Revista Litteris Filosofia
Julho de 2010
Número 5
CURRICULUM E GÉNERO NA PÓS-MODERNIDADE:
MOÇAMBIQUE
O CASO DE
Geraldo Cebola João Licas (Universidade Pedagógica- Moçambique)1
RESUMO
O debate de eleição neste artigo está ligado à interpretação que se faz da
categoria género e do seu enquadramento no curriculum (educacional) moçambicano.
Do curriculum se refiro, mormente, ao do ensino básico moçambicano com algum salto
breve para o ensino superior. Durante muito tempo se confundiu género com mulher,
falar de género significou falar de mulher. Mas na saída do século XX começou a ficar
claro que género não significa mulher, mas sim uma categoria relacional. Tanto que
hoje se fala de equilíbrio de género nos emancipadores do feminismo e não mais da
igualdade entre homens e mulheres. Na actualidade há papeis outrora tidos como
femininos que, dependendo de sociedade, transitaram e passaram a ser unisexos (como
o trabalho das transas nos salões); há características que eram tidas como
especificamente femininas (como cuidar de crianças e fazer tranças), hoje os homens já
transam e põem brincos sem constituir algo estranho. As mulheres já incorporadas no
exército, jogos de boxe e futebol.
Apesar de o género ser uma temática bastante discutida nos meandros académicos
moçambicanos e a literatura universal concernente à categoria género já ser de acesso
acessível para a sociedade africana e moçambicana em particular, em África e
Moçambique em particular a categoria género ainda tem sido interpretada como mulher.
E esta visão se encontra patente no curriculum moçambicano. Por outro lado, esta visão
é apoiada pela ideologia vigente. Ainda este ano o presidente Armando Guebuza, de
1
Licenciado em História pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM, Moçambique) e, mestrando em
Educação/Ensino de História Pela Universidade Pedagógica (UP, Moçambique). Docente de História
Política e de Ciência Política no departamento de Ciências Sociais da Universidade Pedagógica –
Delegação do Niassa (Moçambique). cell: 258 823851696; email: [email protected].
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Moçambique, foi laureado como patrono do país-exemplo na promoção do género em
África. Assim, se apregoa que elevar a mulher, por a considerar capaz de ocupar cargos
de direcção, é sinónimo de promover o género.
No curriculum moçambicano, depois da independência, o governo tratou do
género como a recuperação e valorização da mulher moçambicana. Assim foram
mediatizadas figuras femininas como Josina e Graça Machel; Laurinda Pachinuapa e
mais algumas que se destacaram aquando do decurso da Luta de Libertação Nacional
contra o colonialismo português. Apesar de hoje, na pós-modernidade, se aceitar as
novas tendências sexuais e a homossexualidade como normalidade e não anomalia, o
debate sobre o género em África e Moçambique ainda está amarrado à sinonímia de
género como mulher. Assim, como consequência no currículo moçambicano, género
ainda é colocado como mulher ou carregada do dualismo sexual – homem e mulher,
masculino feminino. A mudança passaria pela reforma da ideologia vigente e da
interpretação institucionalizada na sociedade (do dualismo sexual e da colagem do
género à mulher), uma espécie de reforma do Karl Marx chamou de tom da época.
ABSTRACT
The discussion in this arctic consists on interpretation of gender in Africa and
Mozambique, particularly in the educational curriculum context. I refer, particularly, the
basic and high education curriculums from Mozambique. Since many times ago, to toke
about gender mint to toke about woman or feminism. But in the final of XX became
clear that gender doesn’t mean woman or feminine, it means relationship. Now days,
post-modernity era, men literature tokes about equilibrium of gender instead of gender
equality or equality between man and woman. Now days, some traditionally woman
tasks can be performed by man and vice verse.
In spite of the gender to be one of the issues many discussed by Mozambican academics
and by the universal literature. In spite of much literature be available and accessible in
Africa and Mozambique in particularly, the gender category still interpreted as meaning
of woman. This interpretation is on educational Mozambican curriculum. In other hand,
this interpretation is supported by present political ideology. In the beginning of this
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year the president from Mozambique, Armando Guebuza, has been laureate as example
of promoter of gender because he has put considerable number of woman in his
government. Thus, gender means woman.
