FORMAÇÃO DE PROFESSORES DAS CIÊNCIAS HUMANAS PARA O
PROGRAMA PROJOVEM CAMPO SABERES DA TERRA NO ESTADO DE
PERNAMBUCO/BRASIL: desafios e perspectivas
Erton Kleiton Cabral dos Santos1
UFPE/CAA
[email protected]
Ana Maria da Barros2
UFPE/CAA
[email protected]
Resumo
Este artigo reflete acerca das contribuições que as Ciências Humanas (CH) apresentam ao
Programa Projovem Campo Saberes da Terra em Pernambuco – Brasil. Discutem-se as
percepções que os formadores de área específica, História e Geografia, apresentam sobre os
conceitos e sua aplicabilidade neste programa e as dificuldades de compreensão conceitual.
Desvela acerca da experiência proposta pelo projeto, nas dimensões práticas que se efetiva na
formação de professores, e suas percepções acerca da realidade sócio-educativa em que estão
inseridos. Nossas conclusões tecem sobre a dificuldade de diálogo apresentada pelo projeto
político pedagógico que propõe a integração de saberes versus a Pedagogia da Alternância.
Palavras Chaves: Educação no campo. Ciências Humanas. Formação de professores.
1
Graduando em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Centro Acadêmico do Agreste –
CAA. Estudante pesquisador, atuante nos seguintes projetos de pesquisa: Pq - enxoval 2009 UFPE/NFD/CAA,
“Educação Municipal, Clientelismo e Democracia nas Escolas do Nordeste Brasileiro: Um Estudo no Agreste
Pernambucano”; Bolsista de iniciação científica CNPQ - “Gênero e Educação: A Formação de Professores nas
Séries Iniciais do Ensino Fundamental do Campo e da Cidade: Refletindo Sobre as Implicações Práticas da
Ausência do Debate de Gênero na Escola. Atuou como bolsista da área de conhecimento Ciências Humanas do
Programa Projovem Campo Saberes da Terra em Pernambuco.
2
Professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Centro Acadêmico do Agreste – CAA.
Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Mestre em Educação Popular
pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Coordenadora do Núcleo de Formação Docente do CAA.
Coordenadora do Comitê de Articulação Política Municipal de Caruaru. Membro do Observatório dos
Movimentos Sociais. Atuou como coordenadora da área de Ciências Humanas do Programa Projovem Campo
Saberes da Terra entre 2009 e 2010. Pesquisadora do grupo de pesquisa Educação, Inclusão Social e Direitos
Humanos do CAA – UFPE.
Introdução
O contexto da educação do campo no Brasil enfrenta inúmeros desafios. Dentre eles a
necessidade de implementação de uma proposta de currículo que contemple a realidade do
homem do campo. A teoria curricular brasileira, embora apresente grandes contribuições para
uma concepção de educação nesta perspectiva, onde os direitos e a cultura individual passam
a ser extremamente valorizados no processo educativo, a sua efetivação caminha a passos
lentos. Salvo uma ou outra iniciativa de proposta alternativa, que reflete o nível de
organização social de alguns setores da sociedade civil, que em suas ações, contribuem na
elaboração de novas políticas públicas de reconhecimento da cidadania e legitimação dos
direitos. No caso da educação do campo, a contribuição mais significativa vem ocorrendo a
partir dos movimentos sociais do campo.
As atuais conquistas que refletem as políticas curriculares e educacionais, sobretudo,
no contexto rural, se alicerçam em lutas travadas por setores da organização civil advindos da
realidade campesina, que historicamente, tem como pauta de reivindicação, uma educação
pautada na legitimação dos direitos civis e sociais. Assim, como a preservação de sua herança
cultural, única e própria, que revela o modo de ser e de viver individual numa perspectiva
coletiva.
A educação no campo, nos últimos anos, vem conquistando um espaço amplo de
discussões no espaço acadêmico e educacional, que abrange além de novas metodologias de
ensino, uma preocupação que atinge, sobretudo, a necessidade de um currículo escolar
específico que supere a relação hierárquica que foi estabelecida no desenvolvimento do país
entre campo e cidade. Frente aos entraves de ordem política e social, presentes no contexto da
educação brasileira e que se relacionam, sobretudo, aos processos educativos vivenciados nos
contextos escolares da cidade e do campo.
A ação de Movimentos Sociais que surgem no contexto rural na atualidade contribui
para o surgimento de novas políticas sociais e educativas, que visam a elevação da
escolaridade, valorizando a cultura local e incentivando o desenvolvimento do campo
brasileiro a partir de um debate político-filosófico que instaure uma nova práxis, onde a
educação voltada para os povos do campo, além de trabalhar com valores próprios de sua
cultura e de sua identidade possibilitem enxergar que a relação entre educação, agricultura
familiar e sustentabilidade devam ser tratadas, conectados e articulados a uma nova forma de
ver a educação, o campo e a relações estabelecidas entre os sujeitos numa perspectiva de
empoderamento.
