O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES E A RACIONALIDADE DOS CONTRATOS: UMA REFLEXÃO SOBRE A INFLUÊNCIA DO AMBIENTE INSTITUCIONAL NAS RELAÇÕES MERCADOLÓGICAS DO SETOR RURAL [email protected] Apresentação Oral-Instituições e Desenvolvimento Social na Agricultura e Agroindústria MARLON VINÍCIUS BRISOLA1; JOSEMAR XAVIER DE MEDEIROS2; FABRICIO OLIVEIRA LEITÃO3. 1,3.INESC, UNAÍ - MG - BRASIL; 2.UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, BSB - DF BRASIL. O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES E A RACIONALIDADE DOS CONTRATOS: uma reflexão sobre a influência do ambiente institucional nas relações mercadológicas do setor rural Resumo Os estudos sobre as instituições e o ambiente institucional no contexto agroindustrial tem pouca presença nos meios acadêmicos. Contudo, as bases teóricas que descrevem a importância destas no contexto sócio-econômico são, há muito tempo, constantes no núcleo duro das ciências políticas, econômicas e sociais. A proposta deste estudo é chamar a atenção para esta temática e a relação dos contratos nos espaços intra e interorganizacionais rurais. Para tanto, baseou-se em resultados de estudos desenvolvidos no Noroeste de Minas Gerais, com produtores rurais cooperados, entre outros estudos, levantando questões e inferências que sugerem a necessidade de aprofundamento sobre a problemática e as consequências dela advindas. Palavras-chaves: ambiente institucional; contratos; produtor rural Abstract The studies on the institutions and the institutional environment in the agroindustrial context have little presence in the half academics. However, the theoretical bases that describe the importance of these in the partner-economic context are, have much time, constants in the hard nucleus of sciences politics, economic and social. The proposal of this study is to call the attention for this thematic and relation contracts in the agricultural spaces intra and inter-organizations. For in such a way, it was based on results of studies developed in the Northwest of Minas Gerais, with producer agricultural cooperated, among others studies, raising the happened questions and inferences that suggest the deepening necessity on the problematic one and consequences of it. Key Words: institutional environment; contracts; agricultural producer 1 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Introdução A compreensão sobre o conceito de instituições perpassa o senso comum e recai numa análise ultra-organizacional que determina as regras de funcionamento da sociedade e dos indivíduos. Tem como base teórica os aportes econômicos e sociais que estabelecem o funcionamento das partículas sociais, por meio de normas, princípios, dogmas ou leis. As instituições podem se estabelecer de maneira formal ou informal, descrevendo, em sua complexidade, as instâncias e abrangência de seu escopo. No mundo contemporâneo, onde a globalização, como fase ultimada do capitalismo, se faz presente e determina as regras do modelo econômico vigente, diversos autores evidenciam o papel das instituições como primordial à concretização do estado desenvolvimentista das nações e dos estados subnacionais (BOSIER, 1995; BOSIER, 2001; BOSIER, 2005). Porém, o carácter desenvolvimentista nem sempre se apresenta de forma clara - ou nem sempre se apresenta – revelando, contudo, traços do powership status determinante daquele ambiente. A formalização destas nuanças configuram-se por meio de contratos, que transcrevem as faces racionalizadas dos interesses de seus agentes. Nos complexos agroindustriais e em suas respectivas cadeias de produção, tais “contratos” evidenciam-se de maneira a determinar as “regras do jogo” e a quem tais regras são imputadas. Eles se apresentam como formais ou informais, determinando, sobretudo, a institucionalização das diversas estruturas de governança evidenciadas. Quando formais, prescrevem e discriminam o que Williamson (1989) caracterizou como “números pequenos”, mas na sua informalidade, reproduzem uma dimensão subliminar e inquestionavel. Como exemplo, em um estudo bibliográfico desenvolvido por Brisola, Torres Filho e Leitão (2005) sobre a racionalidade presente no mercado de carne bovina ao consumidor, foram encontrados elevado oportunismo e limitação da racionalidade pelos consumidores deste produto, sem que, nesta interface “comprador-açougueiro” evidenciasse qualquer questionamento que gerasse redução da limitação da racionalidade. O contrato informal é substancialmente presente e irrestrito. Neste