No limiar do amor Cláudia Aparecida de Oliveira Leite (FACED / Parlêtre) Resumo: Lacan afirma, ao concluir o Seminário X – A Angústia, que "só existe amor por um nome". Assim, interrogamos as implicações dessa afirmação demarcando o que ele considera um limiar da maior importância: a pronúncia do nome da pessoa amada. Diante desses apontamentos, o presente trabalho pretende abordar o laço entre o nome e o amor. Para tal, levaremos em conta as configurações dispostas no campo relacional em que o amor participa da constituição do sujeito de forma nuclear. Consideraremos também o estabelecimento do nome próprio como traço unário, que em razão disso é anterior ao sujeito e se articula como módulo operante na relação do sujeito com o Outro. Essas considerações nos permitem destacar que os pontos de encontro entre o amor e o nome próprio, na perspectiva da psicanálise, abrem caminhos para elaborações clínicas, situando a dimensão do corpo e das psicopatologias. Palavras chaves: Amor. Nome próprio. Traço unário. Constituição do sujeito. Psicanálise. Résumé: Lacan afirme, dans le Seminaire X – L’Angoisse que “il n’y a d’amour que d’un nom”. Ainsi, on interroge sur les implications de cette afirmation qui definit ce qu’il considère comme un seuil qui a la plus grande importance: la prononciation du nom de celui ou de celle à qui s’adresse notre amour. Ce travail aborde le lien entre le nom et l’amour. Pour cela, on prend en compte les configurations disposées dans le champ relationnel dans lequel l’amour participe à la constitution du sujet nucléairement. On considère aussi l'établissement du nom propre comme trait unaire, pour cette raison le nom est antérieur au sujet et s'articule comme module opératoire dans la relation du sujet à l’Autre. Ces considérations nous permettent de remarquer que les points de rencontre entre l'amour et le nom propre dans la perspective de la psychanalyse ouvrent des chemins pour des élaborations cliniques, et situent la dimension du corps et de la psychopathologie. Mots-clés: Amour. Nom propre. Trait unaire. Constitution du sujet. Psychanalyse. 1 No limiar do amor Cláudia Aparecida de Oliveira Leite (Parlêtre / FACED) Só existe amor por um nome, como todos sabem por experiência própria. No momento em que é pronunciado o nome daquele ou daquela a quem se dirige nosso amor, sabemos que esse é um limiar da maior importância. (Lacan, 2005, p.366) No limiar do amor encontramos o nome. Essa afirmação balizará este trabalho mantendo como suporte as palavras de Lacan que compõem a epígrafe acima. Nome e amor se encontram na perspectiva relacional, uma vez que a emergência do sujeito e do desejo se estabelecem na relação com o Outro. Nessa perspectiva, a dimensão do traço unário, que distingue e faz com que cada um seja contado em sua condição de unicidade, merece ser destacada, uma vez que o traço unário é marca fundamental que possibilita que o sujeito advenha. Tanto o nome quanto o corpo se estabelecem na dependência do Outro, demarcando, nesse sentido, as variantes do amor, pois nome e corpo padecem dos efeitos da cifra humanizante. Dessa maneira podemos concordar com Cruglak (2001) que assevera: Que o sujeito possa aceder a seu próprio corpo não é algo natural. O corpo, o que chamamos corpo próprio, sofre um dispêndio de gozo pelo fato de que é tomado pelo significante precisamente para ser corpo. O que distingue ‘essa presença de corpo animal do que logo nomeamos corpo próprio’ é a inscrição de uma marca significante. Isso depende inteiramente do Outro não somente porque, como bem sabemos, o significante está no campo do Outro, senão porque é um ‘pequeno gesto de amor’ que esboça a marca. (Cruglak, 2001, p. 129). A constituição do sujeito para a psicanálise é uma operação que se estabelece por movimentos lógicos que contam com acontecimentos sincrônicos. Dessa maneira, podemos considerar que não há linearidade possível para articular nome próprio e corpo no enlaçamento subjetivo, ou seja, “o corpo modifica o estatuto do nome próprio e no mesmo movimento, o nome próprio perfura o corpo destacando dele o resíduo de pura carne” (LEITE, 2008). 