O QUE SIGNIFICAM AS METÁFORAS
Donald Davidson*
Tradução de Pedro Serra
Universidade de Salamanca
A metáfora é o sonho da linguagem e, como em todo o sonho, a
sua interpretação reflecte tanto o intérprete como quem a origina. A
interpretação dos sonhos requer colaboração entre alguém que sonha e
alguém em estado de vigília, ainda que sejam a mesma pessoa; e o acto de
interpretação é, ele próprio, um acto da imaginação. Tal como fazer uma
metáfora, a sua compreensão é um esforço criativo, e muito pouco
orientado por regras.
Estas advertências não distinguem a metáfora, a não ser em termos
de grau, de outros intercâmbios linguísticos mais rotineiro: toda a
comunicação discursiva supõe a interacção da construção inventiva e da
interpretação inventiva. O que a metáfora acrescenta ao discurso comum
é uma realização que não utiliza recursos semânticos para além dos
recursos de que depende o discurso comum. Não existem instruções para
inventar metáforas; não existe manual para determinar o que uma
metáfora «significa» ou «diz»; não existe teste para a metáfora que não
© Donald Davidson, 1978. Reservados todos os direitos. © desta tradução, Pedro Serra,
2011.
*
Donald Davidson é catedrático de filosofia na Universidade de Chicago. É autor de
muitos ensaios importantes, que incluem «Actions, Reasons and Causes», «Causal
Relations» e «Truth and Meaning»; é co-autor de Decision-Making: An Experimental
Approach, e co-editor de Words and Objections, Semantics of Natural Language e,
ainda, de The Logic of Grammar.
peça o contributo do gosto.1 Uma metáfora implica um tipo e um grau de
êxito artístico; não existem metáforas mal sucedidas, tal como não
existem anedotas sem graça. Existem metáforas sem gosto, mas são
desvios que, não obstante, realizaram algo com êxito, mesmo que o êxito
conseguido não valha a pena, ou mesmo que tal realização pudesse ter
sido melhor sucedida.
Este ensaio interessa-se pelo que as metáforas significam, e a tese
que expõe é a de que as metáforas significam aquilo que as palavras, na
sua interpretação mais literal, significam, e nada mais do que isso. Uma
vez que esta tese está em total desacordo com as visões contemporâneas
que me são familiares, muito do que tenho para dizer é crítico. Todavia,
penso que o quadro da metáfora que emerge quando o erro e a confusão
são dissipados, torna a metáfora um fenómeno mais, e não menos,
interessante.
O erro central contra o qual vou dirigir as minhas invectivas é a
ideia de que a metáfora tem, em acréscimo ao seu sentido ou significado
literal, um outro sentido ou significado. Esta ideia é comum a muitas
pessoas que escreveram sobre a metáfora: encontra-se nos trabalhos de
críticos literários como Richards, Empson e Winters; em filósofos de
Aristóteles até Max Black; em psicólogos de Freud, e anteriores, até
Skinner, e posteriores; em linguistas de Platão até Uriel Weinreich e
George Lakoff. A ideia adquire muitas formas, da forma relativamente
simples de Aristóteles até à forma relativamente complexa de Black. A
ideia surge em escritos que argumentam que a paráfrase literal de uma
metáfora pode ser efectuada, mas é também partilhada por aqueles que
1
Penso que Max Black se engana quando diz que «As regras da nossa linguagem
determinam que certas expressões devam valer como metáforas». Admite,
contudo, que o que uma metáfora «significa» depende de muito mais factores: a
intenção do falante, o tom de voz, o contexto verbal, etc. «Metaphor», no seu
Models and Metaphors (Ithaca, N.Y., 1962), p. 29.
defendem que tipicamente nenhuma paráfrase literal pode ser encontrada.
Alguns enfatizam a especial compreensão que a metáfora pode inspirar e
frisam que a linguagem corrente, no seu funcionamento habitual, não
produz semelhante compreensão. Todavia, também esta perspectiva vê a
metáfora como uma forma de comunicação a par da comunicação
comum; veicula verdades ou falsidades sobre o mundo tal como a
linguagem mais simples, ainda que a mensagem possa ser considerada
mais exótica, profunda ou astutamente enroupada.
A concepção da metáfora como sendo originariamente um meio
para veicular ideias, ainda que ideias pouco usuais, parece-me tão errado
como a ideia, da mesma família, de que a metáfora tem um significado
especial. Concordo com a perspectiva de que as metáforas não podem ser
parafraseadas, mas não penso que isto seja assim porque as metáforas
digam algo demasiado novo para a expressão literal, mas sim porque não
há nelas nada para parafrasear. A paráfrase, possível ou não, é apropriada
àquilo que é dito: tentamos, na paráfrase, dizê-lo de outro modo.
Contudo, se a minha perspectiva está correcta, uma metáfora não diz nada
para além do seu sentido literal (nem aquele que a faz diz mais, ao usar a
metáfora, do que esse sentido literal). Isto não significa negar, claro está,
que a metáfora diga algo, ou que não seja possível tornar evidente esse
algo que diz usando palavras adicionais.
No passado, aqueles que negaram que a metáfora tem um
conteúdo cognitivo em acréscimo ao conteúdo literal, frequentemente se
empenharam em mostrar que a metáfora é confusa, meramente emotiva,
imprópria para o discurso sério, científico ou filosófico. A minha
perspectiva não deve ser associada a esta tradição. A metáfora é um
dispositivo legítimo não apenas na literatura como também na ciência, na
filosofia e no direito; é efectiva no elogio e no insulto, na oração e na
promoção, na descrição e na prescrição. Em grande medida, não discordo
de Max Black, Paul Henle, Nelson Goodman, Monroe Beardsley, e
outros, no que se refere às suas explicações sobre o que a metáfora
realiza, exceptuando o facto de que penso que realiza mais, e que aquilo
que nela é acréscimo é de natureza diferente.
O meu desacordo prende-se com a explicação de como a metáfora
opera as suas maravilhas. Antecipando o argumento: dependo da
distinção entre aquilo que as palavras significam e aquilo para que são
usadas. Penso que a metáfora pertence exclusivamente ao domínio do
uso. É algo efectuado pelo emprego imaginativo das palavras e das frases
e depende inteiramente do sentido comum dessas palavras, e por
conseguinte do sentido comum das frases que as abrangem.
Postular significados metafóricos ou figurados não ajuda a
explicar como as palavras funcionam na metáfora, nem tão-pouco o
fazem quaisquer formas especiais de verdade metafórica ou poética. Estas
ideias não explicam a metáfora, é a metáfora que as explica. Uma vez que
entendemos uma metáfora podemos chamar àquilo que compreendemos a
«verdade metafórica» e (até certo ponto) dizer o que o «significado
metafórico» é. Mas alojar simplesmente este significado na metáfora é
como explicar a razão pela qual um comprimido nos faz dormir dizendo
que tem poderes soporíferos. As condições de sentido literal e de verdade
literal podem ser atribuídas a palavras e frases independentemente dos
seus contextos particulares de uso. É esta a razão pela qual fazer
referência a eles possui poder explicativo genuino.