contexto, doméstico e “culturamente” estabelecido, a presença dos contratos informais são comuns – sobretudo nos extremos das cadeias de produção. Ressalta-se também que nas relações a jusante e a montante do produtor rural, nos complexos agroindustriais tradicionais presentes no Brasil, as instituições são fortalecidas por princípios tradicionalistas e o oportunismo, muitas vezes, predomina a favor do “outro lado”. Neste estudo, busca-se uma reflexão sobre a conjuntura sócio-econômica em que esses contratos se racionalizam em meio à presença de instituições pré (ou até pós) concebidas. Pretende-se ainda levantar questões sobre a arquitetura desses contratos e a sustentabilidade das instituições. Como elemento norteador do estudo propõe-se a seguinte questão: • como se configuram institucionalmente as relações contratuais entre produtores rurais e seus agentes imediatamente à jusante nas cadeias de produção? Na busca de tentar responder esta questão, este trabalho utiliza-se de algumas informações e dados coletados em um estudo feito com produtores rurais associados a três 2 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural cooperativas agropecuárias no Noroeste de Minas Gerais, no período de 2006 a 2008. Nesse estudo, que tinha um espectro de análise mais amplo, foram analisadas as formas de comercialização dos produtores rurais e, baseado nestas e em outras informações pertinentes, fez-se os comentários. Antes porém, algumas inferências sobre a teoria dos contratos, o ambiente institucional e a estrutura sistêmica do agronegócio são contextualizadas. Os Muitos Conceitos de Instituições As bases econômicas da organização industrial foram prescritas por Coase (1937) que, ao descrever a “natureza da firma”, sustentou que esta consiste em um sistema de relacionamentos que inicia com o direcionamento na obtenção de recursos e é dependente dos interesses particulares do empresário. Coase (1937), fazendo referência aos comentários de Knight (1921), manifesta que nas relações de mercado, a incerteza está sempre presente, e é esta que determina a ignorância de seus agentes em um ou outro aspecto. Esta característica favorece às partes as bases do estabelecimento do que e de como fazer, gerando o que Coase chama de “Competição Imperfeita”. Quando Coase (1937) chama a atenção para os custos externos (via mercado), e os coloca como passíveis de que suplantem os custos internos, ele reforça o conceito da “competição imperfeita” e lança as bases para a compreensão das instituições, através dos chamados “arranjos institucionais” – estabelecidos pela estrutura contratual que se forma em torno das transações. Diante destes conceitos, diversas teorias ressurgiram mudando o paradigma da economia das organizações. Williamsom (1989) apresenta o ambiente institucional e suas instituições como direcionadores dos custos de transação. Este autor chama a atenção para o dinamismo, a sutileza e a influência númerica das instituições sobre os contratos e, afirma que a economia dos custos de transação representa o destaque investigativo da nova economia institucional. Boehe e Balestro (2006) enfatizam que os valores sociais em diferentes países (ao fazerem uma menção a um estudo específico) relacionados ao comportamento oportunista de uma determinada sociedade e a confiança nas instituições são fundamentais para a atividade econômica. Eles vão mais longe ao apresentarem estes dois elementos, comportamento oportunista e ambiente institucional, como antagônicos, dizendo que a fragilidade de um leva a fortalecimento do outro. Numa situação irreal, onde não houvesse oportunismo, a racionalidade seria perfeita e o fracasso da transação (cooperação) seria improvável. Zylbersztajn (2005, p.04) apresenta este novo paradigma como “uma reconstrução de pontes entre a teoria econômica e a sociologia, e mais recentemente, com as ciências cognitivas, com o questionamento a respeito dos pressupostos de racionalidade”. Este autor continua dizendo que as instituições “são relevantes, são passíveis de análise, afetam e são afetadas pelas firmas e organizações”. North (1993, p.13) é o primeiro autor a descrever as instituições dentro deste contexto. Segundo ele “as instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais 3 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural formalmente, são as limitações idealizadas pelo homem que dão forma a uma interação humana”. Seguindo estas diretrizes, North assegura que as interrelações transacionais, seja no campo político, social ou econômico geram