A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA: ENCONTRANDO CAMINHOS PARA A INCLUSÃO José Francisco Chicon1 Josyane Pereira Silva2 RESUMO Esta pesquisa tem por objetivo compreender a ação mediadora do professor de Educação Física/brinquedista no processo de inclusão de crianças com deficiência por meio do jogo infantil no espaço da brinquedoteca. Está orientado para a observação, registro e análise da ação mediadora do professor de Educação Física/brinquedista no processo de inclusão de crianças com deficiência por meio do jogo infantil. Os resultados evidenciaram a importância da ação mediadora do professor de Educação Física no processo de inclusão de crianças com deficiência no contexto escolar e não escolar, a formação de pesquisadores na área e a indicação de metodologias de ensino. Introdução O projeto de extensão “Prática pedagógica de Educação Física adaptada para pessoas com deficiência”, desenvolvido no Laboratório de Educação Física Adaptada LAEFA/CEFD/UFES, desde 1995 vem se consolidando na UFES como um eficaz agente na formação profissional, produção de conhecimentos e extensão universitária em Educação Física Adaptada. Neste aspecto, nos apoiamos em autores (SOARES,1992, DAOLIO; 2001) que preconizam a experiência corporal significativa do/a aluno/a oportunizando-o, tenham eles/as uma necessidade educacional especial (NEEs) ou não, um maior número de possibilidades de vivências corporais produzidas na/pela cultura, de forma que as limitações e possibilidades presentes neste movimentar-se, favoreça o entendimento social em que “A diferença deixará de ser critério para justificar preconceitos, que causem constrangimento e levem a subjugação dos alunos, para se tornarem condição de sua igualdade [...]. Porque os homens são iguais justamente pela expressão de suas diferenças” (DAÓLIO, 2001, p. 100). Corroborando com a Carta Internacional de Educação Física da UNESCO “[...] a prática da Educação Física é um direito de todos, e seus programas devem dar prioridade principalmente aos grupos menos favorecidos da sociedade”. Nesse sentido, mantendo nosso compromisso com a prática de ensino, pesquisa e extensão, missão das Universidades Públicas, organizamos o projeto extensão “Brinquedoteca: aprender brincando”, no espaço do Laboratório de Educação Física Adaptada (LAEFA/CEF/UFES), com o objetivo de intensificar essas ações junto aos acadêmicos do curso de Educação Física da UFES e ampliar a oferta de serviços de Educação Física a comunidade. 1 Doutor/LAEFA/CEFD/UFES. Estudo financiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Pesquisa. Os autores são membros do Laboratório de Educação Física Adaptada do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. 2 PIBIC/LAEFA/CEFD/UFES1 Nesse projeto de extensão organizamos turmas inclusivas para o atendimento de crianças com deficiência interagindo no mesmo espaço-tempo com crianças que não apresentam deficiência. Essa iniciativa foi concebida tendo como foco a formação inicial e continuada de professores para atuar na escola inclusiva; o desenvolvimento de experiências positivas de inclusão e produção de conhecimento na área. Tanto a LDB nº 9394/963 e o Plano Nacional de Educação4 (2000) quanto a Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais (1994) apontam para diretrizes que favoreçam uma educação onde todos estejam incluídos em ambientes regulares de ensino, recebendo um ensino sob medida para suas necessidades educativas. Desses documentos é importante reiterar que a Declaração de Salamanca foi um marco para o movimento de educação inclusiva, apresentando diretrizes que continuam orientando nossas ações/atitudes e que cabe evidenciar. Por esse documento, firma-se a urgência de ações que transformem em realidade uma educação capaz de reconhecer as diferenças, promover a aprendizagem e atender às necessidades de cada criança individualmente. Enfatiza que a preparação adequada de todos os profissionais da educação é um dos fatores-chave para propiciar mudanças para escolas inclusivas. A formação em serviço é um componente fundamental para a preparação de professores em seu ambiente de trabalho, para que esses não sejam uma barreira ao movimento de inclusão. De acordo com Sassaki (1997, p. 41), a inclusão social pode ser conceituada como: [...] o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos. A prática da inclusão social repousa em princípios até então considerados incomuns, tais como: a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem por meio da cooperação. No entanto, embora os profissionais da educação