After the independency, on the Mozambican curriculum, the government strived to trait
the gender as the recuperation and to raise the value of Mozambican woman. So were
considered Josina Machel, Laurinda Pachinuapa as example of courage during the fight
against the colonialism. In spite of now days, in post-modernity, the acceptability of the
new sexual tendencies and the homosexuality, the debate about gender in Africa and
Mozambique particularly is still very linked to synonymous of woman. Thus, as
consequence, on the Mozambican curriculum, gender is view as woman or means the
duality of sexuality: mile and fame. The challenge is to change that concept, for that
will be necessary to remove the institutionalized in mind of the African society or from
Mozambican culture. Would be necessary to change the ideology of the moment, to
reform what Karl Marx have named epoch ton.
PALAVRAS-CHAVE
Género – na presente pesquisa entenda-se por género como uma categoria relacional
não intrinsecamente ligada à identidade sexual.
Pós-modernidade – período da pós-crise da modernidade, período do domínio da
matemática e da quantificação sobre o conhecimento científico, é período da incerteza.2
Santos demonstrated that post-modernity epoch means the crises of the modernity,
period that the domination of mathematics and the quantification above the scientific
knowledge; is an epoch of probability and uncertainty. Is the era of the new paradigm, is
the emergent paradigm.3
Feminismo – Segundo Vicent, o termo denota a investigação da opressão da mulher e
entendimento e promoção da mulher em todas as esferas.
2
Vide Peter Mclaren em Multiculturalismo Crítico, 1997.
3
Vide Boaventura de Sousa Santos 1996, em Pela Mão de Alice. Vide também, do mesmo autor, Um
Discurso sobre as Ciências.
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According to Vicent, the Word denotes the investigation of the oppression of women in
the all spheres.4
Curriculum – Um conjunto de valores de suporte científico coligidos duma dada
sociedade para sua transmissão. Segundo Sacristán, o Curriculum é a expressão do
equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado
momento, enquanto através deles se realiazam os fins da educação no ensino
escolarizado.
According to Sacristán, the curriculum is the expression of the equilibrium of interests
and forces that gravity above the education system in certain period, while across those
can possible to carry out the goals of education in the official education.5
INTRODUÇÃO
Género é uma temática deveras discutida em Moçambique, sobretudo em teses de
estudantes universitários. É uma temática também propagandeada pelas ONGs e
organizações feministas que estão implantadas em Moçambique. A categoria género é
amiudadas vezes evocada, também pelos governos, particularmente o de Moçambique.
Mas a categoria carrega consigo mitologias e preconceitos que dificilmente nos
desmamamos deles. Eis a razão do presente debate.
Constitui objectivo do trabalho trazer à luz a interpretação de género pautada nos
currículos de ensino em Moçambique. A importância do tema reside no facto de se
poder demonstrar a interpretação do género que se adeqúe à sua reconstrução pósmoderna, abarcante e inclusiva.
O impacto dos movimentos feministas, que germinaram no solo da exclusão e injustiça
que incidia sobre a mulher desde a Antiguidade, não se restringiu à Europa e `as
Américas mas evadiu as fronteiras africanas. As discussões em trono da
homossexualidade que tem alimentando o mundo das revelações sociais no ocidente
transitam para África ainda de forma hesitante. A evasão das novas tecnologias e a
4
5
Vide Andrew Vicent, 1995, em Modern Political ideology.
Vide J. Gimeno Sacristán, O Currículo, Uma Reflexão sobre a Prática, 2000.
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compactação do mundo à uma janela global contribui deveras para intromissão e
alicerçamento das inovações teóricas do que Santos chama de paradigma emergente ou
pós-moderno. Mas ainda não se regista mudança significativa no tratamento da
categoria género.
Metodologia
O método eleito para a presente pesquisa é o método histórico dado que, apesar da
pesquisa se circunscrever num tema da actualidade, houve necessidade de se mostrar a
esteira evolutiva da interpretação do conceito género por fases históricas diversificadas.
A abordagem é qualitativa dado que a base das interpretações e conclusões foi a análise
qualitativa. A técnica fundamental para a produção presente texto foi a documentação
indirecta, isto explica-se pelo facto da colecta de informação ter-se baseado na pesquisa
bibliográfica e documental.
GÉNERO OU FEMINISMO, QUE APROXIMAÇÃO?