a evolução das sociedades no longo prazo. Para todos estes autores, suportados pelos princípios de North, são estas as premissas que determinam o crescimento ou a manutenção (ou até a morte) das organizações e das sociedades. A história política e econômica de uma população, de uma organização ou de qualquer grupamento social está subjugada ao seu espectro institucional. São elas, as instituições, que “definem e limitam as escolhas dos indivíduos” (North, 1993, 14). As diferenças entre as sociedades e suas histórias tem forte relação com as pressões ambientais a que estas estão submetidas: os aspectos étnicos e geográficos, a cultura e a inter-relação social endógena ou exogenamente estabelecida ao longo de sua história principiam e dão corpo institucional através de ações e produtos. Da mesma forma, estas pressões limitam ou impulsionam comparativamente o desenvolvimento sócioeconômico daquela partícula social. O termo confiança aparece nas citações de Williamsom (1996, apud BOEHE; BALESTRO, 2006) como a chave dos atributos comportamentais dos indivíduos. Ele a considera como um termo pouco preciso e a classifica em três subgrupos: * confiança calculadora * confiança pessoal * confiança nas instituições A “confiança calculadora” (uma contradição, segundo Williamson) está relacionada à falta de confiança. Este tipo de confiança se restringe aos contratos e os indivíduos a utilizam apenas com o objetivo de obter vantagens econômicas. A confiança está no contrato. A “confiança pessoal” aparece em situações onde há excessiva confiança entre indivíduos em uma dada organização, chegando ao ponto de fragilizar a estratégia organizacional e permitir a ação mal intencionada de oportunistas. A terceira forma de confiança (“nas instituições”) apresentada por Williamson, descreve o aporte depositado pelos indivíduos às instituições da sociedade. O indivíduo requer o amparo e as restrições do ambiente social, como condição de se representar nas organizações. Esta confiança é a interpretação do “homem social”, a que esse autor mensiona. North (1993) lembra que estas regras determinantes ao desenvolvimento aparecem como regras formais, escritas, e são complementadas pelas regras informais, identificadas como códigos de conduta. Tais instituições são formadas para garantir um certo equilíbrio diante das incertezas do ambiente. Utilizando destas incertezas, os agentes, segundo North (1993), em um dado momento, utilizam do direito de propriedade e consequente a isto, do direito de excluir, impondo normas que subjugam aqueles que se encontram em uma condição de maior limitação da racionalidade. Fonte (2002) chama a atenção para ações desta natureza, oriundas do Estado e de suas políticas públicas – as bases do novo institucionalismo. Bates (1983, apud FONTE, 2002, p.238) apresenta três características determinantes das relações no novo institucionalismo: a premissa da escolha racional, o 4 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural método da análise do equilíbrio e o papel das instituições. Em relação à primeira, a escolha racional, parte-se do princípio de que os tomadores de decisão executam a escolha que lhes for mais conveniente, dentro do rol de conhecimento de que dispõem em torno do objeto de transação. Obviamente, procuram obter vantagens econômicas, entre outras, a partir do domínio racional, alavancando esforços para alcançarem seus objetivos. A segunda característica trata-se da análise de equilíbrio. Neste campo, parte-se do princípio de que as partes envolvidas, em condições “sobre” normais estariam em pleno equilíbrio de forças, não havendo nenhuma vantagem específica a favorecer um ou outro agente. Contudo, sabe-se que esta não constitui uma verdade absoluta, a partir da intensa turbulência ambiental, que coloca os agentes expostos a condições de vantagem ou desvantagem, dianto do espectro relacional. Estas “forças” favorecem à quebra do equilíbrio. A terceira característica descrita por Bates é o ambiente institucional. O ambiente institucional prevê a ação – além das forças de mercado – do aparato social nos resultados das transações. “O ambiente institucional oferece outros valores a serem escolhidos, am adição aos valores econômicos”. Entre estes valores, pode-se considerar o poder (político, da tradição, da marca etc), o prestígio, a influência associativa, a cultura etc. Destaca-se assim, de forma subliminar (as vezes até desconsiderada), a importância do ambiente institucional e seus diversos imaginários. Nem sempre considerada, mas