pareçam aspirar que tal perspectiva se concretize, o sistema educacional, em seus diferentes aspectos, ainda não reúne um conjunto de medidas que possa retirar a educação inclusiva de um plano subjetivo para um plano objetivo. Nosso interesse de pesquisa manifesta-se nesse contexto de educação inclusiva e têm origem na urgência de propostas/diretrizes que possam contribuir com as reflexões e ações pedagógicas para o acesso, a permanência e sucesso da criança com deficiência na escola regular, nos diferentes níveis de ensino. Nessa perspectiva, buscando caminhos alternativos (VYGOTSKY, 1991; GÓES, 2002) para melhor compreensão dos processos de inclusão e da discussão do jogo infantil, organizamos a pesquisa intitulada “O jogo de faz-de-conta da criança com deficiência intelectual”, com o objetivo de descrever e analisar o jogo de faz-de-conta das crianças com deficiência intelectual em uma turma inclusiva, em um espaço de brinquedoteca. 3 GROSSI, Esther (apresentação). LDB: lei de diretrizes e bases da educação: lei n. 9.394/96. 3. ed. Rio de Janeiro: D&A, 2000. 4 DIDONET, Vital (apresentação). Plano Nacional de Educação. Brasília: Editora Plano, 2000. No desenrolar desse estudo, identificamos o quanto a ação mediadora do educador pode contribuir para facilitar ou não os processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança com deficiência consigo mesma, na interação com seus pares e com os objetos. De acordo com Oliveira (1993, p. 26) “Mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento”. No exemplo citado pela autora Quando um indivíduo aproxima sua mão da chama de uma vela e a retira rapidamente ao sentir dor está estabelecida uma relação direta entre o calor da chama e a retirada da mão. Se, no entanto, o indivíduo retirar a mão quando apenas sentir o calor e lembrar-se da dor sentida em outra ocasião, a relação entre a chama da vela e a retirada da mão estará mediada pela lembrança da experiência anterior. Se, em outro caso o indivíduo retirar a mão quando alguém lhe disser que pode se queimar, a relação estará mediada pela intervenção dessa outra pessoa. Seguindo esse raciocínio é importante destacar que Vygotsky (1991) distinguiu dois tipos de elemento mediadores: os instrumentos e os signos. O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza, o machado, por exemplo, corta mais e melhor que a mão humana. Os signos podem ser definidos como elementos que representam ou expressam outros objetos, eventos, situações. A palavra mesa, por exemplo, é um signo que representa o objeto mesa; o símbolo 3 é um signo para a quantidade três. O signo age como instrumento da atividade psicológica de maneira semelhante ao papel de um instrumento no trabalho. Os instrumentos, porém, são elementos externos ao indivíduo, voltados para fora dele; sua função é controlar processos da natureza. Os signos por sua vez, são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas. Dessa forma, para explicar aprendizagem e desenvolvimento, Vygotsky destaca o papel mediador do outro e do signo. É por intermédio do outro — de suas ações, de suas palavras, da maneira como se dirige ao eu e interage com ele — que esse eu vai tomando forma no mundo. É mediado pelo signo — e por todas as possibilidades de interpretação e de acentos valorativos que ele implica, num dado contexto cultural — que o processo interativo se desenrola, e que o indivíduo vai constituindo seus os modos de pensar, de agir e de sentir socialmente elaborados. Com esse entendimento percebemos a necessidade de um olhar mais apurado sobre a ação mediadora do professor de Educação Física/brinquedista5 no processo de intervenção com as crianças (CUNHA, 1994). Entendendo que se o professor de Educação Física se mantêm numa atitude de passividade em relação a criança com deficiência, ele pouco potencializa oportunidades de aprendizagem a esta, quando ao contrário, desenvolve uma atitude ativa, de interferência positiva, na relação da criança com o meio, potencializa situações de aprendizagem e desenvolvimento que de outro modo não aconteceriam (CHICON, 2004, 2005; OLIVEIRA 1993; VYGOTSKY, 1991; Victor, 2000). 