Vou tentar estabelecer as minhas perspectivas negativas sobre o
que as metáforas significam, e apresentar as minhas limitadas pretensões
positivas, examinando algumas teorias falsas sobre a natureza da
metáfora.
Uma metáfora obriga-nos a prestar atenção para alguma
semelhança, por vezes uma semelhança original ou surpreendente, entre
duas ou mais coisas. Esta observação trivial e verdadeira conduz, ou
parece conduzir, a uma conclusão a respeito do sentido das metáforas.
Consideremos a semelhança, ou similitude, comum: duas rosas são
semelhantes porque partilham a propriedade de serem rosas: duas
crianças são semelhantes em virtude da infância que as conjuga. Ou, de
modo mais simples, as rosas são semelhantes porque cada uma delas é
uma rosa, e as crianças são semelhantes porque cada uma delas é criança.
Suponhamos que alguém diz que «Tolstoy foi em tempos
criança». De que modo é a criança Tolstoy como outra criança? A
resposta acorre oportunamente: em virtude de exibir a propriedade da
infância, isto é, deixando de lado algum enleio, em virtude de ser uma
criança. Se esgotarmos a expressão «em virtude de», podemos, segundo
parece, ser ainda mais explícitos dizendo que a criança Tolstoy partilha
com outras crianças o facto de o predicado «é uma criança» lhe ser
aplicado; dada a palavra «criança», não temos qualquer problema para
dizer como, exactamente, a criança Tolstoy se parece a outras crianças.
Podíamos fazê-lo sem a palavra «criança»; tudo o que precisamos é de
outras palavras que signifiquem o mesmo. O resultado final é o mesmo. A
semelhança comum depende de agrupamentos estabelecidos pelos
sentidos comuns das palavras. Esta semelhança é natural e não nos
surpreende na medida em que formas familiares de agrupar objectos estão
ligadas aos significados usuais de palavras usuais.
Um crítico famoso afirmou que Tolstoy era «uma grande criança
moralizadora». O Tolstoy que aqui é referido não é, obviamente, a criança
Tolstoy mas o escritor adulto; isto é uma metáfora. Ora, em que sentido é
o Tolstoy escritor semelhante a uma criança? O que devemos fazer,
talvez, é pensar na classe de objectos que inclui todas as crianças comuns
e, em acréscimo, o Tolstoy adulto e, posteriormente, perguntarmo-nos
que propriedade especial e surpreendente têm em comum os membros
desta classe. O pensamento atractivo é o de que com paciência
poderíamos aproximar-nos tanto quanto fosse necessário da especificação
da pertinente propriedade. De qualquer forma, poderíamos perfeitamente
fazê-lo se encontrássemos as palavras que significam exactamente o
mesmo que a palavra metafórica «criança» significa. O ponto importante,
segundo a minha perspectiva, não é se podemos ou não encontrar essas
outras palavras perfeitas, mas a suposição de que há algo a ser tentado, a
suposição de que existe um sentido metafórico condizente. Até agora
apenas tenho estado a esboçar de que modo o conceito de significado
pode ter-se deslizado furtivamente para a análise da metáfora, e a resposta
que sugeri é a de que, uma vez que o que pensamos como sendo um
jardim de variedade de semelhanças vai a par do que pensamos ser como
um jardim de variedade de significados, é natural postular significados
metafóricos ou pouco usuais como ajuda para explicar as semelhanças
que as metáforas promovem.
A ideia, então, é a de que na metáfora certas palavras assumem
significados novos, ou significados frequentemente designados como
significados «ampliados». Quando lemos, por exemplo, «o Espírito de
Deus moveu-se sobre a face das águas», devemos considerar a palavra
«face» como tendo um significado ampliado (não tomo em consideração
outras metáforas nesta passagem). A ampliação aplica-se, como é o caso,
àquilo que os filósofos chamam a extensão da palavra, isto é, a classe de
entidades a que a palavra se refere. Aqui, a palavra «face» aplica-se a
faces comuns, e por acréscimo a águas.
Esta descrição não pode, seja como for, estar completa uma vez
que, se nestes contextos as palavras «face» e «criança» se aplicam
correctamente a águas e ao Tolstoy adulto, então as águas efectivamente
têm faces e Tolstoy literalmente foi uma criança, e todo o sentido de
metáfora se evapora. Se nos dispomos a pensar sobre as palavras nas
metáforas como desempenhado directamente a sua função de se referir
àquilo que com propriedade se referem, então não há diferença entre a
metáfora e a introdução de um novo termo no nosso vocabulário: fazer
uma metáfora é assassiná-la.
O que ficou de fora foi qualquer apelo ao sentido original da
palavra. Se a metáfora depende, ou não, de novos ou sentidos ampliados,
certamente depende, de algum modo, de sentidos originais; uma descrição
adequada da metáfora deve permitir que os sentidos originais ou
primários das palavras permaneçam activos no seu enquadramento
metafórico.
Talvez possamos, então, explicar a metáfora como um tipo de
ambiguidade: no contexto de uma metáfora, certas palavras têm ou um
significado novo ou um significado original, e a força da metáfora
depende da nossa indecisão enquanto hesitamos entre os dois
significados. Assim, quando Melville escreve que «Cristo foi um
cronómetro», o efeito metafórico é produzido pelo facto de tomarmos
«cronómetro» primeiro no seu sentido comum e, depois, num sentido
extraordinário ou metafórico.
É difícil ver de que modo esta teoria possa estar correcta. Pois a
ambiguidade na palavra, se existe, é devida ao facto de que em contextos
comuns significa uma coisa e no contexto metafórico significa algo
diferente; mas no contexto metafórico não hesitamos necessariamente a
respeito do seu significado. Quando hesitamos é habitualmente para
decidir qual interpretação, de um número de interpretações, devemos
aceitar; raramente duvidamos de que aquilo que temos é uma metáfora.
Seja como for, a efectividade da metáfora facilmente excede em duração
o fim da hesitação a propósito da interpretação da passagem metafórica.