presente, a estrutura institucional estabelecida nos contratos determina os resultados a serem obtidos e beneficiam (quebrando o equilíbrio) o “lado” que melhor utilizá-lo em seu proveito. Pode-se concluir, contudo, que tais ações não estão restritas às políticas públicas (Estado), mas estão presentes também nas relações organizacionais (inter e intraorganizacionais) em diversos campos e setores. Desta forma, não se exclui os agentes participantes dos complexos agroindustrias, tais como os produtores rurais e seus compradores e vendedores (a montante e a jusante nas cadeias de produção). Em face desta realidade, até merece destaque o fato de que no ambiente rural o nível de incertezas é ampliado, considerando a extrema exposição dos agentes representantes deste setor ás imprecisões como as advindas da dependência das condições de solo e clima, influências de agentes patogênico-sanitários, aspectos biológicos de seus produtos e processos, além da comercialização de produtos caracterizados como commodities, em que os preços são definidos pelo aparato mercadológico. A Dinâmica Organizacional e Institucional dos Complexos Agroindustriais Davis e Goldberg (1957) foram os autores que postularam o conceito original de agribusiness. Em seus estudos com os agentes econômicos representantes dos sistemas agroindustriais da laranja, da soja e do trigo, estes autores permitiram a compreensão sistêmica do agronegócio. Descreveram a inter-relação presente entre os agentes por meio de uma inter-dependência contratual, com o fim de atender aos anseios dos consumidores finais – atores determinantes e extremos de todo o processo. Tais estudos deram aporte teórico para a formulação de estratégias corporativas, garantindo às organizações presentes e participantes do agronegócio mundial a oportunidade de compreender e utilizar os conceitos de interdependência setorial. 5 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Mais tarde, novos estudos geraram, por uma nova ótica, a aplicabilidade da teoria dos contratos aos agronegócios, num mundo em crescente demanda. Nesta rede de contratos, o papel do estado sempre foi o de apoiar o seu funcionamento, a partir do fomento dos setores de produção primária (rural) e de pesquisa. Nos postulados de Zylbersztajn (2000), tais premissas são reforçadas, justificando que os complexos agroindustriais se estruturam e são coordenados por um dinâmico “nexo de contratos”. Em torno dos agentes que “conduzem” a transformação do produto, aparecem as organizações de apoio e as instituições. O papel das instituições está implícito na coordenação dos agentes, ou melhor, na rede contratual que dá a estrutura dinâmica ao Complexo Agroindustrial. Nesta premissa, fica compreensivel as diferenças conceituais entre cadeia de produção e complexo (sistema) agroindustrial. A primeira diferença repousa em sua vertente analítica. A primeira (cadeia) tem o produto final como referência, e o segundo (complexo) tem o produto de origem (rural) como gerador do processo de transformação. Sistemas Agroindustriais Insumos Agricultura Indústria v Distribuição Atacado Distribuição Varejo Consumidor Figura 01: Adaptação do modelo conceitual de Zylbersztajn para Sistemas Agroindustriais A segunda diferença está na dimensão da análise. Quando se atribui ao complexo, subentende-se a dimensão sistêmica, onde as cadeias fazem parte e são dinamizadas a partir de organizações de apoio e das instituições (Figura 01). Compreende-se, portanto, que há uma interferência sistêmica dos ambientes organizacional e institucional no funcionamento das cadeias. Análise dos resultados coletados com produtores rurais no Noroeste de Minas Gerais e outros estudos A produção rural no Noroeste de Minas, tendo o Município de Unaí e sua microregião como referência, foi alvo de uma pesquisa com 1.165 produtores rurais, 6 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural cooperados de três grandes cooperativas locais. Suas principais atividades de produção são as pecuárias leiteira e de corte, e a produção de soja, milho, café e feijão. Na Tabela 01, estão apresentadas algumas informações relevantes para a compreensão do perfil destes produtores. Tabela 01: Características e perfil dos produtores rurais do Noroeste de Minas Gerais Características e perfil dos produtores analisados Característica da Organização A quem requer a decisão de tomada de decisão sobre os negócios da propriedade Faixa de idade em que se encontram os produtores Formação dos produtores È produtor rural por mais de 10 anos