5 Para Cunha (1994), o educador/professor de Educação Física no espaço da brinquedoteca, atua como brinquedista, isto é, aquele que estimula e promove a brincadeira da criança, subsidia a manifestação das suas potencialidades e serve de parceiro para as suas brincadeiras. Frente a essa constatação, nos vimos impelidos a organizar essa pesquisa, com o objetivo de compreender a ação mediadora do professor de Educação Física no processo de inclusão de crianças com deficiência por meio do jogo infantil no espaço da brinquedoteca. A questão que nos mobiliza é: de que forma a mediação do professor de Educação Física/brinquedista pode ser facilitadora da interação da criança consigo mesma, com os colegas e com os objetos? Desta forma, para melhor compreendermos os conceitos chaves que norteiam essa pesquisa, cabe ainda, discorrer sobre o jogo infantil. No século XX, muitos autores passaram a dar ênfase ao estudo do jogo, revendo e analisando conceitos que realmente atingiam um significado de totalidade na vida do ser humano, como também sua importância nas várias culturas, indistintamente. Portanto, os jogos, na visão de autores, como Aufauvre (1987), Huizinga (1980), Chateau (1987), Vygotsky (1991), Kishimoto (1998), entre outros, são importantes, porque fazem parte da vida cotidiana de qualquer criança. Eles são atraentes, agradáveis, espontâneos e solicitam de muitas formas o aperfeiçoamento dos gestos, a abertura ao mundo, ou seja, a transposição de uma aquisição para outras situações que não aquela em que se fez a aquisição, o emprego da reflexão e da invenção (criatividade). Nesse sentido, para melhor compreensão, gostaríamos de esclarecer que os conceitos de jogo, brinquedo e brincadeira utilizados neste estudo estarão em consonância com a forma apresentada por Kishimoto (1998), a saber: Jogo – o jogo pode ser visto a partir de três níveis de diferenciação, conforme estudos de Brougére (1981,1993) e Henriot (1983, 1989) citados pela autora: 1. O resultado de um sistema lingüístico que funciona dentro de um contexto social; 2. Um sistema de regra; e 3. Um objeto. No primeiro caso, o sentido do jogo depende da linguagem de cada contexto social. Há um funcionamento pragmático da linguagem, do qual resulta um conjunto de fatos ou atitudes que dão significados aos vocábulos a partir de analogias. Dessa forma, como fato social, o jogo assume a imagem, o sentido que cada sociedade lhe atribui. É esse o aspecto que nos mostra por que, dependendo do lugar e da época, os jogos assumem significações distintas. No segundo caso, um sistema de regras permite identificar, em qualquer jogo, uma estrutura seqüencial que especifica sua modalidade. São as regras do jogo que distinguem, por exemplo, jogar buraco ou tranca, usando o mesmo objeto, o baralho. O terceiro sentido refere-se ao jogo como objeto. O xadrez materializa-se no tabuleiro e nas peças que podem ser fabricados com papelão, madeira, plástico, pedra ou metais. Estabelece-se, também, diferença entre brinquedo e brincadeira: Brinquedo – o vocábulo brinquedo conota criança e tem uma dimensão material, cultural e técnica. Como objeto, é sempre suporte de brincadeira. É o estimulante material para fazer fluir o imaginário infantil; Brincadeira – é a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação. Vygotsky (1991) ao abordar sobre o jogo infantil relaciona-o com a capacidade criadora da criança; preocupa-se em descrever a situação imaginária presente no jogo infantil. Destaca como as mudanças nas necessidades das crianças estão diretamente relacionadas com os incentivos e motivações que as levam à ação, e que acompanham gradativamente o seu desenvolvimento e a sua percepção da realidade Frente ao que foi explicitado é importante frisar que o jogo infantil contribui para o desenvolvimento das crianças, tenham elas deficiência ou não, quando suscitam e melhoram todas as formas de motricidade. Ele incita a linguagem, multiplica as ocasiões de observar o real e atuar sobre ele, amplia e enriquece as experiências internas e externas da criança. Metodologia O estudo se configura numa pesquisa qualitativa de caráter descritivo e exploratório (LUDKE; ANDRÉ, 1986). Está orientado para a observação, registro e análise da ação mediadora do professor de Educação Física /brinquedista no processo de inclusão de crianças com deficiência por meio do jogo infantil no espaço da brinquedoteca, organizada no espaço do Laboratório de Educação Física Adaptada – LAEFA/CEFD/UFES. Os sujeitos deste estudo foram 15 crianças, de ambos os sexos, com idades entre 4 e 5 anos dentre elas, 12 crianças oriundas do Centro de Educação Infantil da UFES (CRIARTE/UFES) com desenvolvimento típico e 3 com deficiência intelectual, física e autismo, oriundas da comunidade de Vitória-ES. Estes alunos foram atendidos no espaço da brinquedoteca por seis estagiários do curso de Educação Física, contando com o aluno bolsista, em um encontro semanal, no turno vespertino, das 14 às 15 horas. Na brinquedoteca, que está