais 7 Factual 1C5 – Linguagem Receptiva 18 1F1 – Sucesso Acadêmico 17 1C6 – Linguagem Expressiva 21 1F2 – Funções Integradas 6 1C7 – Escrita 7 1F3 – Movimento Espacial 6 1C8 – Leitura 7 1F4 – Velocidade e Acuracidade Motora 6 1C9 – Aritmética 9 1F5 – Qualidade de Desenho 6 C10 – Memória 8 1F6 – Velocidade de Desenho 6 C11 – Processos Intelectuais 14 1F7 – Percepção e Produção Rítmica 4 1F8 – Sensações Táteis 8 1F9 – Linguagem Receptiva 5 Opcionais O1 – Soletração 7 F10 – Linguagem Expressiva 8 O2 – Escrita Motora 5 F11 – Repetição de Palavras e Frases 4 84 ao 104), que incluem avaliação da articulação dos sons da fala, repetição, nomeação e narrativa; • C7 - Escrita – avalia o reconhecimento das habilidades comunicativas por meio da escrita. É composta por 7 itens (do item 105 ao 111). Os mesmos itens também estão compreendidos nas escalas opcio nais O1, com respostas orais envolvendo a soletração, e O2, envolvendo respostas motoras por meio da escrita; • C8 - Leitura – avalia os diversos com ponentes da leitura, tais como recepção visual e análise de grafemas, importantes para posterior codificação de grafemas em seus correspondentes nas estruturas fonéticas e compreensão do conteúdo lido. Assim, esta escala é capaz de men surar a capacidade de conversão fonema -grafema, a leitura de silabas, palavras frases e textos. É composta por 7 itens (do item 112 ao 118); • C9 - Aritmética – avalia a habilidade de compreensão da estrutura numérica e ope rações aritméticas. Composta de 9 itens (do item 119 ao 127), que incluem compreen são e escrita dos números, diferenciação numérica, cálculos simples e complexos; • C10 - Memória – avalia o processo de aprendizagem por meio de séries de pa lavras sem conexões semânticas, retenção, recuperação da informação e memória lógica. É composta de 8 itens (do item 128 ao 135). Procedimentos O procedimento de adaptação da LNNB-C foi composto por algumas fases descritas a seguir: a) Construção da versão preliminar do instru mento – a tradução e confecção do material estímulo do instrumento pelos pesquisa dores; b) Avaliação inicial - as escalas foram apli cadas em um grupo de 10 crianças, de Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 121 Crenitte PAP et al. acordo com os critérios de inclusão do estudo. O objetivo desta fase foi identifi car possíveis erros quanto às instruções, compreensão das atividades propostas, reconhecimento dos materiais estímulos e tempo de aplicação; c) Reformulação do instrumento – com base nas respostas obtidas no grupo prelimi nar, foram realizadas modificações nas instruções de aplicação, assim como nos materiais estímulos do teste; d) Estudo piloto – o projeto foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fa culdade de Odontologia de Bauru/USP (protocolos nº 78/2004 e nº 79/2004). Para a realização do estudo, inicialmente foi realizado contato com a diretoria das es colas para a apresentação dos objetivos da pesquisa. Foram indicadas pelas profes soras, as crianças que não apresentavam dificuldades de aprendizagem. Foram en caminhadas cartas aos pais das crianças selecionadas, contendo o TCLE e, após autorização, as crianças foram avaliadas individualmente em duas sessões. Na primeira sessão, foram aplicados os ins trumentos de avaliação fonológica da criança30, avaliação de leitura e escrita por meio da Prova de Leitura em voz alta, Prova de Escrita sob Ditado. O objetivo dessa sessão foi identificar possíveis alterações no processo de aprendiza gem, no reconhecimento de palavras, escrita dirigida ou espontânea e excluir possíveis difi culdades de aprendizagem. Para a participação na pesquisa, as crianças deveriam apresentar-se ao menos na fase fonológica de desenvolvimento na leitura, podendo estar presentes somente erros de acentuação tônica e erros na qualidade vocal e quanto à escrita e erros de desrespeito a escritos determinados pela ortografia, no caso de palavras reais irregulares. Para as crianças que apresentaram falhas no processo de triagem, os pais foram orientados quanto à importância de avaliação fonoaudiológica. Na segunda sessão, foram aplicadas as es calas da LNNB-C, de acordo com as instruções e normas do instrumento. As avaliações foram realizadas individualmente e a sessão teve duração média de 30 a 40 minutos. Durante a administração das escalas, os resultados foram anotados em uma folha de resposta, enfatizando tanto os aspectos quantitativos e qualitativos, conforme as normas do instrumento. Procedimento de análise dos dados Para a análise do desempenho nas escalas foram considerados critérios quantitativos e qualitativos. Para o presente estudo foram consi derados apenas os resultados referentes à análise quantitativa da LNNB-C. Para a análise quantitativa foi atribuído esco re bruto para cada item que compõe as escalas, realizada de acordo com critérios determinados para cada uma delas, podendo variar de 0 a 2 pontos, de maneira que: • Pontuação 0 - indica rendimento normal; • Pontuação 1 - indica fraca evidência de alteração; • Pontuação 2 - indica forte evidência de alteração. Desse modo, quanto maior é a pontuação, pior é o desempenho da criança no item. O es core total bruto da escala foi obtido mediante a soma dos escores de todos os itens de cada escala. O escore bruto total de cada escala pode ser observado no Quadro 2. Após a obtenção dos escores brutos de cada escala, estes foram convertidos em escores de Quadro 2 – Número de itens e escore total de cada escala. Escalas 1C4 – Funções Visuais 7 14 1C5 – Linguagem Receptiva 18 36 1C6 – Linguagem Expressiva 21 42 1C7 – Escrita 7 14 1C8 – Leitura 7 14 1C9 – Aritmética 9 18 C10 – Memória 8 16 Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 122 Nº Escore bruto Itens total Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças proporção (T-scores - valores de ajuste de pro porcionalidade entre as escalas para que sejam comparadas entre si) conforme Golden17. Os resultados apresentados pela criança de vem considerados como indicadores do desenvol vimento das habilidades escolares específicas li gadas à linguagem escrita e contextualizados em seu processo de desenvolvimento. Para Golden17, no processo de interpretação, pouca confiança deve ser dada à interpretação de uma única es cala, pois pode produzir problemas diagnósticos. Por esta razão, a análise das escalas e dos itens combinada com a análise qualitativa é mais apropriada. Assim, as relações entre as escalas também devem ser estabelecidas. Por exemplo, em um perfil onde C5 (Escala de Linguagem Receptiva) apresentou um alto escore, pode-se hipotetizar que os déficits apresentados em outras escalas podem ser atribuídos a uma dificuldade nas habilidades receptivas da informação. Diferentes estudos têm sugerido a importância da LNNB-C como instrumento que auxilia no diagnóstico dos distúrbios de aprendizagem, assim como oferecer informações relevantes para a orga nização de programas de remediação para crianças com os distúrbios de aprendizagem. Desse modo, apresenta aplicação clínica e em pesquisas26-28. De acordo com os estudos realizados utilizan do a LNNB-C na identificação dos problemas de leitura e escrita, percebe-se a importância deste estudo, que por meio da adaptação de um instrumento que abranja as várias áreas da aprendizagem auxilie no processo diagnóstico dos problemas de leitura e escrita e direcione as RESULTADOS E DISCUSSÃO Todas as crianças incluídas na amostra apre sentaram desempenhos satisfatórios na avalia ção da linguagem oral e escrita. Na Tabela 1, são apresentados os resultados da análise descritiva do desempenho da amostra total nas escalas da LNNB-C. A Tabela 1 demonstra o padrão da amostra total nas escalas adaptadas e indica os valores de referência para se comparar o desempenho de crianças avaliadas pela LNNB-C. De acordo com Golden17, os valores obtidos pela criança devem estar compreendidos entre os valores-padrão mínimo e máximo esperados para a normalidade. Em seguida, a interpretação envolve a descrição do que a criança é ou não capaz de fazer, associada aos comportamentos obtidos nas escalas qualitativas, sem que o ava liador tire qualquer conclusão. Em um terceiro momento, é realizada a interpretação dos proble mas no processamento das informações linguís ticas capazes de interferir na aprendizagem da leitura e escrita, para que sejam descritos como áreas-alvo a serem trabalhadas em procedimen tos terapêuticos. O foco da interpretação não deve ser a localização da função, mas a análise detalhada dos maiores déficits apresentados que possam explicar o desempenho da criança. Tabela 1 – Pontuação média bruta, desvio padrão, percentil e valores mínimos e máximos normatizados para as escalas testadas. Escalas M DP P90 P95 Mín/Máx. 1C4 – Funções Visuais 64.00 4,97 51.00 51.00 40-62 1C5 – Linguagem Receptiva 59.70 12.70 73.5 80.00 40-98 1C6 – Linguagem Expressiva 40.00 7,25 49 56,15 36-66 1C7 – Escrita 43.10 5.80 47 53.00 41-72 1C8 – Leitura 43.20 5.20 49.5 52.00 41-79 1C9 – Aritmética 43,68 3,81 49.00 53.00 42-61 C10 – Memória 55.00 8.00 65.00 69.00 42-85 Legenda: M = média; DP = desvio padrão; P90 = percentil 90%; P95 = percentil 95%; Mín/Máx = escore mínimo e máximo. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 123 Crenitte PAP et al. intervenções neuropsicológicas e fonoaudioló gicas para esta população. Estudos complementares em nosso contexto são necessários com o intuito de: a) adaptar outras escalas da LNNB-C; b) relacionar dados do desempenho de crianças sem dificuldades de aprendizagem com a avaliação de outras áreas, tais como a Fonoaudiologia, Psicopedagogia, Psiquiatria e Neurologia; c) buscar evidências de validação das escalas com a correlação com outros instrumentos neuropsicológicos e também com a avaliação de crianças que possuem distúrbios diferentes de aprendizagem (dislexia, disorto grafia, disgrafia e discalculia); d) verificação da aplicabilidade do instrumento para estabelecer perfil neuropsicológico de crianças com distúr bios de aprendizagem antes e após intervenção neuropsicológica e remediação fonológica. SUMMARY Pilot study of adaptation of the Luria-Nebraska Neuropsychological Battery for children (LNNB-C) Introduction: In our country there is a lack of neuropsychological ins truments to assess of learning disabilities. Objective: The aim of this work was to adapt some scales of the Luria-Nebraska Neuropsychological Battery (LNNB-C) with children without learning difficulties. Methods: One hundred children with 8-8 years and 11 months were participated. The procedures include the construction of a preliminary version of the instrument, initial evaluation, reformulation and pilot study. Were adapted scales: visual functions, receptive language, expressive language, reading, writing, arithmetic and memory. Results: The results show the performance of the sample in terms of average T-scores and percentiles (90% and 95%) and minimum-maximum scores obtained. Conclusion: Further studies are suggested to adapt other scales and the search evidence of validity. KEY WORDS: Neuropsychology. Learning disorders. Child. Neuropsy chological tests. Neurologic examination/methods. REFERÊNCIAS 1. Kavale KA, Forness SR. What definitions of learning disability say and don’t say: a critical analysis. 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Argollo N, Bueno OFA, Shayer B, Godinho K, Abreu K, Durán P, et al. Adaptação transcul tural da bateria NEPSY – avaliação neuropsi Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 124 Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. cológica do desenvolvimento: estudo-piloto. Aval Psicol. 2009;8(1):59-75. Romanelli EJ, Riechi TIJS, Ambrózio CR, Gadens GS, Mitczuk MT, Oliveira MAF, et al. Análise do processo de adaptação e pa dronização da Bateria Neuropsicológica Lu ria-Christensen para a população brasileira. Interação. 1999;3:61-78. Christensen AL, Caetano C. Luria’s neuro psychological evaluation in the Nordic coun tries. Neuropsychol Rev. 1999;9(2):71-8. Manga D, Ramos F. Evaluación de los síndro mes neuropsicológicos infantiles. Rev Neu rol. 2001;32(7):664-75. Golden CJ, Hammeke TA, Purisch AD. The standardized Luria-Nebraska neuropsycho logical battery: a manual for clinical and ex perimental use. 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Psicopedagogia 2011; 28(86): 117-25 125 Machado AC ORIGINAL & Capellini SA ARTIGO Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora Andréa Carla Machado; Simone Aparecida Capellini RESUMO – Introdução: O distúrbio de aprendizagem apresenta alterações em habi lidades como identificação e decodificação da palavra, compreensão de leitura, cálculo e raciocínio matemático, o que ocasiona um prejuízo significativo na aprendizagem escolar. Objetivo: Caracterizar o desempenho de estratégias relacionadas à compreensão leitora em crianças com distúrbio de aprendizagem. Método: Participaram deste estudo doze crianças do 3º ao 7º ano do ensino fundamental do município de Marília-SP, de ambos os gêneros, na faixa etária de 8 a 13 anos de idade. Os dados foram coletados no Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem do Departamento de Fonoaudiologia da FFC/UNESP – Marília, SP. Para a aplicação das tarefas de compreensão de leitura, foi utilizada leitura de um texto, seguida por perguntas e respostas. Durante a aplicação da tarefa de compreensão de textos, os erros foram anotados e computados posteriormente nas seguintes categorias: Bom, quando ocorreu autonomia da criança para a realização da tarefa; Médio, quando ocorreu auxílio verbal da pesquisadora para a compreensão da leitura e Deficiente, quando a criança não realizou a tarefa de compreensão. Resultados: Os resultados foram analisados de forma descritiva. Neste estudo verificou-se que a maioria das crianças com distúrbio de aprendizagem obteve um desempenho deficiente de 80% e 90% em quase todas as estratégias analisadas, sendo em algumas delas alcançando a porcentagem de 100%, ou seja, nenhuma das crianças realizarou as estratégias observadas, como, por exemplo: o uso de habilidade fonológica para abordar a palavra e entonação. Conclusão: Os resultados deste estudo permitiram concluir que as estratégias relacionadas à compreensão leitora das crianças com distúrbio de aprendizagem obtiveram um de sempenho abaixo do esperado para as suas idades e escolaridade. Este fato demonstra a importância da realização de estudos futuros, com amostras maiores de participantes, para investigar e identificar as estratégias de leitura de textos em crianças com distúrbio de aprendizagem. Os resultados também poderão maximizar novas pesquisas referentes à construção de intervenções sobre compreensão leitora. UNITERMOS: Transtorno de aprendizagem. Leitura. Compreensão. Andréa Carla Machado – Doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar; membro do Grupo de Pesquisa “Linguagem, Aprendizagem, Escolaridade” da Universidade Estadual Paulista – UNESP – campus Marília. Bolsista FAPESP. Simone Aparecida Capellini – Livre-Docente em Lingua gem Escrita do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC/UNESP – Campus de Marília. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq “Linguagem, Aprendizagem, Escolaridade”. Coordenadora do Labo ratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem do Departamento de Fonoaudiologia da FFC/UNESP – Campus de Marília. Correspondência Andréa Carla Machado Rua Rui Barbosa, 416 – Centro – Neves Paulista, SP, Brasil – CEP: 15120-000. E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32 126 Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora de realizar inferências e da experiência de mundo de cada indivíduo, além do desenvolvimento da expressão clara e organizada de ideias, tanto na forma oral como na escrita9. Assim, conhecendo-se os processos envolvi dos na compreensão e no monitoramento das estratégias de leitura, torna-se mais fácil a detec ção de suas dificuldades, podendo-se identificar as irregularidades e suas propriedades por meio de uma avaliação específica9. Atualmente, há um amplo conjunto de in vestigações sobre modalidade e procedimentos de estratégias oferecidas fora da sala de aula regular para auxiliar alunos que apresentam dificuldade para adquirirem os conhecimentos e habilidades iniciais de leitura e escrita10. Nessa perspectiva, os resultados do Early Steps11, um programa de identificação para crian ças iniciantes na leitura e escrita, enfatizando estratégias de leitura, revelaram uma melhora importante em crianças de risco, principalmente no desempenho da leitura, compreensão e de codificação de pseudopalavras. Baseando-se nesta conjectura foram encon trados estudos que reforçam tal hipótese da importância e a eficácia de identificação em es tratégias de leitura. Camahalan12 enfatiza em suas conclusões que se deve dar devida impor tância para pesquisas avaliativas e individuali zadas que auxiliem na construção de estratégias de leitura, pois tal proposta corrobora para o desenvolvimento dos elementos subjacentes e prejudicados envolvidos na leitura. Assim, de acordo Goulandris13, a importância de se avaliar os diferentes tipos de estratégias de leitura em sequência e de analisar a facilidade com que um leitor consegue passar de uma es tratégia para outra quando necessário deve ser enfatizada em programas de leitura. No entanto, segundo a mesma autora, a leitura competente necessita de mais do que simplesmente conhe cer e ser capaz de usar as estratégias de leitura diferentes; requer também que se combine essas estratégias para que “a leitura com sentido” não consi sta apenas em um trabalho de adivinhação, mas seja guiada pela informação grafêmica. INTRODUÇÃO O distúrbio de aprendizagem é uma expressão genérica que se refere a um grupo heterogêneo de alterações manifestadas por dificuldades sig nificativas na aquisição e no uso da fala, leitura, escrita raciocínio ou habilidades matemáticas. Essas alterações são intrínsecas ao indivíduo e ocorrem devido à disfunção do Sistema Nervoso Central (SNC)1. Para Pinheiro e Capellini2, escolares com o diagnóstico de distúrbio de aprendizagem apre sentam características alteradas em habilidades como a identificação ou decodificação da palavra, compreensão de leitura, cálculo, raciocínio ma temático, soletração e expressão escrita, e ainda podem ter acometidas para acadêmicas que en volvem de maneira mais ampla a expressão oral e a compreensão auditiva. Sua etiologia exata ainda não foi completa mente elucidada, sendo, no entanto, verificados déficits neurocorticais em ao menos duas regiões do cérebro, no córtex pré-frontal e na região tem poro-parieto-occipital, que podem representar origem biológica dessas disfunções3,4. Dessa maneira, os problemas de atenção, me mória e linguagem de crianças com distúrbio de aprendizagem contribuem para a falta de cons cientização de estratégias concretas em relação às exigências de tarefas de leitura e escrita5,6. De acordo com a literatura7,8, enfatiza-se a im portância da verificação de estudos que visem à identificação e também ao desenvolvimento de estratégias de ensino, as quais possam contribuir para a minimização dos prejuízos de leitura e escrita encontrados em indivíduos com distúrbio de aprendizagem. A compreensão leitora inclui vários processos cognitivos inter-relacionados, entre eles estão os processos básicos de leitura, como o reconheci mento e a extração do significado das palavras im pressas, que são requisitos necessários, mas não suficientes. A compreensão da leitura depende da ativação de relevantes conhecimentos que estão fortemente relacionados com o desenvolvimento do vocabulário, da linguagem oral, habilidades linguísticas, habilidades de memória, capacidade Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32 127 Machado AC & Capellini SA “O menino e o Muro”, da coleção estre linha II14. A cada parágrafo do texto lido, foi fornecida uma pergunta referente ao trecho, tendo a criança que responder oralmente sobre questões explícitas sobre quem eram os personagens, sobre o en redo, o ambiente, entre outras e somente depois foi formulado questões de caráter mais inferencial, sobre sentimentos e ações presentes no texto15. Para este procedimento foi utilizado um ro teiro para determinar o perfil da leitura para proporcionar informações sobre o uso das estra tégias de leitura por crianças com distúrbio de aprendizagem. O roteiro seguiu diretrizes para a análise de erros cometidos na leitura de texto de acordo com Goulandris13. Durante a aplicação da tarefa de compreensão de textos, os erros foram anotados e computados posteriormente nas seguintes categorias: Bom, quando ocorreu autonomia da criança para a realização da ta refa; Médio, quando ocorreu auxílio verbal da pesquisadora para a compreensão da leitura e Deficiente, quando a criança não realizou a tarefa de compreensão. Os resultados foram analisados de forma descritiva. Partindo-se da hipótese de que tarefas de ava liação e, por seguinte, aplicação de programas de intervenção que utilizam procedimentos envolvendo em seu ensino estratégias de leitura intensivas, certamente, poderiam levar à dimi nuição dos problemas de aprendizagem apre sentados por crianças acometidas pelo distúrbio de aprendizagem, o objetivo do presente estudo foi foi caracterizar o desempenho de estratégias relacionadas à compreensão leitora em crianças com distúrbio de aprendizagem. MÉTODO O presente estudo foi realizado após apro vação do Comitê de Ética em Pesquisa da Fa culdade de Filosofia e Ciência da Universidade Estadual Paulista – CEP/FFCUNESP, sob o pro tocolo nº 1589/2008. Participaram deste estudo doze crianças do 3º ao 7º ano do ensino fundamental do município de Marília, SP, de ambos os gêneros, sendo 80% do sexo masculino e 20% do sexo feminino, na faixa etária de 8 a 13 anos de idade. Os dados foram coletados no Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem do Departamento de Fonoaudiologia da FFC/UNESP – Campus de Marília, SP, onde os participantes foram diag nosticados por uma equipe interdisciplinar, in cluindo avaliação fonoaudiológica, neurológica e neuropsicológica. O diagnóstico de distúrbio de aprendizagem das crianças foi realizado pela equipe, ao apre sentarem durante a avaliação multidisciplinar dificuldades significativas na aquisição da leitu ra, escrita e compreensão, demonstrando, dessa forma, desempenho substancialmente abaixo do esperado para a idade e escolaridade. Para a realização desse estudo foram apli cados nas crianças com distúrbio de aprendiza gem os procedimentos descritos a seguir, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por seus responsáveis: a. Aplicação das tarefas de compreensão de leitura – foi apresentado para as crianças com distúrbio de aprendizagem um texto de pergunta e resposta extraído do livro RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados desse estudo serão descritos de forma separada, ou seja, com apresentação descritiva dos resultados obtidos referente às estratégias utilizadas na leitura de textos e os resultados obtidos referente aos erros cometidos na leitura de textos. Na Figura 1, podemos observar que, na estra tégia que utiliza o contexto para o entendimento do material lido, 70% das crianças obtiveram desempenho deficiente, enquanto que 20%, de sempenho médio, e 10%, bom desempenho. Com estes achados pudemos observar que a 100% das crianças do estudo confundiram palavras fono logicamente similares, corroborando achados de Layton e Deeny16. Quanto ao desempenho na estratégia de lei tura do significado, verificamos que 90% das crianças apresentaram desempenho deficiente Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32 128 Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora e somente 10%, desempenho médio. Estes resul tados demonstram que as alterações de atenção e memória presente nas crianças com distúrbio de aprendizagem comprometem a extração do significado17. Quando verificamos o desempenho das crian ças com distúrbio de aprendizagem utilizando habilidades fonológicas e entonação para a leitura da palavra, notamos que 100% não conseguiram fazer o uso de ambas as estratégias. Tais resul tados corroboram estudo realizado por Alves et al.18, que descreveram que a relação sintaxe-en tonação-significado é fundamental para o acesso ao sentido e à compreensão da leitura. Com relação à estratégia de autocorreção, verificamos que 90% das crianças com distúrbio de aprendizagem apresentaram desempenho de ficiente, enquanto que 10%, desempenho médio. Desta forma, podemos afirmar que as crianças com distúrbio de aprendizagem apresentam muitas dificuldades para realizar a autocorreção no ato da leitura. Esses resultados corroboram o estudo de Cunha et al.9, o qual explicita as dificuldades relacionadas da estratégia de autocorreção. Em 90% dos casos, observa-se na estratégia sobre inferência, ou seja, a maioria das crianças com distúrbio de aprendizagem do presente estudo não conseguiu fazer inferência sobre o compor tamento dos personagens oriundos do texto lido. Na Figura 2, verificamos os erros cometidos na leitura de texto pelas crianças com distúrbio de aprendizagem. No que se refere aos erros de reconhecimento de palavra, 90% das crianças apresentaram desempenho deficiente, enquanto que 10%, desempenho médio. Esse dado corro bora a literatura16, que referiu que há déficits na memória visual e na memória de trabalho fono lógica que acarretam prejuízos na identificação e no reconhecimento das palavras. Desta forma, a exposição ao material gráfico não é exatamente uma habilidade, mas um fator que interfere no incremento do léxico visual. A habilidade, neste caso, estaria envolvendo a memória fonológica para a análise da palavra, que deve ser estimu lada juntamente com a exposição ao material a ser lido19. A mesma porcentagem de 90% foi observada na estratégia referente à velocidade de leitura, evidenciando que, quando as habilidades de análise, síntese e manipulação fonológica estão alteradas, a velocidade de decodificação da lei tura se encontra prejudicada20. Na estratégia usada para identificação de palavras, verificamos que 80% das crianças obtiveram desempenho deficiente, 10%, desem penho médio e 10%, bom desempenho. Quanto à capacidade de aplicar estratégia de leitura, 100% das crianças obtiveram desempenho deficiente. De acordo com os resultados encontrados nesse estudo, podemos verificar que as crianças com distúrbio de aprendizagem apresentaram estratégias aquém para sua idade e escolaridade e, por conseguinte, cometem erros no reconhe cimento de palavras. Figura 1 – Estratégias durante a leitura de textos. Figura 2 – Análise dos erros cometidos na leitura de texto. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32 129 Machado AC & Capellini SA Esses resultados vão ao encontro dos achados dos estudos de Goulandris13, onde é salientada a importância da identificação e do desenvolvi mento de estratégias, concluindo que é funda mental também focar em intervenções com es quemas instrucionais que desenvolvam estraté gias para a aprendizagem da leitura e escrita. Assim, a caracterização das estratégias apre sentou resultados condizentes com o estudo de Layton e Deeny16, que pontuam a importância da avaliação de estratégias na leitura de textos com tarefas direcionais para auxiliar no desen volvimento da compreensão leitora. do esperado para as suas idades e escolaridade, demonstrando que se torna importante a reali zação de estudos futuros, com amostras maiores de participantes, para investigar e identificar as estratégias de leitura de textos em crianças com distúrbio de aprendizagem. Os resultados também poderão maximizar novas pesquisas referentes à construção de intervenções sobre compreensão leitora. Assim, os resultados descritos neste estudo apontam para a necessidade de refletirmos sobre os erros cometidos durante a leitura de crianças com distúrbio de aprendizagem. Nessa direção, pensarmos tarefas de avaliação que contemplem estratégias de compreensão da leitura, bem como tarefas que possam auxiliar o professor para realizar a detecção precoce da criança de risco para o aprendizado da leitura e da escrita. CONCLUSÃO Os resultados deste estudo permitiram con cluir que as estratégias relacionadas à com preensão leitora das crianças com distúrbio de aprendizagem tiveram um desempenho abaixo Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 126-32 130 Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora SUMMARY Characterization of the performance of children with learning disabilities in reading comprehension strategies Introduction: The learning disorders have changes in skills such as word identification and decoding, reading comprehension, mathematical cal culation and reasoning, which causes a significant impairment in school learning. Objective: To characterize the performance of strategies related to reading comprehension in children with learning disabilities. Methods: The study included twelve children from 3 to 7 years of elementary school in the city of Marília-SP, of both genders, aged 8 to 13 years of age. Data were collected in the Research Laboratory of deviations Learning Department of Speech Pathology, FFC / UNESP – Marília, SP. For the implementation of the tasks of reading comprehension was used to read a text followed by questions and answers. During the implementation of the task of reading comprehension errors were recorded and later counted in the following categories: Well, when was child’s autonomy to carry out the task; East, when there was help for the researcher’s verbal reading comprehension and deficient when the child did not perform the task of understanding. Results: The results were analyzed descriptively. In this study we found that most children with learning disabilities received a poor performance by 80% and 90% in almost all strategies analyzed, and some of them reaching the percentage of 100%, i.e, none of the children were strategies perceived as the use of ability to address the phonological word and intonation. Conclusion: The results of this study concluded that the strategies related to reading comprehension of children with learning disabilities had a performance below that expected for their age and education showed that becomes important, future studies with larger samples of participants to investigate and identify strategies for reading texts in children with learning disabilities. The results could also maximize new research relating to the construction of interventions on reading comprehension. KEY WORDS: Learning disability. Reading. Comprehension. REFERÊNCIAS 3. Wu TK, Huang SC, Meng YR. 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Seu desen volvimento foi alicerçado na Fonoaudiologia, em parceria com a Pedagogia, indicado para alfabetizar quaisquer crianças, jovens e/ou adultos e reabilitar os distúrbios da leitura e escrita. Objetivos: Os objetivos do presente tra balho são avaliar os cursos e os multiplicadores do Método, bem como a metodologia em si. Método: Foi feita uma análise quantiqualitativa de questionário de múltipla escolha. Participaram 10 multiplicadores, que ministraram 37 cursos para 1668 educadores, em 13 cidades dos estados do Paraná e Rio Grande do Sul, durante o ano de 2010. Conclusões: Concluiu-se que o Método das Boquinhas foi aceito pela maioria dos participantes, para ser utilizado em sala de aula para todo tipo de aluno, com ênfase nos que apresentam algum grau de dificuldade, abrindo precedentes para a reflexão sobre o sucesso da inclusão pedagógica, que é a demanda educacional atual, estar relacionado à metodologia adotada. Ainda, concluiu-se que os educadores desse estudo vêem a necessidade e a urgência de uma proposta de natureza fonológica e articulatória, com bases oralistas, para a melhoria da educação brasileira, inclusive, enfatizando a necessidade de capacitações continuadas, que se iniciem na grade curricular da formação de docentes alfabetizadores. Como finalização, a totalidade dos entrevistados ficou satisfeita com a atuação/forma de trabalho dos multiplicadores, constatando se tratar de um trabalho já aprovado como Tecnologia Educacional pelo MEC. Esse trabalho reforça a necessária aliança entre a Fonoaudiologia e Pedagogia, para o melhor desempenho de alunos e docentes. UNITERMOS: Aprendizagem. Educação. Fonoaudiologia. Renata Savastano Ribeiro Jardini – Doutora e Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente na Área de Saúde da Criança e do Adolescente pela UNICAMP; Especialização em Psicopedagogia pela UNICEP, Fonoaudióloga pela EPM. Lydia Savastano Ribeiro Ruiz – Doutora e Mestre em Agronomia na Área de Energia pela UNESP, Campus Botucatu; Especialização em Matemática – Álgebra pela FCL – Avaré; Especialização em Ensino e Ciên cias e Matemática pela UNESP, Campus Bauru; Li cenciatura em Física, Matemática e Química pela UNESP – Campus Bauru. Correspondência Renata Savastano Ribeiro Jardini Av. Prof. Antonio Felippe da Rocha, 195 – Camboinhas – Niterói, RJ, Brasil – CEP 24358-711 E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 133 Jardini RSR & Ruiz LSR Para aquisição da leitura e escrita é necessário que os fonemas sejam decodificados/codificados em letras (grafemas), como é feito no processo fônico, trabalhando diretamente nas habilidades de análise fonológicas12 e consciência fonológica e fonêmica13,14 fator primordial e sine qua non no processo de alfabetização15,16. Esse processo, bastante abstrato, deve ser favorecido por meio de intervenção pedagógica, mas por vezes torna-se incompreensível e dificultoso para alguns alunos. Assim, acrescentaram-se os pontos de arti culação de cada letra ao ser pronunciada isola damente (articulemas, ou boquinhas), baseados nos princípios da Fonologia Articulatória – FAR, que preconiza a unidade fonético-fonológica, por excelência, o gesto articulatório17-19, favorecendo a compreensão do processo de decodificação, por mecanismos concretos e sinestésicos, isto é, com bases sensoriais. Desta forma, a aquisi ção da leitura e escrita passaria a ser acessível a quaisquer tipos de aprendizes, de maneira simples e segura, pois bastaria uma única ferra menta de trabalho – a boca. Essa metodologia foi consagrada em oito livros sobre o tema, além de materiais, jogos, DVDs e banners de apoio para seu desenvolvimento e aplicabilidade, tanto em salas de aula, como clínicas. Como consequência, começaram a ser minis trados pela idealizadora de Boquinhas, os di versos cursos de capacitação de educadores e profissionais ligados à alfabetização e à interven ção da leitura e escrita, em centenas de cidades pertencentes a dezenas de estados brasileiros. Com a aprovação de Boquinhas como Tecnologia Educacional pelo MEC (DOU/2009), houve au mento da demanda por cursos de capacitação e a necessidade de adequar-se a oferta de trabalho de maneira organizada, sistemática e sem o risco de equívocos no conteúdo e desvios da informação. Assim, passou-se a formar multiplicadores de Bo quinhas, supervisionados e treinados pela autora, para capacitar educadores, mantendo a proposta metodológica assegurada em sua origem. A proposta de oferecer a Capacitação de Bo quinhas por meio de multiplicadores tem a in tenção de facilitar o acesso desses profissionais INTRODUÇÃO Defende-se a construção do conhecimento a partir do incentivo à pesquisa como o modo de promover o desenvolvimento humano de forma sustentada. Para tanto, a capacidade de aprender a aprender e saber pensar são habilidades vitais para o cidadão e trabalhador moderno1. Na trilha de uma reconfiguração ética do trabalho docente, e a despeito da imagem quase caótica que parece acompanhar as representações que hoje se têm da educação brasileira, a palavra de ordem para a cidadania do novo século é uma só: escolari dade com qualidade2. Acredita-se, no trabalho aqui apresentado, no desenvolvimento humano docente, sustentável, pautado na escolaridade consciente, que tem em si atrelada a avaliação como reflexão transformadora em ação3. Pratica-se que avaliar é o ato de diagnosticar uma experiência, tendo em vista reorientá-la para produzir o melhor resultado possível; por isso, não é classificatória, nem seletiva, ao con trário, é diagnóstica e inclusiva4. O Método Fonovisuoarticulatório, carinhosa mente apelidado de Método das Boquinhas, utiliza-se, além das estratégias fônicas (fonema/ som) e visuais (grafema/letra), as articulatórias (articulema/Boquinhas). Seu desenvolvimento foi alicerçado na Fonoaudiologia, em parceria com a Pedagogia, que o sustenta, sendo indicado para alfabetizar quaisquer crianças e reabilitar os distúrbios da leitura e escrita5. Parte das reflexões deste método foi proporcionada pelo contato com o “Programa de Mejoramiento de la Calidad y Equidad de la Educación” (MECE) – “Programa das 900 Escolas”, desenvolvido no Chile desde 1990, indicado pela UNESCO e estendido a outros países6. Sua fundamentação encontra-se também nos estudos de diversos au tores7-11, entre outros, cujas ideias são resumidas numa percepção holística frente à alfabetização, tendo a visão da linguagem como ponto focal da aprendizagem. O ponto de partida do ser humano na aquisi ção de conhecimento reside na boca, que produz sons – fonemas, que são transformados em fala, meio de comunicação inerente ao ser humano. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 134 Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas” às instituições, minimizar os gastos com deslo camentos e aumentar a atenção e supervisão da implantação e implementação do método, estando o profissional mais perto da instituição. A autora do Método das Boquinhas é correspon sável pelo trabalho desenvolvido pelos multipli cadores e solicita às instituições uma avaliação de desempenho do profissional referente ao curso ministrado, avaliação esta objeto deste trabalho. Pois se acredita que não se pode questionar sem ser questionado, não se pode arrumar consciên cia crítica sem tê-la, não se pode avaliar sem ser avaliado. Quer dizer, a coerência da crítica está na autocrítica1. Assim, os objetivos desse trabalho pautam-se em avaliar os cursos e os multiplica dores, além da metodologia em si. Os dados foram tabulados e analisados em dois pilares, visando atingir aos objetivos da presente pesquisa: a) atuação/capacitação do multiplicador; b) utilização/eficiência do Método das Bo quinhas. RESULTADOS No primeiro pilar avaliado, a pergunta de número 1 indagou sobre a forma de trabalho do multiplicador e obteve 1171 (70,2%) respostas para interessante, 497 (29,8%) para prazerosa e nenhuma (0%) para as alternativas desmoti vante e complicada. A pergunta de número 2 investigou a atuação do multiplicador com os alunos, obtendo 968 (58%) para atencioso, 770 (42%) para motivador e nenhuma (0%) para as alternativas distante e inseguro. Ainda nesse pilar, a terceira pergunta, ilustrada na Figura 1, avalia a atuação do multiplicador frente ao con teúdo abordado. Nas questões seguintes, avaliou-se o método em si, sendo a de número 4 referente à opinião sobre o Método, ilustrada na Figura 2. Na questão de número 5, avaliou-se como os alunos aceitariam o método, obtendo os dados ilustrados na Figura 3. Na questão de número 6, avaliou-se a visão do educador para se utilizar Boquinhas como uma ferramenta de trabalho, ou seja, inserida MÉTODO Foi elaborado um questionário composto de dez questões, cada uma com quatro alternativas. Foram escolhidas alternativas que propiciassem interpretação quantiqualitativa das respostas. Participaram dez multiplicadores, qualifica dos, treinados e supervisionados pela autora, que ministraram cursos em 37 encontros de oito horas cada, durante o ano de 2010. A carga horária de cada curso variou desde um dia de atividades de oito horas até vários dias não consecutivos, totalizando 40 horas de capacitação, incluindo assessoria aos professores para a implantação do método nas escolas envolvidas. Os multiplicadores possuíam, na época em que os cursos foram mi nistrados, tempo de prática na vivência do método como palestrantes variando de oito a 18 meses. Participaram desta avaliação 13 cidades, em dois estados brasileiros, Paraná e Rio Grande do Sul, totalizando 1668 profissionais que, após terem participado do curso de capacitação com os multiplicadores, se dispuseram a responder individualmente o questionário. Embora não tabulados estatisticamente, a grande maioria dos profissionais era composta de educadores e/ou supervisores da rede pública de ensino, lotados no ensino fundamental e educação infantil. Den tre eles haviam alguns profissionais também qualificados na área clínica, além de docentes. Figura 1 – Questão 3: O que achou da atuação do multiplicador em relação ao conteúdo abordado? Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 135 Jardini RSR & Ruiz LSR dentro de sua prática pedagógica vigente. Ob teve-se 1121 (67,2%) respostas que Boquinhas é compatível com qualquer metodologia utilizada, bastando ser adaptada ao material pedagógico já usado na escola. Ainda, 405 (24,2%) acreditam que a metodologia possa ser usada em qualquer disciplina e conteúdo acadêmico, independen temente do material, enquanto que 112 (6,7%) assinalaram como resposta que a metodologia só seria viável se usada com os livros Boquinhas e ainda outros 30 (1,7%) responderam que a meto dologia somente deveria ser usada na disciplina de Língua Portuguesa. Na questão de número 7, apenas 1321 (79,1%) questionários foram respondidos e investigou-se como o educador acredita que a metodologia possa ser utilizada, em relação ao tipo de clien tela e forma de aplicação. Obteve-se 852 (64,5%) respostas para todas as crianças juntas, priori zando as que apresentam mais dificuldade, 421 (31,9%) indiscriminadamente para qualquer tipo de aluno, todos juntos, 48 (3,6%) isoladamente, apenas com os alunos com distúrbios e nenhuma (0%) somente para os alunos que apresentam distúrbios, estando dentro da sala. Na questão de número 8, apenas 1608 (96,4%) questionários foram respondidos e avaliou-se os cursos de capacitação em Boquinhas, e as res postas foram ilustradas na Figura 4. Na questão de número 9, apenas 1642 (98,4%) questionários foram respondidos e avaliou-se a recomendação do uso da metodologia para ou tros educadores, obtendo-se os resultados de 861 (52,4%) para recomendaria fortemente, 495 (30,2%) para depende do tipo de educador, 231 (14,1%) depende do tipo de alunos e 55 (3,3%) não recomendariam. A questão de número 10 era específica para a justificativa dos educadores que não acreditaram na metodologia e 1624 (97,4%) dos entrevistados deixaram de responder a essa questão, ou seja, Figura 2 – Questão 4: Qual a sua opinião sobre o Método das Boquinhas? Figura 4 – Questão 8: Sobre os cursos de capacitação em Boquinhas. Figura 3 – Questão 5: Como acredita que seus alunos receberão o Método das Boquinhas? Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 136 Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas” resposta prazerosa, indicando que o profissional usou mais de recursos convincentes para produ zir interesse, que se reporta à aprendizagem em si do que estratégias para suscitar prazer, que poderia ser encarado como momentâneo. Não houve respostas de aspectos negativos. Por estes dados, infere-se que a forma de trabalho eleita esteja de acordo com os objetivos almejados, ou seja, aprendizagem consciente. Sobre a atuação do multiplicador com os pro fissionais (questão 2), as respostas para atencioso superaram motivador, indicando, embora com pouca margem de diferença, que o profissional recrutou por sua apresentação mais atenção, sugestiva de conceitos neuropsicológicos, do que motivação, atrelada aos aspectos socioemocio nais. Não houve respostas de aspectos negativos. Acredita-se que, nesse caso, é fundamental que a atuação do palestrante contenha certa dose de empatia, além de assertividade, possibilitando aos educadores a aprendizagem gradual e vo luntária, sem estresse e/ou alto nível de desgas te. Também aqui se infere que o trabalho do multiplicador esteja de acordo com os objetivos almejados, possibilitando ganhos a ambos, pro fissionais e palestrante. Analisando a atuação do multiplicador em relação ao conteúdo abordado (questão 3), um pouco mais que a metade dos entrevistados ava liou como seguro, ou seja, que domina intelec tualmente o assunto, enquanto outros avaliaram como confiante, ou seja, que apenas confia no que está apresentando. Não houve respostas de aspectos negativos. Novamente, viu-se a presen ça de aspectos positivos na escolha predomi nante pela resposta que denota conhecimento assimilado, portanto, com chances de repassá-lo seguramente. Ainda pode-se inferir que a pala vra seguro esteja atrelada à experiência pessoal sobre o assunto, o que vem corroborar com a formação oferecida aos multiplicadores. Analisando-se o segundo pilar: utilização/efi ciência do Método das Boquinhas, na opinião sobre o Método (questão 4), novamente obser va-se o caráter intelectivo presente na resposta interessante, com grande número de escolha, foi respondida apenas por 44 entrevistados. Dos que responderam, obteve-se 5 (11,3%) para di ficuldade de ser compreendida pelos alunos, 38 (86,3%) para dificuldade para ser aplicada, nenhuma (0%) resposta para incompatibilidade com a proposta educacional de escola e 2 (4,5%) por ser contrária à proposta pessoal educacional. DISCUSSÃO A opção por questionários de múltipla escolha teve a intenção de facilitar o seu preenchimento, pela agilidade da resposta e não exposição do educador. A escolha de palavras aparentemente de conteúdo semelhante deveu-se ao fato da possibilidade de se analisar o verbete em seus aspectos semânticos, mesmo que subliminar mente, pois durante o preenchimento, esse fato deve ter sido pouco consciente pelos profissio nais participantes. Optou-se por quatro alternativas, com duas palavras de caráter positivo, uma que suscitasse apelo emocional e outra, apelo intelectual, o mesmo acontecendo com as duas palavras de ca ráter negativo. Essa abordagem forneceria dados qualitativos relativos à aceitação/recusa do pro fissional e/ou metodologia, por aspectos emocio nais e/ou intelectuais, fornecendo informações preciosas no tocante à continuidade do trabalho e possíveis reestruturações, sendo um feedback de excelente qualidade. Ainda, propositalmente, a ordem entre o caráter positivo e negativo das alternativas não foi mantida a mesma durante todo o questionário, a fim de se evitar respostas mecânicas ou uma irrefletida leitura. As palavras escolhidas de apelo emocional atrelado à resposta foram: prazerosa, motivador e confiante. As demais palavras: interessante, atencioso e seguro suscitaram apelo intelectual, posto que se reportavam a conceitos relativos à aprendizagem em si e não apenas a sensações durante o trabalho. A discussão apresentada a seguir foi baseada nos dois pilares acima citados, iniciando-se com o primeiro: atuação/capacitação do multiplicador. Em relação à forma de trabalho do multiplica dor (questão 1), a resposta interessante superou a Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 137 Jardini RSR & Ruiz LSR Avaliando o Método das Boquinhas como uma ferramenta de trabalho (questão 6), ou seja, seu uso como um recurso a mais, dentro da prática pedagógica já utilizada pela escola, um pouco mais que a metade julga que Boquinhas é com patível com qualquer metodologia, desde que adaptada ao material pedagógico da escola. Já outros, bem menos que a metade, acreditam que Boquinhas pode ser extensivo a todas as disci plinas e conteúdos acadêmicos, enquanto que um mínimo dos entrevistados encara a metodo logia somente no contexto de Língua Portuguesa e outros a sinalizam ser utilizada somente com os livros Boquinhas. Infere-se aqui que o uso da metodologia está em consonância com o ideali zado pelas autoras, ou seja, um trabalho integra do aos conteúdos e recursos já disponíveis pela escola e pelos educadores, não se desfazendo nunca de sua bagagem anterior, descartando-a, para apenas trocá-la por algo novo. Acredita-se que o ser que aprende, seja ele educador e/ou aluno, traga consigo sua visão sócio-cultural -histórica de desenvolvimento permanente, inserindo a aprendizagem em sua vida. Os livros da metodologia são e devem ser utilizados como apoio e parte do processo. Gradativamente, os materiais autênticos disponíveis passarão a fazer parte dos livros didáticos adotados pelas escolas, uma vez que atendem às necessidades de uma alfabetização segura, que está sendo aplicada. Na análise do tipo de clientela e forma de aplicação (questão 7), obteve-se um pouco menos que a metade de respostas favoráveis a assertiva de uso da mesma metodologia para toda a classe junta, e mais da metade de aceitabilidade da metodologia como inclusão, mas com prioridade aos que apresentam mais dificuldade, enquanto que um mínimo de educadores acredita que o uso de Boquinhas deva se restringir somente aos alunos com algum distúrbio e, ainda, separados do grupo. Não houve resposta para a alternativa de uso isolado e separado da turma. Discute-se aqui a aceitação do educador para com a deman da atual de que todo aluno deve aprender junto com os demais, isto é, a inclusão total, social e pedagógica. Pela soma das respostas, temos a que desperta interesse e possíveis chances de aprendizagem, frente a algumas respostas na alternativa prazeroso, que se remete ao caráter emocional frente ao Método. Ainda houve um mínimo de educadores que o avaliou como difí cil. Não houve resposta para não compreensão. Destaca-se aqui a forte aceitação em relação à metodologia proposta que, embora inovadora, tem ganhado adeptos e bons resultados, con firmados pelos inúmeros feedbacks oferecidos pós-capacitações e adoção da metodologia em caráter municipal. Esta questão nos remete à assimilação do novo, que embora traga conflito e desequilíbrio, é necessária para que se torne aprendizagem. Segundo Piaget, assimilar é atribuir significado à experiência, enquanto que acomodar é fazer o novo conhecimento fazer parte do ser, o que vimos pelos comentá rios recebidos de educadores ávidos em usar a metodologia tão logo finalizasse a capacitação. Sobre a possível recepção dos alunos em re lação ao Método (questão 5), um pouco menos da metade dos entrevistados avalia como facilmente, a maioria como prazerosamente e um mínimo de respostas como dificilmente. Não houve respostas para não aceitarão. Nessa pergunta vemos que o educador avalia que seus alunos usarão mais ca racterísticas emocionais (prazerosamente) do que racionais (facilmente) para assimilar o trabalho proposto. Acredita-se que esse dado deve-se ao fato de serem crianças em fase de aquisição, o que naturalmente estaria relacionado à aprendizagem lúdica. Essa constatação também colabora para que a aplicação da metodologia se torne mais eficaz, uma vez que o educador sente-se seguro ao oferecer algo que atinja às expectativas infan tis, ou seja, brincar e aprender ao mesmo tempo. Já a pequena porcentagem que o relatam como difícil para a criança (assimilação do novo, como discutido anteriormente) nos remete à reflexão de que, por vezes, a técnica oferecida em um curso de capacitação de apenas oito ou 16 horas não seja suficiente para que o educador sinta total segurança em repassá-la com facilidade aos alunos. Fato esse que será mais bem abordado na discussão da questão de número oito. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 138 Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas” quase totalidade favorável à inclusão, o que vem abrir precedentes de reflexão sobre a eficiência de a metodologia ser a responsável pela acei tação das diretrizes educacionais atuais, o que contradiz a visão de resistência ou preconceito dos educadores frente à inclusão. Acredita-se que esse seja um dos fortes ganhos apresentados pela metodologia, que foi demonstrado por essa análise. Na discussão da questão seguinte, esse assunto será retomado. Quanto à avaliação dos cursos de capacita ção que acabaram de participar (questão 8), um pouco menos da metade o considerou como eficaz e suficiente para a utilização imediata da metodologia, todavia quase a metade sentiu a falta da educação continuada, com assessoria e supervisão ao educador. Entretanto, outros de tectaram a necessidade dessa formação iniciar ainda na graduação como formação dos docen tes. Esses dados são fundamentais para a refle xão de que o educador tem interesse e vontade de se qualificar melhor e mais adequadamente para atender às necessidades atuais das crian ças, principalmente referentes à aprendizagem e seus resultados. O fato de solicitarem mais apro fundamento e estudo em relação à metodologia proposta, inclusive iniciados na graduação, é forte indicativo da aceitabilidade e abertura para novos conhecimentos, como a aliança entre con ceitos fonológicos e aquisição da leitura e escrita. Esses dados já foram elucidados em inúmeras pesquisas atuais sobre o tema5,13,14,16,20,21, e devem ser motivo de reflexão para as capacitações e projetos educacionais. Referindo-se à recomendação do uso do Método das Boquinhas para outros educadores (questão 9), um pouco mais que a metade o re comenda fortemente, enquanto que outros são reticentes em afirmar que depende do tipo de educador, e outros na dependência do tipo de alunos. Essa discussão passa pela constatação que o educador é consciente de que mudanças metodológicas requerem mudanças pessoais, pois nada que se refere à educação é apenas realizado em sala de aula. Adotar Boquinhas significaria pensar a alfabetização partindo de pressupostos oralistas e fonológicos, o que vem em oposição ao forte paradigma de que “apren de-se copiando da lousa”. Aqui, vê-se, com cla reza, a consciência de que a mudança proposta é trabalhosa e requer estudo e prática, embora seja desejosa e aceita. Novamente abrem-se precedentes para que a formação dos docentes em relação à alfabetização requeira conteúdos diversos, analisados e refletidos, como a relação fonológica e articulatória intrínseca envolvida na conversão fonema/grafema. Pois de nada adianta oferecer-se práticas construtivistas aos alunos, quando educadores não o são. Finalizando, foram avaliados os motivos pelos quais os educadores possam não ter acreditado na proposta como metodologia de alfabetização (questão 10). No entanto, um mínimo de educa dores respondeu essa questão, com escore maior por ser de difícil aplicabilidade. Desta forma, a análise voltou-se aos participantes que não res ponderam à questão, ou seja, os que acreditaram na proposta como metodologia de alfabetização, que foi quase a totalidade dos entrevistados. CONCLUSÃO De acordo com os dados analisados pelos 1668 entrevistados, em dois estados brasileiros, concluiu-se que o Método das Boquinhas, multis sensorial, de ênfase fonovisuoarticulatória, indi cado para alfabetizar e intervir nas alterações de leitura/escrita foi aceito pela maioria dos partici pantes dos cursos de capacitação oferecidos pelos multiplicadores do referido método. Ainda, abrin do precedentes para a reflexão sobre o sucesso da inclusão pedagógica, demanda educacional atual, estar relacionado à metodologia adotada, a quase totalidade dos entrevistados afirma que a metodologia proposta possa ser utilizada em sala de aula para todo tipo de aluno, com ênfase nos que apresentam algum grau de dificuldade. Obteve-se que quase a totalidade dos entre vistados aceita a metodologia, no entanto, a metade desses refere que o uso da mesma depende do tipo de educador e tipo de aluno, abrindo precedentes para a análise do “novo” frente aos paradigmas educacionais vigentes. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 139 Jardini RSR & Ruiz LSR Ainda, concluiu-se que os educadores vêem a necessidade e urgência de uma proposta de natureza fonológica e articulatória, com bases oralistas, para a melhoria da educação brasi leira, inclusive, enfatizando a necessidade de capacitações continuadas, que se iniciem na grade curricular da formação de docentes. Esse trabalho reforça a necessária aliança entre as duas ciências Fonoaudiologia e Pedagogia, para o melhor desempenho de alunos e docentes. Como finalização, a totalidade dos educado res entrevistados ficou satisfeita com a atuação e forma de trabalho recebida na capacitação oferecida pelos multiplicadores de Boquinhas, constatando se tratar de um trabalho já apro vado como Tecnologia Educacional pelo MEC (DOU 2009), que tem perfeitas condições de ser repassado às instituições interessadas. AGRADECIMENTOS Os agradecimentos são para os multiplicado res que participaram da coleta de dados no ano 2010, assim como as Secretarias Municipais de Educação das cidades participantes, que ofereceram a capacitação aos seus profissionais nesse ano: Alessandra A. Baquete da Cunha – Ivaiporã/PR, Roncador/PR; Andressa Alves Fernandes Gonçalves – Nova Esperança/PR; Cristiane Muller – Imbé/RS; Cristina Ossig da Luz – Imbé/RS; Danielle Peres Toigo – Caxias do Sul/RS; Jeanine C. Elgersma – Senges/PR; Mayumi Yabe Terao – Ivaiporã/PR; Patrícia Hoffmeister de Almeida – Viamão/RS, Passo Fundo/RS; Rosana Alves de Liz – Conselheiro Mairink/PR; Suélia Pinheiro de Oliveira – Ma riluz/PR, Iguaraçu/PR, Paranaguá/PR, Santa Izabel do Oeste/PR. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 140 Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas” ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO 01- O que achou da forma de trabalho do multiplicador? A B C D ( ( ( ( ) interessante ) prazerosa ) desmotivante ) complicada 02- O que achou da atuação do multiplicador com os educadores? A B C D ( ( ( ( ) atencioso ) motivador ) distante ) inseguro 03- O que achou da atuação do multiplicador em relação ao conteúdo abordado? A B C D ( ( ( ( ) seguro ) confiante ) inseguro ) pouco competente 04- Qual a sua opinião sobre o Método das Boquinhas? A B C D ( ( ( ( ) interessante ) prazeroso ) difícil ) não compreendi 05- Como acredita que os educadores receberão o Método das Boquinhas? A B C D ( ( ( ( ) facilmente ) prazerosamente ) dificilmente ) não aceitarão 06- Sobre o Método ser uma ferramenta de trabalho: A B C D ( ( ( ( ) Boquinhas é compatível com qualquer metodologia, adaptada ao material pedagógico vigente da escola ) Boquinhas só é compatível se usada com os livros de Boquinhas ) Boquinhas pode ser usada em qualquer disciplina e conteúdo acadêmico ) Boquinhas só pode ser usada na disciplina de Língua Portuguesa 07- Com qual clientela e como acredita que Boquinhas possa ser utilizado: A B C D ( ( ( ( ) isoladamente com pessoas que apresentam dificuldades, separadas da classe ) isoladamente com pessoas que apresentam dificuldades, incluídas na classe ) para toda a classe junta, priorizando as que apresentam mais dificuldades ) para qualquer tipo de aluno 08- Sobre os cursos de capacitação em Boquinhas: A B C D ( ( ( ( ) são eficazes e bastam para a utilização da metodologia ) são superficiais e insuficientes para a utilização da metodologia ) falta a educação continuada, com assessoria e supervisão ao professor ) falta a capacitação de Boquinhas na grade curricular do docente 09- Você recomendaria o uso do Método das Boquinhas para outros educadores? A B C D ( ( ( ( ) não recomendaria ) recomendaria fortemente ) depende dos alunos ) depende do tipo de educador 10- Se não acreditou na proposta como metodologia de alfabetização, justifique: A B C D ( ( ( ( ) não atinge todas as crianças porque é difícil de ser compreendida pelos alunos ) não atinge todos os educadores porque é difícil de ser aplicada ) não será aceita pela proposta educacional de minha escola ) é contrária à minha proposta pessoal educacional Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 141 Jardini RSR & Ruiz LSR SUMMARY Evaluation of training courses: “little mouth method” Introduction: Besides using phonic (phoneme/sound) and visual (grapheme/letter) strategies, the Phono-visual-articulatory Method (the “Little Mouth Method”) also makes use of articulatory (articuleme/little mouth) strategies. Its development was based on Speech Therapy and also on Pedagogy, recommended for teaching any types of kids, youngsters and/or adults how to read and write and to rehabilitate their reading and writing disorders. Objective: This study aims to evaluate the courses and the multiplier agents of the method, as well as the methodology itself. Methods: A quantitative and qualitative analysis of the multiple choice questionnaire was carried out. The study had the participation of 10 multiplier agents who delivered 37 courses to 1668 educators in 13 cities in the stages of Paraná and Rio Grande do Sul in the year 2010. Conclusions: It was concluded that the “Little Mouth Method” was accepted by most participants to be used in the classroom with all types of students, especially with the ones who have some degree of difficulty, making educators and parents give serious thoughts over the success of inclusive education, the current educational demand and its relation to the methodology adopted. Moreover, it was concluded that educators involved in this study feel there is a need and urgency for a phonologic and articulatory proposal, with oralistic basis, to improve the Brazilian education system, with emphasis on the need to develop continued qualification courses that might be included in the curriculum guidelines for the education of leaning and writing teachers. Finally, all respondents to the study were satisfied with the performance of the multiplier agents and the way they handled the project, knowing that this work is already approved by the MEC (Ministry of Education) as Educational Technology. This study strengthens the necessary cooperation between Speech Therapy and Pedagogy for better performance of students and educators. KEY WORDS: Learning. Education. Speech and language sciences. REFERÊNCIAS 1. Demo P. Pesquisa e construção do conheci mento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 1997. 2. Aquino JG. Do cotidiano escolar. 2ª ed. São Paulo: Summus Editorial; 2000. 3. Demo P, La Taille Y, Hoffmann J. Grandes pensadores em educação: o desafio da apren dizagem, da formação moral e da avaliação. Porto Alegre: Mediação; 2010. 4. Luckesi CC. Avaliação da aprendizagem... 5. 6. 7. 8. mais uma vez. Revista ABC EDUCATIO. 2005; 46:28-9. Jardini RSR. Alfabetização e reabilitação pe lo Método das Boquinhas: fundamentação teórica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003, Bauru: Jardini; 2010. Guttman C. Todos los niños puedem aprender. El Programa de las 900 escuelas para los sec tores pobres de Chile. Paris: UNESCO; 1993. Dewey J. Experience and education. New York: MacMillan; 1938. Vygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes; 1984. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 133-43 142 Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas” 9. Vygotsky LS. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 1989. 10. Ferreiro E. 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ARTIGO ORIGINAL O emprego da literatura na educação infantil: a investigação e intervenção com professores de pré-escola Ana Claudia Bortolozzi Maia; Lucia Pereira Leite; Ari Fernando Maia RESUMO – Introdução: As escolas infantis são espaços ampliados de educação e atenção à primeira infância. O papel do educador como me diador na aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento infantil, sendo que o uso de livros infantis pode atuar como importante recurso didáti co-metodológico nesse processo. Método: Este artigo relata uma intervenção psicoeducacional realizada junto aos educadores de uma pré-escola pública com os objetivos de: (a) registrar o acervo de livros infantis da escola, (b) investigar sobre a aquisição e o uso de livros infantis pelas professoras e (c) oferecer uma intervenção às professoras em relação ao uso pedagógico dos livros infantis. Participaram sete educadoras que atuavam com crianças de 2 a 6 anos. Resultados: Os resultados indicam que entre os 315 livros na escola, a maioria versava sobre histórias de animais (75 livros), fantasias e mistérios (38), contos de fada e fábulas (34), aprendizagem formal (33), aprendizagem de regras (33) e natureza e meio ambiente (22). As educadoras relataram que a escolha dos livros era feita principalmente pela faixa etária à qual os livros eram destinados, como também a partir dos temas presentes nos textos e/ou ilustrações. Apesar das educadoras acreditarem que os livros podem estimular a leitura das crianças, elas não descrevem seu uso em atividades direcionadas e relatam falta de conhecimentos sobre a utilização deles. Conclusão: A proposta de intervenção ofertada às professoras possibilitou a elas o repensar do uso dos livros na pré-escola, instruindo-as para a utilização dos livros visando estimular a fantasia, a criatividade e a capacidade crítica e reflexiva das crianças. UNITERMOS: Educação infantil. Literatura infanto-juvenil. Educação continuada. Creches. Ana Claudia Bortolozzi Maia – Professora do Departa mento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendiza gem – Faculdade de Ciências – Unesp – Bauru/SP. Lucia Pereira Leite – Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem – Faculdade de Ciências – Unesp – Bauru/SP. Ari Fernando Maia – Professor do Departamento de Psicologia – Faculdade de Ciências – Unesp – Bauru/SP. Correspondência Ana Claudia Bortolozzi Maia Departamento de Psicologia – Faculdade de Ciências – Universidade Estadual Paulista – Unesp Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 – Bauru, SP, Brasil – CEP 17033-360 E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 144 Literatura e educação infantil nas interações sociais que estabelece – a apro priação é concebida como característica típica do gênero humano, possibilitada por intermédio da sua participação nas atividades, por meio das relações práticas e verbais; 2) o ser humano desenvolve suas funções psicológicas superio res – linguagem, memória mediada, raciocínio lógico-matemático, entre outras – ao longo do seu desenvolvimento, formando sistemas cere brais que permitem novas formações mentais; 3) a linguagem ocupa lugar de destaque nas formações mentais, pois possibilita à criança adquirir, acumular e repassar os conhecimentos já produzidos pela humanidade, em momentos históricos distintos, implicando na formação dos seus conceitos. Nessa compreensão sobre aprendizagem, a atuação do professor é fundamental para o desen volvimento da criança, uma vez que é no estabe lecimento das interações sociais no âmbito do espaço escolar que se dá a mediação entre o uni verso de conhecimentos produzidos pelo mundo adulto e a formação de conceitos na infância. Para Vygotsky7, a mediação, no âmbito educacional, pode ser entendida como um processo interacional entre crianças e professores que leva à formação de conceitos acadêmicos por intermédio da lin guagem, em particular, do uso e compartilhamento de diversos códigos linguísticos. Na educação infantil, o hábito de contar his tórias para crianças desde a tenra idade parece ocupar um papel de destaque nas ações educa tivas, e deve ser visto como uma estratégia pe dagógica importante para a promoção da leitura e, consequentemente, no desenvolvimento edu cacional infantil8-11. Constituída nas interações sociais, a narrativa aparece como necessidade individual ou coletiva de se registrar acontecimentos histórico-cultu rais, verdadeiros ou imaginários, permeados de emoções, medos e fantasias. Para Zilberman12, tais manifestações podem ser caracterizadas co mo formas de linguagens presentes nas moda lidades orais e escritas, em diferentes gêneros linguísticos, que circulam nas interações sociais em sociedade. INTRODUÇÃO As escolas de educação infantil são hoje consideradas espaços nos quais se visa a uma educação plena e não apenas o cuidado das crianças, de caráter puramente assistencialista1. Tal premissa é relativamente nova, pois a Educa ção Infantil no Brasil só foi reconhecida e insti tucionalizada a partir da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), publicada em 1996. Após a promulgação desses documentos, aconteceram várias mudanças no processo de ensino das crianças, desde o nascimento até a idade pré-escolar. Assim, a educação infantil passou a ser reconhecida legalmente como a educação básica que tem por “finalidade o de senvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”2. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), elaborado em 1998, é um documento oficial do Ministério da Educa ção3, que orienta a proposta pedagógica de uni dades de ensino que atendessem esse público. Nesse documento, há indicativos para subsidiar o trabalho pedagógico realizado na Educação Infantil, com proposições, por exemplo, sobre procedimentos didático-metodológicos a serem adotados pelos professores. Além disso, em 2006, o Ministério da Educação, mais especificamen te a Secretaria da Educação Básica4, divulgou os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil e, em 2009, outro importante material, os Indicadores da Qualidade na Educação Infantil5, que ajudaram traduzir e detalhar esses parâmetros de modo teórico-operacional, para ofertar instrumental de apoio ao trabalho dos educadores. A psicologia histórico-cultural tem uma im portante contribuição nas práticas educativas na pré-escola. Segundo essa abordagem teórica, o desenvolvimento mental infantil parte de três pressupostos básicos, de acordo com Leontiev6: 1) a criança se apropria do mundo dos objetos Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 145 Maia ACB et al. Em particular ao universo da literatura infan til, as histórias surgem como possibilidades da criança vivenciar sensações de perda, de busca pelo desconhecido, de tristeza, de desconforto, de amor, raiva, dentre outras, levando-as a expe rimentar novas descobertas sobre o mundo e sobre elas mesmas. Em conformidade com esse posicionamento, entende-se que a criança que entra em contato com as histórias infantis de senvolve seu imaginário, tornando-se, pouco a pouco, um leitor em potencial. Nesse contexto, o mediador terá papel de destaque na promo ção da leitura, pois nenhum conhecimento será construído sozinho13. Cabe, então, aos professores propiciarem oportunidades no espaço escolar para que as crianças possam vivenciar os enredos, as tramas e as fábulas presentes nas produções literá rias infantis, tão necessárias para a aquisição de elementos linguísticos que subsidiarão o desenvolvimento mental. Para que isso ocorra, Martins14 pontua a importância da ação docente nessa atividade, uma vez que é ele quem esco lhe a narrativa e o modo como irá apresentá-la. Assim, deve atuar como mediador nesse pro cesso ou, nas palavras da autora, “como sujeito ativo, que compartilha situações significativas de leitura”. A partir desses apontamentos, percebe-se que existe uma preocupação nas políticas públicas atuais em implementar propostas educacionais preocupadas com o desenvolvimento infantil de crianças com até seis anos de idade, por meio da atuação dos professores que precisam, então, considerar a criança como uma pessoa capaz de desenvolver e aprender em ambientes de estímulo e incentivo a essa interação. Um dos recursos importantes para realizar esse objetivo seria a utilização da leitura de livros infantis na pré-escola. Pensando nessas proposições, elaborou-se um projeto de pesquisa e intervenção que pudesse instrumentalizar educadores de uma pré-escola para que eles analisassem de modo crítico os li vros infantis disponíveis e se utilizassem desses materiais de maneira mais apropriada, como recursos didático-metodológicos importantes para o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças. Este texto apresenta os resultados obtidos durante a realização do projeto de extensão universitária desenvolvido que objetivou: a) Observar, no cotidiano da pré-escola in vestigada, como os livros disponíveis são utilizados pelas educadoras, abarcando os seguintes aspectos: escolha dos li vros – se são escolhidos por tema, faixa etária, ilustrações, e se há um objetivo a ser alcançado com a escolha do livro; se as leituras realizadas dos livros são dirigidas ou livres, e qual a proposta com que cada leitura é feita. Além disso, foram observadas como são analisadas, nas ati vidades com os livros, as complexidades que as histórias trazem, desde questões de gênero, diversidade, até questões de conduta moral – identificando a explora ção do livro a partir do gênero literário, das ilustrações, do título e outros aspectos de identificação; b) Investigar com as educadoras como elas justificam a escolha e o uso de livros in fantis, por meio da aplicação de questio nários; c) Oferecer formação continuada às profes soras em relação ao uso psicopedagógico dos livros infantis. A partir dos dados cole tados e da análise da literatura a respeito da temática, foram ofertadas estratégias para que as educadoras da pré-escola pu dessem analisar de modo crítico os livros infantis disponíveis na escola e utilizá-los de maneira mais apropriada, ou seja, a sua utilização como recursos didáticos e metodológicos importantes para o desen volvimento cognitivo e emocional das crianças. MÉTODO A realização deste projeto ocorreu em 2009 em uma escola de educação infantil, subsidiada por uma universidade pública estadual. O projeto foi Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 146 Literatura e educação infantil com as crianças: história, figura, texto, função, outros aspectos?; (6) Em geral, você tem faci lidade ou dificuldade em usar os livros com as crianças? Por que?; (7) Você recebeu formação para trabalhar com os livros infantis na gra duação em pedagogia/magistério?; e (8) Gostaria de comentar alguma situação interessante que viveu com as crianças quando usava os livros infantis na escola? Após uma avaliação dos dados de diagnósti co, foram planejadas e programadas as ativida des com as educadoras, almejando, sobretudo, que elas pudessem refletir sobre a natureza dos livros utilizados, sua finalidade e seu uso com estratégias pedagógicas possíveis. As temáticas propostas para o curso de formação continuada foram elaboradas em dois eixos: moral e diver sidade, incluindo temas como família, regras, sexualidade e gênero. realizado com anuência da coordenadora, subdi vido em diferentes etapas: (1) observação siste mática sobre o uso dos livros infantis, além de um levantamento dos livros existentes e disponíveis na sala de aula; (2) aplicação de questionários com as professoras sobre a escolha e a utilização dos livros; e (3) proposta de formação continuada. Participaram do estudo sete educadoras, com idade variando entre 26 e 38 anos, as quais tinham experiência no magistério em educação infantil variando entre um a 15 anos. Cada edu cadora era responsável por um grupo de crian ças, distribuídas em idades diferentes, de quatro meses a seis anos, variando então do grupo do berçário até o grupo 6. A última etapa do pro jeto – formação continuada – contou também com a presença da coordenadora da pré-escola. A observação foi realizada ao longo de três meses, alternando os períodos entre manhã e tar de e todos os grupos de crianças da escola foram observados. A observação ocorria por meio da presença das alunas bolsistas na escola, seja na sala das crianças ou durante as atividades rea lizadas no ambiente da escola, e o levantamento sobre o acervo dos livros ocorreu no mesmo pe ríodo. A intenção era saber quais eram os livros existentes na escola, sua quantidade, disponibi lidade e, em especial, quais eram as referências para a sua aquisição e como eram escolhidos e apresentados às crianças. Investigou-se ainda como os livros eram utilizados como um recurso didático-pedagógico durante o planejamento e execução das atividades com os pré-escolares. Depois dessa observação, foram aplicados questionários com as professoras, com as se guintes questões abertas: (1) Quem escolhe a aquisição dos livros que tem na escola? Princi palmente os da sua sala?; (2) Como se escolhem os livros que serão adquiridos? (Todo ano se com pram livros? Quais livros? Quantos? Por que se compram os livros?); (3) Como costuma usar os livros infantis na escola com as crianças da sua sala?; (4) Você costuma planejar antes o uso de algum livro para um fim específico ou o livro é um recurso auxiliar para outras atividades?; (5) O que você prioriza na escolha do livro que usa RESULTADOS Observação sistemática da utilização dos livros e levantamento do acervo literário escolar A observação geral em todos os grupos sina lizou que os livros ficavam dispostos em estantes nas respectivas salas de aula, ao alcance das crianças, e as instruções que se seguiam relati vas ao uso era de manuseá-los somente com a permissão da professora. Em alguns momentos, as crianças manipulavam os livros para ver as figuras, ou ainda, quando as estagiárias ma nuseavam os livros, as crianças se mostravam curiosas a respeito das suas histórias. Na maioria das vezes, o manuseio espontâneo do livro por parte das crianças ocorreu em horários livres ou quando as educadoras estavam ocupadas com alguma tarefa e, então, deixavam que as crianças pegassem os exemplares. Foi possível observar que, quanto mais novas eram as crianças, menor era o contato físico delas com o livro. Muitas vezes, esse distanciamento foi justificado pelas educadoras em virtude de as crianças mais novas rasgarem os livros – fato que pôde ser observado, pois vários exemplares estavam rasgados, sem capa ou faltando páginas. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 147 Maia ACB et al. Presenciaram-se algumas atividades dirigi das com o uso dos livros, nas quais tanto ocorreu uma mera leitura do livro, ou seja, não se foi além da contação da história e apresentação das figuras com crianças de dois anos, como, em outro grupo, crianças de seis anos, a leitu ra dirigida foi relacionada com outras leituras anteriores realizadas no grupo. Também houve espaço para imaginar as cenas do livro (que não possuíam figuras), para refletir acerca da histó ria, para comentar a respeito do autor (no caso Monteiro Lobato), como também para avaliar a atividade proposta na sequência. Após o perío do de observação, as estagiárias continuaram o levantamento do acervo literário da pré-escola, durante os meses seguintes. O levantamento do acervo literário da pré -escola revelou que a maioria dos livros versava sobre histórias de animais (75 livros), fantasias e mistérios (38 livros), contos de fada e fábulas (34 livros), aprendizagem formal (33 livros), apren dizagem de regras (33 livros) e natureza e meio ambiente (22 livros). Foi observado que poucos livros faziam referência a conflitos infantis ou familiares, apresentando personagens humanos (crianças, pais, outros familiares), discutindo questões psicológicas e sociais tão importantes no cenário atual. Muitos livros não constam de informações importantes, como o autor e a na cionalidade e, ainda, 160 deles estavam em mau estado (fato alertado pelas educadoras com seus alunos, demonstrando que o descuido ou o mau uso dos livros pode torná-los inutilizáveis). A Tabela 1 apresenta a categorização dos livros da pré-escola. Tabela 1 – Categorização dos livros da pré-escola quanto ao conteúdo temático. Conteúdo temático dos livros Quantidade Livros temáticos: histórias de animais 75 Ficção: fantasia, mistério, aventura 38 Contos de fada e fábulas (tradicionais e modernos) 34 Aprendizagem formal: formas, cores, números, letras, resolução de problemas 33 Aprendizagem de regras: educação, higiene, condutas morais 33 Natureza, meio ambiente e ecologia 22 Aspectos sociais na infância: solidão, preconceito, solidariedade, deficiência, amizade 16 Folclore brasileiro, cultura popular e outras culturas 12 Livros temáticos: a família 11 Livro sem texto escrito 9 Livro-interativo: livro-brinquedo, para pintar 8 Poesia, poemas, rimas 8 Livros de humor: diversão em situações cotidianas; personagens engraçados 7 Arte e música 4 Livros temáticos: tempo 3 Histórias bíblicas 2 Total 315 Algumas delas afirmaram escolher os livros após terem observado neles principalmente os seus conteúdos, as figuras, ou ainda a sua parte textual. Outras relataram priorizar o objetivo da atividade e focar especificamente na faixa etá ria, para poder avaliar quais características dos livros seriam mais atrativas para as crianças. A aquisição de livros novos ocorria todos os anos e a responsabilidade da compra era dos pais das crianças, a partir de uma lista encaminhada pela educadora do grupo a cada família. A presença de livros na sala de aula foi justi ficada pelas professoras por ser um incentivo à Levantamento de informações junto às edu cadoras A análise das respostas nos questionários com as educadoras relevou dados interessantes que foram elencados por temas, conforme o disposto abaixo. Segundo as professoras, a escolha dos livros era realizada por elas com a colaboração da coordenadora da escola, considerando principal mente a faixa etária à qual seriam destinados, como também os temas presentes nas obras. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 148 Literatura e educação infantil leitura; elas reconheceram que, como as crianças ainda não lêem, o objetivo dos livros ficarem dispostos na sala seria o de desenvolver nelas o gosto por histórias e pelo manuseio de livros. Também relataram que os livros eram destina dos principalmente à realização de atividade de leitura livre ou dirigida, ou ofertados após a rea lização de alguma outra atividade. Assim, existia um planejamento da utilização dos livros, mas estes não seguiam um padrão. As educadoras ora escolhiam os livros de acordo com a neces sidade gerada por certas situações (por exemplo, aprender a compartilhar brinquedos, utilizando alguma história que tratasse do assunto), ora sem motivo aparente (quando o tema da história era aleatório), ou ainda afirmaram que as atividades com livros estavam no planejamento de ensino, porém não sabiam especificar como eram reali zadas as atividades. Entretanto, algumas delas relataram ler com antecedência os livros para procurar aproveitá-los como recursos auxiliares para abordar temas que já estivessem em pauta, e também que retomavam os temas lidos em outros momentos. Algumas educadoras tiveram dificuldades em pontuar quais foram as situações específicas em que foram utilizados livros em suas atividades cotidianas, relatando que os utilizam o tempo todo. Entretanto, a maior parte relatou que se utilizava do livro como recurso auxiliar em pro jetos específicos, como educação nutricional, utilização da água, sobre natureza e sociedade e/ou meio ambiente. O número expressivo de livros relacionados ao tema “animais e meio ambiente” pode ser explicado pelo uso nestes projetos, embora as professoras não tivessem sinalizado que a compra dos mesmos tenha sido com esta finalidade. Todas as educadoras afirmaram que havia momentos em que as crianças escolhiam livre mente os livros na sala de aula e, em outros, a escolha era feita pela professora – conforme os objetivos da atividade que estava sendo realiza da. Segundo as próprias, as crianças escolhiam os livros na maioria das vezes, embora sempre sendo observadas pela professora. Quanto à formação acadêmica que recebe ram na sua graduação para utilizar livros na pré-escola, algumas educadoras responderam sumariamente que sim (indicando que tiveram formação acadêmica para trabalhar com livros), outras relataram concordância, mas declararam que a formação foi pouca ou insuficiente, e ou tras responderam que receberam formação sobre a utilização dos livros em projetos específicos. Em geral, as educadoras relataram ter fa cilidade no trato pedagógico com os livros, ar gumentando que a leitura era um momento de encantamento, em que a fantasia e a imaginação estavam em evidência, ou então que se sentiam à vontade para contextualizar as histórias e utilizá-las como auxílio nos temas trabalhados nos grupos. Realização do curso de formação continuada para educadores Foram realizados encontros de formação com as educadoras, conduzidos pelas estagiárias, com a supervisão dos coordenadores do projeto. O reduzido número de encontros foi decorrente da dificuldade em estabelecer horários comuns para atividades desta natureza no ambiente escolar. Nos encontros, foram discutidas as se guintes questões: a) Educação como meio para o desenvol vimento do pensamento crítico que gera autonomia dos sujeitos: a meta foi a de promover um debate com as educadoras, evidenciando que o conhecimento gerado pela escola deve ser crítico, permitindo que os sujeitos possam ter contato com as mais diversas experiências, seja pela própria vivência pessoal ou dos outros – como é no caso da literatura; b) Coerção na Educação: o caráter coerciti vo, muitas vezes praticado nos ambientes educacionais, foi repensado como uma necessidade para que os sujeitos apren dam a viver coletivamente. Entretanto, a Educação não deve ser vista unicamente por esse lado, mas também pelo seu ca ráter humanista, que aponta para a au Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 149 Maia ACB et al. cas, que aqui irá se chamar de moral da história fechada. A história fechada não permite que o sujeito pense em outras possibilidades de resolução dos proble mas da história, outras consequências para as ações ou ainda que ele compreen da a necessidade das regras sociais e as siga a partir desta compreensão (e não pelo medo de deixar de segui-las). Ainda, pode criar uma identificação falseada da realidade, pois geralmente as histórias de moral fechada são dicotômicas, dividindo o mundo entre sujeitos bons e sujeitos ruins. Entretanto, foi demonstrado que o professor pode trabalhar a história de moral fechada, proporcionado à criança um espaço para que ela pense e diga a respeito do que ouviu, leu, e aprendeu – identificando o que ela concorda e dis corda, e os porquês implicados. Por outro lado, as histórias com a moral aberta per mitem que o sujeito se coloque no lugar do personagem, tentando encontrar uma adequação entre o seu desejo pessoal e as possibilidades saudáveis de realizá-lo na sociedade, para que a coletividade não seja prejudicada – tampouco o próprio sujeito. Exemplos disso são histórias que pedem à criança: uma resolução para o problema apresentado (o final da histó ria), um questionamento acerca da con duta dos personagens e onde as condutas destes os levaram, uma reflexão sobre os dilemas humanos, sejam externos (dos perigos do mundo) ou internos (dos pe rigos de si mesmo), dando oportunidade para que ela pense a respeito deles e encontre uma solução, seja sozinha ou com a ajuda de um adulto, no caso do professor. Histórias assim direcionadas propõem que deve haver uma conduta moral a ser adotada pelas crianças, mas que seja algo pensado, refletido e esco lhido por elas. A discussão das histórias não deve ser guiada moralmente pelo educador, mas pode ser debatida, dis tonomia dos sujeitos. Pensar na educação e em sua função implica pensar em quais situações devem-se coibir os desejos dos sujeitos, em quais outras se deve permiti-los e em que momento é possível produzir uma discussão reflexiva sobre a necessidade da coerção e do adiamento da realização dos desejos; c) Concepção de infância: debateu-se que concepções de infância estão relaciona das à infância – ora a criança é colocada como suficientemente boa, ingênua, cor ruptível e, portanto, alguém a ser protegi do dos males da sociedade e das tragédias humanas; ora a criança é vista como de toda má, com instintos que devem ser re primidos, para que ela se torne um bom cidadão, um adulto aceitável e adaptado. Esta cisão, entre a criança boa e a criança má, esconde as contradições da realidade humana, pois somos, todos, em parte bons e em parte maus, gerando assim uma de fasagem na sua formação ética, ao deixar de tratar de seus dilemas “sombrios” (seus desejos ruins e os males do mundo) e ao não respeitar sua autonomia (quando não há espaço para a criança colocar o que ela pensa a respeito das coisas, o que ela deseja para si, o que é mais importante para ela, por exemplo), adota-se uma ati tude paternalista que camufla conflitos e dificulta o desenvolvimento da reflexão sobre si mesmo e sobre o mundo; d) Moral das histórias: refletiu-se sobre o ensino de uma conduta moral, apontando que, seja ela boa ou má, seja ela rígida ou flexível, é uma coerção dos impulsos humanos, pois estabelece limites às rea lizações das vontades dos sujeitos na convivência com os outros. As histórias dos livros carregam sempre uma conduta moral, sobre o que é considerado bom e agradável (o certo) e do que é considerado prejudicial e infame (o errado). A grande tradição das histórias infantis é de haver sempre uma moral com conclusões úni Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 150 Literatura e educação infantil pai, mãe, irmão, avós) por meio de nossas instituições sociais e a reprodução desse modelo nas salas de aula, por meio de um tratamento às crianças baseado numa concepção de “normalidade” das suas famílias – ou seja, ter necessariamente pai e mãe coabitando juntos, por exemplo – e como o uso de histórias infantis possibi litaria abarcar o tema da diversidade, construindo um pensamento crítico sobre o ideal de “normalidade” nas concepções de família. Outros livros que podem tra balhar tal tema foram apresentados para as educadoras, tais como Minha família é colorida (Georgina Martins), Menina bonita do laço de fita (Ana Maria Machado) e Os meninos verdes (Cora Coralina); f) Sexualidade Infantil – relatou-se que a temática da sexualidade é encarada com desconforto por grande parte das pessoas, e que as indagações infantis são tratadas com respostas ambíguas ou ainda omis sões, nas quais geralmente se reproduz a dificuldade que pais, educadores e as autoridades tiveram para respondê-las em momentos decisivos no processo de desenvolvimento. Discutiu-se que a sexualidade não abarca somente o sexo, mas também as questões de gênero, afeto, carinho, prazer, entre outras. Por exem plo, nas questões de gênero, foi refletido como os estereótipos são reproduzidos na literatura infantil utilizada no cotidiano escolar, na utilização de cores e brinca deiras mais “adequadas” para meninos e meninos, inferência de habilidades típicas de cada gênero, curiosidade das crianças a respeito de conhecimento de seu próprio corpo e do corpo de outrem, os papéis de gênero apresentados nos li vros e nas narrativas. Foram apresentados para as educadoras alguns exemplos de bibliografia para serem trabalhados em sala de aula sobre este assunto - Menino brinca de boneca? (Marcos Ribeiro), Ceci tem pipi? (Thierry Lenain), Convivendo cutida, construída. Portanto, a educação deve direcionar os sujeitos a pensar por si mesmos e a colocar-se no lugar do outro, a fim de que eles encontrem maneiras saudáveis, sociavelmente aceitas de rea lizar seus desejos, podendo renunciar a parte destes em prol da coletividade, ou seja, seguindo as regras sociais por com preender a necessidade destas, por meio da reflexão e construção de pensamento e leitura crítica da realidade. Para dar conta da reflexão das temáticas, foi solicitado que as educadoras trouxessem para o curso quaisquer livros do acervo de seu grupo que quisessem. Após as discussões realizadas durante o curso, foi pedido que elas mostrassem os livros escolhidos e que pudessem então discernir as questões de moral aberta e fechada a partir dos próprios materiais que elas dispunham. Também foram apresentadas às educa doras as possibilidades de se trabalhar histórias de moral fechada, de modo mais aprofundado (mesmo histórias sem dilemas e conflitos), levando as próprias crianças a refletir o conteúdo do livro (questionar se a história do livro é igual na vida real, propor outro fim para a his tória, discutir a atitude dos personagens etc). Pediu-se para que elas relatassem suas dificuldades em trabalhar os livros com as crianças, a fim de que o trabalho das estagiárias fosse enriquecido com relatos de quem faz a prática do cotidia no escolar e, por fim, pudessem avaliar o encontro; e) Conceito de família: foi discutida a impor tância de se pensar as várias formações de família e que ainda se reproduz um mode lo rígido e idealizado de família em várias instituições. Para isso, foi solicitado que as educadoras relatassem suas impres sões sobre o que era uma família e, com o uso do livro A história de cada um (Juciara Rodrigues), foi discutida a construção do estereótipo de uma família ideal (com Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 151 Maia ACB et al. sendo desmerecidos na pré-escola, talvez pela concepção de que as crianças “ainda não lêem” ou ainda pela defasagem nos cursos de formação de pedagogas e educadoras que não trabalham profundamente tal questão. Apesar disso, o interesse aparente das edu cadoras pelo uso dos livros seria um elemento forte para que propostas de formação continuada sobre esses temas pudessem se constituir com práticas comuns na pré-escola15. As educadoras se mostraram entusiasmadas com a proposta de formação continuada ofertada, relatando que passaram a atentar para outros aspectos das histórias que elas trabalhavam, nunca antes percebidos. Alguns desses apontamentos foram: a dificuldade de trabalhar histórias com crianças muito pequenas, de que as crianças vivenciam as histórias com mais complexidade do que se espera quando o livro apresenta uma moral da história, rígida e normativa e, ainda, de que há crianças que, na leitura dos livros, relatam his tórias pessoais nas quais sofreram algum tipo de coerção moral. Isso faz crer que as questões trabalhadas no curso foram refletidas pelas professoras e, em alguma medida, puderam ser relevantes, talvez por se tratar de assuntos importantes e cotidianos. Percebeu-se, também, que as discussões foram baseadas em exem plos vivenciados na realidade investigada, e os relatados apontavam dificuldades pessoais no tratamento escolar, especialmente em questões que abordavam sexualidade ou entendimento sobre a diversidade – como as situações em que as crianças reproduziam ações preconceituosas de racismo ou, ainda, concepções tradicionais do que seja família. Na maioria dos casos relatados, a escolha e a utilização dos livros não se basearam pre viamente em uma proposta pedagógica e nem eram considerados como recursos que poderiam ser usados sob várias temáticas e retomados sob outras perspectivas, estimulando a apropriação de conteúdos simbólicos7 por parte das crian ças que, segundo Vieira11, se interessam por curiosidade pelo mundo fantasioso e imaginário presentes nas narrativas, possibilitando o desen com meninos e meninas (Guia da Crian ça Cidadã, Unicef), Menino ou Menina: João ou Joana? (Luísa Veiga, Filomena Teixeira, Fernanda Couceiro). Os resultados da observação realizada na escola foram apresentados às educadoras e à coordenadora da pré-escola, na tentativa de ajudá-las a sanar as dificuldades apontadas. O mesmo procedimento foi adotado sobre o levan tamento do acervo literário realizado, fato visto pelas educadoras como elemento enriquecedor no trabalho de sala de aula, pois muitas rela taram não ter tempo de analisar os livros que existem em suas salas de aula e assumiram desconhecer o acervo geral da escola, o que permitiria trocas de exemplares entre as salas dos diferentes grupos. DISCUSSÃO Os dados obtidos com os questionários indicaram que as educadoras apreciam o uso dos livros nas atividades cotidianas de sala de aula, mas que a maioria delas não tem alguma formação específica acerca da literatura infan til – relataram ter utilizado os livros com suas crianças, mesmo que esporadicamente. Segun do o relato das educadoras, as atividades com os livros despontam como sendo insuficientes, por não haver um planejamento sistematizado e contínuo a longo prazo. Por exemplo, temas que se entrelaçam e que poderiam ser trabalhados, tais como diversidade (de família, de gênero, classe social, religião, entre outros), poderiam ser retomados durante o ano letivo com o uso de histórias recontadas e reelaboradas. Os dados também demonstram um desconhe cimento por parte das educadoras sobre essas possíveis análises e tal fato pode ser explicado por uma cultura local escolar que ainda pouco valoriza o uso dos livros como um importante instrumento pedagógico que pode gerar auto nomia dos sujeitos. Evidentemente, os livros podem ter um caráter de entretenimento, mas, embora seja muito importante esse elemento lúdico da literatura, ela poderia ser utilizada em vários outros aspectos pedagógicos que acabam Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 152 Literatura e educação infantil volvimento de importantes construções mentais. Ziberman12 também afirma que o uso de livros na educação infantil pode ampliar a capacidade infantil imaginativa. Nesse sentido, o uso dos livros extrapola a finalidade de alfabetização, podendo ser usado pelo adulto mediador como um meio prazeroso de estimulação de futuros leitores. Esse adulto, como afirma Martins14, não se resume a um mero narrador, mas alguém ativo que estimula na educação infantil a possibilida de das várias significações da leitura e o desen volvimento de conhecimentos, interpretações e reflexões críticas. Por isso, o adulto – no caso, o professor – deve assumir a responsabilidade sob o uso dos livros na pré-escola desde a escolha deles, a forma como usam e suas finalidades. literário da pré-escola e da realização dos en contros de formação continuada, aponta para a necessidade de aprofundamento da temática com os educadores de pré-escola. Os livros infantis existem nas pré-escolas, mas, muitas vezes, constituem um recurso subaproveitado pelos educadores, que não utilizam o rico po tencial dos livros infantis em favorecer junto às crianças o diálogo sobre questões psicossociais importantes na infância. Almeja-se, com esta e outras propostas extensionistas, oferecer supor te teórico-prático aos educadores de crianças para ampliar suas reflexões sobre a natureza ou tipologia dos livros, assim como seu preparo em utilizá-los, para que possam refletir sobre as propostas de atividades que diversifiquem o uso dos livros infantis nas salas de aula da pré-escola, considerando a infância como um importante período da vida em que o contato com livros pode ser tão enriquecedor para seu desenvolvimento humano. CONCLUSÃO A análise geral do desenvolvimento das ações do projeto, desde o levantamento do acervo Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 153 Maia ACB et al. SUMMARY The use of literature in early childhood education: investigation and intervention with preschool teachers Introduction: The children’s schools are expanded spaces of education and care for infants. The educator’s role as mediator in learning is crucial to child development, and the use of children’s books can act as an important methodological and pedagogical resource in this process. Methods: This paper describes a psychoeducational intervention performed with the educators of a public pre-school with the following objectives: (a) register the collection of children’s books of the school, (b) investigate the acquisition and use of children’s books by the teachers and (c) offer an intervention to teachers regarding the educational use of children’s books. The participants were seven educators who worked with children from 2 to 6 years old. Results: The results indicate that among the 315 books in the school, the majority was about animal stories (75 books), fantasy and mystery (38), fairy tales and fables (34), formal learning (33), learning rules (33) and about nature and environment (22). The educators reported that the choice of books was made mainly considering the age group to which the books were directed, and also from the themes found in texts and/ or illustrations. Although the teachers believe that the books can encourage reading among children, they don’t describe their use in planned activities and they report lack of knowledge about their use. Conclusion: The proposed intervention to the teachers allowed them to rethink the use of books in pre-school, instructing them to the utilization of the books aiming to stimulate the imagination and creativity, improving the critical and reflexive capability of the children. KEY WORDS: Child rearing. Juvenile literature. Education, continuing. Child day care centers. REFERÊNCIAS 5. Brasil, Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica. Indicadores da qualidade na educação infantil. Brasília: MEC/SEB; 2009. 6. Leontiev A. O desenvolvimento do psiquis mo. Lisboa: Livros Horizonte; 1978. 7. Vygotsky LS. A construção do pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 2001. 8. Abramovich F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione; 1989. 9. Cardoso M. Estudos de literatura infantil. São Paulo: Editora do Brasil; 1991. 10. Gillig J. O conto na psicopedagogia. Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 1999. 11. Vieira IMC. O papel dos contos de fadas na construção do imaginário infantil. Rev Crian Prof Educ Infant. 2005;38:8-9. 1. Costa SF. O projeto político-pedagógico nas instituições de atendimento assistencial a crianças de zero a seis anos. Terra Cult. 2003; 36:27-38. 2. Brasil. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 dezembro 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília (DF), 1996 dez. 23; Sec. 1. 3. Brasil, Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília:MEC/SEF; 1998. 4. Brasil, Ministério da Educação. Parâmetros nacionais de qualidade para a educação in fantil. Brasília:MEC/SEB; 2006. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 154 Literatura e educação infantil 12. Ziberman R. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva; 2004. 13. Freitas MTA. A perspectiva sócio-histórica: uma visão humana da construção do conheci mento. In: Freitas MTA, Souza SJ, Kramer S, orgs. Ciências Humanas e Pesquisa: Leituras de Mikhail Bakhtin. 1ª ed. São Paulo: Cortez Editora; 2003. p.6-38. 14. Martins SES. A formação de leitores surdos e a educação inclusiva [Tese]. Marília: Uni versidade Estadual Paulista Júlio de Mesqui ta Filho; 2005. 15. Maia A, Leite LP, Maia ACB, Fukuda PSO, Pereira TK. A re-leitura de livros infantis co mo estratégia de formação continuada de professores de uma pré-escola. X Congresso Estadual Paulista de Formação de Educado res; 30 ago-3 set 2009; Águas de Lindóia, BR, São Paulo:Universidade Estadual Pau lista Júlio de Mesquita Filho; 2009. p.617787. 1 CD-ROM. Trabalho realizado no Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Bauru, SP, Brasil. Este trabalho deriva do projeto de extensão universitária “A re-leitura de livros infantis como estratégia de formação conti nuada de professores de uma pré-escola” (Processo n. 5627/2008), que teve como colaboradoras: Priscila Sayuri Oliveira Fukuda e Tatiana Koschelny Pereira, alunas do curso de Psicologia e bolsistas da Pró-reitoria de Extensão da Unesp (PROEX), na época do estudo, que auxiliaram na coleta de dados. Artigo recebido: 3/4/2011 Aprovado: 11/7/2011 Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 144-55 155 FARTIGO igueiredoORIGINAL MO et al. Mães de crianças com baixa visão: compreensão sobre o processo de estimulação visual Mirela de Oliveira Figueiredo; Roberto Benedito de Paiva e Silva; Maria Inês Rubo Nobre RESUMO – Objetivos: Analisar como mães de crianças com baixa visão compreendem o processo de estimulação visual de seus filhos e o percurso ao serviço de intervenção terapêutica. Método: Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa. Foram entrevistadas 11 mães de crianças com baixa visão atendidas pelo Serviço de Estimulação Visual do Setor de Oftalmologia do Hospital de Clínicas da Unicamp. Para a coleta dos dados foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas. Os tópicos principais da entrevista foram: compreensão das mães a respeito do encaminhamento para a estimulação visual, percurso e condições para comparecer aos atendimentos de estimulação visual e a importância da estimulação visual. Resultados: Algumas mães referiram que não lembravam, não sabiam, ou até alegaram que não foram informadas do porque foram encaminhadas ao serviço de estimulação visual. As mães conseguem entender gradativamente a situação do filho, na medida em que têm contato com os profissionais que estão intervindo no processo de estimulação visual da criança. O percurso para chegar aos atendimentos apresenta variações de acordo com as condições financeiras e de transporte. A maioria das mães considera os pequenos progressos, parece entender que a aprendizagem dos filhos é gradativa e a importância de dar continuidade à estimulação em casa. Conclusão: A compreensão das mães sobre a importância da estimulação visual para o desenvolvimento do filho com baixa visão foi construída gradativamente, na medida em que vão sendo orientadas pelos profissionais do serviço de estimulação visual e percebendo progressos no desenvolvimento do filho. UNITERMOS: Baixa visão. Estimulação visual. Compreensão. Mães. Mirela de Oliveira Figueiredo – Doutoranda em Edu cação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial do CECH/UFSCAR, Bolsista do CNPq até submissão. Roberto Benedito de Paiva e Silva – Professor Doutor do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto”, FCM/UNICAMP. Maria Inês Rubo Nobre – Professora Doutora do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto”, FCM/UNICAMP. Correspondência: Mirela de Oliveira Figueiredo Rua Boa Morte, 1246 – Centro – Limeira, SP, Brasil – CEP: 13480-754 E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 156 Mães de crianças com baixa visão uma melhor adaptação da capacidade visual à eficácia na visualização8. O papel que o ambiente externo representa no desenvolvimento infantil é de extrema importância e pode variar dependendo da idade da criança. À medida que esta se desenvolve, o seu ambiente também muda, o que consequentemente causa uma alteração na forma como se relaciona com ele. O ambiente do recém-nascido é composto pela sua rede familiar, no qual todas as suas necessidades serão satisfeitas por meio dos cuidados advindos principalmente da figura materna. Para o recém-nascido, o mundo que se relaciona imediatamente com ele é um mundo limitado e ligado aos fenômenos conectados ao seu corpo e aos objetos que o rodeiam intermediados pela mãe e/ou pai9,10. Gradualmente este mundo começa a se ampliar, incluindo a creche e/ou a escola, onde a criança passará também grande parte do seu dia3,11. A forma como a família reage perante as dificuldades do filho que apresenta uma deficiência pode auxiliar ou influir no agravamento das mesmas. A dificuldade em aceitar o filho e a sua deficiência gera conflitos internos na mãe, que acabam se refletindo no comportamento da mesma em lidar com a criança, o que pode vir a prejudicar o próprio desenvolvimento do filho12-14. Os pais usualmente não têm consciência de que seus próprios sentimentos em relação às dificuldades do filho podem servir como obstáculo às oportunidades para o desenvolvimento saudável da criança10. A literatura tem apontado que nessas famí lias há maior incidência de estresse quando comparadas às famílias de crianças com desenvolvimento típico15-17. Além disso, existe uma discrepância entre a reação da família e as reais limitações da criança13. A forma como os pais compreendem as dificuldades dessas crianças está relacionada com o nível de conhecimento que possuem sobre a própria dificuldade, aliado ao significado que esta dificuldade representa para ambos. A atribuição de um significado a algo ocorre por meio da elaboração mental do vi vido segundo os sentimentos, vínculos e valores presentes e desencadeados no indivíduo18. Os INTRODUÇÃO A história da deficiência visual na humanidade é comum a todos os tipos de deficiências. Os conceitos foram evoluindo conforme as crenças, valores culturais, concepção de homem e transformações sociais que ocorreram nos diferentes momentos históricos1. Na atualidade, a concepção de deficiência visual compreende uma situação de diminuição da resposta visual, em diferentes graus, mesmo com tratamento clínico e/ou cirúrgico e uso de lentes convencionais, englobando a cegueira e a baixa visão como causas para esta deficiência. Durante muito tempo os indivíduos com baixa visão foram erroneamente diagnosticados como cegos. O reconhecimento da baixa visão como comprometimento distinto da cegueira traz uma nova forma de compreen der a deficiência e o seu portador, abrindo caminhos para novas medidas reabilitacionais2-4. O período entre o nascimento e os primeiros anos de vida se caracteriza como determinante no desenvolvimento da criança, pois corresponde ao momento em que o organismo está pronto para receber e utilizar os estímulos ambientais, reunindo condições satisfatórias para a aquisição e o desenvolvimento das diferentes funções5. O desenvolvimento do potencial visual em crianças com baixa visão raramente ocorre de maneira espontânea e automática. Faz-se necessária a realização de orientações e atividades que auxiliem e estimulem o processo de discri minação entre formas, contornos, figuras e símbolos. A busca contínua com os olhos permite à criança com alteração visual a identificação de detalhes antes despercebidos, levando à aquisição de noções perceptuais reais, das várias formas existentes no universo visual no qual está inserida6,7. A estimulação visual na infância é um processo que promove o desenvolvimento funcional da visão e os aspectos psicomotores, afetivos e sociais da criança. Dessa forma, a criança com baixa visão necessita da estimulação visual desde os primeiros anos de vida. Esta estimulação consiste em desenvolver e utilizar o resíduo visual, pois, quanto maior for o seu uso, mais funcional será o seu resultado, propiciando Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 157 Figueiredo MO et al. seres humanos atribuem significados a todos os fenômenos que vivenciam. O significado tem uma função estruturante crucial para os indivíduos e para a vida dos grupos. Através dos significados atribuídos pelo homem, este organiza a sua vida, inclusive a própria saúde19. Como já referido, para ocorrer um crescimento físico e emocional saudável da criança com baixa visão, esta necessita de estimulação desde seus primeiros momentos de vida. Para que o ambiente familiar seja estimulante, os pais necessitam de apoio de profissionais especializados, que possam esclarecer suas dúvidas e orientar quanto ao desenvolvimento da criança e suas necessidades8,9,20. Neste sentido, é primordial que estas famílias sejam acolhidas, ouvidas e recebam um suporte que propicie o desenvolvimento de práticas parentais favoráveis ao desenvolvimento dessas crianças, sendo que para tal é necessário verificar e analisar a forma como as mães de crianças com baixa visão compreendem o processo de estimulação visual de seus filhos. atendidas pelo Setor de Estimulação Visual do Serviço de Visão Subnormal Infantil (SVSNI) do Ambulatório de Oftalmologia do Hospital de Clínicas de Campinas – S.P (HC – UNICAMP), constituiram a amostra deste estudo. A amostra deste estudo foi construída de forma intencional e por saturação. Na amostragem intencional há a escolha de um pequeno número de pessoas com características similares que compõem um grupo com representatividades ligadas aos objetivos do estudo. Na amostra por saturação entende-se que o pesquisador encerra a coleta de dados quando as informações coletadas se tornam reincidentes19. Para a seleção das participantes da pesquisa, foram consideradas mães ou responsáveis de crianças com o diagnóstico de baixa visão, independente da gravidade do caso, que estives sem em atendimento no SVSNI e no Serviço de Estimulação Visual. Iniciou-se a seleção das participantes em novembro de 2005, encerrando em setembro de 2006. Na medida em que ocorriam as entrevistas, estas foram transcritas, realizando-se uma análise preliminar dos dados. Desta forma, na 11ª entrevista, verificou-se que alguns dados já estavam repetitivos, sendo considerado que havia número suficiente de entrevistas para responder aos objetivos da pesquisa. Questões como a caracterização sociocultural das participantes, assim como a caracterização da criança com baixa visão, foram levantadas nas entrevistas e nos prontuários, a fim de auxiliar na contextualização e na interpretação dos achados no estudo. A idade das participantes situou-se entre 22 a 52 anos. Oito das participantes concluíram o Ensino Fundamental e três não o concluíram. Três concluíram o Ensino Médio e uma delas não o concluiu. À época da realização do estudo, as mães eram donas de casa, sete já tiveram uma profissão, sendo que três pararam de trabalhar para cuidarem dos filhos e quatro nunca tra balharam fora de casa. Quanto ao estado civil, nove eram casadas e duas poss uíam união estável. Em relação a filhos, cinco tinham filho MÉTODO Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa. A abordagem qualitativa considera que o sujeito vive em determinada condição e classe social, têm suas crenças, valores e significados, é complexo, contraditório, inacabado e em permanente transformação21. O estudo qualitativo busca uma compreensão particular daquilo que estuda, não se preocupa com generalizações. O foco da atenção neste tipo de pesquisa é o específico, o peculiar, o individual, almejando sempre a compreensão dos fenômenos estudados19. A teoria da análise de conteúdo foi adotada como referencial teórico para desvendar os conteúdos particulares e inerentes de cada participante e as continuidades e reincidência destes conteúdos dentro da amostra estudada referente à temática abordada22. Participantes do estudo Mães ou responsáveis de crianças com baixa visão, com idade entre zero a quatro anos, Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 158 Mães de crianças com baixa visão único, quatro mães, dois filhos e duas, três filhos. Quanto à situação econômica, seis famílias possuíam renda mensal de três a quatro salários mínimos e cinco famílias, de um a dois salários mínimos. Em relação ao local de moradia, oito participantes eram da região de Campinas e três do sul de Minas Gerais. Em relação aos filhos, oito crianças eram do sexo masculino e três, do sexo feminino. A idade das crianças estava entre um mês e quatro anos. Observa-se que o início dos atendimentos no SVSNI ocorreu entre um dia de vida a dois anos e três meses. Sendo assim, o tempo de atendi- mento recebido por elas variou também de um mês a três anos e oito meses de atendimentos seguidos (Tabela 1). Procedimentos Como instrumento para coleta dos dados foi utilizada entrevista semi-estruturada. Este tipo de entrevista, comumente utilizada em pesquisas qualitativas, permite que o entrevistado responda às questões da pesquisa com liberdade e espontaneidade, ao mesmo tempo em que se mantém a linha de pensamento do pesquisador com o roteiro pré-elaborado23. Tabela 1 – Dados das crianças com baixa visão. Criança Sexo Diagnóstico 1 F 2 Doenças Associadas Idade em que Iniciou no SVSNI Idade na Época da Pesquisa Tempo de Atendimento no SVSNI Amaurose congênita de Leber 2 anos e 3 meses 2 anos e 6 meses 3 meses M Persistência de vítreo primário hiperplásico 9 meses 4 anos 3 anos e 3 meses 3 F Corioretinite com cicatriz macular Nistagmo anárquico em ambos os olhos 9 meses 4 anos e 4 meses 3 anos e 7 meses 4 M Baixa acuidade visual central Estrabismo divergente Nistagmo central Hidrocefalia 6 meses 3 anos e 8 meses 3 anos e 8 meses 5 M Baixa acuidade visual central Estrabismo olho esquerdo Paralisia Cerebral 1 ano e 11 meses 3 anos 1 ano e 1 mês 6 M Placa macular em olho direito com palidez temporal Estrabismo em olho direito secundário 1 ano e 2 meses 3 anos e 3 meses 2 anos e 1 mês 7 M Baixa acuidade visual central 5 meses 2 anos e 8 meses 2 anos e 3 meses 8 M Retinopatia da prematuridade 1 ano 4 anos e 3 meses 3 anos e 9 meses 9 M Retinopatia da prematuridade 7 meses 11 meses 4 meses 10 M Albinismo óculo cutâneo 1 dia 1 mês 1 mês 11 F Cicatriz macular ao estrabismo 1 ano 4 anos e 2 meses 3 anos e 2 meses Síndrome de Prunne-Belly Hidrocefalia Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 159 Figueiredo MO et al. As entrevistas foram realizadas no Setor de Estimulação Visual do SVSNI do Ambulatório de Oftalmologia do HC – UNICAMP. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio cassete, após a obtenção do consentimento livre e esclarecido, segundo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional da Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciên cias Médicas da UNICAMP. Foram transcritas literalmente e digitadas pela pesquisadora, mantendo o sigilo necessário, conforme as questões éticas do estudo. Realizadas as transcrições, retomou-se a escuta das gravações, conferin do-as com o material transcrito e partiu-se para a fase de tratamento do material. “Eles falou que ele tinha uma visão baixa então tinha que passar pra ele experimentar pra ver as cores, que ele tinha nem que fosse de longe começar a fazer os exames para que ele pegasse os brinquedos, porque ele não pega de jeito nenhum.” (M 5). “Sim, é por causa do desenvolvimento dele, pra ver se ele continua a percepção de luzes. [...] é pra ele assim desenvolver, não sei se é isso, eu me confundo um pouco, num é pra ele se desenvolver, os outros membros, pra ele ir pegando a noção das coisas” (M 9). Percebe-se que algumas mães referiram que não lembravam, não sabiam, ou até alegaram que não foram informadas do motivo do encaminhamento ao serviço de estimulação visual. “Olha, eu não entendi muito bem, não. Porque eles mandaram” (M 1). Análise dos dados Foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, do tipo temática e categorial22. A partir do tema, estimulação, foram escolhidas três categorias que, juntas, podem responder aos objetivos do estudo. São elas: 1. Compreensão das mães a respeito do encaminhamento para a estimulação visual; 2. Percurso e condições para comparecer aos atendimentos de estimulação visual; 3. Importância da estimulação visual. Com base nas categorias selecionadas, procedeu-se à análise dos dados de cada participante em cada categoria, para depois se agruparem os dados das onze participantes, o que permitiu verificar e analisar a forma como as mães compreendem o processo de estimulação visual. “Ah, isso eu não tenho lembrança não” (M 2). “Que eu me lembro não” (M 10). Depreende-se, no dizer dessas mães, a difi culdade de compreenderem o que o médico explica, fato que pode ser em decorrência do nível sociocultural das participantes, pois muitas vezes o médico se utiliza de termos técnicos e não explica de maneira simplificada o diagnóstico, procedimentos e o prognóstico da baixa visão. No entanto, esta situação não é o ideal, pois as famílias permanecem desinformadas a respeito do processo de reabilitação de que os seus filhos necessitam e que estão recebendo. Estudo relata que os profissionais mais apreciados pelos pais eram aqueles que forneciam informações precisas e demonstravam preocupação, oferecendo encorajamento24. Os profissionais com essas atitudes utilizam-se de uma linguagem clara, em uma atmosfera aberta e informal, o que torna possível aos pais se sentirem mais confortáveis para fazerem perguntas, podendo, assim, ter melhor compreensão do diagnóstico e das necessidades da criança. Percebe-se que, na maioria das vezes, as mães conseguem entender gradativamente a RESULTADOS E DISCUSSÃO 1. Compreensão das mães a respeito do en caminhamento para a estimulação visual Quanto à necessidade da criança ser atendida pelo serviço de estimulação visual, as mães referiram o que lhes foi dito pelo médico oftalmologista sobre o encaminhamento: “Falaram que ele precisava deste setor pra ele adaptar o mundo” (M 3). “Ah, falou que era pra melhorar, né. Vê se conseguiria recuperar um pouco da visão dele” (M 4). Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 160 Mães de crianças com baixa visão situação do filho, na medida em que têm contato com os profissionais que estão intervindo no processo de estimulação visual da criança. Como refere as mães: “Não, só falaram que ia passar questão assim de explicar tudo eu vim saber depois que eu tava aqui, mas antes não” (M 6). dos pacientes aos problemas de saúde são tão relevantes para o encontro clínico e o sucesso do tratamento quanto os dados fisiológicos28. 2. Percurso e condições para comparecer aos atendimentos de estimulação visual Após o encaminhamento do oftalmologista para a criança iniciar o processo de intervenção terapêutica no serviço de estimulação visual, considerou-se necessário verificar se as famílias tiveram condições de ir à busca do tratamento, visto que são oriundas de outras cidades ou até de outros estados. Observa-se, no relato das mães, que o percurso para chegar aos atendimentos apresenta variações, de acordo com as condições financeiras e de transporte. Parece que o local de moradia, se distante ou próximo, não representou um fator determinante nas dificuldades, já que as famílias que residem em outro estado, levando um tempo maior para chegar ao ambulatório, não apresentaram queixas: “Ah, não. Não, não porque lá em G. (cidade) tem condução de graça, né, não tem problema” (M 2). “Não. Quando chegou aqui que ela falou pra mim o porquê que era” (M 8). A maneira como os indivíduos significam e comunicam os seus males, bem como a forma que os mesmos traçam o percurso das intervenções terapêuticas são elementos essenciais para a formulação de ações em saúde, que vão representar as reais necessidades da clientela25. A verbalização do desconhecimento das mães sobre os motivos do encaminhamento do filho para um serviço de reabilitação aponta para a necessidade da criação de abordagens em saúde que englobem tanto a questão cultural das famílias, quanto os fenômenos orgânicos vividos pelos pacientes. Os modelos explicativos dos profissionais precisam ser compreendidos e internalizados pelos familiares, de forma que estes possam construir modelos condizentes com o quadro real vivido pelo paciente26. As prescrições do tratamento médico serão bem recebidas pelos pacientes, somente se estas fizerem sentido para eles, segundo seus modelos explicativos. Isto é extremamente importante para que ocorra a adesão ao tratamento, pois a adesão às formas de tratamento depende do contexto interno do paciente, de suas experiências anteriores, expectativas e preconceitos sociais, religiosos, raciais e de gênero. Como também, a adesão ao tratamento depende do contexto externo, ou seja, do ambiente e da conduta do profissional perante o paciente e seu acometimento27. Neste sentido, cabe aos profissionais da saúde fornecerem o diagnóstico de modo acessível ao paciente e investigarem a interpretação que tanto o paciente como aqueles que o cercam fazem sobre a origem, significado e o prognóstico da sua condição de saúde / doença e a influência disso sobre os demais aspectos de sua vida; já que as reações psicoemocionais e socioculturais “Não. Porque eu não trabalho por isso mesmo, meu tempo já é disponível pra isso. Isto não é o problema porque eu quero que ele fique melhor do que já tá” (M 3). “Não, eu venho com o carro da prefeitura, né. Mas eu venho de madrugada e sou atendida assim, só às 13:00” (M 7). Em contrapartida, as outras mães que vêm da região de Campinas apontam dificuldades para comparecerem ao atendimento: “É, agora no momento a gente tá tendo. O pai dela tem um carro, deixa com meu marido, a saverinho. Ele que me traz, né. Agora a gente tá vindo de ônibus, porque meu marido bateu, né, o carro. Aí a gente tem um pouco de dificuldade, faz o impossível, mas traz” (M 1). “Ah, eu tenho, por um motivo, porque a T. pra andar com ela, ficar esperando ali na frente pra ser atendida é muito difícil Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 161 Figueiredo MO et al. do serviço. Além disso, as mães relatam sobre a forma de funcionamento de algumas ambulâncias que acabam levando um grande número de pacientes e só podem retornar à cidade de origem quando todos já tiverem recebido o atendimento. Com isso, aqueles que são consultados primeiro passam o dia no hospital, e como estão fora de casa necessitam se alimentar, o que representa um gasto fora das possibilidades de alguns. Estes relatos acabam demonstrando uma realidade vivida por algumas mães que não podem comparecer aos atendimentos com condução própria ou transporte coletivo pago, e parece ser para essas mães uma justificativa para a não adesão aos serviços de saúde e/ou pelas faltas nas consultas agendadas. No entanto, faz-se importante refletir que, apesar dessas mães terem de fato uma dificuldade real para uma adesão ao serviço, por problemas financeiros e de transporte, observa-se uma disponibilidade interna para tentar vencer qualquer obstáculo para realizar o que pensa ser imprescindível para o seu filho. A mãe 9 reforça a importância de fazer o que está ao seu alcance, o que é necessário, para não se arrepender depois. Ela refere: “Não tem, não tem porque eu venho no ônibus da prefeitura, eu vou lá e marco. Não tem dificuldade nenhuma, pego na porta, deixa lá, deixa aqui. [...] Mas não tem problema nenhum enquanto falar assim “é pro bem do meu filho”, não meço distância pra fazer nada, nem dificuldade pra fazer nada. Quero é o bem estar dele, vê ele bem. Isso que eu quero pra amanhã, depois, quando ele crescer eu não ficar com peso na consciência, pensando se eu tivesse feito isso meu filho tinha melhorado. Por enquanto eu não tenho remorso nenhum por que tudo o que está ao meu alcance eu faço” (M 9). porque ela não pára, como você viu, eu tenho que ficar com ela no colo, ela é um pouco agitada, e também na hora de ir embora eu tenho que ficar esperando todo mundo pra ir embora. E pra mim ficar com ela dá muita dificuldade, e eu não tenho condições para ficar pagando passagem pra mim ir embora só e ficar esperando os outros me dá dor no corpo...“ (M 11). “Às vezes sim. Porque que nem quando eu tinha duas consultas marcadas, o pai dele não tinha dinheiro, aí ele disse você escolhe ou uma ou outra. Porque é difícil pra eu pegar passe. Quando eu vou buscar passe lá no Serviço Social num tem. E sempre chega no meio do mês, no começo do mês aí você tem que ficar ligando do dia 1º até o dia 10. Aí quando chega muita gente já foi lá e já pegou. A ambulância eu nunca agendei, porque quando vem, vem muita gente e quando vai embora quando acaba a consulta dele tem que esperar todo mundo. Se a consulta de uma pessoa é 16:00 horas, tem que ficar esperando ela pra poder ir embora, pra levar todo mundo, então eu acho muito” (M 5). “Tem e muita. Porque é só eu pra vim, né...Sai de manhã, às vezes se tá com o dinheiro pra comer, às vezes num tá, passa o dia todo sem comer. Aí quando chega em casa vai almoçar e jantar de uma vez, por isso que é dificuldade” (M 10). O relato dessas mães demonstra que o problema maior em dar seguimento aos atendimentos são as condições socioeconômicas, pois apresentam dificuldades financeiras, muitas vezes não podendo pagar as passagens dos transportes coletivos e, por isso, dependem do transporte cedido pela prefeitura de suas cidades (ambulância ou micro-ônibus). As mães queixam-se da burocracia para agendar o transporte e, devido à grande procura pelos pacientes e pelo limite de capacidade de usuários em cada transporte, torna-se concorrido o número de vagas para uso 3. Importância da estimulação visual Ao analisar os dados das entrevistas, observou-se que seis crianças (2,3,4,6,8,11) têm um seguimento de mais de dois anos no serviço de Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 162 Mães de crianças com baixa visão Estimulação Visual, as mães 1 e 9 cujos filhos têm um tempo de atendimento de apenas três a quatro meses conseguem perceber melhora na parte visual. “O médico colocou a luz no olho dele ele pegou mais, bem mais, porque ele tem percepção de luz, mas hoje eu percebi ele acompanhando a luz” (M9). visão subnormal. As mães dessas crianças ao falarem sobre a estimulação visual pontuam melhoras. Algumas delas enfatizam a melhora na capacidade visual, como refere a mãe 4: “É eu acho que melhorou bastante. Porque assim, por exemplo, quando o pai dele chegava ele nem notava, agora o pai dele chega na porta ele já sabe que o pai dele chegou. Quando eu vou na minha mãe e minhas irmãs chega do trabalho, ele sabe que elas chegou. A gente chega perto dele ele dá risada, ele tá danadinho” (M4). “Tô observando que antes ela olhava com a cabecinha torta e agora tá mais aprumadinha a cabeça e o pescocinho” (M1). Observa-se a importância da intervenção e orientação quanto ao aspecto visual, pois em pouco tempo percebe-se reação da criança aos estímulos visuais e melhora da resposta visual. Ao contrário dessas mães, a 7 e a 10 não re lataram mudanças no desenvolvimento do filho, sendo que uma delas frequenta somente há um mês o serviço e a outra, apesar da criança receber estimulação visual a 2 anos e 3 meses, a mãe não identifica melhoras. Nesse caso, pode-se levantar a hipótese de não aceitação da baixa visão do filho, bem como a falta de entendimento do que é a baixa visão, levando-a manter expectativas irreais em relação ao desenvolvimento do filho. Outras mães, além de perceber a melhora na capacidade visual do filho, também associam que essa melhora traz progressos na aprendizagem. Como por exemplo, temos o relato das mães 8 e 11: “Só agora assim depois que nóis começamo que ele começou a seguir, ele não seguia, ele não conhecia nóis, ele começou a seguir, a rir mais, a dar gargalhada, sabe coisa que ele não fazia. E os médicos mesmo falaram “nossa H. você mudou bastante, cresceu, porque era muita coisa que ele não fazia” (M8). “Bastante porque antes de eu vir aqui ela era totalmente diferente, aí comecei a vir, fazer os cuidados com ela, aí ela melhorou mais. Assim ela aprendeu algumas coisinhas, aprendeu pegar algumas coisas coloridas, né, vocês foram me explicando como era pra fazer, eu já fui tentando em casa. Tá dando um pouco certo, não é totalmente, assim, porque num é Jaspion, né, num é de uma hora pra outra. Mas ela tá melhorando um pouquinho” (M11). CONSIDERAÇÕES FINAIS A compreensão das mães sobre a importância da estimulação visual para o desenvolvimento do filho com baixa visão parece ser construída gradativamente, na medida em que vão sendo orientadas pelos profissionais do serviço de estimulação visual e percebendo o progresso do filho. Em um primeiro momento, a maioria das mães parece não entender a necessidade real do filho frequentar o serviço de estimulação visual, tentam repetir o que o médico explica sobre o encaminhamento para esta terapia e outras mães não lembram o que foi explicado e não sabem exatamente porque levam o filho ao serviço de estimulação visual. A falta de compreensão da necessidade e da importância da estimulação visual parece interferir diretamente na adesão ao serviço. Nota-se, no relato dessas mães, a valorização dada aos pequenos progressos, parecem entender que a aprendizagem dos filhos é gradativa e a importância de dar continuidade à estimulação em casa. Do mesmo modo que essas mães, cujos filhos têm um tempo de seguimento maior no Setor de Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 163 Figueiredo MO et al. Várias mães referem problemas financeiros e de transporte, dificultando o comparecimento e a adesão à reabilitação. Fica evidente que, além do entendimento dos objetivos da terapia, a mãe precisa ter uma disponibilidade interna para contornar todas as dificuldades adversas. Cabe ressaltar a importância da maneira como os profissionais da área da saúde explicam o prognóstico da deficência visual para as famílias, sendo necessário levar em consideração as condições culturais, econômicas e emocionais dos pais, pois, na maioria das vezes, essas situa ções podem interferir na compreensão clara da necessidade da estimulação visual, o que auxilia à adesão ao serviço. Enfim, parece ser imprescindível a intervenção de uma equipe multidisciplinar que forneça o acolhimento a essas famílias, escutando, explicando as dúvidas em relação ao diagnóstico e ao prognóstico, o que poderá proporcionar melhor compreensão da baixa visão do filho. SUMMARY Mothers of children with low vision: understanding the process of visual stimulation Objectives: To analyze how mothers of children with low vision un derstand the process of visual stimulation of their children and their path to the service of therapeutic intervention. Methods: This study is cha racterized as a qualitative research. Eleven mothers of children with low vision, whose children were assisted by the Visual Stimulation Service from the Ophthalmology Sector from Hospital das Clínicas of Unicamp, were in terviewed. For data collection semi-structured interviews were used. The main topics of the interview were: the mothers’ understanding about the referral to visual stimulation, the path and conditions to attend the services of visual stimulation and the importance of visual stimulation. Results: Some mothers said that they did not remember, did not know or they even said that they were not informed of the reason they were referred to the visual stimulation service. The mothers gradually come to understand their children’s condition as they get in contact with the professionals that are interfering in the visual stimulation process of their children. The path to reach the service varies according to financial and transport conditions. Most of the mothers considers the small progresses and seems to understand that the learning of their children is gradual and they find it important to give continuity to stimulation at home. Conclusion: The mothers’ understanding about the importance of visual stimulation to the development of the children with low visual was gradually built as they were guided by professionals from the visual stimulation service and as they noticed progresses in the development of their children. KEY WORDS: Vision low. Visual stimulation. Comprehension. Mothers. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 164 Mães de crianças com baixa visão REFERÊNCIAS 1. Figueiredo FJC. Duas crianças cegas congênitas no primeiro ciclo da escola regular. Cad Pesqui. 2010;40(139):95-119. 2. Veitzman S. Visão subnormal. Coleção de Manuais Básicos CBO. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2000. 3. Laplane ALF, Batista CG. Ver, não ver e aprender: a participação de crianças com baixa visão e cegueira na escola. Cad CEDES. 2008;28(75):209-27. 4. Nunes S, Lomonaco JFB. O aluno cego: preconceitos e potencialidades. Psicol Esc Educ. 2010;14(1):55-64. 5. Nobre MIR, Montilha RCI, Gagliardo HGR. 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Psicopedagogia 2011; 28(86): 156-66 166 Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos RELATO DE PESQUISA Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos Rute Cristina Domingos da Palma RESUMO – Introdução: A pesquisa tem como objetivo investigar como alunos considerados malsucedidos em matemática resolvem problemas matemáticos ao terem a oportunidade de utilizar suas próprias estratégias. Método: A pesquisa caracteriza-se como um estudo qualitativo de caso, com análise interpretativa. O estudo foi desenvolvido em uma turma de 5º ano do ensino fundamental de uma escola da rede municipal de ensino do município de Cuiabá-MT. Os dados foram coletados a partir de entrevistas com a professora, observação e registro em vídeo das aulas de resolução de problemas matemáticos e do acompanhamento da resolução de problemas matemáticos por alunos considerados malsucedidos nessa atividade. No texto é apresentada a análise de dados de um aluno considerado como mau solucionador de problemas matemáticos. Resultados: Os resultados indicam que, ao ter a possibilidade de usar suas estratégias pessoais, o aluno resolveu o problema matemático utilizando diferentes registros (a escrita, o material manipulável, o desenho e o algoritmo não convencional) que se articulam entre si. Conclusão: Há necessidade de considerar que o tipo de problema e o encaminhamento proposto pelo professor podem influenciar no sucesso ou no fracasso escolar do aluno ao resolver um problema matemático. No contexto escolar, a possibilidade de utilizar diferentes estratégias e registros no processo de resolução de problemas matemáticos oportuniza aos alunos a reconstrução da ação realizada; o desenvolvimento da autonomia e da criatividade; e a apropriação da linguagem matemática. UNITERMOS: Baixo rendimento escolar. Resolução de problemas. Ma temática. Rute Cristina Domingos da Palma – Professora Adjunta do Departamento de Ensino e Organização Escolar do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT. Correspondência Rute Cristina Domingos da Palma Rua Buenos Aires, 39 – Edifício Villagio Della Torre – apto 1402 – Jardim das Américas – Cuiabá, MT, Brasil – CEP: 78060-634 E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 167 Palma RCD INTRODUÇÃO agora, problemas!”, “É só pedir para resolver e já perguntam: ‘é de mais ou de menos?’”. Davidov2, pesquisador filiado à perspectiva histórico-cultural e que compôs a Teoria do Ensino Desenvolvimental, ao fazer uma análise sobre o trabalho com resolução de problemas, destaca que, comumente, a escola enfatiza a proposição de um número reduzido de tipos de problemas. Assim, a função do professor consiste em ensinar o aluno a identificá-los e aplicar o método antes assimilado para chegar ao resultado. Os estudos de Pototzki e Skripchenko, citados por Davidov2, concluem que os alunos, ao depararem-se com um problema que não se enquadra em nenhum dos tipos do seu conhecimento, são incapazes de resolvê-los. Outra questão destacada por Davidov3 é a ên fase dada às representações usadas na tentativa de tornar “concreta” a situação problema. In seridos nesse processo, muitos alunos, ao resolver os problemas, centram sua análise no caráter meramente ilustrativo e externo, sem, contudo, estabelecer relações para compreender a situação problema. Ao analisar esse tipo de procedimento escolar, Davidov2 conclui que essas tarefas não ultrapassam o pensamento descritivo, classificatório e empírico. Segundo Libâneo4, para Davidov, o “conhecimento adquirido por métodos transmissivos e de memorização não se converte em ferramenta para lidar com a diversidade de fenômenos e situações que ocorrem na vida prática”. Além disso, Davidov3 argumenta que a organização do ensino, pautada no pensamento empírico, traduz-se na repetição e na memorização e reflete nos resultados escolares e na atividade mental dos alunos. O reflexo dos resultados escolares gera uma prática que se propõe a distinguir os alunos “bem-sucedidos” dos “malsucedidos”, no que diz respeito à resolução de problemas matemáticos. Esta breve compilação de experiência e teoria indica que há várias dimensões a serem problematizadas acerca da resolução de problemas. Neste estudo, expresso a dimensão que escolhi no seguinte problema: como um aluno considera- A Resolução de Problemas em sala de aula é, também, um problema a ser resolvido “Problemas, eu não gosto não! Porque você tem que descobrir a conta certa e eu nem sempre consigo descobrir”. (Beto, aluno sujeito da pesquisa) A importância da resolução de problemas tem ocupado lugar de destaque nos estudos sobre os processos de ensino e aprendizagem da matemática escolar. Há um consenso entre as pesquisas desenvolvidas em diferentes áreas – Matemática, Psicologia, Educação –, ao considerarem que a resolução de problemas é um elemento imprescindível no desenvolvimento do raciocínio lógico e na construção significativa dos conhecimentos matemáticos. No entanto, tenho verificado que ainda há um distanciamento entre o que é proposto nas orientações curriculares nacionais e internacionais acerca da resolução de problemas matemáticos e a prática pedagógica vivenciada pelos alunos no contexto escolar. Nas aulas de matemática, mais especificamente naquelas destinadas à resolução de problemas, apesar dos avanços já apresentados, ainda se presencia esta sequência de fatos tão bem conhecidos por nós, professores: proposição de problemas de tipo livresco, orientação do professor sobre a operação aritmética que o problema apresenta, questionamento dos alunos sobre que operação aritmética realizar, correção coletiva no quadro, conferência da resposta pelos alunos e, em caso de erro, imediato apagamento. Palavras como mecanização, repetição, apreensão e monotonia traduzem a imagem desse ambiente. Nesse contexto, em que a resolução de problemas tem como objetivo fazer os alunos produzirem a operação aritmética de forma correta, muitos estudantes são indicados como “maus solucionadores de problemas”, por não apresen tarem a solução com um algoritmo convencional1. É comum depararmo-nos com falas do professor como estas: “conta até que eles fazem, Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 168 Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos alguns problemas e decidimos, juntas, sobre o processo de mediação adotado para acompanhar os alunos na resolução. Estabelecemos que, nessa tarefa, seria respeitado o tempo de cada aluno; que eles seriam incentivados a usar estratégias e registros próprios; e que, caso desejassem, seria permitida a utilização de material manipulável, como tampinhas, pedras, conchas e outros materiais dispostos numa mesa na sala de aula. Um dos problemas propostos aos alunos foi adaptado do livro de Gwinner5 pela professora e apresentado numa folha de papel sulfite, conforme a Figura 1. Enquanto Pato Donald toma banho alegremente, Peninha pensa... O elefante Jambo é meu amigo. Ele usa doze sabonetes e vinte esponjas para tomar banho. Jambo toma banho de quinze em quinze dias. Quantos sabonetes ele gasta em três meses? A situação proposta, o tipo de texto, a apresen tação do material e a maneira de encaminhar o pro cesso de resolução do problema distanciaram-se do modelo frequentemente vivido pelos alunos e pela professora, provocando uma agitação entre os alunos. Estes, em tom de surpresa, diziam: “Legal assim, com desenho!”, “Olha esse é o Pato Donald”, “Pode fazer do jeito que quiser?”. do malsucedido resolve problemas matemáticos, ao ter a oportunidade de utilizar suas próprias estratégias? MÉTODO A pesquisa caracteriza-se como um estudo qualitativo de caso. Os dados foram coletados a partir de entrevistas com a professora e da observação das atividades de resolução de problemas matemáticos propostas durante um ano letivo, em uma sala de 5º ano de uma escola do município de Cuiabá-MT. A professora, em uma das entrevistas e em uma ficha de acompanhamento, indicou, dos dezesseis alunos da turma, quatro como bem-sucedidos e quatro como malsucedidos na reso lução de problemas matemáticos. A observação das aulas fez-nos levantar como hipótese, juntamente com a professora da sala de aula, que o fracasso escolar dos alunos em resolução de problemas, dentre outros fatores, poderia estar associado ao tipo de problema e aos encaminhamentos de resolução propostos até aquele momento. Para investigar qual seria a produção dos alunos tidos como malsucedidos na resolução de problemas, tive a oportunidade de, em colaboração com a professora, acompanhar um trabalho referente à resolução de problemas cuja proposta era oportunizar aos alunos resolverem problemas da maneira que desejassem. Os dados que apresento são do acompanhamento de um aluno considerado malsucedido no desenvolvimento de um problema matemático em sala de aula. A aula proposta pela professora foi registrada em vídeo e o diálogo estabelecido com o aluno no momento da resolução do pro blema foi gravado em áudio. Os registros do aluno no processo de resolução do problema matemático também compõem o material de análise. Após a transcrição e a organização dos dados, procedeu-se à análise interpretativa. Beto, um aluno indicado como “malsucedido” na resolução de problemas matemáticos No grupo de alunos selecionados pela professora, Beto foi indicado como um aluno “malsucedido” na resolução de problemas. As produções realizadas em sala, as avaliações e os registros da professora indicavam que Beto raramente solucionava os problemas propostos. Segundo a professora, Beto apresenta, em Matemática, “desempenho abaixo da média”. No dizer dela, “ele raramente resolve os problemas propostos em sala de aula e, quando o faz, as respostas, geralmente, estão incorretas”. O percurso de Beto Logo que os alunos iniciam a atividade, sen to-me ao lado de Beto, com quem estabeleço um diálogo enquanto resolve o problema. O problema matemático proposto à turma A fim de criar um clima propício para a rea lização da atividade, a professora selecionou Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 169 Palma RCD Figura 1 – Problema matemático proposto à turma. Beto: Ah! É o Peninha. Lê novamente o problema, agora em voz alta. Pesquisadora: O que você descobriu na leitura? Que problema você tem para resolver? Beto: Posso anotar na folha, posso escrever? Em seguida, ele começa a fazer algumas ano tações em uma folha de sulfite. Nas conversas com Beto, percebo que ele não se sente capaz de resolver o problema e pensa em desistir, antes mesmo de começar a lê-lo. Talvez os constantes fracassos em atividades de resolução de problemas expliquem essa atitude do aluno. O trecho de sua fala, “Não sei se eu tenho o meu jeito”, revela, possivelmente, que resolver problema, até aquele momento, tinha-se caracterizado pelo emprego de procedimentos convencionais ensinados pela escola. Subentende-se que o uso de tais procedimentos destitui o aluno daquilo que é fundamental para resolver um problema: pensar por si próprio. A escola, ao negar a diversidade de representações, ensina às crianças que existe uma única maneira de re presentar e resolver as operações6. As primeiras manifestações Aproximo-me de Beto, que imediatamente diz: Beto: Não sei fazer. Pesquisadora: O que você não sabe fazer? Beto: Isto. O problema. Pesquisadora: Você já leu, já pensou como pode resolvê-lo? Você ouviu as orientações da professora? Você vai poder resolver o problema do seu jeito. Beto: Do meu jeito? Não entendi. Ele fica por algum tempo pensativo e depois diz: Beto: Não sei se eu tenho o meu jeito. Pesquisadora: Vamos tentar para ver o que acontece? Beto: É do jeito que eu quiser, então, né? Beto pega a folha com o problema, debruça-se sobre o texto com certo desânimo e diz: Beto: Vou ler. Observa o desenho que acompanha o problema e faz o seguinte comentário: Beto: Este é o Pato Donald. Mas este aqui eu não sei quem é. Realiza a leitura em voz baixa. Diz: Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 170 Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos Continua o seu registro: 3º)Agosto, setembro, outubro. Ele toma banho nesses meses. Lê novamente o problema: Beto: Toma banho de quinze em quinze dias em três meses. Como ele fica durante algum tempo olhando para a folha com o problema, eu pergunto: Pesquisadora: O que você está pensando? Beto: Tô pensando. Depois de realizar o agrupamento com as con chas e descobrir a quantidade de banhos, Beto também escreve, como apresentarei no próximo item. No primeiro e no segundo textos de Beto, o registro escrito descreve os dados do problema, como o número de sabonetes, esponjas e banhos. Já o terceiro registro indica o movimento usado para tentar atribuir significado ao problema, denominando os meses do ano a partir do mês em que estávamos, ou seja, o mês de agosto. O quarto registro só é realizado depois de sua ação com o material manipulável (Figura 3), em que ele resolve uma parte do problema: o número de banhos que o elefante toma nos três meses. Beto não faz uso da escrita para registrar as outras etapas de resolução do problema, como o número de sabonetes utilizados pelo elefante, por exemplo. Na tentativa de compreender o problema, Be to lê várias vezes o texto e, apesar de não ser um procedimento utilizado nas aulas de matemática, toma a iniciativa de fazer os seus primeiros registros mediados pela escrita. A escrita O texto inicialmente escrito por Beto encontra-se na Figura 2. 1º)Eu tenho um Elefante ele é meu amigo Eu quero saber se vocês descobrem quantos sabonetes Ele gasta quando toma banho. Lê o problema e continua o registro: 2º)Ele usa 12 sabonetes e gasta vinte esponjas Eu quero saber de você quantos sabonetes Ele gasta em 3 meses Ele toma banho de quinze em quinze dias Lê o texto do problema repetidamente e depois pergunta: Beto: Em que mês nós estamos mesmo? Pesquisadora: Agosto. Beto: Vou escolher os meses. Agosto, setembro, outubro. Figura 2 – O início da resolução do problema mediada pela escrita do aluno. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 171 Palma RCD Figura 3 – Agrupamento realizado pelo aluno com o material manipulável. Ao observar atentamente os registros de Beto, é possível verificar que ele utiliza a escrita com três objetivos diferentes: descrever os dados do problema, organizar os dados e registrar parcialmente a solução. Depreende-se desse processo que a escrita parcial da solução foi posterior à utilização do material manipulável (conchas), como descrito a seguir. Inicialmente, Beto começa a fazer a contagem das conchas aleatoriamente, “Uma, duas... vinte. Não, passou”. Todavia, logo depois, recomeça a contagem das conchas fazendo seis agrupamentos com quinze conchas cada um, representando os banhos de quinze em quinze dias. Posteriormente, denomina os meses correspondentes a cada dois agrupamentos de quinze. O fato de Beto ter sido bem-sucedido nessa etapa pode ter influenciado na sua decisão de utilizar a mesma estratégia para resolver a situação sobre o número de sabonetes utilizados em seis banhos. A utilização de material manipulável Descobrindo o número de banhos em três meses Depois de ficar por alguns minutos pensando, pergunta se pode usar o material que está disposto na mesa. Beto mostra-se indeciso na escolha do material manipulável a utilizar. Ao aproximar-se da mesa em que o material está disposto, observa e pega em cada um dos materiais (palitos, pedrinhas, tampinhas, conchas), antes de decidir-se pelas conchas. Pega o saco de conchas e começa a contá-las uma a uma. Beto: Uma, duas... vinte. Não, passou. Recomeça a contagem: Beto: Uma, duas... quinze. Passa estes dias (segura o 1º agrupamento de quinze), um banho. Conta mais um agrupamento de quinze conchas e diz: Beto: Mais estes quinze dias, outro banho. Quinze mais quinze são trinta. Este foi o mês de agosto. Mais quinze dias, mais quinze dias, dois banhos, mês de setembro. Mais quinze dias, mais quinze, dois banhos, mês de outubro. Em agosto dois banhos, em setembro dois banhos, em outubro dois banhos. Seis banhos. Registra na folha: 4º)O Elefante toma banho 2 vezes ao mês. Ao todo são seis banhos nos meses Descobrindo a quantidade de sabonetes usada em três meses Pesquisadora: Você terminou de resolver o problema? Beto: Acho que não. Pesquisadora: O que você precisa descobrir ainda? Lê novamente o problema e diz: Beto: Quantos sabonetes ele gasta em três meses. Cada vez que ele toma banho ele gasta 12 sabonetes. Depois de alguns momentos calado, ele per gunta: Beto: Eu posso usar as conchas de novo? Antes de obter a resposta, ele pega as conchas e apresenta seis grupos de doze conchas. Beto: Posso contar tudo. Um, dois, três... vinte... trinta e seis.... setenta e dois. Conta de um em um até setenta e dois. Pesquisadora: O que você descobriu? Beto: Ele toma banho duas vezes e gasta doze sabonetes. Em cada banho, doze. Agosto doze, setembro doze, outubro doze. Deu setenta e dois sabonetes. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 172 Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos Mostra com as mãos dois grupos de doze, re ferindo-se ao mês. Olha para a mesa com as conchas dispostas e, com confiança e satisfação, diz: Beto: Puxa! Resolvi o problema! Desse modo, Beto representa com o material manipulável as suas ações para resolver o problema. Primeiro, em relação ao número de banhos, faz dois agrupamentos de quinze e registra o número de banhos e os meses até completar os três meses; depois faz seis agrupamentos de doze. Apesar de ter feito agrupamentos anteriores, Beto opta por contar de um em um para chegar ao total de sabonetes utilizados nos banhos. Concordo com Kalmykova7 que a utilização de material manipulativo por um longo tempo pode causar “uma influência negativa sobre a generalização e não se estimulará a formação de formas superiores de análise e síntese”. Mas, no caso de Beto, a utilização do material manipulável foi importante na resolução do problema, pois a mobilidade permitida pelo material deu-lhe o suporte necessário para desenvolver a sua estratégia e representá-la. Ao constatar que resolveu o problema, Beto revela sua alegria através da sua expressão corporal e facial: senta-se mais ereto e esboça um sorriso. Diante dessa reação de Beto, apresento-lhe um novo desafio: como explicaria a um colega a resolução do problema. Ele manifesta o desejo de fazê-lo por meio de um desenho. O desenho Pesquisadora: Beto, se você tivesse que explicar o que você fez para resolver o problema para um colega aqui da sala, como faria? Beto: Eu posso mostrar o que eu escrevi e... Não conclui a frase e fica por momentos pen sando. Beto: Eu posso desenhar? Eu vou desenhar. Pesquisadora: Pode. Diante da resposta positiva, começa a desenhar, dizendo ao mesmo tempo, em voz sussurrada: Beto: Vou desenhar primeiro o elefante, com orelhas compridas porque o Dumbo voa, as esponjas, o balde com água e o tratador de animais. Desenha o elefante, retoma a leitura do problema. Beto: Ele toma banho de quinze em quinze dias. Depois de algum tempo, apresenta o registro apresentado na Figura 4. Figura 4 – Desenho produzido por Beto para explicar a resolução do problema. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 173 Palma RCD Peço que explique o que fez. Beto: Primeiro eu desenhei o elefante, a esponja, os sabonetes e o tratador. Aí, como está falando de mês, eu registrei o número de vezes de banho e depois escrevi 2, 2, 2. Dois quinze no mês de agosto, dois quinze no mês de setembro e mais dois quinze no mês de outubro. Aponta para o desenho. Beto: Depois eu escrevi dois banhos, dois banhos, dois banhos. Cada banho gasta doze sabonetes, coloquei mês de agosto e fiz a mesma coisa com setembro e outubro. Aí foi só contar os sabonetes. O desenho auxilia Beto a registrar e comunicar a sua estratégia de resolução do problema. É interessante verificar que, ao utilizar o desenho para representar aspectos da situação apresentada no texto, acrescenta outros elementos. Poderia dizer que, sem alterar os dados quantitativos, ele cria um novo contexto para o problema e manifesta isso por meio da oralidade e do desenho. O elefante Jambo passa a chamar-se Dumbo, devido ao fato de este ter orelhas compridas. Beto ainda acrescenta ao contexto os elementos: balde com água e tratador. Provavelmente isso revele a necessidade que o aluno tem de atribuir significado ao texto do problema, fazendo, neste caso, referência a suas experiências anteriores, uma vez que a sua turma havia concluído recentemente um projeto de literatura que tratava justamente das personagens de Walt Disney. Em síntese, o registro produzido por Beto permite-nos dizer que ele utilizou um desenho esquemático para representar duas situações: o contexto do problema e o processo de resolução, em que é possível perceber as transformações numéricas. Ao registrar como pensou e explicitar as ações anteriormente realizadas, ele consegue, a partir do desenho, expressar suas ideias e co municar-se. Continuo a instigar Beto a pensar na possi bilidade de outros registros. Mostro a ele as suas produções: a escrita, os agrupamentos com as conchas e o desenho. Com o desenho em mãos, indago se ele poderia registrar aquelas informações de outra maneira. Depois de ficar por alguns minutos em silêncio, Beto pergunta: com os números? O uso do algoritmo Pesquisadora: Como você pode registrar o que fez? Beto: Com os números? Pega a folha e, abaixo do desenho, faz o seguinte registro apresentado na Figura 5. Beto: Doze, doze. Dois, dois, dois... seis. Um, um, um... três. Trinta e seis. Doze mais doze mais doze, trinta e seis. Agora vou somar estes dois (referindo-se a trinta e seis, mais trinta e seis): setenta e dois. O elefante precisa de 72 sabonetes. Pesquisadora: Há outra maneira de registrar o cálculo? Beto: Que eu saiba, não. Pesquisadora: O que você achou de resolver o problema assim? Beto: Do meu jeito? Eu fiz mais fácil e mais rápido. Eu entendi o que eu fiz. Eu consegui resolver. Como nos mostra a Figura 5, Beto não utiliza um algoritmo convencional para a resolução do problema. Apresenta o registro dos seis agrupamentos de doze em duas fileiras com três parce- Figura 5 – O registro do algoritmo realizado por Beto. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 174 Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos proposto podem influenciar no sucesso ou no fracasso do aluno, ao resolver a situação problema. No entanto, ao analisar as estratégias e a linguagem matemática utilizadas por Beto, constato que elas deveriam ser mais elaboradas, considerando que ele é um aluno de onze anos que frequenta o 5º ano do Ensino Fundamental. Embora a experiência com Beto não tenha al terado substancialmente o trabalho com resolução de problemas (somente foi proposto aos alunos que resolvessem o problema da maneira que desejassem), apresentou um novo quadro em relação ao desempenho desse aluno, apontando que é possível e necessária uma mudança no encaminhamento dessa atividade no contexto escolar. Concordo com Davidov3 que “a escola deve ensinar os alunos a pensar, isto é, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo, para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento”. Nesse sentido, o ensino deve basear-se na passagem do pensamento empírico para o desenvolvimento do pensamento teórico, cuja essência consiste em compreender a realidade a partir da análise das condições de sua origem e desenvolvimento, por meio da aquisição de mé todos e estratégias cognitivas. O pensamento teórico possibilita a sua aplicação em vários âmbitos da aprendizagem, dado ser de caráter generalizador e de abstração. Para o desenvolvimento do pensamento teórico, a aprendizagem deve ter um enfoque problematizador que possibilite aos alunos apropriar-se de forma autônoma dos conhecimentos teóricos3. Assim, para além do tipo de problema proposto pela professora neste estudo, é fundamental que os alunos se percebam em situações problematizadoras que desencadeiem a necessidade e ou o desejo de resolvê-las. Para isso, precisam dispor de uma atividade cognitiva e metacognitiva in tensa no processo de planejamento, execução e avaliação de suas ações, assumindo, assim, um papel ativo no processo de elaboração do conhecimento matemático1. Além dos processos cognitivos e metacogni tivos envolvidos nos processo de resolução de las, realiza a soma das fileiras separadamente (12+12+12 e 12+12+12) e, posteriormente, soma o resultado das duas fileiras (36+36), chegando ao resultado final (72). Ao explicar oralmente o seu registro, Beto não deixa dúvidas quanto a sua compreensão em relação ao procedimento adotado. Zunino6 afirma que “encontrar uma estratégia adequada para resolver um problema é algo muito diferente de poder representá-lo através de uma conta convencional”. Nesse sentido, é fundamental oportunizar o uso de estratégias pessoais, a fim de inserir o aluno num processo de ensino em que paulatinamente possa apro priar-se da linguagem matemática e das representações convencionais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para iniciar minhas considerações, quero retomar as palavras de Beto, transcritas na epígrafe deste texto “Problemas, eu não gosto não! Porque você tem que descobrir a coisa certa, e eu nem sempre consigo descobrir”. A fala de Beto traduz as práticas escolares de resolução de problemas matemáticos até então vivenciadas por ele. Ao acompanhá-lo na resolução do problema citada neste texto, fica evidente que a proposição de situações que se caracterizam como mero exercício não possibilita ao aluno aprender Matemática ou usar ideias matemáticas já anteriormente aprendidas. Nesse contexto, geralmente o aluno não atribui significado aos conceitos matemáticos e, por não compreendê-los, acaba por estabelecer um vínculo negativo com a Matemática, como bem retrata Beto. É possível inferir que, na resolução do problema, Beto, ao ser incentivado, foi capaz de resolver o problema matemático apresentado, utilizando as suas estratégias e diferentes registros (escrita, material manipulável, desenho, algoritmo não convencional) que se articularam entre si. Ele conseguiu, mediante suas estratégias e seus registros, não só resolver o problema, mas representar e comunicar as suas ações e os resultados, o que confirma a nossa hipótese inicial de que o problema e o encaminhamento Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 175 Palma RCD senvolvimento o aluno aja com liberdade e seja incentivado a utilizar os seus próprios registros. Como diz Moreno9, “comunicar uma resolução permite tornar explícito o que era implícito e torna possível o reconhecimento desse conhecimento por parte do sujeito”. Os diferentes registros oportunizam a reconstrução da ação realizada; o desenvolvimento da autonomia, da criatividade; e a apropriação da linguagem matemática. problemas, os aspectos subjetivos fazem-se presentes. A esse respeito, concordo com Marco8, que destaca que o aspecto subjetivo do sujeito deve ser considerado no contexto da Resolução de Problemas, pois, como argumenta essa autora, “o cognitivo não está desconectado das sensações, pelo contrário, tem nelas suas bases de formação”. No contexto escolar, a resolução de problemas deve ser um processo criativo em cujo de- SUMMARY Analysis of the production of a student considered unsuccessful in solving mathematical problems Introduction: The aim of this research tends to investigate how unsuc cessful mathematical learners solve math problems when it is given them an opportunity to use their own strategies. Methods: The research characterizes as a qualitative study case, taking into account an interpretative analysis. The study was developed with a group of primary learners in the fifth year in a public school in Cuiabá, Mato Grosso, Brazil. Data were collected through some interviews made of a mathematical teacher, attended his or her classes and filming the learners doing the mathematical activities and the way the teacher helped the unsuccessful learners in solving them. This text is presented the analysis of the data of one unsuccessful learner with difficulties in solving the problems given. Results: The results show us that when it is given the learner a possibility in using their own personal strategies, this learner will be able to solve the mathematical activity through different ways as followed: (the written skill, the impressed and manipulated material, the drawing strategies, and the use of the algorithm not conventional) in which this can be articulated itself. Conclusion: The conclusion is, therefore, there is a necessity to be considered related to the type of a mathematical problem is given to be done and the way teacher can lead to those learners who present some difficulties in and how the teacher will help the learners to achieve their goals and get successful. Thinking of a contextual school, the possibility of using different strategies in the process of solving mathematical activities will give the learners opportunities in reconstructing the action made; thus, it is very important to develop and create a good environment of mathematical teaching and learning in which learners can get their autonomy and draw on the mathematical language. KEY WORDS: Underachievement. Problem solving. Mathematics. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 176 Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos REFERÊNCIAS 1. Palma RCD. A resolução de problemas matemáticos nas concepções dos professores das séries iniciais do ensino fundamental: dois estudos de caso [Dissertação de Mestrado]. Cuiabá: Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso; 1999. 2. Davidov V. Tipos de generalización en la en señanza. Moscou: Editorial Pedagógica; 1982. p.154. 3. Davidov V. La enseñanza escolar y el desar rollo psiquico. Investigación psicológica teó rica y experimental. Moscou: Editorial Progreso (Biblioteca de Psicologia Soviética); 1988. p.3. 4. Libâneo JC. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a Teoria Histórico-cultural da Atividade e a contribuição de Vasili Davydov. Rev Bras Educ. 2004; 27:5-24. 5. Gwinner P. “Probremas”: enigmas matemáticos. São Paulo: Vozes; 1990. 6. Zunino DL. A matemática na escola: aqui e agora. Trad. Llorens JA. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995. p.53. 7.Kalmykova ZI. Pressupostos psicológicos para uma melhor aprendizagem da resolução de problemas aritméticos. In: Luria AR, Leon tiev A, Vygotsky LS, eds. Psicologia e Pedagogia: investigações experimentais sobre problemas didáticos específicos. 2ª ed. Trad. Simões MFM. Lisboa:Editorial Estampa; 1991. p.14. 8. Marco FF. Estudo dos processos de resolução de problema mediante a construção de jogos computacionais de matemática no ensino fundame ntal [Dissertação de Mestrado]. Campinas: Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas; 2004. p.11. 9. Moreno BR. O ensino do número e do sistema de numeração na educação infantil e na 1ª série. In: Panizza M, ed. Ensinar matemática na educação infantil e nas séries iniciais. Análise e proposta. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.52. Trabalho realizado na Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Cuiabá, MT, Brasil. Artigo recebido: 20/5/2011 Aprovado: 16/7/2011 Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 167-77 177 Noff NA & EESPECIAL spósito VHC ARTIGO Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação Neide de Aquino Noffs; Vitória Helena Cunha Espósito RESUMO – Este estudo apóia-se na hermenêutica filosófica de Gadamer e busca explicitar as concepções que embasam a formação profissional docente, e conclui que transformações no quadro político maior influenciam a percepção da importância estratégica da educação pela sociedade e a produção significativa de ações que contemplem o conflito como elemento gerador de transformação e a autonomia do pensar e do agir e a uma política de estado comprometida coma formação humanizadora dos profissionais da educação. UNITERMOS: Políticas públicas. Formação docente. Ação educativa. Docentes. Neide de Aquino Noffs – Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, Psicopedagoga Clínica e Institucional, coordenadora do curso Psicopedagogia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Atualmente é Diretora e docente e da Faculdade de Educação da PUC-SP, presidente vitalícia da ABPp, assessora institucional na rede municipal de ensino e coordenadora geral da comissão de regulamentação e formação do Psicopedagogo no Brasil junto à ABPp. Vitória Helena Cunha Espósito – Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e líder do grupo de pesquisa Educação e Produ ção do Conhecimento (CNPq/PUCSP), coordenadora da Cátedra Interinstitucional Joel Martins (PUCSP – FASM – UNIFESP – UFSCar) e fundadora da Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativos. Correspondência Neide de Aquino Noffs Rua Diana, 715 – São Paulo, SP, Brasil – CEP 05019-000 E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84 178 Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação e o de cultura a ela historicamente atribuídos, pois, no processo de formação, tudo é preservado, nada desaparece. Não se trata de adquirir simplesmente algo qualitativamente novo, ou aprender sobre isto ou aquilo, mas de buscar uma atualização de capacidades humanas e saber-se vivenciando ou dirigindo-se a algo, um movimento que se projeta no espaço e no tempo em contínuo devir. Formação que, ao se situar no espaço e no tempo como uma ação de caráter educativo teó rico/prático, confronta-se diuturna e cotidianamente com o exercício de um pensar fundado na lógica do improvável. Portanto, solicita escolhas e a constante tomada de decisões em contextos de incerteza. Esta palavra, ao ser adjetivada como sendo “de professores”, descreve uma ação intencional, diz de valores e de situações. Diz de finalidades conforme se destine à preparação de profissionais, no caso daqueles que se dedicarão ao exercício da docência3. Consideramos que, tanto no que se refere ao momento de iniciação à docência ou àquela que continuadamente se faz ao longo da vida, esta docência há que ser considerada no âmbito do que designamos como “formação profissional de educadores”. Vista como ação educativa, será um meio, o processo para atingirmos tal fim. INTRODUÇÃO Este trabalho desenvolve-se no âmbito da Cá tedra Interinstitucional Joel Martins (PUC-SP/ FASM/UNIFESP/UFSCar), com sede na Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Considera caber aos educadores a tarefa de clarear a ambiguidade que reveste a linguagem, bem como a de apontar a lógica falha que muitas vezes está nas raízes dos vários problemas educacionais1. Para tanto, busca, com o apoio da hermenêutica filosófica2, interpretar algumas acepções que revestem o termo formação e o uso que dele se faz enquanto formação inicial e continuada em algumas políticas de educação, procurando apreender os princípios e finalidades que as orientam diante das transformações no quadro político maior, identificando assim algumas contradições e ló gicas perversas na formação de educadores tal como a vemos, centrada nas Ciências Humanas. Faz parte de pesquisa interinstitucional mais ampliada em desenvolvimento: Formação e De senvolvimento Humano. Por uma Educação e Cultura de Paz. A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS HUMANAS Consideramos aqui a palavra alemã Bildung como um dos conceitos fundamentais para as ciências do espírito ou humanidades, termo este amplamente utilizado desde o século XV e que mais recentemente foi traduzido e divulgado na língua portuguesa como formação2. Na esteira de nossa análise trazemos a palavra formação como uma forma+ação. Visto desta forma, o termo passa a referir-se a algo próprio à constituição humana, sendo que formação é então um processo que não é só externo, como no caso das formações geológicas, nem somente um processo interno, como uma aptidão ou apenas algo culturalmente constituído. É algo externo – uma configuração –, mas também interno ao ser humano, que permanece em evolução e aperfeiçoamento contínuos. Assim, formação supera os sentidos de mero cultivo de aptidões A UNESCO E AS DIRETRIZES PARA AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO: AVALIAÇÃO Na Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, realizado em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990, a UNESCO anunciou importantes compromissos para os signatários deste documento. O Brasil, como um destes signatários, passou a fundamentar a maioria das diretrizes para as políticas de educação nacionais em um documento conhecido como Relatório Jacques Delors. Este documento, elaborado a partir de trabalhos realizados de 1993 a 1996 pela Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), contou com a colaboração Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84 179 Noff NA & Espósito VHC de educadores do mundo inteiro e foi publicado no Brasil sob o título de Educação – um tesouro a descobrir4. Considera o documento que: “Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta4”. Outro fator está na organização dos sistemas escolares, pois existem muitos problemas de gestão do sistema de educação e de falta de valorização do professor. Poucos países asseguram ao professor uma carreira decente, além dos diversos problemas que surgem em sala de aula, e a escola, de modo geral, não está suficientemente preparada para enfrentar todas as dificuldades de aprendizado do aluno. Se este não está aprendendo, devemos pesquisar, descobrir o que está acontecendo. Quais são as suas dificuldades? A questão não é reprovar. Se o Brasil tem uma média de reprovação de 19%, cada aluno reprovado é um problema que se acumula. E isso amplia o desafio educacional. Cunha6 considera ser necessário haver uma política de educação de Estado, que possa, gradativamente, dar conta da grande tarefa da educação. Precisamos de escolas onde o aluno possa, de fato, ter condições de estudar e aprender, para assim se inserir num movimento mundial de educação continuada ao longo da vida. Refere, ainda, que o desafio brasileiro é maior que o da Argentina, do Chile e do Uruguai, porque o país historicamente se omitiu no quesito educação popular; lembra que, já nos anos 20, o educador brasileiro Almeida Júnior denunciava o esquecimento da educação primária. Os municípios brasileiros reivindicavam delegacias, fontes luminosas, mas não falavam sobre educação, escolas. Hoje, esse problema social perdura, pois a educação não é considerada uma das prioridades da população. A sociedade brasileira ainda não tem a percepção clara da importância estratégica da educação na vida das pessoas como o instrumento mais seguro para superar a pobreza. Mas se essa percepção não existe na sociedade, ela não estará entre os políticos, pois eles se reportam à população. Autores como Silva e Bertolo (2005) também remetem à lógica do capital que permeia toda a educação nacional, e revelam o descaso das elites brasileiras com a educação do povo, só vindo a investir na mesma quando fustigadas por determinações de organismos internacionais. Esta lógica vê o trabalho docente como um insumo O “Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos”5, que avalia o trabalho da instituição, nos traz que, apesar do progresso já realizado, os compromissos assumidos para 2015 não serão atingidos. Comentando esses resultados, Cunha6 aponta que são vários os fatores que têm dificultado esse desenvolvimento da educação mundial, sendo que considera como o mais importante o fato de que poucos países tomaram efetivamente a decisão de colocar a educação como prioridade de Estado. Ou seja, há um discurso mundial de educação para todos, de ênfase na qualidade da educação, mas entre o discurso e a concretização dessa proposta existe uma grande distância, sendo que os investimentos que se esperavam para a educação ainda estão muito aquém do ideal. O autor observa que a UNESCO recomenda que os países da América Latina invistam no mínimo 6% do produto interno bruto (PIB), mas que poucos países no mundo atingem esse percentual. Na América Latina, o Brasil, por exemplo, apesar do discurso bem feito do ex-presidente Lula, investe apenas 4% do PIB em educação. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84 180 Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação na economia é um elemento que inibe o setor privado e freia o desenvolvimento econômico, e a educação é por eles considerada elemento decisivo para a formação do capital humano, para aumentar a produtividade, promover a coalizão social e a redução da pobreza. Seus defensores apostam num mundo inte grado e sem fronteiras, em que as novas tec nologias e métodos gerenciais garantam o aumento geral da produtividade, o bem-estar dos indivíduos e a redução das desigualdades entre as nações, de forma a reforçar a hegemonia dos países centrais sobre os periféricos. Redimensionando o conhecimento e as informações, estes são assim submetidos aos princípios de mercado. O texto As políticas educacionais para o século XXI: de Color a Lula8 nos traz que, no Brasil e na maioria dos países ocidentais, as diretrizes das políticas educacionais, elaboradas sob a égide do neoliberalismo e do discurso de globalização da sociedade capitalista, foram e ainda são ditadas por organismos multilaterais e amplamente implementadas desde que o Banco Mundial assumiu a postura de coordenação da educação mundial e a administração de vultosas verbas, que são investidas em seus projetos específicos, geridos com o apoio técnico e logístico próprios a esta lógica, em especial, aqueles voltados para a educação básica. As políticas do Banco Mundial para a educação são pensadas do ponto de vista da produção, uma articulação entre trabalho e educação, de forma que o investimento humano em educação básica – principal foco dessas políticas – possa aumentar a produtividade e, consequentemente, a força de trabalho estará relacionada a uma educação que transmitirá as competências e habilidades necessárias à melhoria da capacidade de trabalho. Com relação à escola, esta tem sido vista como panaceia para todos os males da sociedade, e, de forma coerente à proposta neoliberal, traz o sentido de adequar e preparar o “cidadão-trabalhador” e “capacitá-lo a viver numa sociedade democrática”. Considerando-se que a formação docente proposta na perspectiva das Ciências Humanas educacional e não na dimensão educativa da for mação. Mais: “Professores, nesta perspectiva, se equiparam às bibliotecas, ao material pedagógico, aos computadores, ao vídeo e à televisão” (Souza apud Silva7). O “CONSENSO DE WASHINGTON” E O CONCEITO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES: IMPASSES A história contemporânea do século XX foi marcada pela “Guerra Fria”, quando dois grandes blocos políticos, econômicos e ideológicos antagônicos se digladiaram pela “hegemonia” mundial. De um lado, o “bloco Ocidental”, capi taneado pelos Estados Unidos e Europa Ocidental, defendia os preceitos do liberalismo político e econômico como o único modo de vida. De outro, o “bloco Oriental”, liderado pela União Soviética, defendia a ideologia do socialismo de Estado. Ambos os lados possuíam um grande número de armas de destruição em massa, como ogivas nucleares. Por algumas vezes, como na “Crise dos Mísseis”, em Cuba, em 1962, o mundo esteve muito próximo da Terceira Grande Guerra mundial. É por isso que o final da Guerra Fria, cujos marcos principais foram a queda do Muro de Berlim (1989) e a dissolução da União Soviética (1991), marcou um novo momento político internacional. Os Estados Unidos, tidos como os grandes vencedores do conflito, buscaram exportar os valores do liberalismo político e econômico norte-americano. Utilizaram, para tal finalidade, algumas instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, para incentivar determinados modelos de políticas públicas centrados no “Mercado”, também conhecidas como “neoliberais” ou do “Consenso de Washington”. Estas têm sua origem em 1989, no chamado Consenso de Washington, quando numa conferência do Institute for International Economics (IIE), em Washington, foram listadas as políticas que o governo dos Estados Unidos preconizava para o enfrentamento da crise econômica dos países da América Latina. No entendimento dos mentores dessas políticas, a presença estatal Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84 181 Noff NA & Espósito VHC associações científicas e profissionais têm se envolvido, especialmente no que tange às políticas públicas, e, dentre estas, destacamos, em São Paulo, o Sindicato de Supervisores do Magistério (APASE), que realizou em 2010 o XXIV Encontro Estadual: A Educação e Economia: exigências da Sociedade Democrática, em que essa temática foi amplamente debatida. Da mesma forma outras entidades, como a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd), as Conferências Brasileiras de Educação (CBEs), pelo Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública, o Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) e outros têm-se manifestado em defesa da educação pública, gratuita, laica, unitária e universal, concepção de educação antagônica à concepção mercantil fragmentária e pragmática das condições de empregabilidade10. É ainda Frigoto10 que considera que, mesmo no governo Lula, houve mudanças nas políticas redistributivas em programas, projetos e ações que envolvem milhões de brasileiros, antes excluídos; no entanto, estas ocorreram sem trazer alterações nas estruturas produtoras de desigualdades. Voltando à discussão posta por Trindade9 e comparando os contextos sociais, culturais e econômicos do século XIX com os atuais, corroboramos com o autor que não podemos deixar de considerar, no mínimo, anacrônico o fato de a escola se manter, enquanto instituição, quase inalterada, especialmente privilegiando um modelo político centralizador em um país de dimensões e diversidade cultural continentais. Acerca das suas finalidades, dos seus conteúdos às políticas e dos modos de realizar tanto a formação inicial quanto a continuada, uma questão crucial há que ser respondida: formar professores para quê? Questão esta que, segundo Trindade9, continua a fazer todo o sentido, em qualquer das modalidades referidas. Ele ressalta ainda que a questão se desdobra em: formar professores para que escola? Pois será a resposta encontrada que irá condicionar o desenho da formação e limitar as escolhas do currículo e das metodologias a serem utilizadas na sua concretização. apresenta princípios que focam o desenvolvimento humano ao longo da vida e, na sua integralidade, uma formação voltada para alógica do capital, esta se acha, portanto, em franca rota de colisão com a perspectiva de formação posta neste trabalho. A GESTÃO EDUCACIONAL E OS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO Entre as concepções que embasam a formação de profissionais da educação e as proposições políticas que regem a sua aplicação, sejam estas presentes nos discursos estruturantes ou de princípios que informam e “enformam” os diplomas legais que validam institucionalmente a profissão docente, esta é um problema que se estende para além das nossas fronteiras. Com Trindade9, vemos que em Portugal hoje já não se levanta controvérsia quanto à amplitude do termo. Desta maneira, a formação inicial à docência passa a constituir-se como um primeiro momento de um processo que ocorre ao longo da vida, pensamento este que legitima a gestão da formação de professores no que condiz às exigências e às políticas de formação de professores por nós trabalhadas neste texto. Este autor refere, com relação à formação continuada, que: “Quem a vai frequentar, já está no terreno; isto é, na escola, ou já exerce a profissão. Por isso, a formação contínua deve oferecer oportunidades para a atualização e aprofundamento dos conhecimentos científicos, técnicos e tecnológicos ligados ao exercício da profissão, bem como a inspiração humanista que os informa. Consoante a sua índole, esta formação pode ser fornecida por associações científicas, profissionais (por exemplo, sindicatos e/ou associações de professores), centros de formação e instituições de ensino superior que possuam estruturas para o efeito9”. No Brasil, no que se refere à formação dos profissionais da educação, as entidades de classe, Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84 182 Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação Concordamos com o autor que o fato de a escola atual manter, na sua essência, a mesma estrutura organizacional e de funcionamento de há quase dois séculos, isto é, basicamente a mesma organização de espaços e de tempos e estruturas curriculares semelhantes e, principalmente, a mesma forma com que embasa seu trabalho, esta termina por estabelecer um delimitador ao trabalho do profissional docente, pois “um óculo perceptual é forjado culturalmente, desde o século XVII, e de maneira imperceptível modela e recorta o modo de ver e situar-se no mundo nos seus diferentes tempos e espaços”11. Este é um fator crucial que inviabiliza as (trans)forma-ações que contemporaneamente se fazem necessárias ao trabalho de educação e formação docente, devido à bidimensionalidade que continua a impor-se à nossa vida de forma (in)visível pela lógica que dá suporte aos métodos de ensino prevalentes desde a modernidade – de natureza indutiva e lógico-dedutiva. Estes, calcados numa pedagogia realista, acham-se introjetados, engessando, (in)formando e (con) formando o pensar e o fazer da escola. e autonomia do pensar e do agir. Mais, nesta empreitada promovem-se ações gestoras que terminam por dicotomizar a ação docente sob a alegação de que a alguns cumpre a execução e a outros o planejamento e a decisão. Assim orquestrado, o fazer que se diz “educativo” traz como resultado a dependência crescente e a desconexão entre aqueles que pensam e aqueles que executam a ação docente, e se propaga nas diversas instâncias gestoras que, diferentemente da visão de projetos dirigidos à autonomia dos formadores, se acha respaldada na dependência e expropriação da autoria de seu ser e fazer. Desta maneira, um elemento contraditório se instala entre o que se diz por formação docente e profissional, por nós enfocada neste trabalho, e a ação das instâncias responsáveis pela gestão das políticas públicas que as orientam. Estas, em face das alterações que ocorrem em âmbito do quadro político mais amplo, de forma contradi tória sutil (ou não), terminam por nortear as ações educativas, inviabilizando que processos pedagógicos diversificados aconteçam. Há ainda a questão do financiamento das políticas de educação, que, pautando-se numa lógica perversa, não promovem ações que levem a sociedade brasileira a apreender a importância estratégica da educação como o instrumento mais seguro para superar a pobreza. Como nos traz Cunha6,“se essa percepção não existe na sociedade, ela não estará entre os políticos, pois eles se reportam à população”. Consideramos ainda que necessário se faz instaurar uma política de Estado verdadeiramente comprometida com a formação humanizadora dos profissionais da educação que, gradativamente, venha a dar conta da grande tarefa da educação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho, consideramos que o caráter transformador é o que caracteriza a ação educativa como projeto, no sentido de algo que se lança à frente e que pode ser concretizado pela ação engajada de uma ou várias pessoas. Difere substancialmente dos chamados projetos pautados numa perspectiva que contempla a lógica neoliberal, cujos princípios de gestão trazem inseridos, sutilmente, uma dimensão de dominação que propaga a ideia de convivência harmônica em detrimento da consideração efetiva do conflito como elemento gerador de transformações Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84 183 Noff NA & Espósito VHC SUMMARY Training of professional education: the proposition to action This study is based on Gadamer’s philosophical hermeneutics and seeks to clarify the concepts that underlie the formation of the teaching profession, and concludes that changes in the political influence the perception of greater strategic importance of education in society and the production of significant actions that address the conflict as generating element of transformation and autonomy of thought and action and a state policy committed eat humanizing training of education professionals. KEY WORDS: Public policies. Teacher training. Educational activities. Faculty. REFERÊNCIAS 1. Martins J. Um enfoque fenomenológico do currículo: Educação como Poíesis. In: Espósito VHC, org. São Paulo: Editora Cortez; 1992. 2. Gadamer HG. Verdade e método. Petrópolis: Vozes;1997. 3. Espósito VHC. A formação como ação educativa. Estudos de natureza fenomenológica e hermenêutica. In: Silva GTR, Espósito VHC, eds. Educação e Saúde. Cenários de Pesquisa e Intervenção. São Paulo: Editora Martinari; 2011. 4. Delors J. Educação: um tesouro a descobrir. 2ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC/ UNESCO; 2003. 5. UNESCO. Relatório de monitoramento global de EPT, 2008 - Educação para Todos em 2015: um objetivo acessível? São Paulo: Moderna; Brasília: UNESCO Office Brasília; 2009. 484p. 6. Cunha C. Entrevista concedida ao Portal pro fessor. Disponível em: http://www.conexao professor.rj.gov.br/index.asp. Acesso em 3/1/ 2011. 7. Silva CP. Tendências e perspectivas da super 8. 9. 10. 11. Este artigo é uma versão revisada do texto apresentado no XXV Simpósio Brasileiro e II Congresso Ibero-Ame ricano de Política e Administração da Educação. Comunicações Orais e Relatos de Experiências com o título “Políticas de formação de profissionais da edu cação: da proposição à ação. Trabalho realizado no âm bito da Cátedra Interinstitucional Joel Martins (PUC-SP/ FASM/UNIFESP/UFSCar), com sede na Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. visão: apontamentos para uma militância possível e necessária. São Paulo, XXIV Encontro Estadual de Supervisores do Magistério. Revista APASE. 2010; Ano IX- nº11:50. Jacomeli. As políticas educacionais para o século XXI: de Color a Lula. São Paulo, XXIV Encontro Estadual de Supervisores do Magistério. Revista APASE. 2010; Ano IX- nº11:23. Trindade VM. Algumas reflexões sobre forma ção em Ciências da Educação em tempo de mudança. In: Espósito e Silva, eds. Educação e Saúde. Cenários de Pesquisa e intervenção. São Paulo: Editora Martinari; 2011. Frigoto G. Educação contemporânea: disputa de concepções, práticas e caminhos. São Paulo, XXIV Encontro Estadual de Supervisores do Magistério. Revista APASE. 