A categoria género foi, desde a Antiguidade, aproximada ao conceito mulher e da
modernidade para cá a categoria género foi sendo colada à dois conceitos: mulher e
feminismo. O feminismo como corrente e ideologia emergiu em defesa e emancipação
da mulher e dos direitos a esta atribuíveis. Hoje em África são diversas as organizações
cujo vértice de acção é a mulher. No entanto, actualmente diversas organizações têm
evocado o género supondo que estão a emancipar e defender os direitos e
empoderamento da mulher. Assim, para o caso de Moçambique, os medias, e diversos
manuais produzidos com o apoio ou sob orientação das ONG tem acompanha os títulos
evocadores de género com figuras ou retratos de mulher. Seus discursos têm atrelado a
categoria género ao conceito de mulher. Se tornando, elas e seus discursos, limitadoras,
exclusivistas e divissionistas.
Ribeiro aponta que Graham, (1995), defende que o conceito de género tem sido
discutido desde a Antiguidade grega, onde Platão e Aristóteles entendem-no como
conceito de classificação biológica em que, num primeiro momento, classifica seres
animais usando como critério a racionalidade, critério que origina um género para
referir os animais, ditos, racionais (os reses humanos) e outro género para referir os
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seres, ditos, nãos racionais (animais propriamente ditos). Num segundo momento o
conceito género, restringe-se aos seres humanos usando critérios biológicos originando
o género masculino e o género feminino, em referência aos indivíduos do sexo
feminino. Tanto no primeiro como no segundo momentos, encontramos uma relação
clara e distinta entre o conceito género e a realidade empírica que este se refere.
(RIBEIRO, 2003:1).
Ribeiro refere que num terceiro momento os papéis sociais servem como critério de
diferenciação de género masculino para indivíduos que possuem sexo biologicamente
masculino e que exercem papéis sociais masculinos e o género feminino para indivíduos
que exercem papéis saciais femininos para os do sexo biologicamente feminino.
(RIBEIRO, 2003:2).
A categoria género como conceito tem sido interpretada como sinónimo de mulher. Nos
estudos mais recentes tratar de género tem sido sinónimo de feminismo. Realçar
aspectos de índole feminino, segundo estes estudiosos valorizar e elevar a mulher
significa vincar o valor de género se baseando no dualismo sexual (homem/ mulher).
Mas género é uma categoria relacional abrangente que não pretere outras tendências
sexuais conhecidas como homosexuais, não significando mulher ou redundância
feminista. Sendo género uma categoria relacional que depende da construção social ao
longo do tempo se pretende perceber se esta categoria tem sido interpretada como tal no
curriculum moçambicano.
A aproximação existente entre o conceito mulher e a categoria género não é imediata e
muito menos de fácil apego. É neste sentido que a desconstrução do elo aproximador
bem como da redefinição da categoria constituem, ainda, caminho tortuoso. Tendo em
conta que papéis sociais masculinos podem ser desempenhados por mulheres e papeis
sociais femininos por homens, surge espaço para quatro tipos de realidades possíveis,
sendo o primeiro de homens que desempenham papéis sociais masculinos, de homens
que desempenham papéis sociais femininos, de mulheres que desempenham papéis
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sociais femininos e de mulheres que desempenham papéis sociais masculinos. Neste
contexto, falar da relação de género pode estar a referir-se a realidade que este
categoriza perdendo sua delimitação clássica, uma vez que género pode estar a referir-se
a qualquer das situações, o que levanta algumas questões, tais como o que é género, que
realidade designa o género feminino e a que realidade designa género masculino? Onde
se enquadram as novas tendências sexuais?
CURRICULUM E GÉNERO NA PÓS-MODERNIDADE: O CASO DE
MOÇAMBIQUE
O curriculum reflecte o conflito entre interesses dentro de uma sociedade e os valores
dominantes que regem os processos educativos. E a escola em geral adopta uma posição
e uma orientação selectiva frente à cultura, que se concretiza no curriculum que
transmite. O sistema educativo serve a certos interesses concretos e eles se reflectem no
curriculum. (SACRISTÁN, 2000:17). Os nossos curricula do sistema de educação em
África tiveram fases históricas antagónicas e de difícil reconstrução. Em muitos países
africanos, com excepção de casos raros como Alexandria no Egipto, não registou uma
escola no conceito de hoje que levasse as pessoas a saírem de casa com o objectivo de
frequentarem em classes com professores indicados. Mas, entenda-se bem, não significa
que as sociedades não tivessem aprendizagem ou educação. A escola para os africanos
era a própria sociedade, a própria comunidade. Anciãos, famílias, pessoas indicadas
para dirigirem ritos diversificados eram e sempre foram os verdadeiros professores das
escolas africanas. Esses professores sempre obedeceram um dado curriculum, conjunto
de valores aprovados como magnos para serem transmitidos. A diferença com os
curricula trazidos pelos europeus incidia sobremaneira na tradução do curriculum para
sua forma escrita e no facto de se indicar um espaço específico para a transmissão dos
valores culturais coligidos - a escola.