Neste contexto, o Programa Projovem Campo Saberes da Terra, que se utiliza de
recursos advindos do Ministério de Educação - MEC, através da Secretária de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD, dentre os seus objetivos, consiste em
possibilitar a escolarização dos educandos por meio de uma metodologia de ensino específica
no âmbito da Educação de Jovens e Adultos, a saber, a Pedagogia da Alternância,
caracterizada pelo tempo escola e o tempo comunidade, tendo a realidade como conteúdo a
ser problematizado através de um plano de pesquisa que antecede o tempo comunidade.
Outros importantes elementos contidos na metodologia são as jornadas pedagógicas que
possibilitam aos estudantes apresentarem sínteses em linguagem lúdicas e também através do
texto escrito.
Este artigo desenvolvido a partir da experiência deste programa no Estado de
Pernambuco, buscando discutir as contribuições que a área das Ciências Humanas apresenta
ao Projovem Campo Saberes da Terra. Reflete pesquisa realizada, que busca identificar as
percepções que os formadores de área específica, História e Geografia, apresentam sobre os
conceitos e sua aplicabilidade, como também as dificuldades de compreensão conceitual que
transfere as especificidades destas disciplinas à globalidade inerente a área numa integração
de saberes com outras áreas de conhecimento, a saber: Ciências da Natureza, Ciências
Naturais, Linguagens e Códigos, e Matemática.
Embasado na metodologia da Pedagogia da Alternância, neste trabalho discutimos os
processos de formação de professores para atuar nesta modalidade de ensino frente à realidade
econômica, educativa e social do campo brasileiro, que enfrenta inúmeros problemas, entre os
quais as desigualdades regionais, que se reflete na estima dos agentes deste processo
educativo, o educando e a desvalorização, sobretudo pelo mercado capitalista, da realidade
campesina e também do educador.
Educação no campo
A Educação no Campo no contexto Brasileiro se ampara, dentre muitas teorias
educacionais, no pensamento elencado por alguns autores que fundamentam os processos de
Educação Popular (FREIRE, 2005), (FREIRE, 1979), (SOUZA, 2006), (BRANDÃO, 1996).
A Educação de Jovens e Adultos é uma realidade bastante evidenciada em muitos espaços de
nosso país, responde por um importante papel de inclusão social e de garantia do acesso ao
direito a educação e que acentua os processos de escolarização do homem do campo e
contribui na emancipação social e intelectual dos sujeitos, na medida em que é democratizado
o saber para a construção de novos saberes, numa perspectiva de educação popular. Neste
sentido Brandão (2006) nos diz que:
(...) dois sentidos antecedentes e poucos usuais para a educação popular: primeiro
enquanto o processo geral de reprodução do saber necessário anterior à divisão
social do saber, como educação da comunidade; segundo, como o trabalho político
de luta pela democratização do ensino escolar através da escola laica e pública.
(p.45)
Neste contexto, a organização civil dos sujeitos coletivos de origem campesina
contribui para a elaboração de novas políticas públicas para o campo, na valorização do saber
e da cultura desta territorialidade. É, portanto, nos processos educativos que muitos dos
Movimentos Sociais embasam sua luta, uma vez que, para a sua compreensão, a educação é
entendida como um agente de transformação e conscientização que subsidia o nível de
politização. Arroyo (2004) acerca disto nos diz: “não só há no campo uma dinâmica social,
ou movimentos sociais no campo, também há um movimento pedagógico” (p.68). Esta
pedagogia que emerge das lutas travadas e que permeiam as ações dos movimentos sociais, se
concretizam, portanto, em processos de formação política, mas que em sua essência é
necessariamente pedagógica.
Uma Filosofia da educação no contexto do campo reflete na qualidade desta ação
educativa, da identidade que particulariza cada sujeito, mas também de espaço e liberdade
enquanto estadia, habitação, casa, residência e família, que unidos, tornam-se agentes do
processo educativo na luta pela garantia de direitos, definindo novas espacialidades e
territorialidades de poder. Tal reflexão nos remete ao “Discurso da Hospitalidade”,
entendendo a importância do acolhimento, “ao desconhecido, anônimo, que eu lhe ceda
lugar, que eu o deixe vir, que o deixe chegar, sem exigir dele nem reciprocidade (a entrada
num pacto), nem mesmo seu nome” (DERRIDA, 2003, p. 25), e respeito ao educando com
suas respectivas peculiaridades e individualidades.
