A EXPERIÊNCIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL COM A UTILIZAÇÃO DOS INDICADORES DE PRAZO AGREGADO Resumo Este trabalho aborda a experiência do Banco Central do Brasil (BCB) com a utilização dos indicadores de prazo agregado – Tempo Real (TR), Prazo Agregado (PA) e Variação do Prazo Agregado (VPA). Discorre sobre os problemas identificados com a utilização do gerenciamento de valor agregado e como o escritório de projetos corporativos estruturou e implementou a solução. Utiliza como base os trabalhos desenvolvidos por Walt Lipke, apresentado na Revista MundoPM de março de 2014, mas cuja metodologia foi divulgada à comunidade de gerenciamento de projetos em 2003. Apresenta os resultados da aplicação da nova ferramenta de análise, com gráficos e interpretações. Também são mencionados os benefícios organizacionais a partir da utilização dos novos indicadores de desempenho. Palavras chaves: prazo agregado, indicadores de desempenho e Banco Central do Brasil. Abstract This paper discusses the experience of the Central Bank of Brazil (BCB) with the use of earned schedule indicators - AT, ES and SV(t). It approaches the problems identified with the use of earned value management and how the Project Management Office has structured and implemented the solution. It´s based on the works of Walt Lipke, presented in MundoPM Magazine in March 2014, but whose methodology was disclosed to the project management community in 2003. It presents the results of applying the new analysis tool with graphs and interpretations. Organizational benefits are also mentioned from the use of new performance indicators. Key words: earned schedule, performance indicators and Banco Central do Brasil. 1. Identificação do problema O conceito de Gerenciamento do Valor Agregado (GVA) surgiu na década de 60 e a incorporação na metodologia de gerenciamento de projetos ocorreu na década de 90. Apesar do longo período desde a criação, o que promoveu a produção de vasta literatura, incluindo artigos acadêmicos, e a disponibilização das técnicas em sistemas computacionais, seu uso ainda é limitado e os adeptos não são maioria. Sua abrangência é ainda menor se considerado o grupo de gestores que estão acima dos gerentes de projetos em hierarquia e que, mesmo expressando admiração e apoio ao uso da técnica, não internaliza de fato os conceitos e nem se interessa por conhecer seu potencial na amplitude merecida. 1 Acrescentem-se, a este problema, as críticas de alguns acadêmicos e especialistas que afirmam haver distorções nos resultados apresentados pelo GVA. Destaca-se entre os críticos o engenheiro Walt Lipke, que atuou por mais de 37 anos na Air Force (USAF) e desenvolveu em 2003 a técnica de gerenciamento do prazo agregado, que se propunha a solucionar os desvios detectados no Earned Value. Na sequência, são apresentados os fundamentos e os principais indicadores do gerenciamento do valor agregado. A figura 1, extraída de um dos projetos em execução no BCB, ilustra três variáveis da Curva “S” do custo em função do tempo: valor planejado (VP), valor agregado (VA) e custo real (CR). Figura 1 – Fundamentos de Valor Agregado (SGPro BCB) O VP representa o orçamento autorizado para o cronograma do trabalho, corresponde ao trabalho que deve ser feito ao longo do tempo e equivale ao orçamento total (ONT) no término do projeto; o VA é a medida do trabalho realizado expressa em termos de orçamento autorizado para este trabalho; o CR é o custo incorrido para o trabalho que foi executado durante determinado período de tempo. A relação entre estas variáveis fornece os quatro principais indicadores do Earned Value: IDP = VA VP O índice de desempenho de prazos é a medida do progresso alcançado comparado ao progresso planejado em um projeto. Valor de IDP menor que 1.0 indica que o trabalho executado foi menor do que o planejado. VPR = VA - VP A variação de prazos é a medida do desempenho do cronograma em um projeto, sendo uma métrica útil para indicar se um projeto está atrasando ou adiantando em relação à sua linha de base de tempo. IDC = VA CR VC = VA - CR O índice de desempenho de custos é a medida do valor do trabalho executado comparado ao custo real ou progresso feito no projeto; mede a eficiência de custos do trabalho executado. A variação de custos é a medida do desempenho dos custos em um projeto, sendo particularmente crítica, pois indica a relação entre o desempenho físico e os custos reais. Figura 2 – Principais indicadores de valor agregado (PMBOK 4th) 2 A interpretação da figura 1, utilizando as variáveis apresentadas na figura 2, fornece as seguintes informações: a. Em abril de 2015, o projeto estava levemente adiantado, uma vez que a linha vermelha (VA) situava-se acima da linha azul (VP), o que resultou em