Mas, frise-se, os curricula europeus eram, como muitos autores já documentaram,
eurocentristas e imperialistas no sentido de fazer entender ao africano que a sua
europeização significava sua civilização. Os manuais de ensino representavam apenas
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exemplos europeus. Para o caso de Moçambique se fez crer que o moçambicano era
português. Depois da independência a educação em África
e particularmente foi
marcada pela negação dos curricula idos do tempo colonial, desconstruindo-os, como
forma de trazer à luz os valores culturais reais, sobretudo nos campos da história e
geografia. Assim se lutou por um curriculum representativo em Moçambique, fase
acompanhada pela campanha ideológica da construção do homem novo de influência
socialista
Segundo Loforte & Artur, (1998:11), durante muito tempo na tradição académica
(moçambicana), se tratou a categoria género como uma categoria homogénea quer na
sua composição assim como nos seus comportamentos e práticas. De outra forma, se
privilegiaram as opiniões, as ideias e concepções masculinas na análise social ignorando
o carácter relacional do conceito de género. A autora documenta que estudos mais
recentes têm elevado a heterogeneidade desta categoria, e que as relações de género são
socialmente construídas. Assim, no entender das autoras, homens e mulheres ocupam
lugares diferenciados na sociedade, sendo as relações de género configuradas de acordo
com factores de natureza ideológica, histórica, étnica, religiosa e cultural.
Ribeiro, (2003), conjectura que em Moçambique o conceito género, continua a ser um
conceito para representar realidades sociais, no entanto a sinonímia género e indivíduos
do sexo feminino é resultante da possibilidade de não incluir indivíduos de sexo
masculino não pela sua inexistência, mas condicionada por um lado por interesses e
afinidades dos pesquisadores, em relação as abordagens teóricas em torno da questão de
género, influenciados pelo multiculturalismo e por outro por condicionalismos de
financiamentos, que favorecem a avaliação e legitimação da sinonímia em análise.
Loforte documenta que no concernente à docência os conteúdos programáticos das
diferentes disciplinas dos cursos de geografia, história ou linguística congregam
diferentes áreas de conhecimento, mas não têm fornecido instrumentos metodológicos e
conceptuais que possibilitem aos estudantes uma análise das sociedades moçambicanos
numa perspectiva de género. (LOFORTE, 1998:11).
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Ribeiro refere que o espaço para o debate em torno das relações homem-mulher em
Moçambique é aberto com o início da luta pela independência de Moçambique, uma vez
que o movimento de libertação nacional FRELIMO, consciente não só desse
destacamento, mas também da exploração do povo pelo colonialismo, assume que só
através da eliminação de todas as formas de discriminação existentes contra a mulher é
que se pode emancipa-la e leva-la a participar da luta armada. (RIBEIRO, 2003:26).
Ribeiro cita Hirvonen & Braga (1999), com a independência nacional, a nova
constituição nacional não só reconhece a igualdade de direitos e deveres entre homens e
mulheres, como também proclama a emancipação da mulher como uma das tarefas
primordiais do Estado e a coloca no exercício do poder popular. O factor decisor para a
emancipação da mulher era o engajamento na tarefa principal que era a transformação
da sociedade: na edificação de uma base material ideológica para a construção da
sociedade socialista. Mas na prática as mulheres continuaram subalternas, uma vez que
a nível da OMM continuaram a ser instrumentalizadas, já não para o combate, mas a
realização de actividades não remuneradas, de benefício comum, embora o acesso a
saúde e educação fossem gratuitos. (RIBEIRO, 2003:28). Mas a mulher cai no
conformismo. No pós independência, a mulher era levada para grupos de canto no
partido por vezes sem consentimento dos maridos e temendo o divórcio muitas
deixavam a emancipação de lado.
Na verdade a mudança que se verificou na interpretação de género no período pósindependência incidiu, apenas, na negação da exclusão da mulher africana e
moçambicana em particular. Justifica-se assim a elevação da mulher no processo da luta
de libertação de Moçambique como forma de reverter o quadro feminino da ideologia
anterior. Desta forma a imagem de Josina Machel é deveras evocada nos manuais de
ensino, cânticos e coros culturais. Mas, frise-se, o currículo moçambicano não foge da
simples distinção dos homens na base do dualismo sexual, fotografando, documentando
e retratando a mulher como o lado fraco do ser: mulher mãe, mulher protectora dos
filhos, mulher cozinheira. Ou de forma emancipada: outrora atrasada em relação
homem, agora operária, militar/combatente, professora, por vezes maquinista chefe
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hierárquica – Graça Machel (ex ministra da Educação). Nesta matriz, a mulher africana,
em particular moçambicana, é restaurada para a história.