Nesses processos de transformação social e cultural cresce a consciência do papel da
educação. Emerge a inquietude de se promover processos educativos que favoreçam
a democratização da sociedade. O processo educativo desenvolvido nos movimentos
sociais nas últimas décadas tem privilegiado a educação popular. Essa tenta
favorecer os processos de libertação do povo e constitui parte substancial da prática
pedagógica popular latino-americana. (RAMIREZ, 2004, p. 61)
A Educação Popular subsidia, portanto, os processos educativos no contexto do
campo. No entanto, o autoritarismo do processo educativo em nosso país encontra dificuldade
de dialogar com as novas exigências dos grupos, a exemplo dos camponeses, que lutam pela
sua identidade e por um currículo específico. A matriz curricular é construída com um fim de
homogeneizar e uniformizar os sujeitos dos processos educativos. Este currículo na maioria
das vezes, não comporta as peculiaridades necessárias para efetivação dos processos de
aprendizagem a uma realidade específica. Segundo Silva (2007) “A seleção que constitui o
currículo é o resultado de um processo que reflete os interesses particulares das classes e
grupos dominantes” (p.46).
Neste sentido o currículo, entendido, como o pulmão da escola e conseqüentemente
dos processos de educação, como forma, acolhe o sujeito que se molda a um modelo
estereotipado e estático. Aos que não se adaptam pelo desrespeito a diversidade cultural,
social, étnico-racial restam à evasão da sala de aula, e de qualquer outro processo educativo
que não acolha, nem ofereça uma educação prática e consciente que atenda as inquietações da
realidade em que tal processo se consolida.
O currículo é um reprodutor ideológico, “são a expressão do equilíbrio de interesses
e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que através
deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado” (SACRISTÁN, 1998, p.17).
Neste sentido, o pensamento que permeia as bases curriculares no Brasil se fundamenta, em
uma política instituída de cunho neoliberal. Nesta perspectiva a segregação das minorias
sociais, numa relação contraditória, vai difundindo concepções arraigadas de segregação,
preconceito, exclusão e intolerância, em comportamentos e ações que ferem e violam os
princípios dos Direitos Humanos. Tais situações serão vivenciadas através do currículo oculto
de cada sistema educativo onde esta concepção se encontra presente.
Esta é, sem dúvida, uma realidade pelo qual os processos educativos no contexto do
campo enfrentam: concorrer com a lógica do mercado, de produtividade máxima, inerente a
realidade da cidade.
A formação do sujeito desta realidade educativa tem no (a) professor (a), um dos
aliados fundamentais. Sem cair no romantismo piegas de que sozinho este (a) profissional
poderá solucionar os conflitos que irá encontrar, mas acima de tudo compreendendo a
formação do professor para esta realidade como uma necessidade em função do
reconhecimento da legitimidade das lutas dos movimentos sociais do campo, mas acima de
tudo responsabilidade social do educador frente aos desafios democráticos e frente à formação
de jovens críticos, competentes e capazes de alterar sua realidade social. Dessa forma,
estamos diante de uma proposta política que avance da formação do professor à formação da
pessoa humana.
O que é comum na formação de docentes é a inexistência de uma grade curricular que
contemple ações pedagógicas em espaços não formais. A relevância de uma formação
específica para os educadores que vivem ou atuam no campo vai além da formação
continuada, mas que aliada a esta formação os docentes tenham a dimensão do compromisso
social que precisam assumir com a realidade da escola do campo.
Fato presente no contexto da educação no campo no Brasil confere sobre a
inexistência de uma escola formal que atenda as especificidades deste processo pedagógico.
Muitas realidades, ainda desprovidas de recursos tecnológicos básicos, tais como energia
elétrica e água tratada, refletem esta realidade, que aponta a uma negligência do Estado na
garantia de direitos básicos como saúde, educação e que inviabiliza os processos
democráticos nas relações sociais.