um IDP igual a 1,047 (190.870/182.219); b. Em junho de 2015, o projeto passou à situação de atrasado, com o IDP igual a 0,928 (205.210/221.155); c. Ao longo de toda a execução, observam-se gastos reais do projeto (linha verde) abaixo do planejado (linha azul) e do próprio trabalho agregado (linha vermelha); d. Em junho de 2015, o IDC resultou em 1,379 (205.210/148.785). O olhar treinado do gerente de projetos permite rapidamente identificar, a partir da posição das três linhas, se um projeto está adiantado ou atrasado, gastando muito ou gastando pouco. O gerente também compreende de forma natural o significado dos indicadores, IDP, IDC, VPR e VC, realizando a análise crítica da situação do projeto a partir de seus resultados. Porém, o mesmo não acontece com os outros stakeholders, principalmente aqueles que possuem altos cargos na organização. Um IDP igual a 0,928, por mais que matematicamente signifique um projeto em atraso, é um conceito abstrato para a alta gestão; contextualiza-se, portanto, o primeiro problema referenciado neste trabalho. A revista MundoPM de março de 2014 apresenta um artigo de Lipke, tradução do Paulo Andrade, em que é analisada uma distorção existente no modelo de gerenciamento do valor agregado. Lipke afirma que “os indicadores de cronograma do GVA deixam, supostamente, de fornecer informações válidas ao longo do terço final do projeto, e falham completamente se o projeto continuar a ser executado após sua data planejada de conclusão”. Para entender esta declaração, considere os dados de um projeto hipotético – figura 3. Neste projeto, o gerente informou à alta direção um índice de prazo inicialmente bom – por exemplo, 1,2 no primeiro mês. Quando atingiu 50% do prazo previsto em julho, uma vez que o planejamento previa término em dezembro, o indicador informado foi de 0,7 (atrasado). O projeto continuou avançando e, ao que parece, melhorando seu desempenho, pois o IDP avançou para 0,73, 0,76 e 0,80, em setembro, outubro e novembro, respectivamente. No entanto, o projeto 3 somente foi finalizado em março do ano seguinte, o que leva à constatação de que uma melhora do IDP nestes últimos meses não resultou em um término do projeto no prazo. A distorção do IDP fica ainda mais evidente após o término planejado do projeto, uma vez que o IDP continuou melhorando. Isto também nos leva a inferir que este fenômeno já existia em algum momento do passado; Lipke supõe que as distorções acontecem no terço final dos projetos. Sem entrar no mérito de onde se encontra este ponto exato, segue outra análise possível. Figura 3 – Curva “S” e IDP de um projeto hipotético A figura 3 contém quatro retas com ângulos e que ligam o valor agregado ao valor planejado do término do projeto (ONT). A reta com ângulo - 90º - indica que para o projeto conseguir concluir no prazo seriam necessários recursos infinitos, note que neste ponto o IDP é igual a 0,8 e o projeto já atingiu sua data de conclusão. Por outro lado, a reta com ângulo – aproximadamente 45º - indica que é possível alocar recursos de forma a terminar o projeto no prazo, neste ponto o IDP é igual a 0,73. Assim, nesta análise de limites, observa-se ser mais factível recuperar o projeto em setembro do que em novembro, mesmo com um IDP mais baixo. Em seu artigo, Lipke apresentou críticas duras contra o GVA, mesmo tendo analisado apenas os indicadores IDP, VPR, IDC e VC. Ele teria sido mais preciso se tivesse mencionado as variáveis de tendência do GVA e para o que elas se propõem; “estimativa para término” (EPT), por exemplo. Porém, a sua conclusão para o que ocorre após a data de término prevista está perfeita. 4 2. Estratégias adotadas A distorção do IDP foi percebida pelo escritório de projetos do BCB, que se viu instigado a encontrar uma solução, sendo este o primeiro dos problemas atacados. A alternativa encontrada parte do pressuposto de que, para um projeto que esteja atrasado e próximo do seu término, não faz sentido o acompanhamento por um cronograma desatualizado. Nesta situação, recomenda-se a negociação entre as partes interessadas, acordando-se novas durações, cronograma exequível e nova linha de base. Este procedimento elimina a distorção do IDP. No entanto, o passado “será perdoado e esquecido”, pois o indicador refletirá bons números. Para evitar esta perda de memória, criou-se um indicador a ser utilizado em associação com o IDP: Rc (repactuador de cronograma), calculado a partir da duração original do projeto (primeira linha de base) pela duração atual (última linha de base). A figura 4 apresenta o comportamento deste novo indicador: Figura 4 – Curva “S” e IDP de um projeto hipotético com nova linha de base Ao salvar uma nova linha de base do projeto, estendendo sua duração para 15 meses, o VP será igual ao VA e o IDP será igual a 1. No entanto, como o Rc é igual a 0,8 será possível o resgate da verdadeira situação do projeto. Enquanto o “Novo IDP”, tecnicamente correto e sem distorções, indica que o projeto está no prazo, o indicador “IDP x Rc” mostra que o projeto está atrasado. 