Mas, concordando com Loforte & Artur (1998:11-12), ao trabalhar com género como
categoria exclusiva (mulher), esvazia-se e simplifica-se o conteúdo das outras
identidades dos sujeitos – classe, a idade, a etnia. Essa realidade inibe que se reconheça
que múltiplas identidades significam também múltiplas posições e estratégias. Como se
pode depreender, ainda que as autoras revistam com nova roupagem a interpretação de
género e seu encaixe no currículo, a sua tese não se distancia tanto dos que olham para o
género como versão sinonímica de mulher.
A concepção de género que é trazida da Antiguidade é consolidada na modernidade por
causa do dualismo cultural ou da visão dualista. A inspiração bíblica que conduz a
humanidade a considerar a mulher como o oposto do homem e parte complementar do
mesmo eleva a masculinização da cultura e civilização humanas e, isto pode se provar
olhando para as gramáticas nascidas da modernidade como viários exemplos de
dualidade cultural: masculino feminino, forte e fraco; alto e baixinho; bonito e feio;
ordem e desordem; etc. E como, de acordo com Santos (1996:16), o conhecimento
nascido da modernidade é um conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à
luz de regularidade observadas, com vista a prever o futuro, as teses da modernidade e
suas consequências são evidentes. Isto porque alterar a visão dualista da cultura que
ainda comanda nossas vidas ainda está aquém de ser significativa e, a interpretação da
categoria género com base no dualismo sexual continua deveras forte, não só a nível de
África e Moçambique e sim mesmo no ocidente. Por outro lado, um conhecimento
baseado na formulação de leis tem como pressuposto metateórico a ideia de ordem e de
estabilidade do mundo, a ideia de que o passado se repete no futuro (SANTOS,
1996:17). Assim, o facto de o futuro ser um continuum devir e indeterminado torna
ainda difícil a imediaticidade da alternância da ordem moderna e com ela o dualismo
cultural.
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A época em que vivemos tem sido apelidada de pós moderna ou do paradigma
emergente por autores como Santos Serra67 e por parte de estudiosos de currículos como
McLaren querendo traduzir a transição ou a desconstrução do projecto da modernidade.
MacLaren documenta que vivemos uma época de cepticismo, em momentos históricos
gerados em um clima de desconfiança, de desilusão e de desespero. Relações sociais de
desconforto e de desconfiança sempre existiram, mas o nosso tempo é particularmente
ofensivo neste aspecto, marcado pelo fascínio com a ganância, pelo desejo de consumo
hipererotizado e descontrolado, por correntezas de narcisismo, por severas injustiças
sociais e económicas e por uma paranóia social intensificada. (MACLAREN, 1997: 54).
Mas no âmago dessa conjuntura contextual se regista levantes contra a submissão e
exclusão de grupos sociais e culturais que lutam pela expressão e reconhecimento. É no
âmbito da desconstrução da lógica epistemológica modernista marcada pelo
positivismo, pelo dualismo cultural – masculino feminino, que se relevam grupos
homossexuais contra o dualismo sexual e que apesar de muitas sociedades já serem
permeáveis à sua expressão, em África continua a constituir um mito e de difícil
acepção. O género não deixou de ser assunto nos curricula das primeira República
Moçambicana.
A interpretação de género volta a registar um segundo momento de crise, se
considerarmos que o primeiro se verifica com a negação da tamanha subordinação da
mulher em relação ao homem e das desigualdades de oportunidades na educação,
porque as outras tendências sexuais são agora propagadas e comprovadas pela biologia
moderna. Assim biologia moderna sustenta a tese homosexualista: a pessoa pode ser do
sexo masculino e sua tendência sexual ser direccionada também ao homem e o mesmo
acontecendo com pessoas do sexo feminino. E sendo o curriculum uma representação
cultural da sociedade ou a Expressão de valores que a sociedade deseja que sejam
perpetuados/transmitidos se espera ou deve ser, também, representada a nova negação
do dualismo sexual na interpretação da categoria género.
6
Vide Andrew Vicent em Modern Political Ideologies, 1995.