Nesta realidade, o trabalho docente no contexto do campo adquire função política,
marcada por conflitos que atingem a esfera do poder municipal, que visibiliza a atuação dos
professores no campo, como uma forma de punição e perseguição política. A seleção dos
professores segue o padrão do favor e da tutela, sendo incipientes ainda os municípios que
realizam concurso público como exige a Constituição Federal de 1988. É necessário ressaltar
que a manutenção do clientelismo nos municípios, é bastante evidenciado nas práticas
educativas em contextos semelhantes. Arroyo (2004) reflete, sobre os principais entraves que
acentua o papel do professor para a realidade do campo:
Como educadores, temos de ter sensibilidade para essa dinâmica social, educativa e
cultural, e perguntar-nos que novos sujeitos estão se constituindo, formando, que
crianças, jovens, adultos, que mulheres, que professoras e professores, que
lideranças, que relações sociais de trabalho, de propriedades que valores estão sendo
aprendidos nesse movimento e dinâmica do campo. O foco de nosso olhar não pode
ser somente a escola, o programa, o currículo, a metodologia, a titulação dos
professores. Como educadores temos de olhar e entender como nesse movimento
social vêm se formando, educando um novo homem, uma nova mulher, criança,
jovem ou adulto. (ARROYO, 2004, p.70)
Uma educação do e para o campo necessita ser pensada no sentido de emancipação
social, cultural e de saberes. A valorização profissional, valor comumente contido nas teorias
curriculares também deve estar contida numa proposta de currículo para estas escolas, desde
que contemple e forme para a realidade, levando em conta seus arcos ocupacionais:
agricultura, pecuária, novas ruralidades e tantos outros ofícios que caracterizam a dinâmica da
vida do campo: o seu homem, e os seus saberes.
O ensino das Ciências Humanas na perspectiva da educação do campo
Dentre as propostas pedagógicas contida no Projeto Político Pedagógico que norteia os
processos educativos no Programa Pro Jovem Campo Saberes da Terra, trata sobre a
integração de saberes numa integração dos conteúdos inerentes as disciplinas de História e
Geografia. As composições destas duas áreas de conhecimentos apresentam como abordagem,
conteúdos próprios das Ciências Humanas. Embora distintas, se aproximam, por
caracterizarem um conhecimento produzido a partir das relações sociais construídas histórica
e geograficamente, pela ação humana, mas principalmente através dos conceitos fundamentais
de espaço e tempo.
Nesta perspectiva torna-se necessário discutir os conceitos que fundamentam estas
duas ciências, “A geografia é uma ciência que estuda o espaço, na sua manifestação global e
nas singulares” (CAVALCANTI, 2005, p.203). Este espaço é caracterizado pelo modo de
vida pelo qual os sujeitos tornam-se agentes da história, neste sentido:
O conhecimento histórico não se limita a apresentar o fato no tempo e no espaço
acompanhado de uma série de documentos que comprovam sua existência. É preciso
ligar o fato a temas e aos sujeitos que o produziram para buscar uma explicação. E
para explicar e interpretar os fatos, é preciso uma análise, que deve obedecer a
determinados princípios. Nesse procedimento, são utilizados conceitos e noções que
organizam os fatos, tornando-os Inteligíveis. (BITTENCOURT, 2004, p.183)
De acordo com esta concepção, pontua-se a História como a disciplina mais política
das Ciências Sociais. Sousa (2010) acrescenta que por meio do ensino de História os sujeitos
do campo constroem suas percepções que resultam na luta pela equidade e justiça social, e
assim emancipando-se socialmente, defende que “O ensino de história é um instrumento de
luta e não pode perder esse viés” (p.07).
Dentre os conceitos abordados como área de conhecimento contemplam: o tempo
como uma dimensão histórica, neste sentido Carretero (1997) nos diz que o ensino de história
deve “incluir não somente os conhecimentos sobre o tempo passado, mas, também o
estabelecimento de relações entre o passado e o presente ou, pelo menos, entre dois
momentos de tempo” (p.17), e o espaço como uma dimensão da geografia.
É no encontro/confronto da geografia cotidiana, da dimensão do espaço vivido pelos
alunos, com a dimensão da geografia científica, do espaço concebido por essa
ciência, que pressupõe a formação de certos conceitos científicos, que se tem a
possibilidade de reelaboração e maior compreensão do vivido, pela internalização
consciente do concebido. Esse entendimento implica ter como dimensão do
conhecimento geográfico o espaço vivido, ou a geografia vivenciada cotidianamente
na prática social dos alunos. (CAVALCANTE, 2005, p. 201)
A formação de professores para atuar nesta perspectiva de ensino, tem como entrave, a
divisão cognitiva geralmente apresentada, que separa o conhecimento das Ciências Humanas
em campos distintos, a saber, a História e a Geografia. Neste sentido os estudos que
contemplam as Ciências Humanas, alcançam também outras dimensões como as de cunho
sociais, políticas, econômicas, territoriais e também antropológicas. No entanto, trabalhando
com um programa que tem como referência o ensino fundamental e seus conteúdos de
escolarização, entram fundamentalmente na área de Ciências Humanas a história e a
geografia, por mais que as mesmas dialoguem com as suas ciências afins.