5 A aplicação do Rc ao gerenciamento do valor agregado tornou desnecessária, do ponto de vista matemático, a utilização do gerenciamento do prazo agregado. Não havia mais distorções nos indicadores de IDP, além do mais a solução era simples e apresentava outros benefícios – o que será abordado no subtítulo 3. No entanto, persistia o problema de comunicação do significado dos indicadores de Earned Value para a alta direção. Assim, o gerenciamento do prazo agregado pareceu ser uma solução atraente, por informar atrasos e adiantamentos em número de meses em vez de índices. Por esta razão, decidiuse por explorar seu potencial e analisar seus resultados. Na definição dos requisitos, especificou-se que o Sistema de Gerenciamento de Projetos do BCB (SGPro), construído sobre a plataforma HPPPM, deveria ser capaz de efetuar toda a conversão. Ele já tinha se mostrado bem sucedido na implantação do gerenciamento do valor agregado, após vários meses de adaptação para o modelo de negócios do Banco Central. Também não houve problemas na incorporação no novo indicador Rc. O algoritmo de transformação foi baseado nas fórmulas apresentadas no artigo do MundoPM, já mencionado anteriormente. Segundo Lipke, deve ser traçada uma linha horizontal entre o VA e o VP do projeto, o ponto de cruzamento será o prazo agregado (PA); por sua vez, a diferença entre o tempo transcorrido atual (TR) e o prazo agregado (PA) indicará a variação de prazo agregado (VPA). Quanto às adaptações inseridas no algoritmo, destaca-se aquela em que se torna possível o salvamento de uma nova linha de base sem o comprometimento do modelo. Lipke não abordou no seu artigo como buscar a interseção do VA no VP, quando um novo ONT fosse menor que o antigo. A figura 5 reapresenta o gráfico da figura 1 e, adicionalmente, a curva do VPA, para análise dos resultados. 0,44 0,82 Figura 5 – Curva “S” e Gráfico de Variação de Prazo Agregado (SGPro) 6 As novas interpretações são: a. Em abril de 2015, o projeto estava adiantado em 0,44 meses; b. Em junho de 2015, o projeto apresentou 0,82 meses de atraso. 3. Resultados Os novos indicadores trouxeram para o Banco Central dois grandes benefícios: aumento da confiabilidade dos indicadores já utilizados e melhora na comunicação dos resultados para tomada de decisão. A figura 6 apresenta um dos painéis utilizados pelo Escritório de Projetos Corporativos (PMO) para acompanhamento do portfólio do BCB: Figura 6 – Painel de Acompanhamento de Indicadores (SGPro) Abaixo, algumas utilizações possíveis a partir destas informações: a. Identificação rápida dos projetos que estão atrasados e adiantados, tanto por meio do IDP como do VPA; b. Comparação do novo IDP do projeto com o antigo, bastando utilizar o Rc para um rápido cálculo; c. O PMO do BCB possui uma alçada para aprovação de mudanças no projeto. Por exemplo, 20% de custo e 50% de prazo. A observação do Rc mostra se uma nova solicitação de prorrogação precisa ou não ser levada à instância superior; o Rc próximo a 0,67 indica esta necessidade. 7 O gerente do projeto conta com as visualizações da Curva “S” e do Gráfico de VPA, que servem para uma interpretação mais correta da situação do projeto e da sua evolução. O PMO do BCB também faz suas interpretações e diagnósticos, como as que podem ser obtidas na figura 7. Figura 7 – Curva “S” e Gráfico de Variação de Prazo Agregado com pontos para análise (SGPro) Observam-se três pontos na Curva “S” em que o valor agregado praticamente ficou estagnado, provocando atrasos no projeto; tais atrasos ficam evidenciados no gráfico de VPA, chegando a quase 4 meses. Adicionalmente, observa-se que ocorreu uma prorrogação do projeto em maio de 2015, evidenciado pelo reposicionamento do VP. Os projetos corporativos do BCB são todos controlados por meio do SGPro. Ele registra todo o ciclo de vida do projeto, desde a sua concepção até a sua conclusão. Destaca-se na fase de monitoramento o acompanhamento por meio de indicadores de desempenho, entre eles estão aqueles os quais foram mencionados neste trabalho. Os indicadores de desempenho são registrados em relatórios de situação mensal, que são gerados automaticamente no dia 1º, o que estimula os gerentes e suas equipes a manterem o projeto atualizado. Os relatórios apresentam o indicador de prazo agregado de cada projeto, uma vez que sua comunicação alcança todos os níveis da corporação. 