ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS:
RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO E ARRANJOS
TECNOASSISTENCIAIS NA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS
DE SAÚDE NA REGIÃO SUL DO BRASIL
REDE DE CENTROS COLABORADORES EM SAÚDE SUPLEMENTAR
NÚCLEO SUL
AGOSTO, 2007
REDE CIENTÍFICA SUL: 14 Instituições de Ensino Superior
•
04 público-federais:
UFPR, UFSC, UCS e UFRGS
•
10 comunitárias:
UEM, Uniplac, UPF, Unijuí, Univates, Unisc, IPA, Urcamp, UFPel e UCpel
1
CONDUÇÃO
GERAL
E
ARTICULAÇÃO NUCLEAR:
UFRGS – EducaSaúde
Núcleo
de
Avaliação
Educação,
e
Produção
Pedagógica em Saúde
UCS – Nepesc
Núcleo
de
Pesquisas
Educação
em
e
Saúde
Coletiva
Áreas Envolvidas:
•
Educação em Saúde Coletiva
•
Estudos sobre a Formação e Desenvolvimento de Profissionais de Saúde
•
Pesquisa Avaliativa em Saúde
MAIO, 2007
2
Projeto Regional: “ESTUDOS, PESQUISAS E INTERAÇÕES REGIONAIS PARA
A QUALIFICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR- PROJETOS DE INVESTIGAÇÃO
E ATUAÇÃO”
COORDENAÇÃO GERAL DO PROJETO REGIONAL:
Prof. Dr Ricardo Ceccim, Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica
em Saúde/ EducaSaúde, Faculdade de Educação, Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS
RELATÓRIO FINAL
SUBPROJETO 1: “RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO E ARRANJOS TÉCNICOS
ASSISTENCIAIS NA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE: UM ESTUDO DE
ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS NA REGIÃO SUL”
COORDENAÇÃO GERAL DO SUBPROJETO:
Profa. Dra. Eleonor Conill
Profa. Dra. Denise Pires
MAIO, 2007
3
RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO E ARRANJOS TÉCNICOS ASSISTENCIAIS NA
UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE: UM ESTUDO DE ITINERÁRIOS
TERAPÊUTICOS NA REGIÃO SUL.
Coordenação Geral:
Eleonor Conill1
Denise Pires2
Coordenadores de Linhas de Cuidado
Maristela Chitto Sisson3
Maria Conceição de Oliveira4
Antonio Fernando Boing5
Hosanna Pattrig Fertonani6
Pesquisadores
Carmen Elizabeht Kalinowski7
Fernanda Peixoto Córdova8
Cintia da Silva Mazur9
Bolsistas de Iniciação Científica
Thais Alves Matos10
Joice Camparei Campos Pereira11
Gabrielle Delattre de Oliveira12
Micheli Etges13
Rafaela Vieira14
Apoio Técnico
Luzia dos Santos15
________________________________________________
1
Médica, Professora Aposentada do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa
Catarina, Doutora em Políticas e Programação do Desenvolvimento, IEDES/ Université de Paris I, Sorbonne.
2
Enfermeira, Professora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós -Graduação em Enfermagem
da UFSC, Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP, Pós-Doutorado na University of Amsterdam, Holanda.
3
Medica, Professora/pesquisadora do Serviço de Saúde Pública/HU/UFSC. Doutora em Ciências pelo Programa
de Pós -Graduação em Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.
4
Médica e Antropóloga. Professora do Mestrado em Saúde Coletiva da UNIPLAC. Doutora em Ciências
Humanas pelo PPG Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC
5
Dentista. Mestre em Saúde Pública. Doutorando em Ciências Odontológicas da USP.
6
Enfermeira. Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá. Mestre em
Enfermagem. Doutoranda do Curso de Pós -Graduação em Enfermagem da UFSC.
7
Enfermeira. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná.
Mestre em Enfermagem.
8
Enfermeira, Mestranda do Programa de Pós -Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS.
9
Enfermeira. Especialista em Psicologia/UFPR. Mestranda do Programa de Pós -Graduação em
Enfermagem/UFPR
10
Acadêmica do Curso de Enfermagem da UFSC. Bolsa de Iniciação Científica.
11
Acadêmica do Curso de Ciências Sociais da UFSC. Bolsa de Iniciação Científica.
12
Acadêmica do Curso de Enfermagem da UFPR. Bolsista de Iniciação Científica.
13
Acadêmica do Curso de Enfermagem da UFRGS. Bolsista de Iniciação Científica
14
Acadêmica do Curso de Enfermagem da UFSC. Bolsa de Iniciação Científica.
15
Acadêmica do Curso de Administração da UNIASSELVI/FADESC.