A primeira dificuldade detectada na formação foi o fato de muitos educadores não
terem formação nas áreas específicas e terem dificuldade de expressar intimidade com o
conceito de espaço e tempo, pois na seleção de professores realizada pela Secretaria de
Educação podem atuar no processo de escolarização em humanas, profissionais das áreas
afins. As turmas além de educadores com formação em história e geografia possuem
graduados em pedagogia, filosofia, sociologia, entre outras graduações que formam a área de
ciências humanas. Outra questão é que boa parte dos educadores são de origem urbana,
possuindo uma visão estereotipada do mundo rural. Nesse sentido, incluído os educadores
responsáveis pela formação também tivemos que desconstruir nossa visão limitada sobre a
temática proposta e nosso olhar sobre o campo, marcado por um viés extremamente
colonialista e simplista daquela realidade. Percebemos o quanto tínhamos dois grandes
desafios que se apresentavam a nossa frente: superar as limitações da disciplina para realizar a
integração de saberes e dialogar com uma metodologia nova experimentada em sua primeira
versão apenas pelos movimentos sociais. Que ao mesmo tempo em que participam das
formações, tencionam a universidade por maior fatia de poder de decisão.
Os conceitos a serem trabalhados perpassam os seguintes conteúdos: o espaço
geográfico, modificado pelo homem ou pela natureza; o território delimitado numa relação de
poder, o lugar marcado por uma relação de afeto e de sentimento; a segregação sócio-espacial
marcada principalmente pelas desigualdades geradas pelas esferas econômica, política e
territorial. A luta pela agricultura familiar, que se opõe ao modelo hegemônico do
agronegócio que secundariza a sustentabilidade das populações do campo, vista como mãode-obra barata.
As diversas ciências humanas, ao preocuparem-se com o tempo social, têm na
atualidade, outras dimensões temporais, cujos referenciais podem fornecer os dados
para se perceber o “lugar” que o homem ocupa na história do planeta bem como o
poder e os limites de sua atuação em suas relações com o “tempo da natureza”.
(BITTENCOURT, 2004, p.202)
Ainda se tratando de conceitos que buscam a integração no ensino de História e
Geografia, nesta nova lógica metodológica de ensino e aprendizagem embasada nos
princípios culturais de cada localidade perpassam ainda os seguintes conteúdos: A formação
do território brasileiro e as lutas de movimentos sociais, como os Índios; Negros; expansão
marítima e colonização; a questão agrária e os modelos agrícolas do Brasil; a formação da
sociedade brasileira através das distintas etnias que participaram do processo de colonização;
a questão ambiental; a nova ordem mundial e o Brasil e suas ações políticas neste novo
contexto. Ainda é conteúdo para esta modalidade de ensino a paisagem e sua formação no
território brasileiro como reflexo de nossa identidade nacional.
O conhecimento do conteúdo geográfico precisa ser repassado de forma apropriada,
de maneira que reproduza os conhecimentos construídos culturalmente pela
humanidade, redefinindo possibilidades de reconstrução contínua pelo aluno e pelo
professor, no cotidiano da sala de aula (LIMA, VLACH, 2002, p.45)
No contexto de uma educação para o homem do campo, como um sujeito de direito e
com a sua realidade social reconhecida, afirma Arroyo:
(...) a escola rural tem que dar conta da educação básica como direito do homem, da
mulher, da criança, do jovem do campo. Ou seja, estamos colocando a educação
rural onde sempre deve ser colocado, na luta pelos direitos. A educação básica,
como direito ao saber, direito ao conhecimento, direito à cultura produzida
socialmente. (ARROYO, 2004, p.71)
Neste sentido, o estudo das Ciências Humanas visa fortalecer o nível de politização
necessária, na conquista e garantia dos direitos que promovem a cidadania e democratização
do saber. Embora desafiante, integrar esses saberes construídos socialmente e validados
cientificamente, adquire uma proporção metodológica inovadora de ensinar os conteúdos
inerentes as ciências sociais, que por sua vez, visa à construção do aprendizado do educando
através de processos que estimulam os conhecimentos prévios do sujeito educativo
(BITTENCOURT, 2004), (CARRETERO, 1997).
Devido os inúmeros entraves, pelo qual a Educação no Campo enfrenta, é necessário
ressaltar que as escolas estão localizadas em áreas de longas distâncias, sem estruturas básicas
eficientes, como uma rede de transporte pública adequada, e sem acesso a recursos
tecnológicos, que se tornam necessários para o processo de aprendizagem. Além de outras
dificuldades relatadas pelos educadores: atrasos de pagamentos, a falta de merenda escolar, os
problemas de contratação de pessoal, ingerência de interesses locais e clientelistas.