A metáfora não pode, por conseguinte, dever o seu efeito à ambiguidade
deste tipo.2
2
Nelson Goodman afirma que a metáfora e a ambiguidade diferem sobretudo «em
que os diferentes usos de um termo meramente ambíguo são coevos e
independentes», enquanto que na metáfora «um termo com uma extensão
estabelecida pelo hábito é aplicado noutro lugar sob a influência desse hábito»;
sugere que à medida que o nosso sentido da história dos «dois usos» na metáfora
Outra forma de ambiguidade pode parecer oferecer melhor
sugestão. Por vezes uma palavra, num único contexto, transporta dois
significados, supondo-se que lembremos e usemos ambos. Ou, se
pensarmos que o ser palavra implica identidade de significado, então
podemos descrever a situação de tal modo que o que nos surge como uma
palavra são, de facto, duas. Quando dão as boas-vindas, de modo
obsceno, à personagem Cressida de Shakespeare, no momento em que
chega ao campo grego, diz Nestor, «Our general doth salute you with a
kiss» [«O nosso general saúda-vos com um beijo»]. Devemos aqui
entender «general» de duas maneiras: uma delas aplicada a Agamemnon,
que é o general; e, uma vez que está a beijar toda a gente, como não sendo
aplicada a ninguém em particular, mas a todos em geral. Temos, de facto,
a conjunção de duas frases: o nosso general, Agamemnon, saúda-vos com
um beijo; e, todos em geral vos saúdam com um beijo.
Este dispositivo, um trocadilho, é legítimo, mas não é o mesmo
dispositivo que a metáfora. Pois na metáfora não existe necessidade
essencial de reiteração; quaisquer que sejam os significados que
atribuímos às palavras, eles mantêm-se através de qualquer leitura
correcta da passagem.
Uma modificação plausível da última sugestão seria a de
considerar a palavra chave (ou palavras chave) de uma metáfora como
tendo dois tipos diferentes de significado em simultâneo, um sentido
literal e um sentido figurado. Imaginemos o sentido literal como sendo
latente, algo de que somos conscientes, algo que pode ter um efeito em
nós sem ter efeito no contexto, enquanto que o sentido figurado transporta
se desvanece, a palavra metafórica se torna meramente ambígua (Languages of
Art [Indianapolis, Ind., 1968], p. 71). De facto, em muitos casos de ambiguidade,
um uso brota do outro (como afirma Goodman) e, por conseguinte, não podem ser
coevos. Mas o erro básico, que Goodman partilha com outros, é a ideia de que
dois «usos» se encontram envolvidos na metáfora da forma como o fazem na
ambiguidade.
o peso directo. E, por último, deve haver uma regra que liga os dois
significados, pois de outro modo a explicação recai numa forma da teoria
da ambiguidade. A regra, pelo menos para muitos casos típicos de
metáfora, diz que no seu papel metafórico a palavra se aplica a tudo
aquilo a que se aplica no seu papel literal, e depois a algo.3
Esta teoria pode parecer complexa, mas é extraordinariamente
semelhante ao que Frege propôs como descrição do comportamento de
referir termos em frases modais e frases sobre atitudes proposicionais
como a crença e o desejo. Segundo Frege, cada termo de referência tem
dois (ou mais) significados, um que fixa a sua referência em contextos
comuns, e outro que fixa a sua referência em contextos especiais criados
por operadores modais ou verbos psicológicos. A regra que liga os dois
significados pode ser colocada assim: o significado da palavra nos
contextos especiais faz a referência nesses contextos ser idêntica à do
significado em contextos comuns.
Temos aqui o quadro completo, colocando Frege a par de uma
perspectiva fregeana da metáfora: devemos pensar numa palavra como
tendo, em acréscimo ao seu campo mundano de aplicação ou referência,
dois campos de aplicação especiais ou supra-mundanos, um para a
metáfora e outro para contextos modais e afins. Em ambos os casos, o
significado original permanece actuante em virtude de uma regra que
relaciona os vários significados.
Tendo enfatizado a analogia possível entre significado metafórico
e os significados fregeanos para contextos oblíquos, volto-me para uma
dificuldade imponente de manter a analogia. Estamos a entreter um
visitante de Saturno tentando ensiná-lo como usar a palavra «chão».
Percorremos os subterfúgios familiares, conduzindo-do de chão a chão,
apontando, calcando e repetindo a palavra. Incitamo-lo a fazer
3
A teoria descrita é essencialmente a de Paul Henle, «Metaphor», in Language,
Thought, and Culture, ed. Henle (Ann Arbor, Mich., 1958).
experiências, tocando levemente os objectos a título experimental com os
seus tentáculos ao mesmo tempo que recompensamos as suas tentativas
certas e erradas. Queremos que acabe por ficar a saber não apenas que
estes objectos ou superfícies particulares são chãos, mas também como
reconhecer um chão quando avistamos ou tocamos um. O tom burlesco
com o que o fazes não lhe diz o que precisa de saber, mas com sorte
ajuda-o a aprender.
Devemos chamar a este processo aprender algo sobre o mundo, ou
aprender algo sobre a linguagem? Uma questão estranha, pois o que se
aprende é que um pedaço de linguagem se refere a um pedaço do mundo.
Ainda assim, é fácil distinguir entre a aprendizagem do significado de
uma palavra e o uso da palavra uma vez que o significado foi aprendido.
Comparando estas duas actividades, é natural dizer que a primeira
concerne a aprendizagem de algo sobre a linguagem, enquanto que a
segunda é tipicamente a aprendizagem de algo sobre o mundo. Se o nosso
habitante de Saturno aprendeu a usar a palavra «chão», podemos tentar
dizer-lhe algo novo: que aqui é um chão. Se ele dominou o truque das
palavras, dissemos-lhe algo sobre o mundo.
O nosso amigo de Saturno transporta-nos agora através do espaço
para a esfera da sua casa, e olhando remotamente para a terra deixada
atrás, dizemos-lhe, acenando para a Terra, «chão». Talvez ele pense que
isto se trata ainda parte da lição e suponha que a palavra «chão» se aplica
correctamente à terra, pelo menos vista de Saturno. Mas, e se pensámos
que ele sabia já o significado de «chão» e nos estávamos a lembrar do
modo como Dante, de um lugar semelhante no orbe celeste, via a terra
habitada como «o pequeno chão redondo que nos torna passionais»? O
nosso propósito era a metáfora, e não treinar o uso da linguagem. Que
diferença faria para o nosso amigo de que modo o entendia? Com a teoria
da metáfora que estamos a considerar, muito pouca diferença, pois de
acordo com essa teoria uma palavra tem um significado novo num
contexto metafórico; a ocasião da metáfora seria, por conseguinte, a
ocasião para aprender o novo significado. Devemos concordar que, em
certo sentido, faz relativamente pouca diferença se, num determinado
contexto, pensamos que a palavra está a ser usada metaforicamente ou
está a ser usada de um modo prévio desconhecido, mas literal. Empson,
em Some Versions of Pastoral, cita estes versos de Donne: «As our blood
labours to beget / Spirits, as like souls as it can, [...] / So must pure lover’s
soules descend [...]» O leitor moderno, realça Empson, quase de certeza
entenderá metaforicamente a palavra «espíritos» nesta passagem,
considerando-a aplicar-se apenas por extensão a algo espiritual. Mas para
Donne não havia metáfora. Escreve nos seus Sermons: «The spirits [...]