2010; Ano IX(11):62. Espósito VHC. O ensino da matemática: discurso pedagógico de alunos e professores. In: Martins MAV, Espósito VHC, eds. Pedagogo– artesão: construindo a trama no cotidiano da escola. São Paulo: EDUC; 1996. Artigo recebido: 18/3/2011 Aprovado: 3/7/2011 Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 178-84 184 EducaçãoARTIGO , Psicologia Escolar e Inclusão DE REVISÃO Educação, Psicologia Escolar e Inclusão: aproximações necessárias Claudia Gomes; Vera Lucia Trevisan de Souza RESUMO – Este artigo tem como objetivo discutir teoricamente algumas carências e desafios da Psicologia na atuação da educação inclusiva. As análises dos estudos teóricos produzidos, assim como das pesquisas científicas divulgadas nos últimos anos, evidenciaram que a Psicologia tem a necessidade de exercer uma atuação contextualizada e reflexiva, e acima de tudo comprometida socialmente com os alunos em processo de inclusão escolar e seus professores. Conclui-se que o impulsionamento para a mudança de paradigma vivenciado nas instituições escolares, para que se tornem espaços inclusivos, exige posicionamentos políticos, pedagógicos e institucionais mais democráticos e com respeito à diversidade humana. UNITERMOS: Psicólogos. Psicologia Educacional. Educação. Claudia Gomes – Professora Doutora do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL-MG. Vera Lucia Trevisan de Souza – Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia como Profissão e Ciência da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Correspondência Claudia Gomes Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL Rua Gabriel Monteiro da Silva, 700 – Centro – Alfenas, MG, Brasil – CEP: 37130-000 – E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93 185 Gomes C & Souza VLT especializados aos alunos em processo de inclusão decorrentes de deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, e altas habilidades ou superdotação. Dentre os objetivos traçados pela nova regulamentação nacional estão: prover condições de acesso, permanência e participação, com a garantia de transversalidade das ações da educação especial no ensino regular, por meio do desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que auxiliem na eliminação das barreiras acadêmicas para esses alunos nos diferentes níveis acadêmicos2-4. Ainda de acordo com a legislação, a compreensão da Educação Especial nessa nova esfera vem possibilitar a oferta do atendimento especializado aos alunos, com o oferecimento de recursos e procedimentos apropriados, facilitando a acessibilidade e a eliminação de barreiras e, assim, efetivando a promoção da formação integral dos alunos6. Não podemos desconsiderar que os amparos legais vêm possibilitando gradativamente a inclusão de alunos com necessidades especiais no ensino regular. De acordo com o Censo da Educação Básica, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, no ano de 2006, finalizado e divulgado em 2008, houve crescimento de 72,4% do número de matrículas realizadas em escolas regulares, o que, segundo análise, torna-se um favorável indicador para a inclusão escolar6. Entretanto, se por um lado as estatísticas parecem animadoras, por outro não podemos deixar de considerar que o indicador de inclusão, quando delimitado pela realização da matrícula do aluno, não garante que o acesso e a permanência do aluno, como proclamado pelos diferentes documentos nacionais e internacionais que defendem a inclusão escolar, de fato está sendo efetivado. As ações de inclusão escolar direcionadas por diferentes chavões políticos, como por exemplo, considerar a matrícula dos alunos como um indicador positivo, podem ser verídicas, mas se tornam ilusórias quando essas mesmas estatísticas indicam os índices de evasão, repetência e nível de alfabetização dos alunos, INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL: POLÍTICAS, AÇÕES E INDEFINIÇÕES Como se sabe, a educação brasileira se insere no quadro de transformações e discussões da inclusão escolar com um rápido percurso iniciado em 19901, que coincidiu com a realização da Conferência Mundial sobre Educação para Todos2, ocasião em que foram estabelecidas prio ridades para a Educação nos países de terceiro mundo. Mas é com a condensação do Plano Decenal da Educação para Todos, em 1993, assim como as metas posteriores lançadas pelo governo (descentralização da administração de verbas, currículo básico, educação à distância, avaliação nacional das escolas), que se fundem ações alinhadas às tendências mundiais de uma educação para todos1. Todavia, alguns alinhamentos internacionais ganharam maior destaque ao buscarem abordar, especificamente, a proposta de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. De acordo com a Declaração de Salamanca3, a construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância para a manutenção de um Estado Democrático. É este princípio que o Brasil busca partilhar com a implementação de suas ações educacionais inclusivas, que tomam forma nas Novas Leis de Diretrizes e Bases da Educação4. Desta forma, no âmbito nacional, a polêmica discussão da proposta educacional inclusiva se deu pela aprovação, em 1993, e pela promulgação, em 1996, da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que em seus artigos firma a necessidade de equidade ao atendimento educacional no ensino regular a todos os educandos. Deixa claro, em seu Art. 3º (inciso I, II e IV), que os princípios de igualdade de condições de acesso e permanência, com respeito à liberdade e apreço à tolerância, deverão ser as bases e princípios da Educação4. Esta compreensão é reafirmada na forma de lei, pelo Decreto nº 6.571, promulgado em 17 de setembro de 20085, que busca avançar nas discussões da inclusão escolar ao regulamentar a possibilidade de atendimentos educacionais Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93 186 Educação, Psicologia Escolar e Inclusão independentemente de possuírem deficiências ou não. Tal fato mobiliza repensar as propostas de inclusão escolar e os indicadores meramente estatísticos lançados nos levantamentos realizados, que parecem desconsiderar questões como: condições de instalações, despesas e materiais, tempo letivo, formação de professores, clima e gestão escolar, ações essas que, como se sabe, contribuem para a efetividade do ensino. Nesse sentido, pensar em um processo de inclusão escolar que dê conta das ações excludentes que cercam as escolas é assumir que muita atenção deve ser dada ao caráter elitista e homogeneizante das práticas pedagógicas e suas inadequações na abordagem da diversidade dos alunos, e que exige de nossas consciências um despertar mais ético ante a questão social fundada por exclusões e desigualdades7. Ainda de acordo com a autora, a escola deve passar de um local de apropriação do conhecimento para constituir-se em um espaço para o exercício da reflexão crítica, de maneira que se revejam as dinâmicas e organizações pedagógicas instauradas ao longo dos tempos, em nossas instituições escolares. Um avanço na Educação pressupõe o alcance de um novo patamar na história da evolução da humanidade, com a revisão dos inúmeros equilíbrios existentes, injustiças e desigualdades, que assolam nossa sociedade. Uma análise da realidade capitalista contemporânea e suas cruéis consequências, tais como miséria, desemprego, conflitos étnicos, racismo, discriminação e marginalização de camadas da população, permeiam o processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais8. Discutir a temática da inclusão escolar nos remete, inicialmente, à discussão do papel da escola na sociedade6,8-10. Pode-se dizer que a escola assume o relevante papel na consolidação de determinados “traços” sociais, sendo produ to e produtora desses mesmos traços. Ainda segundo a autora, para estudar a escola e sua organização é necessário contemplar os aspectos amplos da sociedade, como a economia e a política. “A inclusão, então, aparece como propulsora de uma nova visão da escola. Entretanto, sob o discurso do respeito às diferenças, oportuniza-se educação diferente para “compensar ” as diferenças sociais”9. De maneira geral, as pesquisas que tratam das políticas educacionais refletem, explicitamente, o discurso da educação como instrumento para o enfretamento do processo de exclusão social, acrescido da possibilidade de justiça social da escola para todos, inclusive, para as pessoas com necessidades especiais10. Estas mesmas políticas abordam e divulgam, em suas diretrizes, a importância do processo de socia lização em detrimento de currículos conteudistas, em respeito ao ritmo de cada criança. Porém, a autora conclui que, embora esses princípios sejam, em tese, democráticos, na verdade existe um hiato entre a intenção e a realidade vivida em nossas escolas. Ainda de acordo com a autora10, dentre as principais causas do distanciamento entre a intenção e a realidade educacional em nosso País podem ser destacados os seguintes pontos: manutenção das formas hierarquizadas e pouco democráticas das políticas educacionais; desconsideração da história profissional daqueles que fazem o dia-a-dia da escola; implantação das políticas sem a articulação com a infraestrutura necessária; manutenção de concepções a respeito do aluno e de sua família de classes populares, que desqualificam uma parcela importante da população, para a qual essas políticas são dirigidas; desconhecimento das reais finalidades das políticas educacionais implementadas pelos próprios educadores, e demais profissionais da educação, dentre eles, os próprios psicólogos escolares. EDUCAÇÃO INCLUSIVA E PSICOLOGIA: APROXIMAÇÕES NECESSÁRIAS Diferentes estudos internacionais já enfo caram os aspectos mais explícitos que dificultam o processo de inclusão de alunos com neces sidades especiais nas escolas. Dentre os vários aspectos abordados, ainda é unânime a falta de capacitação profissional adequada, a falta de recursos e materiais apropriados, as barreiras arquitetônicas e físicas, as barreiras humanas Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93 187 Gomes C & Souza VLT atitudinais que permeiam as práticas pedagógicas em relação à inclusão, dentre outros11- 14. Ressalta-se que, para tanto, os desafios dos psicólogos escolares são tão concretos como a concretude dos problemas que assolam as instituições escolares do País. Há que se superar, assim, a necessidade de uma formação política e ideológica, que dê embasamentos para uma ação profissional crítica e construtora da realidade brasileira, contrapondo-se, efetivamente, a uma política educacional segmentada, massificante e dominadora, que há muito direciona nossas escolas1,7,8,15,16. A ressignificação da atuação da Psicologia Escolar passa pela apropriação de referenciais teóricos e práticos que reafirmem os processos interativos conscientes e inconscientes, constitutivos dos sujeitos em processo de ensino-aprendizagem, dentro de uma perspectiva dinâmica e sócio-histórica16,17. A construção da nova identidade do psicólogo escolar depende, ainda, de uma compreensão de respeito e afirmação às diferenças, garantindo o desenvolvimento do pa pel de agente social transformador da realidade em nossas escolas, principalmente no que se refere às políticas educacionais inclusivas de alunos portadores de necessidades especiais. Com uma visão segmentada e apolítica, a Psicologia não integrou em seus conceitos a rea lidade social. E é com esta noção que a Psicologia permaneceu nas diretrizes educacionais do País, enfocando o sujeito isolado e deixando ilesas e isentas de culpa as instituições escolares pelo fracasso de seus alunos, e, consequentemente, responsabilizando-os por sua exclusão10,18. A proposta de inclusão escolar oferece, assim, a possibilidade da revisão das práticas escolares excludentes, que cercam a sociedade historicamente. A reflexão constante da ação e compromisso com a mudança no tratamento da diversidade humana se torna o ponto central da participação da Psicologia nesse debate da inclusão e na busca para uma sociedade democrática18,19. Ser psicólogo escolar no Brasil é conhecer as necessidades psicológicas de todos os sujeitos envolvidos, independentemente de classes so- ciais, capacidades físicas ou mentais, em situações de risco ou situações abastadas, “é defender os direitos ao atendimento de suas necessidades e à promoção de seu desenvolvimento, sem discriminação ou intolerância de qualquer tipo ou grau”20,21. A Psicologia deve buscar romper com a cumplicidade que tem caracterizado sua relação com a Educação, para se apresentar como um conhecimento científico capaz de demonstrar e compreender a dimensão subjetiva da experiência vivida na escola pelas camadas marginalizadas. Porém, para a Psicologia assumir este novo modelo precisa superar a visão naturalizante do desenvolvimento humano, a compreensão do fenômeno psicológico como abstrato e com características universais18. É unanimidade entre alguns pesquisadores e profissionais da área da Psicologia Escolar, a necessidade de se repensar ações e práticas profissionais mais comprometidas com a trans formação social dos interesses da maioria da população. A exigência de uma prática profissional que contemple a construção crítica social e, para tanto, a abordagem das políticas educacionais inclusivas é um dos meios mais efetivos para esta necessária transformação profissional15,17,19,21,22. PSICOLOGIA NO PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR: PRODUÇÕES E CONSIDERAÇÕES Dentre os estudos nacionais realizados entre os anos de 1999 a 2007, e disponibilizados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) do Centro Latino-americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, que o processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais ainda é um desafio para nossas políticas públicas, para nossos profissionais da educação, para os pais de alunos com necessidades especiais e, acima de tudo, para os próprios alunos em processo de inclusão. Estudos como os de Bernardes23 e Jusevicius24, que lançaram como objetivos explorar as concepções de professores acerca da inclusão escolar, revelam que a falta de formação espe- Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93 188 Educação, Psicologia Escolar e Inclusão cializada, a inexistência de recursos adequados e de apoio técnico constante, assim como a rea lização de serviços de atendimento paralelo e a redução do número de alunos em sala, foram alguns dos desafios e necessidades apontados pelos professores para justificar o pouco avanço do processo de inclusão. No entanto, o que se vem percebendo é que essas deficiências passam a se constituir barreiras secundárias ao se considerar o distanciamento existente entre a legalidade e objetividade das políticas educacionais inclusivas, e a realidade vivida nas ações educacionais que a escola desenvolve. Pesquisas como as de Emílio 25, Viana26, Franca27 e Crespo28, que abordaram o contexto educacional e suas deficiências frente à proposta educacional inclusiva, apontam, de diferentes formas, que as barreiras para um processo inclusivo parecem polarizar a discussão da contextualização dos valores mais implícitos da proposta, tais como o clima escolar e as resistên cias, que por ventura possam ser vivenciadas pelos protagonistas envolvidos, assim como uma formação acadêmica satisfatória, que seja relacionada à reflexão e à abordagem das diferenças. Carmo Neto29 aponta que professores e de mais profissionais da educação apresentam dificuldades na construção de novas representações do aluno com necessidades especiais, além de indicarem sentimentos ambíguos quanto ao processo inclusivo. Já para Tessaro30, os resultados de sua pesquisa indicam que os professores apresentam não só um conceito insatisfatório sobre inclusão, que viria a dificultar novas representações, mas também indicam, de certa forma, atitudes e sentimentos negativos para com os alunos com necessidades especiais. Logo, o processo de inclusão escolar implica mudanças radicais na compreensão dos sujeitos e na estrutura da escola, questionando, inclusive, os mecanismos sutis de exclusão aos quais os alunos parecem predestinados cotidianamente31. Ao mesmo tempo em que os professores acreditam ter uma adequada formação acadêmica para lidar com alunos com necessidades especiais, as suas concepções e práticas pedagó- gicas são limitadas e restritivas, e embasam suas práticas profissionais na reprodução do discurso médico sobre necessidade especial32. No entanto, o que parece também deflagrado pelos estudos desenvolvidos é que a responsabilização do êxito ou não da inclusão é direcionado para professores. O que se percebe, no entanto, é que os professores, quando indicam suas dificuldades e necessidades, podem também estar chamando a atenção para a sua condição de isolamento profissional. A democratização da gestão e a educação inclusiva se relacionam diretamente, e uma escola inclusiva deve ser, antes de tudo, uma escola democrática1,7,8. Por outro lado, o que se vivencia ainda em nossas instituições escolares são práticas que denotam isolamento dos profissionais, e um dis tanciamento da compreensão sobre a política inclusiva, que, muitas vezes ampara um atendimento segregado no interior das instituições escolares33, ou ainda o desenvolvimento de pro gramas dissonantes à proposta, cujos resultados são preocupantes, como os resultados apontados34, que ao buscar caracterizar o funcionamento de uma sala especial em escola regular, constatou entre alguns dos desafios vividos pelas profissionais, desde a dificuldade em definir e caracterizar os alunos encaminhados para suas salas especiais sem o devido diagnóstico, até o processo de cisão entre os profissionais dessas salas e os demais profissionais dos ciclos regulares. A consideração de uma política educacional que visa à implementação da inclusão como uma forma de descristalizar o insucesso e o fracasso a que muitos alunos estão submetidos parece se contrapor ao desafio de re-significar esses alunos, como indivíduos criativos e saudáveis35. No entanto, não podemos desconsiderar os desafios vivenciados por esses profissionais que, como já indicado, muitas vezes assumem isoladamente sua prática inclusiva de trabalho. Pode ser constatada a percepção de constante ameaça e, consequentemente, a sensação de sufocamento que a implementação das propostas inclusivas está causando, ao se desconsiderar os limites e desafios dos próprios educadores, na consideração de sua prática profissional e de seus alunos36. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93 189 Gomes C & Souza VLT A responsabilidade pelo processo de inclusão vivida até então isoladamente pelos docentes, que denotam tais sentimentos e ficaram paralisados frente às possibilidades de novas representações, como por exemplo, a concepção de um processo educativo sem falhas, parece lançar sérios im passes ao professor em sua tarefa cotidiana37. De acordo com Serra e Paz38, é necessário de senvolver estudos que contemplem uma visão sistêmica da inclusão, não atribuindo apenas ao professor a responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas. Urgentes são ainda a elaboração e construção de instrumentos e recursos pedagógicos que favoreçam o professor em sua prática cotidiana, além do refinamento dos relatórios psicopedagógicos desenvolvidos no acompanha mento dos alunos incluídos. Segundo os resultados obtidos39, os relatórios que descrevem o rendimento e o progresso acadêmicos dos alunos, assim como suas dificuldades e necessidades, em sua maioria são construídos com a descrição minuciosa das dificuldades dos alunos, sem indicar possibilidades e necessidades que orientem o trabalho docente. Desta forma, tal como elabo rado, o relatório que poderia subsidiar novas ações profissionais parece ser estruturado para o cumprimento burocrático da instituição, sendo irrelevante para o trabalho pedagógico. É com a consideração de que o processo de inclusão escolar é um projeto que implica o en volvimento de todos, que pesquisas como de Bernardi40 e Almendra41, explorando a percepção de pais de alunos com necessidades especiais e pais de alunos sem necessidades especiais se tornam relevantes, ao indicar que, em ambos os grupos de participantes, há falta de conhecimento e informação quanto ao processo de inclusão escolar. Assim, de modo geral, diversos estudos sobre a proposta de inclusão escolar parecem alertar para a importância de uma maior atenção na implementação das políticas, enfatizando que a proposta só será efetivada com sucesso quando compreendida como consequência de uma discussão da necessidade de mudança do paradigma educacional vigente. Esta mudança de paradigma deve dar ênfase a um maior compromisso com a diversidade humana e com as transformações das representações das diferenças42-44. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar a articulação entre Educação, Psicologia Escolar e Inclusão remete à consideração de diferentes entraves, dentre os quais, a adoção de uma ação profissional mais comprometida socialmente como elemento central no processo educacional, pois somente a partir dessa articulação, as diferentes e complexas representações que permeiam o processo de inclusão escolar de alunos com necessidades especiais poderão ser abordadas de uma perspectiva teórica consistente, que ampare novas zonas de inteligibilidade na compreensão do desenvolvimento humano e de relações escolares de fato inclusivas. As questões dos psicólogos escolares mos tram-se controversas na mesma intensidade que os problemas decorrentes, incidentes ou relacionados às instituições escolares mostram-se complexos. E este sim é o desafio a ser superado, uma formação política e ideológica, somada a uma prática profissional crítica e construtora da realidade brasileira, com o compromisso da compreensão da diversidade humana para o desenvolvimento de uma sociedade mais democrática. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao apoio financeiro oferecido pelo CNPq para a conclusão desta pesquisa. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 185-93 190 Educação, Psicologia Escolar e Inclusão SUMMARY Education, School Psychology and inclusion: approximations necessary The understanding of educational problems represents one of the most important aspects for reaching educational qualification; thus, this re search defined teacher needs and challenges and also the participation of Educational Psychology for the solution to these problems. The analyses of obtained information are related to teaching practices which dichotomizes, focusing only on methodology and technique. Teaching practices unaware of students needs. In the other hand, the study could verify that the challenges are related to a necessity of adopting teaching practices able to ponder and notice student’s context. Such practices would also be social-balancing actions. The research concludes that more democratic (political, institutional and personal) views of teachers and educational psychologists are necessary for the driving towards changing the paradigm experienced in schools. KEY WORDS: Psychologists. Psychology, Educational. Education. REFERÊNCIAS 8. Moraes MC. O paradigma educacional emergente. São Paulo: Papirus; 1997. 238p. 9. Michels MH. Gestão, formação docente e inclusão: eixos da reforma curricular educacional brasileira que atribuem contornos a organização escolar. Rev Bras Educ. 2006; 11(33):406-23. 10. Souza MPR. Políticas Públicas e Educação: desafios, dilemas e possibilidades. In: Viégas LS, Angelucci CB, org. Políticas Públicas em Educação & Psicologia Escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2006. p.229-43. 11. 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Lanúzia Almeida Brum – Psicopedagoga Institucional e Clínica; Pesquisadora do Programa para Crianças e Adolescentes com Transtorno Bipolar (ProCAB), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Cristian Patrick Zeni – Psiquiatra da Infância e Adoles cência; Mestre e doutorando em Psiquiatria – UFRGS; Coordenador de Pesquisa do Programa de Crianças e Adolescentes com Transtorno Bipolar do HCPA (ProCAB), Porto Alegre, RS, Brasil. Silzá Tramontina – Doutora em Psiquiatria; Coorde nadora do Programa de Crianças e Adolescentes com Transtorno Bipolar do HCPA (ProCAB), Porto Alegre, RS, Brasil. Correspondência Lanúzia Almeida Brum Rua Suíça, 200 – Alvorada, RS, Brasil – CEP 94820-280 E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200 194 Psicopedagogia e transtorno bipolar podem acontecer na aprendizagem: dificuldades, problemas, descapacidades, distúrbios, os quais, muitas vezes, referem-se a condições diferentes. Entretanto, nos manuais diagnósticos (CID-10, 1993 e DSM-IV-TR, 2003), os termos mais usados são dificuldades e transtornos1. As dificuldades de aprendizagem podem ser oriundas de problemas relacionados à escola ou à família, uma vez que essas nem sempre ofere cem condições adequadas para que o sujeito possa vir a aprender com eficácia, pois o meio tanto pode ser facilitador como inibidor, para que o processo de ensino e aprendizagem venha a acontecer com sucesso2. É comum, muitas crianças em fase escolar apresentarem determinadas dificuldades em realizar tarefas, as quais podem ser decorrentes de problemas na proposta pedagógica, capacita ção do professor, problemas familiares ou dé ficits cognitivos. Estes fatores são chamados dificuldades de percurso, causadas por estas instâncias que nem sempre oferecem condições adequadas para o sucesso da criança4. Os pais, por sua vez, acabam tornando-se descontentes com eles mesmos, buscando compreenderem no que possivelmente erraram na educação do filho. Isto ocorre, provavelmente pelo medo de fracassarem, passam a ficar mais exigentes, contribuindo para que seu filho acabe por sentir-se incompetente diante de suas dificuldades. Percebendo o fracasso de seu filho, por vezes acabam deixando perceberem-se irritadiços e nervosos, comprometendo ainda mais o vínculo entre pais e filho, interferindo no vínculo da criança com a construção do conhecimento, o que acaba por interferir negativamente na criatividade e na aprendizagem5. As rupturas na vinculação familiar tendem a ocasionar bloqueios e rupturas com o processo de conhecimento. O afetivo e o cognitivo perma necem lado a lado, e toda e qualquer quebra na vinculação afetiva acarretará prejuízos na aprendizagem, perdas e bloqueios cognitivos, ou ambos simultaneamente (Piaget 1956 apud Chamat 2008)5. INTRODUÇÃO Diante da sociedade competitiva em que vi vemos, cada vez mais se tem dado valor acentua do ao bom desempenho escolar e ao sucesso profissional, levando muitos pais a fazerem exigências significativas aos seus filhos em rela ção a este aspecto, buscando por este motivo a avaliação de um psicopedagogo. O número de avaliações psicopedagógicas vem aumentando, levando o especialista a organizar uma avaliação mais objetiva, conclusiva e rápida1. O período escolar é um dos tantos momentos importantes para o desenvolvimento da criança, desde o seu nascimento até a idade adulta. Deste modo, qualquer situação de cunho emocional poderá tornar-se um fator agravante no processo de aprendizagem. Além disso, os transtornos psiquiátricos evolutivos tendem a agravar quando associados aos conflitos escolares2. Crianças e adolescentes com transtorno bipolar, muitas vezes, tendem a apresentar problemas de aprendizagem. As dificuldades podem ser oca sionadas pelos sintomas da doença, causadas por outras condições psiquiátricas coexistentes ou, ainda, estar relacionadas a fatores não atrelados à saúde mental. Porém, o bom desempenho na aprendizagem está vinculado à autoestima e às realizações na vida como um todo. Deste modo, independente de qual for a causa das dificuldades de aprendizagem, é necessário ajuda para descobrir-se o motivo dos problemas escolares, bem como apoio imediato e auxílio nos aspectos escolares3. MÉTODO Para esta revisão, foi realizada uma busca em livros relacionados a educação, psicopedagogia e doenças psiquiátricas na infância e na adolescência, com foco no transtorno bipolar, em literatura brasileira. Além disso, foi feita uma busca nos sistemas SciELO e PsycInfo, nos idiomas português, inglês e espanhol, sem limite de data. APRENDIZAGEM: DIFICULDADES E/OU TRANSTORNOS NO DESEMPENHO ES COLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Na literatura especializada, há uma diversidade de termos para designar as alterações que Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200 195 Brum LA et al. A escola apresenta papel fundamental para o sucesso da aprendizagem, pois a maneira pela qual os ensinantes reconhecem o sujeito como aprendente, o espaço propiciado para que o perguntar seja possível por parte da criança, as exigências das aprendizagens, a estimulação do espaço do brincar, a socialização de aprendizagem com crianças da mesma idade e o modo como o sujeito autoriza-se ou não como autor de seu processo de autoria de pensamento são primordiais para o aprendizado6. Para que crianças e adolescentes tenham um bom aproveitamento escolar é essencial, dentre outros fatores, que a escola proporcione ao aprendente condições físicas de sala de aula, com um ambiente seguro, limite aceitável de alunos em cada turma, condições pedagógicas favoráveis de acordo com a faixa etária dos alunos e, principalmente, condições do corpo docente, em que haja motivação, dedicação e qualificação dos profissionais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem2. As dificuldades de aprendizagem específicas referem-se a situações que acontecem com crianças que não conseguem um grau de adiantamento escolar compatível com sua capacidade cognitiva, não apresentando problemas auditivos, visuais, sensoriais ou psicológicos importantes, os quais possam explicar tais difi culdades (Adams 1973 apud Ohlweiler4). Porém, as dificuldades de aprendizagem também podem ser secundárias a outras patologias, como no caso das disfunções sensoriais, das doenças crônicas, dos transtornos psiquiátricos e das doenças neurológicas. Qualquer situação de fundo psicológico pode se constituir em um fator agravante, bem como timidez, insegurança, baixa autoestima, necessidade de afirmação e falta de motivação. Os transtornos psiquiátricos, como depressão, fobias, transtorno de humor, transtorno opositor desafiante e transtorno de conduta, tendem a se agravar quando associados aos conflitos escolares2. Além das dificuldades de aprendizagem, podem também existir casos onde há prevalência de transtornos de aprendizagem, que se tradu- zem por um conjunto de sinais sintomatológicos, os quais ocasionam uma série de perturbações no aprender da criança, interferindo negativamente no processo de aquisição e manutenção de informações acentuadamente. Os transtornos de aprendizagem compreendem, assim, uma incapacidade específica, como da leitura, da escrita e/ou da matemática, em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do esperado para seu nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual4. Pode-se suspeitar de transtornos de aprendizagem em crianças com as seguintes caracte rísticas: inteligência normal, ausência de altera ções motoras ou sensórias, bom ajuste emocio nal, nível socioeconômico e cultural aceitável4. Nos casos específicos de transtornos de apren dizagem, os padrões normais de aquisição de habilidades estão perturbados desde os primeiros estágios do desenvolvimento da criança, não sendo adquiridos ou ocasionados por algum fator externo, ocasionados pela falta de estimulação adequada ou outro fator qualquer, bem como um traumatismo ou doença cerebral, sendo importante diferenciá-los das variações normais no aprendizado4. Para o diagnóstico de transtorno de aprendizagem, o comprometimento deve estar presente desde os primeiros anos de vida, devido a um atraso no desenvolvimento da habilidade em questão, e ter tido início desde os primeiros anos escolares. Mesmo diante de um processo de intervenção psicopedagógica eficaz e centrado no transtorno específico do paciente, o mesmo muitas vezes persiste ao longo da vida, não havendo então cura para tal problema, apenas uma melhora significativa em relação à área da aprendizagem afetada, de modo que o sujeito possa dar continuidade a sua vida escolar, mesmo diante de suas limitações4. Os transtornos da aprendizagem classificamse, de acordo com a CID-10 e o DSM-IV, em três tipos específicos: transtorno da leitura, trans torno da matemática e transtorno da expressão escrita, não diferindo muito nos dois manuais quanto à caracterização dos mesmos4. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200 196 Psicopedagogia e transtorno bipolar ser classificados em grupos e subgrupos. O trans torno bipolar clássico caracteriza-se então por episódios de mania, hipomania e depressão ou por períodos mistos (mania e depressão) e ciclagem rápida (ciclos curtos de mania e depressão)3. Os períodos de mania, caracterizados pelos altos níveis de energia, afetam o humor e também a cognição, ou seja, o pensamento de uma forma em geral, o comportamento e algumas das funções biológicas, prejudicando o funcionamento da criança como um todo3. Nos períodos de mania, devido ao estado de energia alterado significativamente, afetando todas as funções psicológicas, a mente acaba por funcionar ou operar muito rápido. Os pensamentos tornam-se tão acelerados, que podem vir à cabeça todos ao mesmo tempo, fazendo com que o indivíduo se torne incapaz de pensar ou de expressar-se com clareza, ocasionando o que se pode chamar de fuga das ideias, em que a criança pula de um assunto para o outro, tendo raramente ligação um com o outro3. Os episódios de mania em crianças e adolescentes tendem a impossibilitar o indivíduo a completar uma sequência de pensamentos, devido à distratibilidade constante, ocasionando a mudança de assuntos rapidamente ou a presença de ideias irrealistas, podendo ser um período tão intenso que ocasione a desorganização das mesmas3. Além dos sintomas já referidos, em casos gra ves, pacientes com transtorno bipolar podem ter sintomas delirantes, ou seja, falsas crenças ou ideias que não são partilhadas por parentes e pela comunidade, podendo-se classificá-las em um episódio maníaco com características psicóticas3. Em contraste com a mania e a hipomania, a depressão, outro sintoma causado pelo transtorno bipolar, caracteriza-se por baixos níveis de energia, provocando alterações no humor, na cognição, nos comportamentos e nas funções biológicas, ocasionando tristeza e ou irritabilidade nos sujeitos portadores. As crianças durante este período deixam de sentir prazer em fazer coisas antes prazerosas, como dançar, praticar esportes e ler. A motivação em realizar tarefas que exigem esforço e atenção, como os afazeres O transtorno de leitura caracteriza-se pela dificuldade específica em compreender palavras escritas, tratando-se de um transtorno específico das habilidades de leitura, eliminando-se assim todas as outras causas possíveis4. No transtorno da matemática, conhecido também como discalculia, não há ausência das habilidades básicas, como contar, e sim dificul dade na forma como o sujeito associa essas ha bilidades com o mundo que o cerca. A aquisição dos conceitos matemáticos fundamentais e das atividades que exigem raciocínio, bem como a capacidade de manejar os números e compreen der os conceitos matemáticos, é que estão afetadas neste transtorno, não sendo ocasionadas por nenhuma lesão ou outra causa orgânica qualquer4. Em se tratando do transtorno da escrita, a di ficuldade está em compor textos escritos, erros na gramática, pontuação, desestruturação de parágrafos e múltiplos erros ortográficos4. ALTERAÇÕES NA COGNIÇÃO E PREJUÍ ZOS ACADÊMICOS EM CRIANÇAS E ADO LESCENTES COM TRANSTORNO BIPOLAR Anteriormente chamado de psicose maníaco-depressiva, em que o humor varia ou oscila entre pólos opostos, mania e depressão, o transtorno bipolar na infância e na adolescência pode ser comparado a uma montanha russa de emoções, com constantes altos e baixos, ou picos e depressões, comprometendo crianças e adolescentes de todas as idades, etnias e classes sociais, sem diferenciação. Ainda não existem testes ou exames laboratoriais ou cerebrais capazes de diagnosticar o transtorno bipolar, restringindo-se às observações diretas do comportamento e do humor, por meio da consulta clínica feita por psiquiatras da infância e adolescência3. Mesmo diante da existência de pesquisas em andamento sobre questões diagnósticas e da aceitação do transtorno bipolar na infância e na adolescência, existem controvérsias sobre a forma como os sintomas se manifestam nesta faixa etária. Muitos pesquisadores e profissionais de saúde mental acreditam que os sintomas podem Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200 197 Brum LA et al. da escola, torna-se diminuída, ou até mesmo ausente, ao longo deste período3. Durante os períodos em que a criança apresenta sintomas de depressão, mostra-se cansada, quieta e lenta, em casos graves, pode preferir ficar somente na cama e, até mesmo, apresentar delírios ou alucinações. Porém, em alguns casos, a depressão pode ocasionar excessiva agitação, fazendo com que o indivíduo ande de um lado para o outro, sendo incapaz de se manter sentado durante o tempo necessário na escola3. Crianças com transtorno bipolar podem apre sentar dificuldades significativas na aprendizagem, problemas cognitivos, dificuldades na fala e linguísticas, problemas de relacionamento na família, com os amigos e com os colegas na escola, podendo interferir negativamente no processo de aprendizagem e ocasionarem falhas no desempenho escolar da criança e do adolescente3. Sabendo-se que a aprendizagem está atrelada às áreas da memória, do pensamento, da compreensão, da comunicação, da concentração e da orientação temporal e espacial, para que esta ocorra com eficácia depende dos aspectos emocionais, como autonomia, segurança, autoestima, sociabilidade e estado de humor7. Evidencia-se que, tanto para o transtorno bipolar como para outros transtornos psiquiátricos, é importante que se verifique a idade de início dos primeiros sintomas, sendo possível compreender, com base nas etapas do desenvol vimento e aquisição da linguagem e das primeiras aprendizagens, o momento em que as alterações nestas áreas tiveram início, pois na maioria dos casos os sintomas de aprendizagem acabam sendo tratados como patologias primárias e não secundárias ao quadro de transtorno bipolar7. Além dos comprometimentos impostos pelo transtorno bipolar, podem ocorrer dificuldades na aprendizagem, variando a gravidade de paciente para paciente, principalmente se estes não estiverem estabilizados. As dificuldades de aprendizagem surgem em decorrência dos graves prejuízos dos sintomas do transtorno bipolar em relação ao desenvolvimento emocional e cognitivo do sujeito7. As alterações cognitivas tendem a ocasionar dificuldades na aprendizagem em crianças e adolescentes com transtorno bipolar devido a falhas atencionais, podendo alguns pacientes apresentar dificuldades em matemática, em decorrência da lentidão do raciocínio e de falhas na compreensão e na elaboração do raciocínio, principalmente com o aumento do grau de complexidade dos conteúdos estudados em cada nova série7. É válido salientar a importância do paciente com transtorno bipolar ser acompanhado por um psiquiatra, juntamente com uma equipe multidisciplinar, que, além de fazer o diagnóstico em suas respectivas áreas e acompanharem-no, darão as orientações necessárias à família e à escola, pois estas necessitam ser guiadas em como lidarem com toda a situação, não se esquecendo que são estas as pessoas que passam a maior parte do tempo com o paciente e têm muito a contribuir para o bom andamento do tratamento em seus múltiplos aspectos2. Com base nas questões discutidas, é evidente que o transtorno bipolar tende a desorganizar o desenvolvimento emocional, cognitivo, isto é, a maneira de pensar e a vida social da criança e do adolescente, fazendo com que os problemas de aprendizagem se agravem, modificando a maneira como os sintomas se manifestam no sujeito, podendo afetar o funcionamento acadêmico, sendo necessário, portanto, um tratamento efetivo e imediato, requerendo não só o tratamento medicamentoso, como intervenções psicossociais adequadas e individualizadas3. DISCUSSÃO Considerando-se que o transtorno bipolar infantil torna-se cada vez mais presente em nosso meio, que há pouca literatura em língua portuguesa disponível aos profissionais das áreas de educação e saúde, que há necessidade de informação e esclarecimento dos professores e equipe pedagógica das escolas sobre o transtorno, bem como as possíveis dificuldades de aprendizagem decorrentes, este artigo reveste-se de especial importância. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200 198 Psicopedagogia e transtorno bipolar Além disso, o transtorno bipolar infantil apresenta gravidade variada, necessitando de intervenção diferenciada em cada caso, por uma equipe multidisciplinar, o que torna este artigo significativo, no intuito de contribuir com escla recimentos fundamentais ao olhar e manejo de crianças e adolescentes com esse transtorno, proporcionando um espaço inicial de reflexão sobre o assunto e instigando estes profissionais a buscarem maiores esclarecimentos na medida de suas necessidades. afetar a linguagem, a escrita, a compreensão, a matemática e o vínculo com a aprendiza gem. Paralelo ao tratamento medicamentoso e à terapia, faz-se necessário que o paciente com transtorno bipolar seja acompanhado por um profissional da área psicopedagógica, no intuito de propiciar um espaço em que seja possível trabalhar especificamente as áreas da aprendizagem afetadas pela doença nos períodos de crise e pós-crise, fazendo com que a interferência das alterações cognitivas, decorrentes dos sintomas maníacos ou depressivos, possa ser trabalhada, facilitando o processo de desenvolvimento da aprendizagem do paciente. O tratamento psicopedagógico torna-se necessário para instrumentalizar a escola e a família em como ajudarem estas crianças e adolescentes da melhor maneira possível, podendo proporcionar a eles uma vida escolar plena em todos os seus aspectos. CONCLUSÃO Com base nos aspectos mencionados no decorrer deste artigo, torna-se evidente que a necessidade de pacientes com transtorno bipolar serem avaliados e receberem atendimento psicopedagógico. A estabilização dos sintomas com o uso de medicações adequadas e psicoterapia, com o acompanhamento de um psiquiatra da infância e da adolescência, é fundamental para o paciente ter um bom aproveitamento escolar, entretanto não é o único tratamento necessário, pois conforme referido anteriormente, o transtorno bipolar acarreta prejuízos significativos tanto em relação ao desenvolvimento emocional, como ao cognitivo, podendo CONFLITOS DE INTERESSE A psicopedagoga Lanúzia Almeida Brum não tem conflitos de interesse. O Dr. Cristian P. Zeni e a Dra. Silzá Tramontina receberam verba para viagens de estudos da Abbott Laboratories e Jansenn Pharmaceuticals. SUMMARY Learning and bipolar disorder: psychopedagogical reflection This review aims to discuss issues related to the learning process in children and adolescents with bipolar disorder, reflecting on learning problems, learning difficulties secondary to other disorders, and learning disorders, and their relation with the cognitive and academic deficits. KEY WORDS: Learning. Learning disorders. Bipolar disorder. Cognition. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200 199 Brum LA et al. REFERÊNCIAS neurobiológica e multidisciplinar. São Paulo: Artmed; 2006. 6. Ohlweiler L. Transtornos da aprendizagem. In: Rotta N, Weiler L, Riesgo R, eds. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. São Paulo: Artmed; 2006. 7. Pântano T. Aspectos de linguagem e aprendizagem no transtorno Bipolar na infância e na adolescência. Escola, Crianças e Adolescentes com Transtorno Bipolar. In: Fu-I L, ed. Transtorno Bipolar na infância e na adolescência. 1ª ed. São Paulo: Segmenta Farma; 2007. 1. Birmaher B. Crianças e adolescentes com trans torno bipolar. Porto Alegre: Artmed; 2009. 2. Chamat L. Técnicas de intervenção psicopedagógica. São Paulo: Vetor; 2008. 3. Fernández A. A inteligência aprisionada. Por to Alegre: Artmed; 1991. 4. Fernández A. O saber em jogo. Porto Alegre: Artmed; 2001. 5. Moojen S, Costa A. Semiologia psicopedagógica. In: Rotta N, Weiler L, Riesgo R, eds. Transtornos da aprendizagem: abordagem Artigo recebido: 18/1/2011 Aprovado: 26/5/2011 Trabalho realizado no Programa para Crianças e Adolescentes com Transtorno Bipolar (ProCAB), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 194-200 200 Tendo o vínculo como doença ARTIGO de revisão Quando o vínculo é doença: a influência da dinâmica familiar na modalidade de aprendizagem do sujeito Ana Paula Decnop de Almeida RESUMO – O presente artigo tem como objetivo favorecer a atuação lúcida e assertiva no diagnóstico e na intervenção psicopedagógicos, mergulhando em um estudo bibliográfico à luz da Epistemologia Con vergente, para discriminar o vínculo normal do patológico nas relações familiares e entender até que ponto é possível atribuir a essa dinâmica familiar a influência na modalidade de aprendizagem do sujeito, causando como sintoma o não aprender. UNITERMOS: Família. Relações familiares. Aprendizagem. Ana Paula Decnop de Almeida – Membro pertencente à Sociedade Brasileira de Psicanálise, Dinâmica de Grupo e Psicodrama (SOBRAP- JF). Psicóloga, Psicopedagoga Clínica e Institucional, com espe cialização em Gestão Estratégica de Recursos Hu manos, Programa de Saúde da Família e Formação em Psicodrama (em fase de entrega de monografia). Membro associado da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Ana Paula Decnop de Almeida Av. Independência, 2310/902 – São Mateus – Juiz de Fora, MG, Brasil – CEP 36025-290 E-mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 201 Almeida APD podem ser estudados em relação a perspectivas histórica ou a-histórica. Esse artigo levará em conta as duas perspectivas: histórica, já que des taca a gênese e evolução das relações vinculares e a-histórica, por meio de um corte transversal em relação aos interesses no presente. O olhar da Psicologia Social traz como um elemento importante para a análise da aprendi zagem do sujeito o que corresponde ao vínculo -patológico ou saudável-estabelecido com os grupos sociais nos quais convive. Vínculo é uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, cons tituído pela totalidade da pessoa, interpretado por Pichon-Rivière2 como uma Gestalt. O estudo psicossocial, sociodinâmico e institucional coleta uma série de informações que são dados sobre o interior do paciente e permite detectar e/ou des cobrir as causas que provocaram a ruptura do equilíbrio psicológico ou do não-aprender. A Psicanálise vem investigar determinantes psíquicos que levam alguém a ser um desejante de saber e mostra que os educadores, investidos da relação afetiva primitivamente dirigida ao pai, se beneficiarão da influência que este último exerce sobre a criança. O presente artigo traz uma reflexão acerca do papel psicossocial da aprendizagem que não começa na escola, e sim, a partir das primeiras relações com a mãe, com o pai e com a família; prossegue tratando do conceito de vínculo e dos tipos instituídos neste grupo social, levanta questões sobre o que é normal e o que é patoló gico, para então refletir sobre a influência desses vínculos na modalidade de aprendizagem e no desempenho escolar do sujeito. INTRODUÇÃO A família é o grupo primário do qual o indiví duo participa. Sua dinâmica impõe determina dos tipos de vínculos particulares, vínculos esses que irão interferir na formação da identidade do sujeito – somando-se aos fatores genéticos e sociais –, como também na sua modalidade de aprendizagem, que vai se formando de acordo com as primeiras aprendizagens no âmbito fa miliar, sendo modelada ao longo da vida. Ao analisar o ambiente social familiar com suas interações e a forma como ocorreram as primeiras aprendizagens da criança, será pos sível inferir sobre como o conhecimento circula na família. A modalidade de aprendizagem se constrói pelo modo como os ensinantes reconheceram e desejaram a criança como sujeito aprendente e a significação que o grupo familiar deu ao ato de conhecer. Por esse motivo, o sujeito jamais poderá ser considerado, dentro da perspectiva psicopedagógica, fora do seu campo familiar. Para levantar questões acerca dos vínculos familiares interferindo na modalidade de apren dizagem do sujeito, o presente artigo lança mão da Epistemologia Convergente de Jorge Visca1, que propõe um trabalho clínico utilizando-se da integração de três linhas da Psicologia: Escola de Genebra (Psicogenética de Piaget), Escola Psi canalítica (Freud) e Psicologia Social (Enrique Pichon-Rivière). Essa abordagem caracteriza-se por ser uma visão integradora do conhecimento acerca das estruturas cognitiva, afetiva e social, respectivamente, de modo interdinâmico. A inteligência é vista pela Epistemologia Genética como o resultado de uma construção e da interação das pré-condições do sujeito às circunstâncias do meio social e entende que a criança ao nascer se encontra em um estado de adualismo, ou seja, indiscriminação de si mes ma e do mundo que a rodeia, a partir do qual vai construindo futuramente níveis sucessivos ou etapas de desenvolvimento. Assim como a inteligência, os vínculos afetivos vão assumir diferentes intensidades e irão orientar estrutu ras de conduta e personalidade. Esses vínculos TUDO COMEÇA EM CASA A família é a primeira referência de qualquer pessoa e é reconhecida como um dos pilares na formação do indivíduo. Desde o início da sua existência, a criança vivencia um total estado de indiferenciação e o adulto tenta ser capaz de satisfazer todos os seus desejos. Quem cum pre o papel de mãe é que se torna responsável por decodificar as necessidades e satisfazê-las, dentro do possível, frustrando-a quando pre Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 202 Tendo o vínculo como doença ciso. A frustração é que permite tomar contato com o senso de realidade e começar a perceber que existe o outro. Parafraseando Winnicott3, a amamentação é o primeiro vínculo do bebê com o objeto externo, ou seja, com o que pertence ao meio que o rodeia. Quando esse vínculo ocorre de forma satisfatória, preenchendo as suas necessidades, essa experiência passa a ser internalizadaa. Caso contrário, acaba sendo vista como realidade externa ou como momento de ilusão. A convivência com esse outro, nesse contexto referenciado com a mãe, e até mesmo com a cultura, é que será responsável para cortar o cordão umbilical. Aos poucos a criança sai da posição de plena dependência e parte para o processo de individuaçãob, interferindo, assim, na constituição do sujeito. Tanto a forma como é exercida a maternagemc quanto à disponibilidade da figura paterna no trato para com o filho, influenciarão na dinâmica dessa família. A família é, então, a matriz que irá interferir até mesmo nos futuros papéis de pais a serem exercidos pelos seus filhos. Família se refere a um grupo de pessoas que estão ligadas por um vínculo, nem sempre ca racterizadas por laços consanguíneos, que pode colaborar ou não para o surgimento de um filho saudável. Além da família é importante destacar a influência dos aspectos hereditários e do meio na formação da personalidade e na modalidade de aprendizagem do sujeito. De acordo com Win niccot3, “ela constitui um grupo cuja estrutura relaciona-se com a estrutura da personalidade do indivíduo. A família é o primeiro agrupamento e este é, simplesmente, uma duplicação da es trutura unitária”. O processo educacional não começa na es cola. Ele se inicia a partir das primeiras rela ções afetivas com a mãe, com o pai e com a famí lia. As condições psíquicas para o aprendizado estão em íntima relação com o desenvolvimento dos primeiros vínculos afetivos e, no decorrer deste processo, com o próprio desenvolvimento da personalidade. A família, como sistema, assume a função psicossocial de proteger seus membros e de favorecer a adaptação à cultura existente. Ela se organiza a partir de demandas, interações e comunicações que ocorrem em seu interior e exterior. Sua estrutura é formada através das normas transacionais que se repetem e informam sobre o modo, o momento e com quem deve relacionar-se cada um de seus membros. As famílias vão criando sua identidade e forma de agir, partindo das ideologias, crenças e histórias anteriores. Félix Guattari & Rolnik entendem que o capi tal inflacionou o jeito de amar, fazendo a família implodir e se desterritorializar, ocasionando um movimento de enclausuramento, simbiose e endurecimento nos relacionamentos huma nos. A cultura tem produzido novas relações vinculares tendentes à manutenção de fortes laços intrafamiliares, culturalmente herdados e transmitidos, que propiciam uma vida familiar compacta, tendendo ao desenvolvimento de su perfixações neuróticas, desajustes emocionais e relativa dificuldade dos filhos em estabelecerem sua própria maturidade adulta e independente, denominada de familiarismo. A FAMILIA E SEUS VÍNCULOS Existem dois campos psicológicos do vínculo que se intercomunicam simultaneamente e são complementares: um interno – sendo objeto de estudo mais referenciado na Psicanálise e na Adotar como próprias as ideias, normas ou valores de outra pessoa ou da sociedade, embora o processo de internalização seja realizado inconscientemente, quer dizer, a pessoa que internaliza não pensa nem sabe o que faz. Em Psicanálise, o Superego é o produto e representante da internalização das normas e padrões parentais. a É um processo descrito por Carl Gustav Jung através do qual o ser humano evolui de um estado infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, o que implica uma ampliação da consciência. b c Relação calorosa e amiga com a mãe ou com aquela que a substitui (Dicionário Aurélio). Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 203 Almeida APD Psiquiatria – e outro externo – analisado sob o ponto de vista psicossocial. O vínculo interno é fruto de uma percepção subjetiva diretamente ligada aos aspectos externos e visíveis do sujeito, como sua forma de comportar-se, por exemplo. O vínculo externo é visível e tende a ser mais está vel, resultado da observação do comportamento que também é gerado por um vínculo interno. Para a Psicanálise, as relações entre as pes soas podem ser definidas por três tipos de vín culos, ainda que se reconheça a existência de outros nas relações mais complexas. São eles: o de dependência, que traz em seu bojo um modelo intergeracional entre pais e filhos, vínculo este sempre presente no ato de ensinar e se manifesta na concepção de que o professor sabe mais do que o aluno, que deve protegê-lo para que não cometa erros, que pode julgá-lo e determinar a legitimidade dos seus interesses, que pode deter minar a comunicação possível com o educando. Outro vínculo é o da cooperação e mutualidade, caracterizado por um modelo intersexual, entre casal e fraterno – irmão e irmã –, além de um vínculo de competição ou rivalidade intergera cional, sexual ou fraterno. Para Bohoslavsky6, esses três tipos de vínculos foram aprendidos no seio da família. “Ela é – ninguém o duvida - o primeiro contexto socializante”. Vínculo “é um conceito instrumental em Psi cologia Social que assume determinada estrutu ra e que é manejável operacionalmente”a. Ele é sempre social, mesmo sendo com uma só pessoa; por meio da relação com este sujeito, repete-se uma história de vínculos determinados em um tempo e em espaços próprios. Vínculo está dire tamente ligado às noções de papel, status e de comunicação. Para compreender o que é vínculo normal “devemos partir da análise de uma das principais características das relações de objeto: o objeto diferenciado e o não diferenciado; isso é, das relações de independência e dependência”2. Quando há alterações do vínculo este pode ser chamado de patológico. d Alicia Fernàndez7, ao analisar a família, con sidera simultaneamente três níveis: o nível in dividual centrando-se no paciente, com sua particular inter-relação organismo- corpo- inte ligência- desejo; o nível vincular, focalizado na modalidade de circulação do conhecimento e da informação entre os membros da família e o nível dinâmico, aquele destinado a esclarecer o siste ma de papéis necessários para o funcionamento e manutenção da estrutura familiar e os modelos de interação possíveis. Esses três níveis mostram que as relações se dão de modo que uma pessoa alimente determinado comportamento em outra, que como analogia faz parte de uma corrente. Zimerman8 classifica a família em diferentes tipos: “família suficientemente sadia, família simbiótica, família dissociada ou dividida, fa mília narcisista, família com perdas de limites, família depressiva e outros tipos”. Ao falar sobre família, enfatiza que não existe uma família perfeitamente sadia à relatividade dos critérios referentes a sadio e patológico, mas enume ra algumas características que deverão estar presentes nas famílias consideradas como sufi cientemente sadias. São elas: predominância da harmonia, uma atmosfera sadia entre as pessoas, que possibilita um crescimento de cada um e de todos. Os pais servem como modelo de identi ficação para os filhos. Portanto, é fundamental que haja coerência entre o que dizem, fazem e o que realmente são, deixando clara a delimitação de papéis e funções de cada um, bem como o reconhecimento das diferenças existentes entre as pessoas. Só dessa forma estará presente o sentimento de empatiad tão necessário à estru turação familiar. A família simbiótica, nas palavras de Zi merman8, “possui como principal caracterís tica o fato de estarem aparentemente ligados unic amente pelo sentimento de um grande amor entre todos os familiares, mas na verdade nenhum deles ter conseguido uma autêntica emancipação e a sadia conquista de um espa Refere-se à condição de conseguir se colocar no lugar do outro. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 204 Tendo o vínculo como doença des de aprendizagem, entre estas características está aquela em que a família não sabe lidar com as diferenças e as vê como aspecto destruidor da sua harmonia. Aquele que se diferencia por alguma razão, costuma ser rechaçado do grupo por ameaçar a sua estrutura e união. Cabe ao psicopedagogo poder provocar uma reflexão sobre o crescimento que buscará trazer como resposta do grupo lidar com o diferente, sendo a diferença tida como algo complementar e não como aquilo que vem para subtrair. O sintoma a ser observado, por exemplo, é a sabotagem do saber por quem o detém, a sua infantilização, falta de confiança em si, dificuldade de aplicar o que sabe, de se tornar autônomo. Pavlovsky apud Fernàndez1 define o lugar atribuído a uma pessoa no grupo familiar da seguinte forma: “(aspas do autor) A maioria de nós está submersa em um transe hipnótico que remonta aos primeiros anos. Permanecemos nesse estado até que de repente despertamos, e descobrimos que nunca vivemos ou que vivemos induzidos por outros que, por sua vez, foram induzidos por outros. A ideologia é subterrânea. Tudo é como um profundo mal-entendido. Se despertamos de repente, ficamos loucos. Se despertamos pouco a pouco, nos tornamos inevitavelmente revolucionários em algumas de suas múltiplas formas, e então tentamos modificar destinos. Se não despertamos nunca, somos gente normal e não prejudicamos ninguém”. ço próprio”. Por meio dessa dinâmica tende a ocorrer a infantilização de um ou de mais fi lhos, por causa do desejo inconsciente de um dos pais de garanti-lo como segurança contra a solidão na sua velhice. Na família dividida ocorre a eleição de subgrupos, em detrimento de uma saudável integração dos seus elemen tos, havendo o risco de se privilegiar um dos pais ou um dos filhos. Dessa forma, o que não é privilegiado, é excluído, dificultando o convívio nessa família. A família narcisista é aquela cujos membros acreditam serem donos da verdade, possuidores das melhores qualidades e, por isso, assumem uma onipotência em relação às outras pessoas. Geralmente toleram mal qualquer tipo de frustração. As famílias com perdas de limites são aquelas em que falta o reconhecimento das diferenças e manutenção da hierarquia, de papéis, de lugares, posições e funções no grupo familiar. Dessa forma, não há possibilidade de uma estruturação sadia entre os membros, havendo a necessidade de colocação de limites. Na família depressiva, as características principais são a tristeza, a apatia, o pessimismo generalizado e, na maioria das vezes, um culto a familiares mortos, impedindo viver com mais intensidade o presente. Outros tipos podem ser vistos como: • obsessiva, prevalecendo uma cobrança excessiva entre os seus membros, bus cando a perfeição através do controle exagerado; • fóbica, em que prevalece a evitação diante de situações novas, que exigem maiores iniciativas; • paranoide, caracterizada por pessoas muito desconfiadas, por isso, são provo cadoras e sensíveis ao extremo; • sadomasoquista, caracterizada por uma alternância entre amor e ódio recíproco entre os membros; • hipocondríaca, que cultua doenças, médi cos, exames e um abuso de medicamentos. O que se pode considerar é que existem ca racterísticas que geralmente dizem respeito a famílias com pessoas que apresentam dificulda Esse lugar vivenciado inconscientemente é ocupado em geral quando o segredo familiar não é guardado por determinado integrante do grupo ou quando a este é destinado à obrigação de retê-lo de outro membro, causando-lhe dificul dades no mostrar. Ele pode então, entender um conteúdo escolar e ter dificuldade de transpor para o papel ou ter o chamado “branco” na hora da prova. Partindo dessa afirmação, fica ainda mais explícito que a aprendizagem não deve ser desvinculada da vida e nem muito menos restrita ao espaço escolar. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 205 Almeida APD doença mental, influenciado pelo temor de ser ele mesmo um doente. Para a Psicopatologia existem critérios para distinguir o normal do patológico que se origi nam da evolução do conhecimento sobre os seres vivos e suas enfermidades, da prática clínica e do progresso do conhecimento da natureza. Um critério operacional é o subjetivo: a consciência da dor, de estar enfermo, de estar apresentando algum prejuízo pessoal ou um impedimento qualquer é, talvez, o elemento conceitual mais utilizado, outro seria o critério estatístico, que é universalmente utilizado para diagnosticar os casos de deficiências mentais, déficits específicos de aprendizagens, deficiên cias psicosensoriais, anomalias psicomotoras, enfim, todas as dimensões que possam ser mensuradas, outro critério seria o normativo, que pressupõe a existência de uma norma ideal de funcionamento que sirva como referência ao caso a identificar. Quando se trata de uma situação na qual prepondere o aspecto bioló gico-individual, este critério é muito valioso. Comportamentos sociopáticos, patologias orgâ nico-cerebrais, variações anormais do estado de consciência e outras formas de patologias podem ser identificadas com o auxílio desse critério. Quando se emprega o critério normativo deve se levar em conta os interesses sociais, tais como: religiosos, político-ideológicos, de classe social, entre outros. Existe o critério do sofrimento e o anormal seria aquele que, em função do seu estado anômalo, sofre ou faz sofrer a sociedade. Este critério não pode ser absolutizado, porque conduziria ao exagero, evidente por si mesmo, que todo sofrimento fosse patológico. Contudo, é um critério prático que pode e deve ser usado em consonância com os demais, sobre o impé rio do senso comum, embora se saiba que nem todos os casos de patologia psíquica sofram ou façam sofrer e que, sobretudo, a grande maioria do sofrimento não é o produto da patologia men O NORMAL E O PATOLÓGICO, POR ONDE ANDAM ESSES LIMITES? Em seu sentido mais extenso, a expressão normal se refere a padrão, regra de funciona mento, sendo um paradigma que serve de mo delo e guia. Em patologia, a palavra normal é melhor traduzida por higidez (de higéia- deusa da mitologia grega que protege a saúde), porque normal é sinônimo de saudável, próprio àquele que goza saúde. A saúde tem sido definida pela OMSe – como perfeito bem-estar físico, mental e social. Bem -estar pode ser compreendido como estado de satisfação das necessidades; entretanto, as neces sidades humanas tendem a se ampliar à medida que são satisfeitas. Assim, o conceito deve ser restrito àquelas necessidades vistas como básicas: trabalho, alimentação, moradia, vestuário, lazer, conhecimento, ambiente adequado, possibilidade de pleno desenvolvimento de suas aptidões natu rais, cuidados sanitários, amor, justiça, liberdade e conhecimento da sua dignidade. A psiquiatrização das diferenças e a psico patologização de comportamentos de minorias têm sido um obstáculo à delimitação prática entre saúde e doença e servido como elemento de coerção e repressão social. Outra questão preliminar que influi na diferenciação entre normal e patológico se refere aos conceitos de patológico, doença, enfermidade, deficiência, sofrimento, embora contenham elemento de abs tração, somente podem ser exercidos sobre casos concretos e pessoas reais. É importante destacar o caráter relativo implícito na diferenciação entre o que é normal e patológico: que é normal em uma pessoa numa certa época de sua vida pode ser anormal noutra. Deve-se destacar, portan to, o fator sociocultural, o grau de instrução, a classe social, o sexo, o papel social e cultural e a subcultura a qual pertença o indivíduo, bem como o despreparo do profissional e a distorção de quem discorre sobre os limites entre saúde e e É uma agência especializada em saúde, fundada em 7/4/1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. Sua sede é em Genebra, na Suíça. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 206 Tendo o vínculo como doença de interpretação, o que refletia na escrita, bem como restrita capacidade de combinar elementos e produzir novas e ricas declarações. Recorrendo à anamnese, aos dados coletados na EFES, de Weiss, e nas sessões com o paciente, constataram-se aspectos singulares da dinâmica familiar: características de família simbiótica e obsessiva: atitudes de superproteção, estímulo à infantilização, cobranças constantes e proibi ções, demonstrado interesse no cumprimento do papel de filho idealizado pela família, além de um discurso diário de que “Só os fortes chegam lá! O homem tem obrigação de dominar os seus vícios!” Uma mãe impositiva e um pai ausente. O paciente não se sentia respeitado em sua individualidade e diante da cobrança, era inten sificada a sua percepção interna de impotência e incapacidade diante do novo. Seu modelo de aprendizagem foi centrado em um vínculo de de pendência, o que dificultava o seu crescimento; falta de confiança em si mesmo, uma atitude de sabotagem em relação ao saber, baixa autoesti ma. Adquirir conhecimento implicava em lidar com situações novas, geradoras de ansiedade, que se tornava ainda mais ameaçadora devido à falta de confiança em si mesmo. Por serem acentuados os erros em um dado momento da sua vida, somado a expectativas familiares para seguir determinada carreira, ocorria um medo de ser avaliado negativamente. Esse fator inibia o pensar e implicava na ausência de um real desejo que o vinculasse afetivamente com o co nhecimento, já que tinha internalizado o estigma da deficiência através da dinâmica familiar. A proposta de intervenção psicopedagógica foi de um trabalho vocacional, que despertou o seu talento e os seus valores. Durante esse processo, o paciente apresentou uma postura criativa, cuidadosa, autônoma, uma capacidade linguística, relacional, de contextualização, de abstração, levando à constatação de que não havia obstáculo epistêmico, apenas epistemofí lico. A família (e a escola) foi orientada simulta neamente gerando uma resposta de valorização do paciente e reconhecimento do papel da famí lia no desenvolvimento do educando. tal. Outro critério é o da adaptabilidade, que se refere à capacidade do indivíduo de se ajustar a novas condições de existência, sem perdas ou prejuízos significativos da funcionalidade, pro movendo a sua interação com o meio ambiente. Neste sentido, este critério é um valioso instru mento para identificar a normalidade e distin guir a anormalidade. Existe também o critério de exercício da liberdade, já que o desajustamento do mundo imediato, muitas vezes resultará de um plano mais amplo de adaptação, e o sofri mento que daí venha a derivar, somente como tal poderá ser considerado, dentro de uma escala de valores contingente àquele próprio mundo que condena, seja realmente a defesa contra um sofrimento maior, representado pela contradição às suas estruturas valorativas. O critério do exer cício da liberdade é o mais possível de ser gene ralizado para a conceituação do patológico, quer se trate de deficiência ou impedimento, quer se trate do sofrimento inadequado ou de doença mental franca, o que todas essas condições têm em comum, é que o seu objeto está privado de liberdade ou dificuldade de exercê-la. Diante das considerações anteriores, fica cla ra a dificuldade encontrada pelos psicopedago gos em delimitar o território normal e patológico nas relações interpessoais e a conduta ética a ser adotada por esses profissionais. Normal e patológico, por onde andam esses limites? Recordo de atender a família de um paciente de 15 anos, do ensino médio, trazendo a queixa de déficit no aprendizado, notas baixas, falta de interesse para com os estudos, apatia (se gundo a educadora parecia perdido), possuía forma sucinta de apresentar conteúdos verbais e escritos, além das ideias serem expressas de modo fragmentado, “sem acrescentar as suas vivências”. Contudo, todos – profissionais e fa miliares – acreditavam no seu potencial, caso houvesse vontade e dedicação por parte dele de reverter o quadro apresentado. Na avaliação diagnóstica foi observado que, apesar de estar no Período Operatório Formal, seu pensamento hipotético-dedutivo estava pou co desenvolvido, apresentou certa dificuldade Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 207 Almeida APD for visto como um coparticipante do processo de aprendizagem. Ele deverá ser ativo no sentido de perceber a utilidade do saber para a sua vida. Por esse motivo, a aprendizagem envolve o sujeito autor, objetos a conhecer e o ensinante. Só ocor re ensino quando acontece a aprendizagem. É preciso existir uma verdadeira interação de quem ensina com quem aprende e vice-versa. Existe uma expectativa da família para com aquele que aprende. Essa expectativa interfere diretamente na aprendizagem; ou seja, existe uma dinâmica de encorajamento diante de novas situações, diante dos desafios, se existe um desejo inconscienteg de que esta pessoa permaneça dependente emocionalmente para sustentar alguns segredos (como, por exemplo, a permanência de um filho em casa para cuidar fisicamente da sua mãe quando ela estiver mais idosa). Dependendo de como aconteça esse vínculo com a aprendizagem, de como esteja a autoestima de quem aprende e de seus interesses conscientes ou não, o sujeito poderá se transfor mar em um pesquisador atuante, devido a sua curiosidade diante do que lhe é apresentado em situações que não trazem respostas prontas, ou poderá reagir de modo acomodado e pouco desafiador, repetindo comportamentos pouco criativos diante de diferentes estímulos. Sen do assim, as pessoas podem desenvolver uma modalidade fóbica de aprendizagem, em que é fomentado o medo de se lançar diante do novo, de correr riscos e, consequentemente, aparece rá a insegurança em relação ao potencial que possui. Dentro desse contexto, se pode falar de uma aprendizagem patológica conhecida como hipoassimilativa, resultando em um déficit lú dico na disfunção da capacidade criadora. Essa forma exibicionista em que o ensinante se porta ofusca o olhar de quem aprende, já que o outro fica tido como único detentor do saber. MODALIDADE DE APRENDIZAGEM: UM MOLDE RELACIONAL Cada um de nós tem uma modalidade de aprendizagem particular, uma forma pessoal para aproximar-se do conhecimento e conformar seu saber. Ela é construída desde o nascimento num processo contínuo de conhecer-desconhecer. A modalidade de aprendizagem é “como uma matriz, um molde, um esquema de operar que vamos utilizando nas diferentes situações de aprendizagem”7. Ela é construída desde o sujeito em seu grupo familiar de acordo com a real experiência de aprendizagem e como esta foi interpretada pelo sujeito e pelos seus pais. A Psicopedagogia investiga a modalidade de aprendizagem do sujeito, analisando um conjun to de aspectos – conscientes, inconscientes – da ordem da significação, da lógica, da simbólica, da corporeidade e da estética e tem como objeti vo principal capacitar a pessoa a tornar-se autora do seu pensamento. Por esse motivo, é impres cindível analisar as influências familiares sobre o aprendizado escolar, pensar no desempenho do aluno, conhecendo o sujeito integralmente, mergulhando no principal núcleo que este faz parte: a família. Os psicopedagogos jamais poderão dispensar a história de vida do sujeito, somada a hereditariedade, já que esses elemen tos oferecem dados para a compreensão da sua personalidade, o comportamento do indivíduo e sua modalidade de aprendizagem. A modalidade de aprendizagem marcará, segundo Fernàndez9, uma forma particular de relacionar-se, buscar e construir conhecimentos, um posicionamento de sujeito diante de si mesmo como autor de seu pensamento, um modo de descobrir, construir o novo e um modo de fazer próprio ao que é alheio. A condição essencial para que o sujeito adqui ra novos conhecimentos é o desejof de aprender. Esse desejo só irá se manifestar se o aprendente Segundo a Psicanálise é a representação de algo que a pessoa considera meio de satisfação ou gratificação. O sentimento de que uma coisa ou condição determinada satisfará ou aliviará uma necessidade ou carência. f g Qualquer processo mental cujo funcionamento pode ser deduzido do comportamento de uma pessoa, mas ao qual essa pessoa continua estranha, sendo incapaz de o examinar e relatar. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 208 Tendo o vínculo como doença pensamento, um modo de descobrir, construir o novo e um modo de fazer próprio ao alheio. Na perspectiva construtivista de Piaget, o começo do conhecimento é a ação do sujeito sobre o objeto, ou seja, o conhecimento humano se constrói na interação homem-meio, sujeito-objeto. Conhecer consiste em operar sobre o real e transformá-lo, a fim de compreendê-lo, algo que se dá a partir da ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento. As formas de conhecer são construídas nas trocas com os objetos, tendo uma melhor organização em momentos sucessivos de adaptação ao objeto. Então, quando essa modalidade de aprendi zagem se congela, tornando um padrão nas di versas situações da vida, é que pensamos em algo patológico. Quando a forma de se relacionar com a aprendizagem, com o objeto de conhecimento e com o ensinante se cristaliza, traz como resul tado a falta de criatividade no que se faz, tendo como produto apenas algumas repetições do que lhe é apresentado. Outra experiência tida como negativa é quando ocorre uma internalização prematura dos esquemas, como, por exemplo, oferecendo um excesso de conteúdo a ser estu dado, sem ter havido uma real assimilação do anterior. Cria-se um processo de hiperassimilação. A hipoacomodação ocorre de modo semelhante, quando não se respeita a necessidade de quem aprende e nem o seu ritmo. Na hiperacomodação, a pessoa é incentivada a uma imitação excessiva, sem ter uma experiência prévia. Sabe-se que ninguém aprende do mesmo jeito. A forma particular de relacionar-se, buscar e construir o conhecimento interessa diretamente ao trabalho do psicopedagogo, uma vez que ele deverá ser um facilitador para que o sujeito possa posicionar-se diante de si mesmo como autor do seu pensamento. É importante realizar esse trabalho sempre com um olhar voltado para a família, dentro de uma visão sistêmicai, levando em conta três níveis: o individual, o vincular e A forma como a pessoa se relaciona com a aprendizagem não é fixa, ou seja, pode mudar ao longo da vida. Entretanto, quando isso não ocorre surgem grupos de modalidades (organi zações) que perturbam o aprender10. Segundo a autora, são eles: hipoassimilação-hipoacomoda ção (déficit lúdico, resultando na disfunção da capacidade criadora); hiperassimilação-hipoaco modação (internalização prematura dos esque mas, por causa do excesso de conteúdos a serem estudados); hipoassimilação-hiperacomodação (a pessoa é incentivada a uma imitação excessi va, sem ter uma experiência prévia) e alternância variável entre assimilação-acomodação, que é o modo saudável de aprender. Assimilação e acomodação são termos uti lizados na teoria genético-cognitiva de Piaget que favorecem a adaptação. Assimilação é o movimento pelo qual os elementos do ambiente alteram-se para serem incorporados à estrutura do organismo. Neste caso, aprender não é ape nas memorizar, repetir livro, sem que haja um entendimento efetivo do que se pretende enun ciar. É preciso raciocinar sobre o que é falado. Isso implica a utilização de um pensamento mais complexo, próprio do Estágio das Operações Formaish. Para complementar a assimilação, é preciso da acomodação – esse movimento pelo qual o organismo altera-se, de acordo com as características do objeto a ser ingerido –, isso significa que a pessoa só acomoda se consegue colocar em prática o que assimilou e usar desse conhecimento para executar um trabalho. Ao aco modar e assimilar alternadamente, o aprendente altera o estágio cognitivo do desenvolvimento em que se encontra, avançando entre os estágios. A modalidade de aprendizagem marcará uma forma particular de relacionar-se, buscar e construir conhecimentos, um posicionamento do sujeito diante de si mesmo, como autor de seu h É o raciocínio lógico que em média começa em torno dos onze ou doze anos, necessário à solução de todas as classes de problemas, segundo Piaget e os estágios de desenvolvimento. i É a ideia de que todo comportamento, por mais isolado que possa parecer, está em interação com o contexto que o cerca, e pode ser mantido, ampliando ou atenuando por retroações do ambiente. Surgiu no século XX contra o pensamento reducionista. Visão do mundo. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 209 Almeida APD o dinâmico, que se manifestam considerando as imagens, as sensações e as ideias de cada pessoa. No nível particular é levada em consi deração a subjetividade do sujeito em relação ao mundo que a cerca. Leva-se em considera ção o modo em que manifesta a sua expressão corporal, verbal, seu grau de curiosidade, a sua história em relação à aprendizagem e mediante a dinâmica familiarj. Com relação ao nível vincu lar, o psicopedagogo deve verificar se o que é dito pela família pode ser contestado pelo paciente ou se é imposto como verdade, se nos vínculos é abolida a diferença ou se sabem respeitar a singularidade, ou ao contrário, se através destes é cultuada a submissão, a falta de diálogo. No caso de participarem de uma dependência mú tua, o novo não será bem-vindo e não haverá um espaço para o risco e para a vivência de novas experiências. Outro aspecto a ser considerado é quanto à metodologia utilizada para educar, se através de sanções ou prêmios. Se alguns as suntos considerados tabus são ditos e como isso acontece ou tornam-se proibidos. Finalmente, o nível dinâmico refere-se propriamente à dinâ mica familiar, aos papéis que são atribuídos e desempenhados para a manutenção dos vínculos e, consequentemente, da sua estrutura. Todos esses fatores interferem nos relacionamentos posteriores a serem estabelecidos pelo apren dente. Isso se explica porque ele internaliza esse conjunto de relações, traduzindo-se, por exemplo, em pais unidos ou distanciados, como figuras protetoras ou protegidas, sem, contudo, ser a relação familiar o único determinante para a sua forma de pensar e agir. A modalidade de aprendizagem é construída nas relações interpessoais estabelecidas. Numa perspectiva Piagetiana, valoriza-se a formação do sujeito no grupo. A inteligência humana so mente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasia damente negligenciadas11. Apesar de não ter se detido longamente sobre essa questão, reconhe j ceu o papel do grupo social no desenvolvimento da pessoa, entendendo social como tendências hereditárias que nos levam à vida em comum e à imitação; e o desenvolvimento intelectual sendo obra da sociedade e do indivíduo. Vygotsky apud Grossi & Bordin12 reafirmam o valor do grupo social, tal como a família, quando nos apresenta o novo quadro epistêmico da edu cação, incluindo o outro no processo de conhe cimento. Isso porque é através das relações que se vai construindo um significado para os fatos. Com a mediação é que se aprende até mesmo a dar os primeiros passos, a falar e a estruturar o pensamento. Essa mediação, além de interferir na formação da inteligência, estando a criança em contato também com objetos do mundo físico, é responsável por promover a troca afetiva, de modo geral. É através dessa rede de relações que se vai desenvolvendo a personalidade. Dessa forma, é realçada a presença dos pais, professores, parentes, amigos nas diversas cir cunstâncias. Grossi & Bordin12 afirmam que “a aprendizagem só existe na circulação de saberes e conhecimentos, entre ensinante e aprendente, entre o sujeito que tenta compreender o mundo e o outro que se interpõe entre ambos,”, ou seja, é algo dialético, onde só ensina quem aprende. E tamanha é a responsabilidade de quem fica na posição de ensinante ou modelo. INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO DESEMPENHO ESCOLAR Já é sabido que, algumas famílias de crianças que apresentam transtornos de aprendizagem levam mais tempo para tomar decisões, em com paração às famílias de crianças ditas normais, o que levaria a adiar a resolução dos conflitos e a uma falta de habilidade para resolver problemas. NcWhrirter apud Scoz (1987) afirma ainda que, quando os pais de crianças com dificuldades de aprendizagem constituem um grupo hete rogêneo quanto à inteligência, valores afetivos são comuns a todos os seguintes sentimentos: Qualificação de um ponto de vista que considera os fenômenos psíquicos como resultantes do conflito e da composição de forças que exercem uma certa pressão, sendo essas forças, em última análise, de origem pulsional. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 210 Tendo o vínculo como doença sentimentos de confusão, frustração, raiva, crí tica, culpa e intolerância. Na visão do mesmo autor, o sentimento de confusão se traduz na não compreensão do sintoma do filho, devido a sua instabilidade no rendimento escolar. Por isso, faz-se necessário que os psicopedagogos utilizem uma linguagem acessível no sentido de esclarecer a problemática citada aos pais. À medida que não compreendem, possuem maior resistência ao lidarem com o comportamento desse filho, gerando a raiva, por sentirem-se impotentes. Por isso, a intervenção do terapeu ta para com a família se torna fundamental no tratamento. A raiva pode ser transformada em crítica aos profissionais, professores por não se perceberem capazes de darem conta da situação enquanto responsáveis. Outra possibilidade é de se culparem pela pouca produção da criança e paralisarem-se diante da situação. Há também a intolerância, por não serem preenchidas as suas expectativas com relação ao boletim escolar desse filho. Torna-se importante verificar o que esse fato comunica, uma vez que a desmotiva ção desse aluno pode estar relacionada a uma dificuldade de aprendizagem e ao mecanismo de defesak denominado fuga ou evitação, para não tomar contato com a frustração. Quando é possível aos pais aceitarem as diferenças, são geradas posturas mais democráticas por enten derem que as contradições não são vistas como ataques ao outro, mas como uma manifestação da individualidade de cada ser, que se comple menta em sua diversidade. “As famílias facilitadoras da autoria de pensamento mostram características marcadamente alteritárias, como: permissão busca e valorização da diferença; possibilidade e promoção de escolha por parte do aprendente, diferente da dos ensinantes. Nessas famílias, a diferença não é entendida como um ataque ao outro e a diferença é trabalhada com base no afeto positivo, ou seja, é possível opinar e discordar sem causar conflito. (Munhoz, Scoz, 2007, p.152) Essa afirmação justifica a necessidade de destacar a família como o principal grupo social onde o sujeito está inserido, porque os principais ensinantes são os pais. O modo de aprender pode se dar de acordo com os vínculos estabelecidos com a forma que circula o conhecimento na família. O psicopedagogo deverá captar essa dinâmica familiar, observar como o paciente é visto pela família, como todos lidam com as situações divergentes, se esse sujeito manifesta os seus sentimentos ou opiniões e se é ouvido. A criança pode depositar na professora ou na escola sentimentos agressivos originariamente destinados às figuras parentais (aos pais que ela têm representados dentro de si) e em sua imaginação sentir-se com muito medo de ir à escola ou de fracassar – conceito psicanalítico de transferêncial). Então a professora, estando no papel de autoridade, traz a simbologia do que é vivenciado em casa e do registro em que se processa a experiência vincular com os pais. Nesse momento entra em questão o aluno como um todo integrado, fazendo parte do seu ser organismo, corpo, inteligência e desejo. Vale lembrar que a escola é uma extensão da sua casa, no sentido de que as relações tenderão a ser reproduzidas e projetadas na figura do profes sor, que naquele papel representa a autoridade. Se esse filho não se percebe aceito e respeitado por quem faz parte da sua família, dificilmente se verá como tal na escola, tendendo a evitar se expor, não sendo autor dos seus próprios pensa mentos por medo da crítica ou por não exercitar a capacidade de julgamento e inferência. Cabe ao psicopedagogo clarear os pontos obscuros estabelecidos nas relações para que cada um se veja como corresponsável pelo outro e não apenas k Termo psicológico que designa diferentes tipos de operações em que a defesa pode ser especificada. Os mecanismos predominantes diferem segundo o tipo de afecção considerado, a etapa genética, o grau de elaboração do conflito defensivo. l Designa em Psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 211 Almeida APD delegue responsabilidades, elegendo um deposi tário para a ansiedade de todo o grupo. Para que a pessoa se considere autora do seu pensamento, é necessário que lhe seja oferecida a oportunidade para que possa experienciar novas situações, correr riscos de forma saudá vel. Desde criança, por meio das brincadeiras, jogos e contato com os objetos do mundo que a rodeia, essa possibilidade pode se concretizar ou não, dependendo da permissão que lhe for dada pelos pais. Só dessa forma, poderá enfrentar os obstáculos e, com o apoio necessário, construir uma autoestima positiva, baseada na confiança em si mesma. Contudo, se diante do erro, ela for recriminada frequentemente e se esses erros são sempre realçados em detrimento dos acertos, descobrirem algo pode se tornar sinônimo de castigo e repreensão e, portanto, de algo que gera sofrimento. O problema de aprendizagem pode ser originado do fato do sujeito não confiar na sua capacidade e, consequentemente, não ter autoria de pensamentom. Na maioria das vezes, fica fixado no resultado e não no processo como um referencial para o seu crescimento. Portanto, o significado dado à aprendizagem pelo grupo familiar, o modo como os ensinantes desejam essa criança como aprendente, irão influenciar na construção da modalidade de aprendizagem. A autoria de pensamento é condição para a autonomia e a autonomian favorece a autoria. A dificuldade de aprendizagem pode ser a causa de um transtorno específico por parte do sujeito ou uma linguagem para dar conta de um meio familiar disfuncionalo. A discriminação de um pólo ou outro para compreensão de como ocorre a aprendizagem do paciente é um dos principais objetivos do diagnóstico psicopedagógico. As coerções excessivas e as mensagens negativas só servirão para exacerbar os conflitos, ao passo que o sujeito precisa, nesse momento, de um suporte afetivo dos pais e pessoas que o rodeiam, para que possa se sentir seguro, para enfrentar os obstáculos, e, consequentemente, motivado. CONSIDERAÇÕES FINAIS A escola estabelece uma relação que pode ser vista como uma continuidade dos vínculos fami liares, quando se diz, por exemplo, que no ensino a professora é a segunda mãe. O vínculo familiar, apesar de não ser o único responsável pelo de senvolvimento das potencialidades humanas, é tido como o principal por ser o primeiro formador da matriz de identidade e, consequentemente, interfere no olhar do indivíduo sobre o mundo. O vínculo escolar acaba tendo a mesma natu reza do familiar, porque os professores ocupam o papel de autoridade. Existe uma continuidade entre o ensino e seus vínculos arcaicos, apreen didos no seio da família. A relação familiar não é só o vínculo que leva ao desenvolvimento das possibilidades huma nas, mas que enquanto vínculo,que socializa é, também, um vínculo potencialmente alienante; daí pode concluir que o ensino prolonga e sis tematiza esses aspectos polares e realça o que começa a se formar no lar. É preciso, portanto, compreender como se processa toda essa dinâmica, avaliar se ocorre coerência entre o discurso dos atores com o que é demonstrado pela família. O discurso envolve aspectos inconscientes, segredos familiares e, provavelmente, sintomas que fazem parte de todo um grupo e que se entrecruzam com as histórias individuais desse sujeito eleito como figura central de toda a problemática familiar. O trabalho psicopedagógico precisa direcio nar o seu olhar e o de outrem, neste caso, o da família, para a saúde em detrimento da doença, m É definida por Fernàndez como o processo e o ato de produção de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como participante de tal produção. n Na terminologia psicológica, atribui-se a autonomia à parte de um todo muito mais vasto que, em relação a esse todo, funciona com relativa independência. o Família disfuncional é aquela que responde às exigências internas e externas da mudança, padronizando seu funcionamento. Ocorre um bloqueio no processo de comunicação familiar. Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 212 Tendo o vínculo como doença no sentido de buscar o potencial que existe em cada pessoa e não enfatizar a falta, entendendo que a origem do problema de aprendizagem não se encontra na estrutura individual. “O sintoma se ancora em uma rede particular de vínculos familiares, que se entrecruzam com uma também particular estrutura individual. A criança suporta a dificuldade, porém necessária, e dialeticamente os outros dão o sentido”7. A escuta clínica do discurso, da comunicação e da linguagem estabelecidas na família, através da ótica da epistemologia convergente - como referencial teórico - possibilita a compreensão da modalidade de aprendizagem do sujeito. Isto porque o tipo de comunicação decorrente da relação vincular que a pessoa mantém com o seu grupo familiar se repetirá, muitas vezes, involuntariamente, nas situações escolares. SUMMARY Having the link as disease: the influence of family dynamics on the subject’s learning mode This paper proposes a review, under the perspective of Convergent Epistemology, about the family ties of affection interfering in the subject’s ability of learning. In addition, it aims to prompt a reflection on the impor tance of psychopedagogists to know about normal and pathological links so that they could develop the ability to identify the min family dynamic sand check the strength of their influence on the subject’s mode of learning, hither to seen as “ill” just because they simply can not learn. KEY WORDS: Family. Family relations. Learning. REFERÊNCIAS 7. Fernàndez A. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da crian ça e sua família. Porto Alegre: Artmed; 1991. 8. Zimerman GL. Velhice: aspectos biopsicosso ciais. Porto Alegre: Artmed; 2000. 9. Fernàndez A. Os idiomas do aprendente. Por to Alegre: Artmed; 2001. 10. Fernàndez A. 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O artigo foi baseado na experiência da autora como psi copedagoga clínica, tendo como foco a obtenção do título de especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, realizado na instituição Estácio de Sá de Juiz de Fora, coordenado por Helena Delage. Trabalho realizado na Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora, MG, Brasil. Artigo recebido: 12/2/2011 Aprovado: 29/3/2011 Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 201-13 213 Witer GP RESENHA Miniaulas Resenha: Geraldina Porto Witter Resenha do livro: Rog LJ. Marvelous minilessons for teaching: intermediate writing, grades 4-6. Newark, DE: International Reading Association; 2010. 216p. A estratégia denominada miniaula ou minili ção surgiu, foi testada e utilizada nas várias áreas de conhecimento nos anos sessenta do século passado. Passou a ter um crescimento constante tanto em termos de pesquisa como em relação ao uso efetivo em sala de aula, em cursos de ex tensão, de curta e média duração, integrando as estratégias e tecnologias úteis aos vários níveis de ensino, não sendo apanágio de nenhum en foque teórico específico. Entretanto, é pouco difundida no Brasil, a despeito de sua eficiência. O livro de Lori Jamison Rog traz uma contri buição muito rica e, embora exemplifique com um curso de escrita para alunos do 4º ao 6º grau, aplica-se com adaptação rápida à formação de qualquer escritor e à parte conceitual e instru mental a qualquer matéria. A autora tem longa experiência de ensino primário intermediário e superior, sendo consultora do sistema público do Canadá e do Conselho de Leitura do qual é membro honorário vitalício. Tem vários artigos e livros publicados. Também atua como consultora no ensino privado. A obra compreende Prefácio, nove capítulos e índice de autores e conteúdo. O Prefácio é da pró pria autora e nele ela apresenta a obra e destaca suas especificidades. Nos capítulos seguintes, apresenta vários planos de miniaulas de grande utilidade e que constituem modelos adaptáveis a vários assuntos. Todos os capítulos seguem a mesma estrutura. Começam pela apresentação da relevância do tema, faz uma breve revisão das pesquisas na área, introduz a minilição e se fecha com ideias adicionais para o ensino e o pensar sobre a maté ria. Como faz parte da técnica, o foco é sempre em um objetivo específico, destaca que o mais im portante não é a tarefa em si, mas o que o aluno está aprendendo como escritor. É identificado o objetivo, o padrão de desempenho ou proficiência que o aluno deve alcançar para o ensino ser sig nificativo e a avaliação. Lembra que, em cada minilição, um ou mais traços da escrita eficiente podem ser enfocados. O esquema de cada minilição inclui: introdu ção, guia prático e aplicação independente. Na primeira, é apresentado o objetivo e feita uma ligação com o conhecimento anterior do aluno. No guia prático, o aluno tem base para usar a estratégia e, na aplicação independente, há so licitação para que aplique o aprendido em sua própria escrita. O professor que vai aplicar a miniaula encontra apoio em exemplos, modelos, organizadores gráficos e como usar estilo de en sino individualizado. Há espaço para o professor fazer anotações pessoais para uso posterior. Geraldina Porto Witter – Doutora em Ciências, livredocente em Psicologia Escolar; Professora Emérita da UFPa, do UNIPE e da UNICASTELO, Coordenadora da Extensão e do Comitê de Ética em Pesquisa da UNICASTELO e Membro da Academia Paulista de Psicologia. Correspondência Geraldina Porto Witter Av. Pedroso de Moraes, 144, apto 302 – Pinheiros – São Paulo, SP, Brasil – CEP 05420-000 E- mail: [email protected] Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 214-5 214 Miniaulas O primeiro capítulo apresenta uma perspec tiva geral sobre o workshop de escrita e como adaptá-lo para outros níveis, as várias fases e res pectivas durações. Inclui da ideia à editoração, passando pela produção de texto. O capítulo seguinte apresenta os quatro passos básicos para se preparar a aprendizagem e a produção da escrita: (1) escolher o gênero ou forma de texto a ser enfocado; (2) determinar os objetivos da aprendizagem; (3) planejar a sequência de obje tivos; e (4) estabelecer um plano de avaliação e seus correlatos. Os seis traços básicos da escrita, conforme evidências, são: ideias, organização, voz, escolha de palavras, fluência verbal e con venções a respeitar. Para cada traço se estabelece uma estrutura de referência e se especifica um alvo de aprendizagem, isto é do que o aluno será capaz após a miniaula. O terceiro capítulo trata da importância dos antecedentes à escrita ou pré-escrita, o que in clui o que o aluno aprendeu nos anos anteriores, seu contexto de vida, se aprendeu a fazer rascu nhos e revisões práticas. Nesta área é importante verificar o que sabe e como o aluno procede para selecionar estratégias mais adequadas. São propostas atividades de avaliação para isto no que diz respeito à escrita. O que ela já sabe é o ponto de partida e deve-se ir além para que ele se desenvolva realmente. O capítulo 4 trata da elaboração do texto, que implica no acréscimo de detalhes. Para tanto, o escritor precisa saber detectar quando é relevante incluir um detalhe específico, selecionar possíveis adendos, avaliar se realmente pode enriquecer seu texto, fazer um teste e avaliar os resultados. O capítulo seguinte tem por foco a pesquisa e a produção de textos informativos, que são de grande importância no mundo moderno, con tam com estruturas de escritas já estabelecidas e que ajudam os estudantes a organizar seu pensamento e a analisar a informação, sendo o tipo de discurso em que melhor se estabelece a relação entre estratégias de leitura e de escrita. Para a escrita de textos informativos, a sequên cia facilitadora indicada é a seguinte: analisar exemplos de textos quanto à forma e conteúdo; escolher um tópico e reduzi-lo (objetivos espe cíficos); criar uma lista de possíveis questões para pesquisa; obter informações sobre o tópico; transformar as notas (lidos e pensados) em uma primeira redação (cuidar de coesão); acrescentar uma introdução e formular as conclusões; revisar a pessoa gramatical (voz), o tempo, as palavras escolhidas e a fluência das orações, checar com a política de publicação e enviar para publicar. Seguindo o mesmo processo, o capítulo 6 para a produção de textos persuasivos ou convincen tes trata de como orientar o aluno para buscar apoio em fatos, estatísticas e em argumentação anterior. Já no capítulo seguinte, a preocupação é ensinar o aluno a expressar bem suas ideias, a usar semelhanças, verbos ativos, orações bem construídas, como fazer parágrafos, extrair ou incluir palavras e frases no texto. O oitavo capí tulo trata de como se preparar para provas que impliquem em escrever, ou seja, aspectos como saber resumir, usar a literatura, usar eficiente mente o tempo disponível para a avaliação. O último capítulo é dedicado aos alunos que chegam à escola ou à classe com defasagens, os diferentes, os relutantes. São alunos que reque rem atenção especial e o professor precisa dispor de tempo e atividades especiais para trabalhar com eles. É preciso verificar o nível de dificulda de que ele tem, detectar quais os problemas que enfrenta, que estratégias de leitura e escrita sabe usar. É necessário um atendimento individuali zado, o que pede recorrer ao ensino personali zado ou instrução programada especiais. O livro é muito rico em sugestões e a organi zação das atividades propostas tornam o texto muito atraente e útil. A bibliografia inclui clássicos e textos recentes. Seria muito bom difundir mais o ensino via miniaulas junto aos docentes brasileiros. Ele é muito agradável e motivador, tanto para professores, como para estudantes. Enseja muita participação ativa e, aos poucos, os próprios alunos podem usá-la em apresentações de seminários. Resenha realizada na Universidade Camilo Castelo Branco – UNICASTELO, São Paulo, SP, Brasil. Artigo recebido: 5/6/2011 Aprovado: 12/6/2011 Rev. Psicopedagogia 2011; 28(86): 214-5 215 ASSOCIADOS TITULARES PARA REVISTA 86 – 2011 ALAGOAS Maceió ELIANE CALHEIROS CANSANÇÃO [email protected] (82) 3223-4258 – Farol BAHIA Feira de Santana LOURDES MARIA DA SILVA TEIXEIRA [email protected] (75) 3221-3456 – Mangabeira Itabuna GENIGLEIDE SANTOS DA HORA [email protected] (73) 3617-0372 – São Caetano Salvador ARLENE NASCIMENTO PESSOA [email protected] (71) 9983-0470 – Caminho das Árvores DEBORA SILVA DE CASTRO PEREIRA [email protected] (71) 3341-2708 – Candeal JACY CÉLIA DA FRANCA SOARES [email protected] (71) 3347-8777 – Pituba ELISABETE SILVEIRA CASTELO BRAN CO [email protected] (85) 3881-1673 – Rodolfo Teófilo FRANCISCA FRANCINEIDE CÂNDIDO [email protected] (85) 3272-3966 – Fátima JANAÍNA CARLA R. DOS SANTOS [email protected] (62) 3241-7837 – Setor Sul LUCIANA BARROS DE ALMEIDA SILVA [email protected] (62) 3293-3067 – Setor Marista MARISTELA NUNES PINHEIRO GALEÁRA MATOS DE FRANÇA SILVA [email protected] (62) 3259-0247 – Nova Suíça GERALDO LEMOS DA SILVA MATO GROSSO Cuiabá [email protected] (85) 3264-0322 – Aldeota [email protected] (85) 3246-7000 – Dionísio Torres MARIA JOSÉ WEYNE MELO DE CASTRO [email protected] (85) 3261-0064 – Parque Manibura ÂNGELA CRISTINA MUNHOZ MALUF [email protected] (65) 9214-4484 – Jardim Cuiabá MARIA MASARELA MARQUES DOS PASSOS MARISA PASCARELLI AGRELLO [email protected] (65) 3028-1372 – Campo Velho OTILIA DAMARIS QUEIROZ MINAS GERAIS Campanha [email protected] (85) 3267-5714 – Varjota [email protected] (85) 3246-7000 – Dionísio Torres RAMONA CARVALHO FERNANDEZ NO GUEIRA Tianguá [email protected] (35) 3261-2119 – Centro GRAÇA MARIA DE MORAIS AGUIAR E SILVA Pouso Alegre JOZELIA DE ABREU TESTAGROSSA [email protected] (88) 9963-5854 – Centro CLAUDIA MARQUES CUNHA SILVA KARENINA AZEVEDO DISTRITO FEDERAL Brasília SÔNIA REGINA BELLARDI TAVARES [email protected] (71) 3341-2708 – Caminho das Árvores [email protected] (71) 3345-3535 – Pituba LEILA DA FRANCA SOARES [email protected] (71) 3347-8777 – Pituba MÁRCIA GONÇALVES NUNES [email protected] (71) 3374-4505 – Federação MARIA ANGELICA MOREIRA ROCHA [email protected] (71) 3797-6270 – Pituba SANDRA MARIA FURTADO ANDRADE [email protected] (71) 3351-9973 – Itaigara MARINA LIMA BEUST ANDRÉA AYRES COSTA DE OLIVEIRA Uberlândia MARLI LOURDES DA SILVA CAMPOS [email protected] (34) 3224-3687 – Lidice [email protected] (61) 3321-3666 SANDRA MEIRE DE OLIVEIRA R. ARAN TES Varginha ESPÍRITO SANTO Vitória HELENA SCHERER GIORDANO MARIA DA GRAÇA VON KRUGER PIMENTEL JÚLIA EUGÊNIA GONÇALVES [email protected] (27) 3225-9978 – Praia do Canto [email protected] (27) 3215-5039 – Jardim da Penha [email protected] (35) 3212-7296 – Novo Horizonte [email protected] (35) 3222-1214 – Centro MARIA CLARA R. R. 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MELLO [email protected] (41) 3022-4041 – Batel ISABEL CRISTINA HIERRO PAROLIN [email protected] (41) 3264-8061 – Alto da XV LAURA MONTE SERRAT BARBOSA [email protected] (41) 3363-1500 – Alto da Glória REGINA BONAT PIANOVSKI [email protected] (41) 3345-8798 – Portão ROSE MARY DA FONSECA SANTOS [email protected] (41) 3026-2865 – Centro Cívico SIMONE CALBERG [email protected] (41) 3363-1500 – Alto da Glória SONIA MARIA GOMES DE SÁ KUSTER [email protected] (41) 3264-8061 – Centro Guarapuava ADRIANA CRISTINE LUCCHIN [email protected] (42) 3622-4022 – Trianon Londrina ROSA MARIA JUNQUEIRA SCICCHITANO [email protected] (43) 3342-7308 – Jardim Caiçaras Maringá NERLI NONATO RIBEIRO MORI DIRCE MARIA MORRISSY MACHADO [email protected] (21) 2236-2012 – Copacabana HELOISA BEATRIZ ALICE RUBMAN [email protected] (21) 2259-9959 – Jardim Botânico JANE BRAVO GORNE [email protected] (44) 3261-4887 – Campus Universitário [email protected] (21) 2541-4623 – Botafogo São José dos Pinhais [email protected] (21) 2239-5878 – Gávea CÉLIA REGINA BENUCCI CHIODI [email protected] (41) 8445-1444 – Ouro Fino LORIANE DE FÁTIMA FERREIRA LUCIA HELENA MACHADO SAAVEDRA MARIA HELENA C. 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RACY RIO GRANDE DO SUL Caxias do Sul MARIA GUILHERMINA COSTA ACIOLI FRANCY IZANNYDE BRITO BARBOSA MARTINS LOVAINE SALETE STREIT JUNGES [email protected] (54) 3536-3516 Passo Fundo IARA SALETE CAIERÃO [email protected] (54) 3311-5230 – Centro Porto Alegre CLARA GENI BERLIM [email protected] (48) 3224-0441 – Centro [email protected] (48) 3333-1745 – Agronômica [email protected] (48) 3223-6402 – Centro MARIA LÚCIA ALMADA FERNANDES [email protected] (48) 3331-1952 – Trindade SILVANA MARIA BEDUSCHI DA SILVEIRA [email protected] (48) 3664-2186 – Centro [email protected] (11) 3885-7200 – Jardim Paulista andré[email protected] (11) 5572-1331 – Vila Nova Conceição BEATRIZ JUDITH LIMA SCOZ [email protected] (11) 3651-9914 – Alto de Pinheiros CARLA LABAKI [email protected] (11) 3815-5774 – Vila Madalena CLEOMAR LANDIM DE OLIVEIRA [email protected] (11) 9302-5501 – Moema EDITH REGINA RUBINSTEIN [email protected] (51) 3221-1740 – Santana SÃO PAULO Araraquara [email protected] (11) 3743-0090 – Vila Sonia FABIANI ORTIZ PORTELLA ALINE RECK PADILHA ABRANTES ELISA MARIA DIAS DE TOLEDO PITOMBO [email protected] (51) 3209-5722 – Cidade Baixa [email protected] (11) 3335-7440 – Centro MARILENE DA SILVA CARDOSO Campinas [email protected] (51) 8182-0721 – Higienópolis NEUSA KERN HICKEL [email protected] (51) 3333-5478 – Centro SANDRA MARIA CORDEIRO SCHRÖEDER MARIA LAURA CASSOLI MACEDO [email protected] (19) 3254-2714 – Jardim N. 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MALTA CAMPOS [email protected] (11) 3819-9097 – Alto de Pinheiros MARIA CRISTINA NATEL [email protected] (11) 5081-2057 – Vila Mariana MARIA DE FATIMA MARQUES GOLA [email protected] (11) 3052-2381 – Jardim Paulista MARIA IRENE DE MATOS MALUF REGINA ZAIDAN PEREIRA MENDES [email protected] (11) 3258-5715 – Higienópolis MARIA TERESA MESSEDER ANDION [email protected] (11) 3023-5834 – Alto de Pinheiros [email protected] (11) 3491-0522 – Ipiranga VIVIANE MASSAD DE AGUIAR [email protected] (11) 3259-0837 – Higienópolis [email protected] 5041-1988 – Alto de Pinheiros SILVIA AMARAL DE MELLO PINTO [email protected] (11) 3097-8328 – Pinheiros NÁDIA APARECIDA BOSSA [email protected] (11) 2268-4545 - Mooca SONIA MARIA COLLI DE SOUZA NEIDE DE AQUINO NOFFS [email protected] (11) 3670-8162 – Perdizes [email protected] (11) 3287-8406 – Bela Vista NIVEA MARIA DE CARVALHO FABRICIO [email protected] (11) 3868-3850 – Perdizes REGINA A. S. I. FEDERICO [email protected] (11) 5041-1988 – Brooklin SANDRA G. DE SÁ KRAFT MOREIRA DO NASCIMENTO SANDRA LIA NISTERHOFEN SANTILLI MÔNICA HOEHNE MENDES QUÉZIA BOMBONATTO [email protected] (11) 3815-8710 – Vila Madalena [email protected] (11) 3511-3888 – Pacaembú [email protected] (11) 3805-9799 – Morumbi MARISA IRENE S. 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Junqueira Scicchitano SP SP GO BA PR Conselho Editorial Nacional Ana Lisete Rodrigues Anete Busin Fernandes Beatriz Scoz Débora Silva de Castro Pereira Denise da Cruz Gouveia Edith Rubinstein Elcie Salzano Masini Eloísa Quadros Fagali Evelise Maria L. Portilho Gláucia Maria de Menezes Ferreira Heloisa Beatriz Alice Rubman Leda M. Codeço Barone Margarida Azevedo Dupas Maria Auxiliadora de Azevedo Rabello Maria Cecília Castro Gasparian Conselho Editorial Internacional Alicia Fernández Carmen Pastorino César Coll Isabel Solé Maria Cristina Rojas Neva Milicic Vitor da Fonseca - - - - - - - Argentina Uruguai Espanha Espanha Argentina Chile Portugal Consultores ad hoc Ana Maria Maaz Acosta Alvarez Jaime Zorzi Lino de Macedo Lívia Elkis Luiza Helena Ribeiro do Valle Pedro Primo Bombonato Saul Cypel Sylvia Maria Ciasca SP SP SP BA SP SP SP SP PR CE RJ SP SP BA SP Maria Célia Malta Campos Maria Cristina Natel Maria Lúcia de Almeida Melo Maria Silvia Bacila Winkeler Marisa Irene Siqueira Castanho Mônica H. Mendes Nádia Bossa Neide de Aquino Noffs Nívea M.de Carvalho Fabrício Regina Rosa dos Santos Leal Rosa M. Junqueira Scicchitano Sônia Maria Colli de Souza Vânia Carvalho Bueno de Souza SP SP SP PR SP SP SP SP SP MG PR SP SP Associação Brasileira de Psicopedagogia Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 www.abpp.com.br [email protected] PSICOPEDAGOGIA – Órgão oficial de divulgação da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp é indexada nos seguintes órgãos: 1) LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde BIREME 2) Clase - Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades. Universidad Nacional Autónoma de Mexico 3) Edubase - Faculdade de Educação, UNICAMP 4) Bibliografia Brasileira de Educação - BBE CIBEC / INEP / MEC 5) Latindex - Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, El Caribe, España y Portugal 6) Catálogo Coletivo Nacional – Instituto Brasileiro em Ciência e Tecnologia – IBICT 7) INDEX PSI – Periódicos – Conselho Federal de Psicologia 8) DBFCC – Descrição Bibliográfica Fundação Carlos Chagas 9) PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia Editora Responsável: Maria Irene Maluf Revisão e Assessoria Editorial: Rosângela Monteiro Editoração Eletrônica: Rudolf Serviços Gráficos O conteúdo dos artigos aqui publicados é de inteira responsabilidade de seus autores, não expressando, necessariamente, o pensamento do corpo editorial. É expressamente proibida qualquer modalidade de reprodução desta revista, seja total ou parcial, sob penas da lei. Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia / Associação Brasileira de Psicopedagogia. - Vol. 10, nº 21 (1991). São Paulo: ABPp, 1991Quadrimestral ISSN 0103-8486 Continuação, a partir de 1991, vol. 10, nº 21 de Boletim da Associação Brasileira de Psicopedagogia. 1. Psicopedagogia. I. Associação Brasileira de Psicopedagogia. CDD 370.15 Acesse a revista na íntegra: www.revistapsicopedagogia.com.br Diretoria da Associação Brasileira de Psicopedagogia 2011/2013 Presidente Quézia Bombonatto Tesoureira Maria Cecília Castro Gasparian Secretária Administrativa Maria Teresa Messeder Andion Diretora Científica Marisa Irene Siqueira Castanho Diretora Cultural Débora Silva de Castro Pereira Diretora de Projetos Sociais Márcia Alves Simões Diretora Regional de Relações Públicas Galeára Matos de França Silva Diretora Regional de Comunicação e Divulgação Ana Paula Loureiro e Costa Diretora Regional de Comunicação e Divulgação Maria Helena Bartholo Assessorias Assessora de Cursos e Regulamentação Neide de Aquino Noffs Assessora de Divulgações Científicas Maria Irene Maluf Conselheiras Vitalícias Beatriz Judith Lima Scoz Edith Rubinstein Leda Maria Codeço Barone Maria Cecília Castro Gasparian Maria Célia Malta Campos Sp Sp Sp SP Sp Conselheiras Eleitas 2011/2013 Ana Maria Zenícola Andréa Ayres Costa Carla Labaki A. Luvizotto Cleomar Landim de Oliveira Cristina Vandoros Quilici Débora S. de Castro Pereira Ednalva de Azevedo Silva Eloisa Quadros Fagali Evelise M. Labatut Portilho Fabiani Ortiz Portella Galeára Matos de França Silva Heloisa Beatriz Alice Rubman Lucia Helena M. Saavedra Luciana Barros de Almeida Márcia Alves Simões Vice-Presidente Luciana Barros de Almeida Tesoureira Adjunta Viviane Massad de Aguiar Secretária Administrativa Adjunta Edimara de Lima Diretora Científica Adjunta Telma Pantano Diretora Cultural Adjunta Heloisa Beatriz Alice Rubman Colaboradora Cristina Vandoros Quilici Diretora Regional de Relações Públicas Maria José Weyne Melo de Castro Diretora Regional de Comunicação e Divulgação Fabiani Ortiz Portella Diretora Regional de Comunicação e Divulgação Maria Katiana Veluk Gutierrez RJ CE SP SP SP BA RN SP PR RS CE RJ RJ GO SP Maria Irene Maluf Mônica H. Mendes Neide de Aquino Noffs Nívea Maria de Carvalho Fabrício Sp Sp Sp Sp Maria Angélica Moreira Rocha Maria Cristina Natel Maria Helena Bartholo Maria José Weyne Melo de Castro Maria Katiana Veluk Gutierrez Maria Teresa Messeder Andion Marisa Irene Siqueira Castanho Quézia Bombonatto Rosa Maria Junqueira Scicchitano Silvia Amaral de Mello Pinto Sônia Maria Colli de Souza Sônia Maria G. de Sá Küster Sônia A. Monção Gonçalves Viviane Massad de Aguiar Yara Prates BA SP RJ CE RJ SP SP SP PR SP SP PR RN SP SP Associação Brasileira de Psicopedagogia sumário EDITORIAL / EDITORIAL • Maria Irene Maluf.........................................................................................................................115 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES • Estudo piloto de adaptação da bateria neuropsicológica Luria-Nebraska para crianças (LNNB-C) Pilot study of adaptation of the Luria-Nebraska Neuropsychological Battery for children (LNNB-C) Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte; Adriana de Souza Batista; Luciana Silva; Ricardo Franco de Lima; Sylvia Maria Ciasca.............................................................................117 • Caracterização do desempenho de crianças com distúrbio de aprendizagem em estratégias de compreensão leitora Characterization of the performance of children with learning disabilities in reading comprehension strategies Andréa Carla Machado; Simone Aparecida Capellini................................................................126 • Avaliação dos cursos de capacitação: “método das boquinhas” Evaluation of training courses: “little mouth method” Renata Savastano Ribeiro Jardini; Lydia Savastano Ribeiro Ruiz..............................................133 • O emprego da literatura na educação infantil: a investigação e intervenção com professores de pré-escola The use of literature in early childhood education: investigation and intervention with preschool teachers Ana Claudia Bortolozzi Maia; Lucia Pereira Leite; Ari Fernando Maia.....................................144 • Mães de crianças com baixa visão: compreensão sobre o processo de estimulação visual Mothers of children with low vision: understanding the process of visual stimulation Mirela de Oliveira Figueiredo; Roberto Benedito de Paiva e Silva; Maria Inês Rubo Nobre......156 RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT • Análise da produção de um aluno considerado malsucedido na resolução de problemas matemáticos Analysis of the production of a student considered unsuccessful in solving mathematical problems Rute Cristina Domingos da Palma................................................................................................167 ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE • Formação de profissionais da Educação: da proposição à ação Training of professional education: the proposition to action Neide de Aquino Noffs; Vitória Helena Cunha Espósito............................................................178 ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES • Educação, Psicologia Escolar e Inclusão: aproximações necessárias Education, School Psychology and inclusion: necessary approximations Claudia Gomes; Vera Lucia Trevisan de Souza............................................................................185 • Aprendizagem e transtorno bipolar: reflexões psicopedagógicas Learning and bipolar disorder: psychopedagogical reflection Lanúzia Almeida Brum; Cristian Patrick Zeni; Silzá Tramontina...............................................194 • Quando o vínculo é doença: a influência da dinâmica familiar na modalidade de aprendizagem do sujeito Having the link as disease: the influence of family dynamics on the subject’s learning mode Ana Paula Decnop de Almeida.....................................................................................................201 RESENHA / REVIEW • Miniaulas Minilessons Geraldina Porto Witter...................................................................................................................214