2 Desse modo, destacamos que o nome próprio é a condição para que haja corpo, posto que não há anterioridade possível para o corpo senão submetido ao registro do simbólico. Conforme articulamos em outros trabalhos 1, no enlaçamento do nome próprio ao corpo, há, na leitura de um traço, movimentos que se articulam pela via da apropriação, operação fundamental para a constituição humana. Podemos encontrar o acento que Lacan dá ao nome próprio em vários momentos de seu ensino. De uma maneira especial, essa questão ocupa um lugar central durante o Seminário 9 – A Identificação. Nesse seminário, Lacan apresenta a vinculação entre o nome próprio e o traço unário, pontuando o caráter distintivo como o elemento principal de um nome próprio. Pois, nomear é de início algo que tem a ver com uma leitura do traço-um designando a diferença absoluta. O que resta é algo da ordem do traço unário enquanto funciona como distintivo, enquanto pode no momento desempenhar o papel de marca (LACAN, 1961/62). Nessa mesma direção Lacan (2005, p.31) destaca, no seminário seguinte – A Angústia, que “o traço unário é anterior ao sujeito. No princípio era o verbo quer dizer No princípio é o traço unário. Tudo que é passível de ser ensinado deve conservar a marca desse initium ultra-simples”. O traço unário opera por um ato fundador do sujeito para a psicanálise conforme nos apresenta Vorcaro (1997): O initium subjetivo se faz a partir da introdução primeira desse significante, traço unário que está antes do sujeito, esta mais simples singularidade de traço que entra no real. O Outro, que só pode oferecer significantes, não sabe responder-lhe, por faltar-lhe o que seria capaz de prover plenamente, só tem substitutos, mas é, ao mesmo tempo, o único desvio possível ao infans para buscar encontrar aquilo de que se ressente.” (VORCARO, 1997, p. 80) A criança adquire seu passo subjetivo ao se enganchar na antecipação de um Outro desejante. A “estrangeiridade radical” acomete o bebê humano, visto que ele é arrebatado pelo mundo de linguagem que o rodeia e o antecede. O nome próprio ganha estatuto de dom quando, no ser humano, ele é dado, é a oferenda do outro semelhante que se apresenta para nomear e dar significantes a um estranho que comparece na matriz simbólica. Esse “pequeno gesto de amor” permite em um mesmo movimento a implantação da hiância, falta constitutiva que nos inclui na linguagem, e a sutura, marcada pelo delineamento de um corpo que tomamos como próprio. Nas palavras de Lacan, durante o seminário 12 – Problemas cruciais para a psicanálise: 1 Ver: LEITE, 2008. 3 O nome próprio vai sempre colocar-se no ponto em que justamente a função classificatória tropeça, não diante de uma enorme particularidade, mas ao contrário, diante de uma rasgadura, a falta, propriamente esse buraco do sujeito, e justamente para suturá-lo, para mascará-lo, para colá-lo (LACAN, 1964-65, ). É nessa perspectiva que o nome entra nos tramites do amor. A hiância constitutiva nos convida a indagar a afirmação lacaniana que considera que “amar é dar o que não se tem”. Essa afirmação nos permite inferir que amar é dar a falta. Entendemos, portanto que nomear é fazer juz ao amor, pois um dos destinos da nomeação é furar o sujeito e uma das promessas do nomear é suturá-lo. Na clínica, os efeitos do laço entre nome e amor são múltiplos. Visada que já fora destacada por Freud (1914) em seu texto Sobre o Narcisismo: uma introdução. Nessa perspectiva, encontramos no campo das psicopatologias as diversas ancoragens que permitem que o amor ao nome, limiar da maior importância, seja singular dentro da história e da constituição de cada sujeito. Referência Bibliográfica: CRUGLAK, C. Clínica da identificação. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2001. FREUD, S. Sobre o narcisismo: uma introdução (1914) in Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1969. LACAN, J. O Seminário 9 – A identificação (1961-1962). (inédito). LACAN, Jacques. O Seminário – livro 10 (1962-1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. LACAN, J. O Seminário 12 – Problemas cruciais para a psicanálise (1964-1965). (inédito). LEITE, C.A.O. Quando o corpo pede um nome: a título provisório. Tese de Doutorado. Campinas: UNICAMP, 2008. VORCARO, A. A criança na clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1997. 4