are the thin and active part of the blood, and are a kind of middle nature,
between soul and body». Saber isto não faz muita diferença; Empson tem
razão quando afirma que «É curioso como a mudança da palavra [isto é,
daquilo que pensamos que significa] não afecta a poesia».4
A mudança pode ser, pelo menos em certos casos, difícil de
apreciar, mas a não ser que haja mudança, perde-se a maior parte do que
pensamos ser interessante sobre a metáfora. Tenho estado a provar a
minha posição contrastando a aprendizagem de um novo significado de
uma velha palavra com o uso de uma palavra já compreendida; num caso,
argumentei, a nossa atenção dirige-se para a linguagem, no outro, para
aquilo sobre que trata a linguagem. A metáfora, sugeri, pertence à
segunda categoria. Isto pode também ser visto se considerarmos
metáforas mortas. Em tempos, segundo suponho, rios e garrafas não
tinham literalmente, como acontece hoje, bocas. Pensando no uso
presente, não interessa se consideramos a palavra «boca» de modo
ambíguo porque se aplica a entradas de rios e aberturas de garrafas bem
como a aberturas animais; nem interessa se pensamos que existe um
único campo de aplicação que os abrange a ambos. O que importa é que
4
William Empson, Some Versions of Pastoral (London, 1935), p. 133.
quando «boca» se aplicava apenas metaforicamente a garrafas, a
aplicação fazia o ouvinte aperceber-se de uma semelhança entre aberturas
de animais e de garrafas. (Considere-se a referência de Homero a feridas
como bocas). Uma vez que temos o uso presente da palavra, com
aplicação literal a garrafas, não existe mais nada de que apercebermo-nos.
Não há semelhança que procurar porque consiste simplesmente em ser
referida pela mesma palavra.
A novidade não é a questão. No seu contexto uma palavra uma
vez tomada como metáfora permanece metáfora na centésima vez que a
ouvimos, enquanto uma palavra pode facilmente se apreciada num novo
papel literal logo num primeiro encontro. Aquilo a que chamamos
elemento de novidade ou surpresa numa metáfora é uma parte integrante
estética que podemos experimentar uma e outra vez, como a surpresa na
Sinfonia nº 94 de Haydn, ou uma cadência familiar deceptiva.
Se a metáfora implicasse um segundo significado, como acontece
com a ambiguidade, poderíamos contar ser capazes de especificar o
significado especial de uma palavra num quadro metafórico esperando
que a metáfora morresse. O sentido figurado da metáfora viva seria
imortalizado no sentido literal da metáfora morta. Mas embora alguns
filósofos tenham sugerido esta ideia, parece ser manifestamente errada.
«He was burned up» é um enunciado genuinamente ambíguo (uma vez
que pode ser verdade num sentido e falso noutro), mas ainda que a
expressão idiomática seja sem dúdiva o cadáver de uma metáfora, «He
was burned up» hoje apenas sugere que estava muito zangado. Quando a
metáfora estava activa, teríamos imaginado fogo nos olhos e fumo saindo
das orelhas.
Podemos aprender muito sobre o que significam as metáforas
comparando-as com os símiles, pois um símile diz-nos, em parte, aquilo
que uma metáfora mera e levemente nos anima a notarmos. Suponhamos
que Goneril tivesse dito, pensando em Lear, «Old fools are like babes
again»; então ela teria utilizado as palavras para afirmar a semelhança
entre velhos loucos e bébés. O que disse de facto, claro, foi «Old fools are
babes again», usando deste modo as palavras para dar a entender o que o
símile declarava. Pensando em função destes exemplos pode inspirar
outra teoria do sentido figurativo ou especial das metáforas: o sentido
figurativo de uma metáfora é o sentido literal do símile correspondente.
Assim, «Cristo era um cronómetro» no seu sentido figurado é sinónimo
de «Cristo era como um cronómetro», e o significado metafórico um dia
encerrado em «Ele estava queimado» é libertado em «Ele estava como
alguém queimado» (ou talvez, «Ele estava como queimado»).
Existe, é inegável, a dificuldade em identificar o símile que
corresponde a uma determinada metáfora. Virginia Wolf disse que um
intelectual é «a man or woman of thoroughbred intelligence who rides his
mind at a gallop across country in pursuit of an idea». Que símile
corresponde? Algo assim, talvez: «A highbrow is a man or woman whose
thoroughbred intelligence is like a thoroughbred horse who persists in
thinking about an idea like a rider at galloping across country in pursuit
of... well something».
A perspectiva de que o significado especial de uma metáfora é
idêntico ao significado literal de um símile correspondente (como quer
que «correspondente» seja soletrado) não deve ser confundida com a
teoria comum de que uma metáfora é um símile elíptico.5 Esta teoria não
estabelece distinção de sentido entre uma metáfora e um símile
relacionado e não fornece nenhuma base para falar de significados
figurativos, metafóricos ou especiais. É uma teoria que ganha a partida no
que concerne a simplicidade, mas também parece demasiado simples para
5
J. Middleton Murray diz que uma metáfora é um «símile comprimido», Countries
of the Mind, 2ª. série (Oxford, 1931), p. 3. Max Black atribui uma perspectiva
semelhante a Alexander Bain, English Composition and Rethoric, ed. aum.
(London, 1887).
funcionar. Pois se tornamos o sentido literal da metáfora o sentido literal
de um símile correspondente, negamos acesso ao que originalmente
tomámos como sendo o sentido literal da metáfora, e concordámos quase
desde o início que este significado era essencial para o funcionamento da
metáfora, fosse o que fosse necessário acrescentar ainda de um
significado não literal.
Tanto a teoria do símile elíptico da metáfora como a sua variante
mais sofisticada, que equaciona o sentido figurativo da metáfora com
sentido literal de um símile, partilham um erro fatal. Tornam o sentido
oculto da metáfora demasiado óbvio e acessível. Em cada caso, o sentido
oculto é encontrado simplesmente olhando para o sentido literal daquilo
que é habitualmente um símile dolorosamente trivial. Isto é como aquilo –
Tolstoy é como uma criança, a terra é como um chão. É trivial porque
tudo é como tudo, e de formas intermináveis. As metáforas são
frequentemente muito difíceis de interpretar e, como se costuma dizer,
impossíveis de parafrasear. Mas com esta teoria, interpretação e paráfrase
caracteristicamente estão prontas para ser usadas pelo mais inexperiente.