Frequencia de utilização da Internet pelo produtor rural Participação ativa do produtor em reuniões, dando opiniões e sendo ouvido Desenvolve/executa planejamento de negócios relativos à atividade rural Destino dos produtos oriundos da atividade rural Variável Incidência Pessoa Física Pessoa Jurídica / Não informou Ao próprio cooperado A outras pessoas (familiares e/ou gerentes) Até 40 anos De 41 a 60 anos Acima de 60 anos Não fez cursos superior Tem curso superior relacionado à atividade rural Tem curso superior não relacionado à atividade rural Não respondeu Respostas afirmativas Nunca Raramente / Semanalmente Diariamente Respostas afirmativas 98,03% 1,97% 92,80% 7,20% 17,00% 53,40% 29,60% 86,00% 4,90% 7,1% 2,00% 85,00% 74,30% 10,00% 15,70% 61,10% Respostas afirmativas 39,60% Cooperativa Outro destino 81,70% 18,3% Considerando as informações apresentadas na Tabela 01, é possível identificar um produtor rural de idade madura, conduzindo um empreendimento próprio e de forma individualizada, com grande experiência no que faz e, de certa forma fiel e participativo nas decisões de sua cooperativa. Contudo, trata-se de um indivíduo não muito adepto às modernas tecnologias de informação e práticas administrativas. Acredita-se que estas características são extensivas aos produtores rurais do Brasil Central e, por que não dizer, nacional. A dimensão de tal estudo permitiu analisar ainda que os produtores rurais encaram a vantagem de ser cooperado por ter uma cooperativa como um ponto de aquisição de insumos (51,1%) e como destino “seguro” para a comercialização de seus produtos (44,5%), embora declarassem que não é cooperado pelo motivo de buscar receber o melhor preço de seus produtos nesta organização (apenas 16,7% manifestaram ter este motivação). 7 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Estes resultados podem levar a uma análise de que o produtor rural tem consciência da insegurança e do risco quando da compra de insumos e, principalmente, quando da venda de seus produtos. Tais razões remontam a aspectos institucionais que caracterizam as forma de comercialização do setor. Outros números encontrados na pesquisa, que justificam tal afirmativa, são os de que 85,1% dos produtores rurais valorizam as ações em parceria (e aqui estão incluídas as ações cooperativas). Contudo, 41,2% justificam como “sempre” positivas as trocas de experiências entre produtores, 36,9% como positivas somente “às vezes” e, 21,8% como “raramente”. Estes resultados chamam a atenção sobre o “ar de desconfiança” presente no setor. Mais uma vez, conclui-se que aspectos institucionais, fundamentais ao atendimento dos princípios do desenvolvimento regional, como a confiança mútua, não estão presentes nos espaços intra e inter-organizacional do setor rural. Muitos estudos têm desconsiderado, ou tratado de forma displicente, o papel das instituições nos diversos elos do agronegócio. Contudo, alguns chamam a atenção ao fato. Costa e Brisola (2005), em estudo feito com consumidores de carne bovina e pontos de venda do produto em cidade de médio porte localizada no Noroeste de Minas Gerais, identificou aspectos comportamentais que descreviam o oportunismo dos comerciantes, diante dos seus clientes. A partir de levantamento bibliográfico sobre os determinantes comportamentais nas relações entre os açougueiros e estabelecimentos que comercializam carne bovina e os compradores/consumidores, outro estudo, de Brisola, Torres Filho e Leitão (2005), destacou as várias ações oportunistas por parte daqueles. Essa transação, apesar de amplamente difundida no país, em função do hábito do consumo deste produto pelo brasileiro, carrega traços de uma cultura (do tipo “confiança pessoal”) oriunda das bases histórico-rurais do país, onde a masculinidade do abate do animal não se “mistura” com a feminilidade do preparo do alimento. A impenetrabilidade dos dois ofícios, na cultura nacional, ainda impede que a limitação da racionalidade impere nos dois espaços e, por esta razão, ações oportunistas podem se estabelecer (sobretudo, do lado de quem vende o produto). Utilizando ainda como exemplo esta cadeia de produção (carne bovina), é notória a relação de confiança estabelecida (ainda nos dias atuais) entre os pecuaristas e as indústrias frigoríficas (e/ou atravessadores, ou marchand). Aqueles, ao ofertarem seus produtos (animais prontos ao abate), quase sempre não recebem qualquer documento que formalize a transação e as condições do pagamento, da parte destas. A confiança apresentada pelos pecuaristas