7
Vide Carlos Serra em Combates Pela Mentalidade Sociológica, Maputo, UEM, 1997. Vide também
DOLL Jr., 1997.
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Em África, oficialmente, quer a evocação para se olhar o género como categoria
relacional que eleve a complementaridade, quer a evocação para que se sepulte no
cemitério da modernidade o dualismo sexual por causa das revelações das novas
tendências sexuais continuam deveras aquém da sua efectivação. Um exemplo mais
recente que sustente a tese apresentada é o facto do laureamento de Armando Guebuza
(presidente da República de Moçambique) pela abertura de oportunidades para a mulher
(ocupando cargos de direcção no Governo) no dia 3 de Abril deste ano pela Femmes
Africa Solidarité, este acontecimento reside na visão do género condensada no dualismo
sexual.
Por outro lado, em Moçambique o novo livro escolar ainda não é inclusivo em termos
de tendências sexuais e vinca apenas a heterosexualidade. Continuando a atribuir os
papeis do homem a quem seja, biologicamente, do sexo masculino e; os papeis sociais
da mulher a quem seja, biologicamente do sexo feminino. Na educação a expectativa
em torno dos rapazes e raparigas é dissemelhante desde o afecto, as sanções ou
premiação de condutas.
Parafraseando Osório (1998:72), na história ensinada no currículo moçambicanas as
crianças são levadas a identificar-se com os heróis (marcadamente masculinos) que pela
sua força física e coragem enfrentam inimigos perigosos e vencem batalhas – Tcaka;
Ngungunhane; Maguiguane; Nyantsimba Mutota. E um ou dois nomes apenas de
heroínas- Josina Machel; Ndzinga Mbade (que presume-se ser apenas lendária). Isto
influi também no comportamento dos professores e das professoras no tratamento dos
alunos e das alunas.
Nos pós independência, o currículo moçambicano se ocupou da restauração ou até
introdução da mulher na sociedade e na história da sociedade moçambicana apenas
como sustentáculo da negação à sua exclusão pelo jugo colonial. Mas para além de
exemplos soltos como os de Josina Machel não houve mais exemplos. Embora tenham
surgido contribuições inovadoras em torno da desconstrução e reconstrução da categoria
género como as de Loforte & Artur (1998), Osório (1998), Casimiro (1998), Ribeiro
(1998), Tereza (1998), para o caso de Moçambique, estas não se distanciaram tanto das
anteriores interpretações. O prémio atribuído ao presidente da República de
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Moçambique pela promoção do género em Moçambique revela que os políticos assim
como todos ligados à imprensa continuam a confundir género com mulher. Por outro
lado, demonstra de forma evidente que ainda não são aceites outras tendências sexuais
(homosexuais). Neste contexto, se nega género como uma categoria relacional que a
pós-modernidade (pelo paradigma de rotura, emergente ou multicultural) propõe,
preferindo-se o dualismo sexual. No concernente ao currículo moçambicano, pode se
afirmar que não é representativo quando se toca na categoria género.
CONCLUSÃO
O currículo moçambicano (nos seus diversos sistemas e subsistemas de ensino) ainda
não desconstruiu a cosmovisão dualista sexual do conceito género. Ele traduz
reduzidamente pessoas do sexo feminino em mulheres (em termos de papeis) e as do
sexo masculino em homens. O pior é a permanência ou resistência de posições
tradicionais que teimem em considerar género como mulher. Os manuais de ensino
representam a mesma visão tradicionalista, esta visão não é inclusiva é exclusivista
porque deixa de fora os do sexo masculino (as masculinas) com tendência sexual
feminina e as do sexo feminino (os femininos) com tendência sexual masculina ou com
papeis sociais “inversos”.
Contudo, entende-se que a visão e representação do género no currículo no modelo que
se propõe neste trabalho requerem uma viragem, rotura com a mulherinização ou do
conceito e aceitabilidade social que depende da ideologia norteadora do currículo. Esta
rotura e regerminação do género não estão perto de acontecer, mas já é gritantemente
necessária em África e Moçambique em particular. A categoria género ao ser
interpretada como sinónimo de mulher, não é totalizante e logo exclusiva e separatista.
Ao ser interpretada como uma categoria relacional mas, ainda, privilegiando a oposição
sexual- marido/mulher, mãe/pai; é outrossim separatista. A categoria género, para que
possa ser de facto inclusiva, deve tomar em consideração, também as tendências
homosexuais e não considerá-las uma aversão `a normalidade.
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