O Programa Projovem Campo e o seu contexto em Pernambuco
O Programa Projovem Campo Saberes da Terra enquanto política pública teve entre os
anos de 2005 e 2006 a implantação de seu projeto piloto. Os Estados contemplados com esta
ação política e pedagógica foram: Bahia, Paraíba, Pernambuco, Maranhão, Piauí, Rondônia,
Tocantins, Pará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina (BRASIL, 2007).
Atualmente, este programa já contempla 23 Estados.
Dentre as ações previstas a este programa consiste na elevação da escolaridade dos
educandos oriundos do campo, em específico, o saberes da terra trata sobre a educação
fundamental (do sexto ao nono ano) no contexto da Educação de Jovens e Adultos.
O papel da universidade consiste na formação/capacitação de professores para atuação
nesta realidade e contexto educativo, com uma metodologia de ensino específica, ou seja, a
pedagogia da alternância.
A pedagogia da alternância se constitui em um processo educativo em que o aluno
alterna períodos de aprendizagem na família com períodos na escola. Os ambientes e
os tempos escolar e comunitário são interligados por meio de instrumento
pedagógicos específicos capazes de constituir um conjunto harmonioso entre as
comunidades e a ação pedagógica. (BRASIL, 2007, p. 31)
Desenvolve-se ainda, processos de pesquisas que buscam apresentar resultados de
percursos metodológicos desenvolvidos no âmbito dos processos de ensino e aprendizagens, a
partir das áreas especificas que contemplam os conteúdos necessários a modalidade de ensino
em questão: EJA no contexto da educação fundamental.
A experiência que trata este trabalho em específico deu-se a partir da formação de
professores de Pernambuco para o Programa Pro Jovem Campo Saberes da Terra. Realizada
pela Universidade Federal de Pernambuco - Campus Acadêmico do Agreste através do
Núcleo de Formação Docente entre os anos de 2009 e 2010. Visa através desta ação, formar,
capacitar e preparar educadores a desenvolver sua prática docente na realidade do campo,
com metodologias pedagógicas específicas a esta realidade.
O programa em Pernambuco apresenta professores e apoio dos movimentos sociais
parceiros na implementação, são eles: MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra), FETAPE (Federação dos Trabalhadores da Agricultura), CPT (Comissão Pastoral da
Terra), Associações de Pequenos Agricultores, Colônia de Pescadores, Quilombolas,
Indígenas, Centros de Formação das Escolas do Campo, além de outras organizações do
Campo, selecionadas pela Secretaria Estadual de Educação em Pernambuco.
O programa Saberes da Terra se orienta (...) pelos seguintes pressupostos: A
Educação de Jovens e Adultos é um direito dos povos do campo, um instrumento de
promoção da cidadania e deve ser uma política pública dos sistemas federal,
estaduais e municipais de ensino; O trabalho e a qualificação profissional é um
direito dos povos do campo; A Educação de Jovens e Adultos é uma estratégia
viável de fortalecimento do desenvolvimento sustentável com enfoque territorial; A
educação é afirmação, reconhecimento, valorização e legitimação das diferenças
culturais, étnico-raciais, de geração, de gênero, da diversidade de orientação sexual e
socioambiental; Existem sujeitos sociais que possuem projetos políticos e
pedagógicos próprios. (BRASIL, 2007, p.28,29)
A estrutura da formação continuada contempla o Eixo Curricular Articulador
Agricultura Familiar e Sustentabilidade, que objetiva travar um diálogo com os seguintes
eixos temáticos: Agricultura Familiar: cultura, identidades, etnia e gênero; Sistemas de
Produção e Processos de Trabalho no Campo; Cidadania, Organização Social e Políticas
Públicas; Economia Solidária; Desenvolvimento Sustentável e Solidário com Enfoque
Territorial. A formação visa contribuir didático e pedagogicamente, através de vivências
pedagógicas específicas a cada área de conhecimento: Linguagem, código e suas tecnologias;
Ciências Humanas, Ciências da Natureza; Matemática, Ciências Agrárias. Estas vivências
objetivam apresentar jornadas que tratam de conteúdos específicos do currículo para o ensino
fundamental do sexto ao nono ano.
Através das reuniões no comitê de Educação do Campo no Estado de Pernambuco a
UFPE apresenta a proposta de formação aos movimentos sociais que debatem, analisem e
discutem propostas para a formação. Existe uma preocupação por parte dos movimentos
sociais de não serem alijados do processo pela universidade, o que faz com que nas formações
alguns conflitos entre os movimentos e a universidades tenham que ser mediados.