Estas teorias do símile têm sido consideradas aceitáveis, penso,
apenas porque têm sido confundidas com uma teoria bastante diferente.
Considere-se esta advertência de Max Black:
Quando Schopenhauer chamou à prova geométrica uma ratoeira,
estava, segundo esta perspectiva, a dizer (ainda que não
explicitamente): «Uma prova geométrica é como uma ratoeira,
uma vez que ambas proporcionam uma recompensa falaciosa,
atraem as suas vítimas progressivamente, conduzem a supresas
desagradáveis, etc.» Esta é uma perspectiva da metáfora como um
símile elíptico ou condensado.6
6
Black, p. 35.
Posso discernir aqui duas confusões. Primeiro, se as metáforas são símiles
elípticas, dizem explicitamente o que os símiles dizem, pois a elipse é
uma forma de abreviatura, e não de paráfrase ou de informação indirecta.
Mas, e esta é a questão mais importante, a afirmação de Black sobre
aquilo que a metáfora diz vai mais além daquilo que é proporcionado pelo
símile correspondente. O símile diz apenas que uma prova geométrica é
como uma ratoeira. Não nos diz mais do que a metáfora sobre que
semelhanças devemos observar. Black menciona três semelhanças, e claro
podíamos acrescentar a lista indefinidamente. Mas supõe-se que esta lista,
quando revista e suplementada de modo correcto, proporciona o sentido
literal do símile? Sem dúvida que não, uma vez que o símile apenas
declara a semelhança. Se a lista se supõe que proporciona o sentido
figurado do símile, então não aprendemos nada sobre a metáfora da
comparação com o símile – apenas que ambos possuem o mesmo
significado figurativo. Nelson Goodman efectivamente defende que «a
diferença entre símile e metáfora é negligenciável», e prossegue, «quer a
locução se trate de ‘é como’ ou se trate de ‘é’, a figura assemelha quadro
a pessoa separando certas características comuns [...]»7 Goodman está a
considerar a diferença entre dizer que um quadro é triste e dizer que ele é
como uma pessoa triste. É claramente verdade que ambos enunciados
assemelham quadro e pessoa, mas parece-me ser um erro pretender que os
dois modos de dizer «separam» uma característica comum. O símile diz
que existe uma semelhança e deixa-nos a tarefa de separar alguma ou
algumas características comuns; a metáfora não declara explicitamente
uma semelhança, mas se aceitamos que é uma metáfora, somos levados
uma vez mais a procurar características comuns (não necessariamente as
mesmas características que o símile associado sugere; mas esta é outra
questão).
7
Goodman, pp. 77-78.
Justamente porque um símile tem uma declaração de similitude na
manga, é menos plausível, penso, do que no caso da metáfora, sustentar
que existe um segundo sentido escondido. No caso do símile, verificamos
o que literalmente diz: que duas coisas se parecem; examinamos, então,
os objectos e consideramos que similitude seria, em contexto, apropriada.
Tendo decidido, poderíamos então dizer que o autor do símile pretendia
que nós – isto é, queria que nós – prestássemos atenção nessa semelhança.
Mas tendo estimado a diferença entre o que as palavras pretendiam e o
que o autor conseguiu realizar usando essas palavras, seríamos pouco
tentados a explicar o que aconteceu dotando as próprias palavras com um
segundo sentido figurado. O objectivo do conceito de significado
linguístico é o de explicar o que pode ser feito com palavras. Mas o
suposto sentido figurado de um símile não explica nada; não é uma
característica da palavra que a palavra possua a priori e
independetemente do contexto de uso, e não repousa sobre nenhuns
hábitos linguísticos que não sejam aqueles que governam o sentido
comum.
O que as palavras fazem com o seu significado literal no símile
deve ser possível que o façam na metáfora. Uma metáfora chama a
atenção para o mesmo tipo de semelhança, ou até para as mesmas
semelhanças, que o correspondente símile. Mas então os subtis e
inesperados paralelos e analogias que a metáfora promove não precisam
de depender, para a sua promoção, de nada mais do que o sentido literal
das palavras.
A metáfora e o símile são apenas dois entre intermináveis
dispositivos que servem para alertar-nos sobre aspectos do mundo
convidando-nos a fazer comparações. Cito algumas estrofes de «The
Hippopotamus» de T. S. Eliot:
The broad-backed hippopotamus
Rests on his belly in the mud;
Although he seems so firm to us
He is merely flesh and blood.
Flesh and blood is weak and frail,
Susceptible to nervous shock;
While the True Church can never fail
For it is based upon a rock.
The hippo’s feeble steps may err
In compassing material ends,
While the True Church need never stir
To gather in it its dividends.
The ‘potamus can never reach
The mango or the mango-tree;
But fruits of pomegranate and peach
Refresh th Church from over sea.
Aqui não se nos diz nem que a Igreja se parece a um hipopótamo (como
num símile), nem somos pressionados a fazer a comparação (como numa
metáfora), mas não há dúvida que as palavras estão a ser usadas para
dirigir a nossa atenção para semelhanças entre ambos. Nem pode haver,
neste caso, muita tendência para supor sentidos figurados, pois em que
palavras os alojaríamos? O hipopótamo efectivamente descansa sobre a
pança no barro; a Igreja Verdadeira, diz-nos o poema literalmente, não
pode falhar. O poema implica, é claro, muita coisa que vai mais além do
sentido literal das palavras. Mas implicar não é significar.
O argumento, até ao momento, conduziu à conclusão de que
aquilo que na metáfora pode ser explicado em termos de significado pode,
e na verdade, deve se explicado apelando para o sentido literal das
palavras. Uma consequência é a de que as frases em que ocorrem as
metáforas são verdadeiras ou falsas de um modo normal ou literal, pois se
as palavras nelas não têm significados especiais, as frases não têm uma
verdade especial. Isto não significa negar que existe algo como a verdade
metafórica, apenas significa negá-lo nas frases. A metáfora conduz-nos a
prestar atenção ao que, de outro modo, poderia não ser advertido, e não
nenhuma razão, suponho, para não dizer que estas perspectivas,
pensamentos e sentimentos inspirados pela metáfora, sejam verdadeiros
ou falsos.
Se uma frase usada metaforicamente é verdadeira ou falsa no
sentido frequente, então está claro que é habitualmente falsa. A diferença
semântica mais óbvia entre símile e metáfora é a de que todos os símiles
são verdadeiros e a maioria das metáforas são falsas. A terra é como um
chão, o Assírio lançou-se como um lobo sobre o rebanho, porque tudo é
como tudo. Mas transformar estas frases em metáforas é torná-las falsas;
a terra é como um chão mas não é um chão; Tolstoy, adulto, era como
uma criança, mas não era uma criança. Usamos um símile frequentemente
apenas quando sabemos que a metáfora correspondente é falsa. Dizemos
que o Sr. S é como um porco porque sabemos que não é um porco. Se
tivessemo utilizado uma metáfora e disséssemos que era um porco, não
seria porque tivéssemos mudado de ideia sobre os factos mas porque
escolhemos apresentar a ideia de modo diferente.