4
RESUMO EXECUTIVO
Diversos autores têm discutido a segmentação do sistema de saúde
brasileiro. Este trabalho investiga os múltiplos arranjos que se estabelecem no
cotidiano assistencial quando os usuários buscam através de suas próprias escolhas
superar lacunas do acesso e da integralidade da atenção rompendo barreiras entre
o sistema público e o sistema privado. Mostra que o olhar sobre o processo saúdedoença e as escolhas no processo de cuidar ocorrem em macro contextos
determinados econômica e socialmente, mas que também evolvem numa dimensão
subjetiva e cultural. Neste sentido, a pesquisa articula contribuições da
socioantropologia para a gestão, sugerindo que se leve em conta a pluralidade dos
sistemas de cuidados e a subjetividade do julgamento de valor inerente ao processo
de avaliação. O estudo consiste num mapeamento da experiência dos beneficiários/
usuários de serviços da rede suplementar na região sul do Brasil, identificando-se os
percursos trilhados face à experiência de saúde-doença-cuidados.
Um sistema de saúde é cultural e socialmente delimitado sendo composto por
três subsistemas sobrepostos: o informal (família, comunidade, rede de amigos,
grupos de apoio e auto-ajuda), o popular (agentes especializados em tratar
problemas de saúde, sejam seculares ou religiosos, mas que não são profissionais
reconhecidos legalmente na sociedade) e o subsistema profissional (rede de
serviços públicos e privados legalmente instituídos em cada sociedade). As pessoas
e suas famílias buscam atenção à saúde nestas três esferas sem, necessariamente,
seguir um mesmo sentido de percurso ou hierarquia em caminhos denominados
“itinerários terapêuticos”.
Um tota l de 131 sujeitos foram entrevistados em Porto Alegre, Florianópolis
e Curitiba em situações consideradas marcadoras para a qualidade da atenção, em
quatro linhas de cuidado (cardiovascular, oncologia, saúde mental e obstetrícia).
Essas situações foram escolhidas em função de sua importância epidemiológica,
possibilidade de impacto dos serviços e comparabilidade com sistemas de avaliação
nacionais ou internacionais, custos e continuidade com estudos anteriormente
realizados pela ANS. Assim entrevistaram-se 32 portadores (as) de Infarto Agudo do
Miocárdio/IAM, 33 mulheres com câncer de mama, 29 doentes com alcoolismo e 37
5
mulheres que haviam dado a luz há até 1 ano e meio. Três estratégias se fizeram
necessárias na constituição da amostra e para a obtenção das narrativas:
intencional (serviços e grupos de auto-ajuda), por conveniência e pelo procedimento
conhecido por “bola de neve”, onde um paciente indica outro e assim
sucessivamente. As entrevistas, com 1 hora e meia de duração, em média, foram
realizadas nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2007 após um período de
preparação que incluiu trâmites administrativos e éticos. A análise foi feita a partir de
três macro categorias e suas sub -divisões: a) percepção/explicação do problema; b)
o itinerário – o reconhecimento e o percurso; e c) satisfação – com o atendimento e
com o plano. Para o tratamento dos dados e a categorização foi utilizado o software
NVivo.
A apresentação dos resultados é precedida por uma caracterização do
contexto municipal bem como por uma revisão bibliográfica acerca das situações
marcadoras escolhidas. Na caracterização final da amostra há predomínio de
mulheres (63%) e o grau de escolaridade é alto (43.5% dos entrevistados
freqüentam curso superior, já possuem esse grau ou pós-graduação). Também
constata-se o predomínio de uma das operadoras, particularmente em Florianópolis,
mas nas três capitais a amostra foi coerente com o tipo de cobertura existente na
saúde suplementar. No caso do IAM e no alcoolismo houve coincidência de
percepções dos usuários com o modelo explicativo predominante no sistema
profissional. No câncer de mama não há esta coincidência, aparecendo, com
destaque, o sofrimento psíquico. As expectativas relacionadas ao parto apontam
para a importância de que se leve em conta a difusão de uma cultura que associa e
enfatiza a dor ou intenso sofrimento ao ato de dar a luz, o que encontra eco em
interesses profissionais de um contexto organizacional que não fornece informações
de outras alternativas.
Os itinerários nos casos de alcoolismo mostram um longo percurso (sendo
considerada “a doença da negação”) identificando-se a utilização dos três subsistemas, o informal, o popular e o profissional. Existe nessa linha um mix entre o
sistema informal e o sistema profissional, num arranjo que parece ser positivo (ou
efetivo). No IAM, há pouca referência às formas de rastreamento que ficam
reduzidas ao controle de fatores de riscos nos casos de pacientes hipertensos ou
diabéticos, ou de orientações alimentares em caso de dislipidemias. Depois do
6
primeiro episódio de infarto é que se inicia o efetivo monitoramento da doença. O
itinerário revela o que estamos denominando de uma “linha de cuidado invertida”
uma vez que a ações ligadas à promoção da saúde tem início quando a doença já
está instalada de forma severa. Há nessa linha um papel de destaque para os
procedimentos tecnológicos que assumem intensa valorização diante de uma
situação de risco de vida, sem a menção aos recursos de outros sistemas de
cuidado.