A formação dos professores que atuam neste projeto para uma Educação do campo,
vem de dando em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco –
SEDUC, que financia a hospedagem e alimentação destes professores vinculados a este órgão.
Nesta perspectiva, os módulos, responsabilidade da Universidade, vem se dando, de acordo
com os eixos temáticos abordados e contidos enquanto proposta curricular para este curso,
que objetiva atender alunos na modalidade Educação de Jovens e Adultos - EJA.
As jornadas, oficinas realizadas durante a formação elas tem caráter pedagógico, numa
perspectiva avaliativa do programa e sua efetivação na construção dos saberes inerentes ao
currículo, contemplam também o conhecimento das disciplinas especificas. Ou seja, aos
professores contratados são destinados vivencias pedagógicas afins a sua formação, neste caso
específico, aos professores vinculados as Ciências Humanas, com formação em História,
Geografia e Ciências Sociais, mas também vivencias de acompanhamento pedagógico.
Necessário ao desenvolvimento sistêmico e didático dos conteúdos.
Atualmente, a UFPE através de seleção pública realizada anteriormente a formação
que vem se dando desde Outubro de 20093, contratou profissionais com especialização lato sensu e mestrado para a formação destes professores. Na área de Ciências Humanas, foram
contratados oito professores. Destes, um professor migrou para atuar na áreas de Agrárias, em
3
Até o momento já se deram 04 formações, restando, segundo o projeto apresentado ao MEC, em seu
cronograma de execução ainda duas formações.
razão de sua graduação se dá em Geografia e seu mestrado em estudo dos solos. Contou a
metade do segundo semestre com dois bolsistas, estudantes do Centro acadêmico do Agreste
estes em formação, um vinculado ao Sétimo período4 do curso de Pedagogia, outro vinculado
ao quarto período de Pedagogia, pela UFPE na cidade de Caruaru. O trabalho dos bolsistas é
de auxiliar a coordenação de área de ciências humanas, professor do CAA da disciplina
Metodologia do Ensino de História e Geografia.
A articulação do trabalho da coordenação, professores e bolsistas é de estudo,
elaboração das vivencias pedagógicas e sua execução, além da produção científica de artigos
e participações em eventos científicos. No entanto, os bolsistas não atendem prioritariamente
as coordenações de área são também, subordinados a coordenação geral, carregam caixas e
materiais de consumo para utilização nos hotéis onde ocorrem as formações. Os bolsistas
atuam no cadastramento dos professores em formação, acompanham os professores
responsáveis pela formação no apoio e infra-estrutura. Os bolsistas cumprem vinte horas
semanais entre o trabalho com a coordenação geral e de área, ocorrem alguns conflitos na
medida em que o controle sobre asvinte horas dos bolsistas cria situações de confronto com
coordenação geral, resultando no afastamento dos bolsistas que não se enquadram
positivamente na avaliação da coordenação geral. As relações de poder entre coordenação
geral e coordenação de área também ocorrem na seleção dos professores que atuarão nas
turmas, no controle do trabalho do coordenador de área que não possui poder de decisão nem
autonomia no desenvolvimento do seu trabalho. Estas tensões são importantes no processo
democrático e apontam onde a experiência de relevante função social pode ser melhorada.
Outro ponto de tensão pode ser verificado nas exigências dos movimentos sociais,
principalmente através dos coordenadores territoriais que pedem ajustes, adequações e nas
formações nos hotéis ocorrem situações que são negociadas com a coordenação geral e as
coordenações pedagógicas, situações que revelam a necessidade e a importância de ampliar o
diálogo com os sujeitos envolvidos no processo de formação.
O projeto político pedagógico e o percurso formativo – uma reflexão didáticopedagógica no contexto do Saberes da Terra
O projeto político pedagógico e o percurso formativo elaborados para subsidiar uma
prática didático-pedagógica no contexto da educação do campo apresentam inovações e
4
Este bolsista atuou do início da execução do projeto em Agosto de 2009 até Setembro de 2010.
desafios para a sua implantação. O programa é inovador e apresenta uma perspectiva que
objetiva fortalecer uma proposta para uma educação no campo de qualidade.
Enquanto proposta apresenta a possibilidade do currículo integrado, que dentre seus
objetivos, visa dialogar com várias áreas de conhecimento distintas. Os saberes, agora unidos
e integrados, formam a base curricular deste projeto. Esta proposta se articula ao arco
ocupacional desta modalidade de ensino, EJA, que apresenta a produção rural, articulado as
ocupações referentes aos sistemas de cultivo, sistemas de criação, extrativismo, agroindústria,
aqüicultura e novas ruralidades.