abre precedentes à ações oportunistas, que não são raras. A tentativa de modificar o costume, por parte de alguns, não raro é recebida como afronta, da outra parte. Em estudo feito sobre as bases da nova economia institucional no complexo agroindustrial do feijão, na região do Noroeste de Minas Gerais, Tonelle (2005) apresentou similares relações de confiança entre os produtores rurais e os corretores (marchants) do produto. Não há formalidade nos contratos. Nesses estudos, é notória a interferência do ambiente institucional, na forma de contratos informais, nas redes de relacionamento dos complexos agroinduistriais. Contudo, 8 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural chama a atenção, neste contexto, a influência marcante destas instituições (informais) nas estruturas de governança em torno dos produtores rurais e dos consumidores finais. Em estudo feito por Brisola (2002) com produtores rurais, pecuaristas de corte do Triangulo Mineiro associados em uma aliança mercadológica a uma organização varejista, encontrou características que induzem à similaridade dos dados encontrados na pesquisa no Noroeste de Minas Gerais, bem como indutores das características de desconfiança que mistificam o ambiente institucional neste elo. Entre os resultados encontrados naquele estudo, o individualismo, o patriarcalismo, o conservadorismo, a insegurança e a valorização do trabalho em equipe foram evidenciados. Faz parte da estrutura do ambiente institucional, manifestadas através de informações e atitudes dos produtores rurais da região de Unaí, as impressões manifestadas diante do seu negócio. Ao serem indagados sobre o que esperam do futuro de seu negócio, as manifestações otimistas e realistas representaram 55,6% das opiniões dos produtores. Considerando que o momento em que foram submetidos às entrevistas era especialmente favorável ao setor (com preços elevados das commodities agrícolas, influenciados pelo incentivo à produção dos bio-combustíveis de milho), tal resultado é factível de questionamentos. Dando suporte a esta resposta, encontrou-se (em outras) uma impressão de apreensão semelhante: • 49,0% e 37,2% dos respondentes afirmaram que quem mais prejudica o seu negócio é o governo e o mercado, respectivamente; • 41,7% afirmaram que a Cooperativa é quem mais lhe ajuda em seu negócio (em detrimento de 10,9 e 5,9 do governo e do mercado, respectivamente); Mais uma vez, diante destes resultados, encontra-se uma certa insegurança do produtor diante da colocação de seu produtos no mercado. Tal afirmação chama a atenção para a forma como os produtores do Noroeste de Minas estão colocando os seus produtos à venda, permitindo que venha à luz as seguintes indagações? Qual a forma contratual estabelecida? Qual a segurança garantida por este contrato? No estudo em análise encontrou-se os seguintes resultados com relação à primeira indagação acima apresentada (para os principais produtos comercializados na Região (Tabela 02): Tabela 02: Produção Comercializada (percentual de produtores / destino), por produto, dos produtores rurais do Noroeste de Minas Gerais Produto Leite Soja Milho Feijão Café Produção Comercializada (percentual de produtores / destino) Corretores Cooperativa Outros 3,2% 94,6% 2,2% 12,0% 76,0% 12,0% 41,7% 44,5% 13,8% 78,3% 15,5% 6,2% 43,5% 9,6% 46,9% 9 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Em se tratando de pecuária de corte, os resultados mostraram que 64,4% dos pecuaristas comercializam seus produtos com o frigorífico (por atravessador ou não) e que 35,6% comercializam diretamente com os açougues da cidade. Ainda com relação a este produto (boi gordo/vaca gorda), apenas 5,6% dos pecuaristas manifestaram realizar contratos formais na realização do negócio. Os números apresentados acima e na Tabela 02 fazem perceber que, por razões diversas, os produtores são levados a comercializarem alguns produtos com agentes que não as cooperativas e, tal situação, podem lhes perceber a insegurança mercadológica manifestadas nesta pesquisa. As características do ambiente institucional auxiliam a determinação das condições em que os negócios acontecem em uma dada cadeia de produção. O fato de não haver o “hábito” de formalizar contratos na venda de bovinos para corte ou de haver uma maior comercialização de café, feijão e milho dos produtores com corretores (certamente na informalidade) podem ter várias razões, mas certamente valores ou comportamentos oriundos do tradicionalismo estão presentes e ajudam a inibir mudanças. A informalidade