O que importa não é a efectiva falsidade mas que a frase seja
considerada falsa. Note-se o que acontece quando uma frase que usamos
como metáfora, acreditando que é falsa, chega a ser verdade por causa de
uma mudança naquilo que pensamos sobre o mundo. Quando foi dada a
notícia de que o avião de Hemingway tinha sido visto, destruído, em
África, o novaiorquino Mirror lançou um cabeçalho que dizia
«Hemingway Perdido em África», a palavra «perdido» tendo sido
utilizada para sugerir que estava morto. Quando se soube que afinal
estava vivo, o Mirror deixou que o cabeçalho fosse lido literalmente.
Considere-se, ainda, o seguinte caso: uma mulher vê-se com um belo
vestido e diz, «Que sonho de vestido!» - e depois acorda. A questão está
em que o vestido é como um vestido com que sonharíamos e por
conseguinte não é um vestido de sonho. Henle fornece um bom exemplo
extraído de Anthony and Cleopatra (2. 2):
The barge she sat in, like a burnish’d throne
Burn’d on the water
Aqui símile e metáfora interagem de modo estranho, mas a metáfora
desapareceria se um incêndio fosse imaginado. De modo muito
semelhante, o efeito habitual de um símile pode ser sabotado levando
demasiado longe a comparação. Woody Allen escreve: «O julgamento,
que teve lugar durante as semanas seguintes, foi como um circo, ainda
que tivesse sido algo difícil meter os elefantes na sala do tribunal».8
Geralmente, apenas quando consideramos que uma frase é falsa a
aceitamos como metáfora e começamos à caça das implicações ocultas. É
provavelmente por esta razão que a maioria das frases metafóricas são
manifestamente falsas, assim como as todos os símiles são trivialmente
verdade. O absurdo e a contradição numa frase metafórica garante que
não acreditemos nela e convida-nos, em condições apropriadas, a tomar a
frase metaforicamente.
Falsidade patente é o caso habitual da metáfora, mas por vezes a
verdade patente serve também. «Negócio é negócio» é demasiado óbvio
no seu sentido literal de forma a ter sido pronunciado para veicular
informação, por conseguinte procuramos outro uso; Ted Cohen lembra-
8
Woody Allen, New Yorker, 21 de Novembro de 1977, p. 59.
nos, na mesma linha, que nenhum homem é uma ilha.9 A questão é a
mesma. O sentido comum no contexto de uso é bastante estranho para nos
induzir a descurar a questão da verdade literal.
Seja-me permitido, agora, colocar uma questão um tanto
platónica, comparando a elaboração de uma metáfora com o dizer uma
mentira. A comparação é adequada porque mentir, como fazer uma
metáfora, concerne não o sentido das palavras mas o seu uso. Diz-se por
vezes que dizer uma mentira acarreta dizer o que é falso; mas isto está
errado. Dizer uma mentira não requer que o que dizemos seja falso mas
que pensemos que é falso. Uma vez que habitualmente acreditamos nas
frases verdadeiras e não acreditamos nas falsas, a maioria das mentiras
são falsidades; mas em cada caso individualmente considerado isto é um
acidente. O paralelo entre elaborar uma metáfora e dizer uma mentira é
enfatizado pelo facto de que a mesma frase pode ser usada, sem mudar o
significado, para ambos os propósitos. Assim, uma mulher que acreditou
em bruxas mas que não pensou que a sua vizinha é uma bruxa, podia
dizer «Ela é uma bruxa», querendo dizê-lo metaforicamente; a mesma
mulher, ainda acreditando em bruxas e pensando o mesmo da vizinha,
poderia usar essas mesmas palavras para um efeito muito diferente. Uma
vez que frase e significado são os mesmos em ambos os casos, é por
vezes difícil provar qual a intenção que subjaz ao dizê-lo; deste modo, um
homem que diz «Lattimore é um Comunista» e quer mentir sempre pode
declinar tê-lo feito alegando ser uma metáfora.
O que faz a diferença entre uma mentira e uma metáfora não é
uma diferença das palavras usadas ou do que significam (em qualquer
sentido estrito do significado) mas como as palavras são usadas. Usar
9
Ted Cohen, «Figurative Speech and Figurative Acts», Journal of Philosophy 72
(1975): 671. Uma vez que a negação de uma metáfora parece ser sempre uma
metáfora potencial, pode haver tantas trivialidades entre as metáforas potenciais
como há absurdos entre as metáforas efectivas.
uma frase para dizer uma mentira e usá-la para fazer uma metáfora são, é
claro, usos totalmente diferentes, tão diferentes que não interferem um
com o outro, tal como acontece, digamos, com o actuar e o mentir. Ao
mentir devemos fazer uma asserção de modo a representar-nos como
acreditando naquilo que não acreditamos; ao actuar, essa asserção é
excluída. A metáfora é indiferente à distinção. Pode ser um insulto, e
deste modo ser uma asserção, dizer a um homem, «És um porco». Mas
nenhuma metáfora estava em causa quando (suponhamos) Ulisses dirigiu
as mesmas palavras aos seus companheiros no palácio de Circe; uma
história, é inegável, e portanto não havendo asserção – mas a palavra,
pelo menos neste caso, foi usada literalmente aplicada a homens.
Nenhuma teoria do significado metafórico ou da verdade
metafórica pode ajudar a explicar como a metáfora funciona. A metáfora
segue pelo mesmo caminho linguístico familiar que as frases mais
simples; vimo-lo ao considerar o símile. O que distingue a metáfora não é
o sentido mas o uso – neste aspecto é como asseverar, insinuar, mentir,
prometer ou criticar. E o uso especial que fazemos da linguagem na
metáfora não é – não pode ser – «dizer algo especial», por mais
indirectamente que o façamos. Pois uma metáfora diz apenas o que
mostra facialmente – habitualmente uma falsidade evidente ou uma
verdade absurda. E esta verdade ou falsidade manifestas não precisa de
paráfrase – é dada no sentido literal das palavras.