O percurso formativo tem como objetivo orientar os processos de planejamento, como
também a organização deste processo educativo que reflete a prática a ser desenvolvida.
Direciona o saber docente, e orienta a uma prática pedagógica preocupada com os sabres
populares, saberes científicos, numa perspectiva de integração, relacionando, portanto,
saberes integrados.
(...) os saberes integrados, a serem construídos durante o processo formativo,
contemplam os conhecimentos referendados legalmente pelas Diretrizes
Curriculares do Ensino Fundamental (Resolução CEB/CNE nº 02 de 07 de abril de
1998) e pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo (Resolução CNE/CEB nº 01 de 03 de abril de 2002), que também respaldam
a flexibilização dos Tempos Formativos em alternância nas escolas do campo.
(BRASIL, 2008, p.22)
Por sua vez, o Projeto Político Pedagógico busca atender as necessidades para a
implantação de uma política pública para o homem do campo, visando à elevação de sua
escolarização e qualificação profissional e valorização da agricultura familiar. O seu conteúdo
aborda temáticas inerentes a Educação de Jovens e Adultos e através da integração dos
saberes de todas as áreas de conhecimento, orienta a construção, elaboração e sistematização
do currículo que contemple o ensino fundamental.
O PPP, deste projeto apresenta uma proposta especifica de currículo a ser executado
neste contexto, atendendo as necessidades específicas da realidade do homem do campo.
Orienta a formação continuada de professores, que além de subsidiar a ação pedagógica diária
nas escolas e comunidades onde realizam as atividades docentes, forma, instrui, capacita e
reorienta os pilares epistemológicos de cada área de conhecimento específica embasados na
pesquisa educacional realizada no âmbito deste contexto cultural.
Considerações finais
O Brasil na atualidade vive um importante momento político, em que a gestão pública
do país vem se voltando a reconhecer a necessidade de que a democracia dialogue com os
anseios populares. Dessa forma, o Programa Projovem Campo Saberes da Terra é o retrato
desta opção de governo, mas ainda necessita se transformar em política pública que atenda e
reconheça a importância de uma educação de qualidade para os jovens do campo. Embora
nossa democracia seja recente datada de 1988, quando promulgada a atual constituinte, que
em seu texto afere princípios legais de direitos e cidadania ao brasileiro.
O Brasil viveu de 1964 a 1985 sob um regime ditatorial comandado pelos militares e
apoiado pelo governo Americano que feriu aos princípios dos direitos humanos de estudantes,
intelectuais e demais cidadãos brasileiros, que quando não assassinados foram convidados ao
exílio político. Deixando para trás, pátria, família, amigos e trabalho, buscando apoio em
outros países.
Neste sentido, as vivências políticas no Brasil pós- ditadura vem buscando a
legitimação dos direitos cidadãos contidos na constituição, entre eles, o direito a educação.
Este, numa perspectiva cultural voltada ao homem do campo, vem refletindo em políticas
públicas de elevação da escolaridade, formação e capacitação para o desenvolvimento da
agricultura e pecuária solidária e familiar.
A implementação de ações, embora desafiantes, apontam para a consolidação dos
princípios democráticos acentuados em nossa constituição, na medida em que são
reconhecidos os direitos do homem e da mulher do campo, legitimados por políticas públicas
de desenvolvimento e emancipação social da realidade campesina.
Uma proposta de Educação do Campo efetiva em nossa realidade apresenta algumas
inovações numa perspectiva pedagógica. Embora recente, se pode afirmar, que consistem em
iniciativas que garantem o direito a educação, pelos cidadãos brasileiros oriundos da realidade
do campo.
Para o Programa Projovem Campo Saberes da Terra, seus desafios perpassam a
integração de saberes e maior distencionamento nas relações de poder. Para os professores,
pensar e agir didático e pedagogicamente nesta perspectiva vem apresentando uma série de
conflitos, em razão de sua formação docente inicial ser compartimentada que dificulta
raciocinar os conteúdos escolares na perspectiva de integração de saberes.
Neste sentido, o desafio da formação destes professores consiste na mudança de uma
racionalidade arcaica, tradicionalista e cartesiana que aponta o conhecimento separado,
divididos em áreas de conhecimentos, impossibilitada de diálogo concreto. Nossas
experiências apontam uma possibilidade para este impasse, um compromisso sério com o
percurso formativo e a proposta pedagógica deste programa apontam soluções para esta nova
perspectiva educativa, que dentre suas ações, visa à emancipação dos sujeitos do campo. É
necessário salientar que o avanço da proposta na UFPE tem passado pelo aprofundamento do
estudo e na preparação dos formadores para atuar numa realidade ainda paradigmática para a
universidade brasileira.
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