na comercialização de bovinos de corte para abate e de feijão, em especial, é reforçada por forte influência cultural. Muitos prejuízos (dos corretores ou seus representantentes junto aos produtores) são frequentemente observados pelo não cumprimentos dos contratos e, poucas ações concretas têm sido observadas no intuito de reverter (ou minimizar) tal situação. Chamando a atenção para o que Boehe e Balestro (2006) argumentam, o desenvolvimento de ambiente institucional propulsor da dinâmica mercantil de uma cadeia está inversamente relacionado com atitudes oportunistas. Nesta feita, fica evidente a dificuldade de reações progressistas em modelos em que informalidade, e o consequente oportunismo, se fazem presentes. A não formalização de contratos é um hábito que tem lugar de destaque no ambiente institucional em torno do elo da produção rural. A informalidade tem início na própria relação dos indivíduos presentes internamente na organização rural. Não são raros os casos de trabalhadores rurais sem vínculo empregatício ou com situação trabalhista inadequada, perante às leis vigentes. Neste caso, como nos supracitados, acredita-se que o oportunismo, conforme descreve Williamson (1989), não é a regra. Desconhece-se trabalhos científicos que busquem esta resposta, entretanto, baseado nas heranças do comportamento e do relacionamento familiar da organização rural há algumas décadas (e até hoje, em muitas regiões de nosso país), observa-se que a informalidade e a interação de atividades família-trabalho eram realidade e faziam parte do cotidiano das fazendas. Neste contexto, o que se verificou foi uma ruptura destes valores através de influências exogénas, instituindo regras e leis do ambiente institucional urbano/industrial no espaço rural. O Papel da mulher, dos filhos, dos empregados, o horário de trabalho, os descansos e folgas, as condições de segurança no trabalho e até mesmo a comunicação no ambiente rural recebeu (e ainda recebe) forte interferência do racional legal – sem ter “tempo” de se preparar ou de se adaptar adequadamente. 10 Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Considerações finais Não resta dúvida que muitas perguntas ou posicionamentos divergentes podem surgir a partir desta breve análise. Também não se pretende fechar qualquer questão em torno da formalização de contratos em diferentes e complexos setores da economia como os das commodities agrícolas. Contudo, tal estudo não se furta de levantar uma reflexão sobre a temática que envolve o ambiente institucional e as relações mercadológicas no setor rural. Fica evidente que o tempo e a modernidade não foram complacentes para racionalizar de forma compatível às instituições que envolvem o setor, a ponto de favorecê-lo. Comportamentos oportunísticos têm afetado o desempenho econômico e social do setor, que luta contra o dinamismo dos mercados a jusante, a complexidade de um paradigma de modernização e eficiência racional, e a conflituosa apropriação de leis e normas urbanas no ambiente rural. Em contrapartida, o produtor rural utiliza as armas do tradicionalismo e se fecha num ar de insegurança e resignação. A transdiciplinaridade que se apresenta neste trabalho requer uma análise social e econômica com a profundidade que o tema merece. O Brasil é um país de tradição agrícola e sua economia, nos âmbitos macro e micro, é inteiramente dependente de uma avaliação minuciosa das relações mercadológicas que acontecem nos espaços intra e interorganizacionais rurais. Qual o custo desta situação? Até que se trabalhe com maior propriedade o tema e se desenvolva metodologias de análise do impacto das instituições nas transações é possivel que não se encontre respostas adequadas. Referências Bibliográficas BOEHE, D.M.; BALESTRO, M.V. A dimensão nacional dos custos de transação: oportunismo e confiança institucional. Revista Eletrônica em Administração – READ. Ed 49, vol 12, n. 01, jan-fev 2006. BOISIER, S. Em busca del esquivo desarrollo regional: entre la caja negra y el proyecto político. Santiago de Chile: ILPES/DPPR, Série Investigacion. Doc 95/30. 1995. ______ Crônica de uma muerte frustrada: el território en la globalizacion. Texto de uma charla dictada en el instituto de postgrado em estúdios urbanos, arquitectônicos y de diseño. Santiago de Chile: Universidad Católica del Chile, em 27/set./2001. ______ Hay espacio para desarrollo local en la globalizacion? Revista de la CEPAL, Santiago de Chile, n. 86, p.47-62, 2005 BRISOLA, M. V. 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