O que dizer, pois, da energia interminável que foi gasta, e continua
a ser gasta, em elaborar métodos e dispositivos para esclarecer com
propriedade o conteúdo de uma metáfora? Os psicólogos Robert
Verbrugge e Nancy McCarrell dizem-nos que:
Muitas metáforas chamam a atenção para sistemas de relações
comuns ou transformações comuns, em que a identidade dos
participantes é secundária. Por exemplo, considerem-se as frases:
Um carro é como um animal, Os troncos das árvores são palhas
para ramos e folhas sedentas. A primeira frase chama a atenção
para sistemas de relações entre consumo energético, respiração,
auto-locomoção, sistemas sensoriais e, possivelmente, um
homúnculo. Na segunda frase, a semelhança é um tipo de
transformação mais constrangido: sucção de fluído através de um
espaço cilíndrico orientado verticalemente, de uma fonte de fluído
até um destino.10
Verbrugge e McCarrell não acreditam que exista uma linha divisória entre
o uso literal e o uso metafórico das palavras; pensam que muitas palavras
têm um significado «nebuloso» que é fixado, se for fixado, por um
contexto. Mas certamente esta nebulosidade, como quer que seja ilustrada
e explicada, não pode apagar a linha entre o que uma frase significa
literalmente (dado o seu contexto) e aquilo «para que chama a nossa
atenção» (dado o seu sentido literal fixado pelo contexto). A passagem
que acabo de citar não emprega esta distinção: aquilo que diz que os
exemplos de frases chamam a nossa atenção para, são factos expressos
por paráfrases de frases. Verbrugge e McCarrell apenas pretendem insistir
que uma correcta paráfrase pode enfatizar «sistemas de relações» em vez
de semelhanças entre objectos.
Segundo a teoria da interacção de Black, uma metáfora obriga-nos
a aplicar um «sistema de lugares comuns», associado à palavra
metafórica, ao tema da metáfora: em «O homem é um lobo» aplicamos
atributos tópicos (estereótipos) do lobo ao homem. Assim, a metáfora,
afirma Black, «selecciona, enfatiza, suprime e organiza características do
termo principal implicando enunciado sobre ele que normalmente se
10
Robert R. Verbrugge e Nancy S. McCarrell, «Metaphoric Comprehension: Studies in
Reminding and Resembling», Cognitive Psychology 9 (1977): 499.
aplicam ao termo subsidiário».11 Se a paráfrase falha, segundo Black, não
é porque a metáfora não tenha um conteúdo cognitivo especial, mas
porque a paráfrase «não terá o mesmo poder de informar e iluminar que o
original [...] Uma das questões que desejo sublinhar é a de que a perda
nestes casos é uma perda de conteúdo cognitivo; a fraqueza relevante da
paráfrase literal não é a de que pode ser cansativamente prolixa ou
tediosamente explícita; falha em ser uma tradução porque falha em dar a
compreensão que a metáfora proporcionava».12
Como pode isto estar certo? Se uma metáfora tem um conteúdo
cognitivo especial por que razão seria tão difícil ou impossível mostrá-lo?
Se, como Owen Barfield reivindica, uma metáfora «diz uma coisa e quer
dizer outra», porque razão quando tentamos tornar explícito o que
significa, o efeito é muito mais fraco - «coloque-se desse modo», diz
Barfield, «e quase todo o lustro, e com ele metade da poesia, se perde»?13
Porque pensa Black que uma paráfrase literal «diz inevitavelmente
demasiado – e com a ênfase errada»? Porquê inevitavelmente? Não
podemos, se somos suficientemente espertos, aproximar-nos tanto quanto
nos apetecer?
A este respeito, como explicar que um símile viva
harmoniosamente sem um significado intermédio? Em geral, os críticos
não sugerem que um símile diga uma coisa e signifique outra – não
supõem que signifique nada mais do que repousa na superfície das
palavras. Pode fazer-nos pensar pensamentos profundos, tal como a
metáfora; então, por que razão ninguém apela para o «sentido cognitivo
especial» do símile? Lembremo-nos do hipopótamo de Eliot; aí não há
nem símile nem metáfora, para o que parecia ser feito é exactamente o
11
12
13
Black, pp. 44-45.
Ibid., p. 46.
Owen Barfield, «Poetic Diction and Legal Fiction», in The Importance of
Language, ed. Max Black (Englewood Cliffs, N.J., 1962), p. 55.
que é feito por símiles e metáforas. Alguém sugere que as palavras no
poema de Eliot tenham significados especiais?
Por último, se as palavras na metáfora transportam um significado
codificado, como pode esse significado diferir do significado que essas
mesmas palavras transportam no caso de a metáfora morrer – isto é,
quando se torna parte da linguagem? Porque não significa «Ele estava
queimado», como hoje é usada e significa esta frase, exactamente o
mesmo que a metáfora viva significou em tempos? Todavia, tudo o que a
metáfora morta significa é que ele estava muito zangado – uma noção não
muito difícil de tornar explícita.
Existe, pois, uma tensão na perspectiva habitual da metáfora. Isto
porque, por um lado, a perspectiva habitual pretende defender que a
metáfora faz algo que a simples prosa não consegue fazer, e, por outro
lado, quer explicar o que a metáfora faz apelando para um conteúdo
cognitivo – justamente o tipo de coisa que a simples prosa tem a intenção
de expressar. Enquanto estivermos inseridos neste quadro mental,
devemos albergar a suspeita de pode ser feito, pelo menos até certo ponto.
Existe uma forma simples para sair deste impasse. Devemos
abandonar a ideia de que a metáfora transporta uma mensagem, de que
tem um conteúdo ou significado (excepto, é claro, o seu sentido literal).
As diferentes teorias que temos estado a considerar enganam-se no seu
objectivo. Onde pensam que proporcionam um método para decifrar um
conteúdo codificado, na verdade dizem-nos (ou tentam dizer-nos) algo
sobre o efeito que as metáforas têm em nós. O erro comum é o de aferrarse a estes conteúdos do pensamentos que uma metáfora provoca e ler
esses conteúdos na própria metáfora. Não há dúvida que as metáforas
frequentemente nos fazem notar aspectos das coisas de não nos tínhamos
apercebido; não há dúvida que chamam a atenção para surpreendentes
analogias e semelhanças; proporcinam de facto uma espécie de lente ou
janela, como diz Black, através dos quais vemos os fenómenos relevantes.
A questão não reside aqui, mas sim na questão de como a metáfora se
relaciona com o que nos faz ver.