4. Lições aprendidas A primeira lição extraída do processo de implantação dos indicadores Rc e prazo agregado é que deve ser buscada a simplicidade. A metodologia e os algoritmos não precisam ser simplórios, mas requerem consistência. A fundamentação teórica dos indicadores é essencial, 8 portanto, a utilização de conceitos consolidados no meio acadêmico e na comunidade de gerenciamento de projetos vai ao encontro desta simplicidade. Outro aspecto a ser observado é a automatização dos processos de captura, geração e disponibilização da informação. Deve ser evitado trabalho adicional para o gerente de projeto e sua equipe, assim como para o PMO. No caso dos novos indicadores, não foi necessário nenhuma ação adicional destas partes envolvidas; a criação de algoritmos para cálculo com dados já disponíveis foi suficiente. O que motivou o desenvolvimento e aplicação destes novos indicadores? A necessidade de aprimoramento da comunicação. O PMO, em sintonia com as necessidades organizacionais, observou que o IDP, apesar de ter sido pouco questionado quanto à sua precisão, deixava interrogações quanto ao seu significado. O registro de alguns questionamentos que se repetiam e das explicações sobre os conceitos do gerenciamento do valor agregado motivaram a criação dos novos indicadores. As dúvidas não cessarão, mesmo porque o gerenciamento do prazo agregado tem por base e matéria prima os indicadores de valor agregado, mas é de se esperar uma maior aceitação dos status dos projetos. Finalmente, uma lição que é difícil de ser aplicada, entretanto fundamental para o sucesso e confiabilidade do sistema, é a realização dos testes em toda a população dos projetos corporativos. Inicialmente foram feitos testes por amostragem, mas a cada resultado avaliado identificava-se uma exceção no algoritmo de cálculo. Somente quando 100% dos projetos foram analisados criticamente é que se teve a certeza da confiabilidade dos resultados. 5. Considerações finais A utilização de indicadores para o monitoramento dos projetos não deve ser motivada pela euforia, pela moda ou a partir do instante em que se tenha contato com a sua metodologia por meio de livros, congressos ou seminários. A decisão deve ser focada nas necessidades do cliente. A primeira vez que um dos membros do PMO do BCB teve contato com o gerenciamento do prazo agregado foi no PMI Global Congress 2011, em Dallas. Naquela época, as preocupações do PMO centravam-se na implementação do SGPro e no desenvolvimento de recursos que auxiliassem os gerentes e os membros do escritório de projetos a conduzirem todas 9 as fases do ciclo de vida dos projetos. Não havia, portanto, espaço para adoção de mais uma técnica. Entre 2011 e 2014, o escritório de projetos aprimorou o SGPro e a confiabilidade no uso do gerenciamento do valor agregado. Nesse período, foi desenvolvido do indicador Rc, que trouxe os benefícios explorados neste trabalho. Ainda não havia motivação para a incorporação do modelo de Lipke. Em março de 2014, com o artigo do MundoPM, o novo contato com a técnica do earned schedule instigou a curiosidade e a motivação para se efetuar testes pilotos com o modelo. Naquele momento, o PMO prestava seus serviços para a corporação com segurança, mas estava atento às demandas. Entre elas, as dúvidas persistentes de como interpretar os valores do IDP e como explicar seu significado para a alta direção. Dessa forma, passados três anos desde o primeiro contato, o Escritório de Projetos Corporativos do BCB empreendeu a implementação do gerenciamento do prazo agregado, confiante de que esta seria uma ferramenta complementar, que auxiliaria na comunicação do desempenho dos projetos e não traria trabalhos extras aos seus clientes. Assim, a conclusão decorrente deste pequeno histórico, é que o PMO não pode ficar estacionado no tempo acreditando que o suporte que ele fornece é suficiente e adequado para todos. Ele deve conciliar a estabilidade da metodologia com a inovação salutar. O BCB ainda está em fase de observação da aplicação das novas técnicas. Falta a criação de massa crítica de dados e relatórios, o registro dos feedbacks e a avaliação dos ganhos para a organização. Por enquanto, acredita-se que sua aceitação será bem sucedida e que os novos indicadores farão mais sentido para a alta direção. 6. Referências Bibliográficas LIPKE, Walter. Prazo Agregado: Análise de desempenho de prazos com medições do GVA. Tradução de Paulo André de Andrade. Mundo Project Management, Ano 10, n. 55, p. 11-17, fev/mar, 2014. LIPKE, Walter. Prazo Agregado: Extensão ao Gerenciamento de Valor Agregado para gerenciar o desempenho em prazo. Tradução de Paulo André de Andrade. eBook Kindle, 2014. ANBARI, Frank. Advances in Earned Schedule and Earned Value Management. PMI Global Congress - Dallas, TX, USA, 2011. Practice Standard for Earned Value Management. Project Management Institute, 2011, 2nd ed. 10