organizada em diferentes cantinhos temáticos como casinha, camarim, leitura, jogos de construção, etc., os alunos foram recebidos pelos estagiários com uma conversa inicial para relembrar atividades, situações e acontecimentos do encontro anterior e sobre as regras de uso do espaço e, em seguida, os alunos eram orientados a explorar os diferentes cantinhos espontaneamente, a partir do próprio interesse. À medida que começavam a brincar, os estagiários observavam e, paulatinamente, iam se inserindo nas brincadeiras, tornando-se parceiros, procurando estimular, promover, ampliar e enriquecer a brincadeira da criança. Ao final, todos eram orientados a organizar o espaço, guardando os brinquedos nos lugares e, em seguida, refazer a rodinha de conversa, para avaliar o que havia sido realizado, constituindo o rito de saída. No momento do atendimento os estagiários assumiram as seguintes posições: o aluno bolsista e outro estagiário se ocuparam em realizar a observação participante, a videogravação e fotografia das aulas e, quatro se ocuparam com a função de brinquedista, isto é, aqueles que atuavam estimulando a brincadeira da criança. Para além desse momento, a equipe de pesquisa se reunia logo após o atendimento para realizar a avaliação e planejamento do encontro seguinte e estudos de textos relacionados a temática em tese. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados a observação participante, videogravação das sessões, fotografias, registros em diário de campo e entrevista semiestruturada com os pais e/ou responsáveis pelos alunos com deficiência e, com os estagiários de Educação Física/brinquedistas. Os dados foram analisados pela análise de conteúdos (BARDIN, 1994), considerando para registro e análise a ação mediadora do professor de Educação Física /brinquedista na relação das crianças com deficiência consigo mesmas, com os colegas e com os objetos. Potencializando a experiência infantil: a dinâmica nas brincadeiras Para uma melhor compreensão dos episódios ocorridos durante as intervenções, as crianças com deficiência receberam os seguintes nomes em nossa pesquisa: Hugo, Mariana e Marcos, com deficiência intelectual, transtorno global do desenvolvimento com espectro de autista e paralisia cerebral, respectivamente. Foram selecionados alguns episódios ocorridos durante as intervenções, para analisarmos e discutirmos o papel fundamental da mediação pedagógica do professor de Educação Física em possibilitar e ampliar as experiências de aprendizagem, criando condições que favoreçam a interação entre as crianças sejam elas, deficientes ou não. Episódio 1 No primeiro episódio, o objetivo da intervenção foi desenvolver a expressão corporal e o imaginário por meio da arte de contar histórias e de situações lúdicas que explorassem o universo da música, para tanto planejamos um teatro de fantoches que contou a história de dois amigos que iriam se separar, por que um deles iria mudar para outra cidade, mas, que apesar da distância, a amizade e o amor entre eles permaneceriam. Na história havia uma música com o tema amor que foi ensinada as crianças por meio das personagens. Durante a execução da música era sugerido às crianças abraçaremse, provocando assim situações de interação das crianças com deficiência com os colegas e vice-versa. Um aspecto importante observado pelos brinquedistas no teatro de fantoches, no momento das crianças se abraçarem, foi que duas alunas recusaram-se a abraçar o Hugo. Tal situação foi problematizada no período de planejamento e estudo, realizado após cada intervenção pelos brinquedistas e o professor orientador. Insegurança, medo e dúvida de como agir foram relatados pelos brinquedistas como motivos da não mediação na situação vivida pelas crianças. Após analisarmos o caso percebemos que o distanciamento entre as crianças e o Hugo, se dava não porque ele apresentava uma deficiência, mas porque o mesmo só se encontrava com a turma da Criarte uma vez por semana na Brinquedoteca e, portanto, não era reconhecido como sendo parte da mesma. Uma vez identificado o problema, planejamos algumas atividades favorecedoras da interação entre as crianças e que possibilitaram uma ação problematizadora, na qual, o tema das diferenças era suscitado e debatido com elas. Acompanhem algumas ações desenvolvidas: Olhos vendados – contamos a história de dois amigos que brincavam de ver figuras nas nuvens. Certo dia um deles descobriu que o outro colega era cego e perguntou porque ele havia fingido ver as figuras no céu. O colega respondeu: “Eu vejo com os olhos do coração, com a minha