Pode ser observado com justiça que a pretender que uma metáfora
provoca ou convoca uma certa perspectiva sobre o seu tema, mais do que
o enunciá-lo directamente, é um lugar-comum; assim é. Assim,
Aristóteles afirma que a metáfora conduz a uma «percepção de
semelhanças». Black, seguindo Richards, diz que uma metáfora «evoca»
uma certa reacção: «um ouvinte adquado será conduzido por uma
metáfora a construir [...] um sistema».14 Esta perspectiva é
primorosamente sumariada por aquilo que Heráclito disse do Oráculo de
Delfos: «Não diz nem esconde, insinua».15
Não discuto estas descrições dos efeitos da metáfora, apenas
contesto as perspectivas associadas sobre o modo como se supõe que a
metáfora os provoca. O que nego é que a metáfora funcione por ter um
sentido especial, um conteúdo cognitivo específico. Não penso, como
Richards, que a metáfora produza o seu resultado por ter um significado
que resulta da interacção de duas ideias; está errado, do meu ponto de
vista, dizer, como Owen Barfield, que a metáfora «diz uma coisa e
significa outra»; ou, como Black, que a metáfora afirma ou implica certas
coisas complexas por força de um significado especial e, assim, realiza o
objectivo de veicular uma «compreensão». Uma metáfora cumpre-se
através de outros intermediários – supor que pode apenas ser efectiva por
veicular uma mensagem codificada é como pensar que uma anedota ou
um sonho fazem uma qualquer afirmação que um intérprete inteligente
pode reafirmar em prosa simples. Anedota, sonho ou metáfora podem,
como um quadro ou um galo na cabeça, fazer-nos tomar atenção para um
facto – mas não por substituir, ou expressar, o facto.
14
Black, p. 41.
15
Utilizo a atractiva tradução de Hannah Arendt de «σηµαινει»; manifestamente
não deve, neste contexto, ser traduzido por «significa».
Se isto for correecto, o que tentamos fazer quando
«parafraseamos» uma metáfora não pode ser proporcionar o seu sentido,
pois ele permanece na superfície; antes, tentamos evocar aquilo para que
a metáfora nos chama a atenção. Posso imaginar uma pessoa concedendo
isto, e depois encolher o ombros e dizer que não se trata mais do que uma
insistência em restringir o uso da palavra «significado». Isto seria um
erro. O erro central a propósito da metáfora é mais fácil de abordar
quando toma a forma de uma teoria do significado metafórico, mas por
detrás dessa teoria, independente e estável, encontra-se a tese que associa
a metáfora a um conteúdo cognitivo que o seu autor deseja veicular e que
o intérprete deve captar se quer perceber a mensagem. Esta teoria é falsa,
chamemos ou não ao conteúdo cognitivo implicado um significado.
Deveria fazer-nos suspeitar a teoria de que é muito difícil de
decidir, mesmo no caso das metáforas mais simples, exactamente que
conteúdo se supõe ser. A razão pela qual é tantas vezes difícil de decidir é
porque, segundo penso, imaginamos que há um conteúdo a ser capturado
quando, na verdade, estamos a todo o momento focando aquilo para que a
metáfora nos chama a atenção. Se aquilo para que a metáfora nos chama a
atenção fosse finito no seu alcance e de natureza proposicional, não
constituiria um problema; apenas teríamos de projectar o conteúdo da
metáfora, trazido ao pensamento, sobre a metáfora. Mas, na verdade, não
há limite para o que a metáfora nos chama a atenção, e muito daquilo para
que atentamos não é de carácter proposicional. Quando tentamos dizer o
que uma metáfora «significa», depressa nos damos conta de que não há
limite para aquilo que queremos mencionar.16 Se alguém percorre com o
16
Stanley Cavell menciona o facto de que a maioria das tentativas de fazer uma
paráfrase acabam com um «e assim sucessivamente», e refere-se à advertência de
Empson de que as metáforas estão «grávidas» (Must We Mean What We Say?
[New York, 1969], p. 79). Mas Cavell não explica o carácter interminável da
paráfrase como eu faço, como se pode ver no facto de ele pensar que isso
dedo uma linha costeira de um mapa, ou menciona a beleza e a destreza
de um traço de Picasso, quantas coisas nos chamam a atenção?
Poderíamos fazer uma lista com muitas dessas coisas, mas não
poderíamos acabar, uma vez que a ideia de acabar não teria uma
aplicação clara. Quantos factos e proposições são veiculados por uma
fotografia? Nenhum, um número infinito, ou um grande e instável facto?
Uma má pergunta. Uma imagem não vale mil palavras, ou um outro
qualquer número delas. As palavras são uma moeda errada para trocar por
uma imagem.
Não se trata apenas de não conseguirmos proporcionar um
catálogo exaustivo daquilo para que atentamos quando somos levados a
ver algo sob uma luz nova; a dificuldade é mais fundamental. Aquilo de
que nos apercebemos ou vemos não é, regra geral, de carácter
proposicional. Claro que pode sê-lo, e quando o é pode ser habitualmente
enunciado com palavras bastante simples. Mas se vos mostro o patocoelho de Wittgenstein, e vos digo, «É um pato», então com um pouco de
sorte vêem-no como um pato; se digo, «É um coelho», vêem-no como um
coelho. Contudo, nenhuma proposição exprime o que vos levei a ver.
Talvez acabem por dar conta de que o desenho pode ser visto ou como
um pato ou como um coelho. ‘Ver como’ não é ‘ver que’. A metáfora faznos ver uma coisa como outra através de um enunciado literal que inspira
ou sugere a percepção. Dado que a maior parte das vezes aquilo que a
metáfora sugere ou inspira não é inteiramente, ou mesmo sequer, o
reconhecimento de uma verdade ou facto, a tentativa de dar expressão
literal ao conteúdo da metáfora é simplesmente extraviado.
distingue a metáfora de algum («mas se calhar não todo») discurso literal. Eu
mantenho que o carácter interminável daquilo a que chamamos paráfrase de uma
metáfora nasce do facto de que tenta revelar aquilo para que a metáfora nos
chama a atenção, e para isto não há um fim claro. Diria o mesmo para qualquer
uso da linguagem.
O teórico que tenta explicar uma metáfora apelando para uma
mensagem oculta, como o crítico que tenta expressar a mensagem, está
então fundamentalmente confundido. Nenhuma explicação ou enunciado
deste teor podem chegar a comparecer porque semelhante mensagem não
existe.
Não se trata, claro está, de que a interpretação e explicação de uma
metáfora não se justifiquem. Muitos de nós precisamos de ajuda para
podermos ver o que o autor de uma metáfora quis que víssemos, e que um
leitor mais sensível ou educado capta. A função legítima da chamada
paráfrase é a de fazer com que o leitor preguiçoso ou ignorante tenha uma
visão como aquela que tem o crítico hábil. O crítico, por assim dizer, está
a competir de forma benigna com a pessoa que fez a metáfora. O crítico
tenta fazer a sua própria arte mais fácil e transparente, nalguns aspectos,
em relação ao original, mas ao mesmo tempo tenta reproduzir noutras
pessoas alguns dos efeitos que o original lhe produziu. Ao fazê-lo, o
crítico chama a atenção, talvez através do melhor método que tem à sua
disposição, para a beleza ou adequação, o poder oculto, da própria
metáfora.
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