imaginação”. E a partir desse dia, o amigo passou a compreendê-lo melhor. Ao término da história, as crianças receberam massa de modelar e tiveram os olhos vendados pelos brinquedistas, sendo orientadas a modelar qualquer coisa que imaginassem. Em seguida, ainda com os olhos vendados foram orientadas a tatearem os colegas e identificar quem eram. Dança da chuva – Um brinquedista falou sobre a dança da chuva realizada pelos índios para as crianças e em seguida, convidou-as para realizarem a dança com ele. Na sequência, orientou que pegassem os instrumentos musicais (chocalho, reco-reco, tambor e outros) que estavam sobre a mesa, previamente organizados com essa finalidade, e de posse dos instrumentos, conduziu as crianças na realização da dança da chuva, tocando e dançando ao mesmo tempo. A partir dessa atividade de expressão da linguagem corporal, foi desencadeada outra brincadeira, na qual, os alunos sem o uso de palavras e somente com uso da linguagem gestual deveriam imitar ou comunicar algo de forma que os outros coleguinhas conseguissem descobrir. Hugo participou e imitou um pássaro voando, ele se colocou na brincadeira de forma muito natural e foi bem aceito pelas crianças. As brincadeiras tiveram como objetivo fomentar diferentes possibilidades de interação entre as crianças pela via dos jogos; desenvolver a linguagem, expressão corporal e o imaginário por meio da arte de contar histórias e exploração do universo da música; e de promover experiências diversificadas para as crianças em seu se-movimentar, por meio da ação criativa na exploração de diferentes brinquedos na brinquedoteca. Por meio das brincadeiras e do jogo de faz-de-conta foi possível estimular as crianças a perceberem o outro e a si mesmas. Na atividade do teatro de fantoches, por exemplo, por estarem de olhos vendados, ao tocarem seu colega com a intenção de descobrir quem ele é, a criança concentra-se no outro e em suas características, percebendo-o como sujeito na brincadeira. Possibilitar o brincar, tornar o ambiente favorável à brincadeira de faz-de-conta, dar condições a ação do imaginário infantil, são papéis fundamentais do professor de Educação Física, no espaço de brinquedoteca. De acordo com Leontiev (1994, p. 127), É preciso acentuar que a ação no brinquedo, não provém da situação imaginária, mas, pelo contrário, é essa que nasce da discrepância entre a operação e a ação; assim, não é a imaginação que determina a ação, mas são as condições da ação que tornam necessária a imaginação e dão origem a ela. O trabalho realizado através das brincadeiras foi frutífero, visto que, as crianças passaram a acolher nas brincadeiras, não só o Hugo, mas também as outras crianças, reconhecendo-as como parte da turma. Episódio 2 No segundo episódio, o professor orientador, ciente do distanciamento entre as crianças de desenvolvimento típico e as crianças deficientes, bem como dos questionamentos dos próprios brinquedista com relação à mediação pedagógica a ser adotada com as crianças, problematizou o caso do Marcos com deficiência física (paralisia cerebral, com espasticidade nos dois membros inferiores que o impede de andar, fazendo uso de cadeira de rodas e espasticidade nos membros superiores, tendo funções limitadas) no qual o professor orientador aproveitou o momento da roda de conversa e esclareceu para os outros alunos e brinquedistas com auxílio do próprio aluno com deficiência, o caso. Com essa atitude do professor, junto com o aluno que apresenta deficiência, de esclarecer o caso para os colegas, foi possível perceber uma melhora significativa na atitude dos colegas em relação ao Marcos. Os colegas passaram a compartilhar as brincadeiras com ele e ajudá-lo no deslocamento de um cantinho de brinquedo para outro, colocando-o sobre um colchonete e arrastando-o até o cantinho desejado. Os alunos não deficientes tornaram-se parceiros do professor e dos brinquedistas no papel de mediação no atendimento das necessidades dos alunos com deficiência. Tal fato evidencia a importância da interação entre crianças deficientes e não deficientes em um mesmo espaço, pois possibilita a ampliação das experiências de aprendizagem de ambas, desde que sejam criadas condições favoráveis para essa interação (CHICON, 2004; 2005). Segundo Oliveira (1993, p. 62), O professor tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal6 dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente. O único bom ensino, afirma Vygotsy, é aquele que se adianta ao desenvolvimento. Sem a ação mediadora do professor orientador talvez essa interação entre os alunos não ocorresse ou ocorresse tardiamente. É muito importante que o professor esteja atento, no momento da intervenção, para perceber as possibilidades de mediação que provoquem o aprendizado e, consequentemente, o desenvolvimento da criança. Considerações finais Em nossa compreensão, um dos problemas das escolas inclusivas encontra-se, em grande parte, na ausência de atitude inclusivista dos profissionais da educação/Educação Física, no que se refere à interação dos alunos com deficiência com o meio (social, cultural e físico). Como Vygotsky (1991, p. 99), entendemos que o(a) professor(a) tem o papel fundamental e ético de provocar avanços no desenvolvimento de seus alunos que não ocorreriam espontaneamente. Para esse autor, “[...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que a cercam”. Em síntese, define-se em Vygotsky (1991, p. 101) que, Aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. Dessa afirmação do autor, apreende-se que a aprendizagem gera desenvolvimento, realçando a importância da ação mediadora dos(as) professores(as) para o desenvolvimento de seus alunos e para o processo de inclusão. O caso dos alunos com deficiência inseridos no espaço da brinquedoteca com as crianças de desenvolvimento típico, constituindo assim uma turma inclusiva, marca bem a atitude mediadora do professor de Educação Física na perspectiva da inclusão. Por exemplo, o caso citado do aluno com deficiência física (paralisia cerebral) no qual o professor orientador aproveitou o momento da roda de conversa e esclareceu para os outros alunos e estagiários com auxílio do próprio aluno com deficiência, sobre o caso. Com essa atitude do professor, houve uma aceitação melhor dos colegas para com o aluno deficiente e mais importante, muitos deles passaram a acolhê-lo em suas brincadeiras e auxiliá-lo em suas necessidades, por exemplo, ajudá-lo a deslocar de um cantinho de brinquedo para outro, colocando-o sobre um colchonete e arrastando até o local desejado. Dessa forma, podemos inferir que os alunos não deficientes passaram a ser parceiros do professor e dos estagiários no papel de mediação no atendimento as necessidades educacionais dos alunos com deficiência. 6 Conforme Vygotsky (1991), a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. É importante frisar ainda, que em nossas observações, percebemos que a participação de crianças com deficiência no mesmo ambiente de ensino que as crianças de desenvolvimento típico pode ampliar as experiências de aprendizagem de ambas, quando são criadas as condições favoráveis a essa interação. A análise das brincadeiras organizadas e vivenciadas pelas crianças na brinquedoteca nos possibilita afirmar que na brincadeira de faz-de-conta, a criança recria situações vivenciadas na vida real, estabelece novas formas de relação com objetos e assume papéis que, via de regra, não são possíveis, no plano do real. Ao brincar, geralmente elas reproduzem atividades de adultos, bem como modos de relação dos adultos entre si ou dos adultos com elas. E, enquanto brincam, elas têm a possibilidade de lidar com dificuldades psicológicas complexas que atravessam a sua relação com a cultura na qual se encontram inseridas, como o medo, a dor, a perda, a violência, as regras de conduta, a amizade, o amor, o respeito, a cooperação etc. Em frente a essas constatações em nossa pesquisa, cabe esclarecer, que adotamos como pressuposto o entendimento de que cada criança é única, e são elas que nos dirão, no decorrer do processo ensino-aprendizagem, do que são capazes. A nós, educadores, pais, profissionais, cabe acreditar em seu potencial e investir nossos esforços para mudar as circunstâncias e criar as condições ideais para promover o seu desenvolvimento. REFERÊNCIAS AUFAUVRE, Marie-Renée. Aprender a brincar, aprender a viver: jogos e brinquedos para a criança deficiente — opção pedagógica e terapêutica. São Paulo: Manole, 1987. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1984. CARTA INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO FÍSICA E DO DESPORTO DA UNESCO. Disponível em: < http://www.idesporto.pt/DATA/DOCS/LEGISLACAO/doc119.pdf >. Acesso em: 18 maio 2010. CHATEAU, Jean. O jogo e a criança. São Paulo: Summus, 1987. CHICON, José Francisco. Jogo, mediação pedagógica e inclusão: a práxis pedagógica. Vitória, ES: EDUFES, 2004. ______. Inclusão na Educação Física escolar: construindo caminhos. 432 f. 2005. Tese (Programa de Pós-Graduação em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). São Paulo, 2005. 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