Identificou-se no caso do câncer de mama a incorporação de atividades
preventivas no cotidiano das entrevistadas o que mostra um avanço neste campo.
Nessa linha de cuidado aparece a existência de um mix entre o sistema público e o
sistema privado para a obtenção de medicamentos de maior custo. Isto sugere que
na área da oncologia possa se configurar o efeito Hood Robin, discutido na
fundamentação teórica deste trabalho. Deve ser ressaltada, também, a existência de
um mix interessante que se realiza entre o sistema informal, com um papel
importante dos grupos de auto-ajuda e do sistema popular, através da busca de
suporte espiritual. Não há referência ao abandono ou a modificação de padrões do
uso das prescrições da biomedicina, mostrando assim um arranjo harmônico desses
recursos feito pelas pacientes de forma a contemplar suas necessidades.
Foi alta a satisfação referida pelos usuários com relação tanto aos
prestadores do sistema profissional como em relação aos planos de saúde nos
atendimentos recebidos no caso do IAM, do câncer de mama e durante o parto. Ter
acesso rápido aos recursos que interpretam como sendo de qualidade técnica
adequada é o aspecto que sobressai nessa avaliação. Os raros pontos de
insatisfação dizem respeito a dificuldades de informações e nas instalações. Quanto
aos planos, cuja satisfação é alta, porém um pouco menor do que em relação aos
prestadores, as insatisfações se situavam em torno do custo crescente, das
necessidades de co-pagamentos, das deficiências de coberturas e dos impasses
burocráticos para autorizações de procedimentos. Talvez isto possa, em parte, ser
explicado pela ambigüidade da existência de duas lógicas decorrentes da
segmentação do sistema brasileiro: a do cidadão e a do consumidor. Embora
inseridos numa estrutura contratual de mercado, o imaginário dos usuários é
permeado por aspirações de uma cobertura universal. Repete-se em nível micro a
ambigüidade existente no plano macro social.
7
Há uma discussão a ser feita quanto ao viés de valorização positiva dessas
respostas (medidas através de um ícone) diante de situações vitais de extrema
importância. Assim, no caso do parto quando as mulheres eram estimuladas a
falarem mais acerca de seus desejos e expectativas, muitos aspectos relacionados à
humanização (paciência, apoio, carinho) vieram à tona. Também no caso do câncer
de mama, aparecia a necessidade de uma maior diversidade de profissionais nãomédicos, uma vez que o tratamento requer uma integração entre diversas áreas do
conhecimento. Outra preocupação foi com a rede de médicos conveniados,
apontando o desejo de ampliação da mesma, com dificuldades para consultas com
especialistas e apreensão sobre a permanência dos credenciados no futuro.
A satisfação dos entrevistados no caso do alcoolismo mostrou um amplo
espectro de insatisfações relativas ao atendimento biomédico formal e ao aspecto
comercial de clínicas do setor popular, além da questão econômica e o caráter
lucrativo dos planos que não cobrem inteiramente os tratamentos, somando-se ao
despreparo profissional. Nesta linha destacou-se a avaliação positiva da alternativa
do subsistema informal, como é o caso dos grupos de auto-ajuda – AA.
Os resultados encontrados neste estudo aproximam-se daqueles oriundos de
estudos etnográficos e de análises transculturais nos aspectos relacionados ao fluxo
e ordem de procura dos serviços, constatando-se uma multiplicidade de trajetórias e
de arranjos, principalmente no campo da saúde mental e da oncologia. Também
coincidem com os principais aspectos referidos nas pesquisas de satisfação.
Esperamos que possam ser úteis na implementação das diversas políticas e
programas que se relacionam com a promoção da saúde e uma maior integralidade
da atenção do cuidado nas linhas estudadas. O desenvolvimento de novos
referenciais e instrumentos que possibilitem uma visão ampliada na compreensão e
na análise dos modelos de cuidados empreendidos pelos usuários e por sua rede de
relações parece particularmente útil no atual cotidiano assistencial brasileiro,
superando-se assim, qualquer contraposição entre enfoques que priorizam uma
explicação política daqueles que tratam dos aspectos culturais.
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Câncer de mama: síntese de indicadores nos municípios de
Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre. .................................................................................. 32
Quadro 2 - Doenças do aparelho circulatório: síntese de indicadores nos municípios
de Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre.............................................................................. 33
Quadro 3 - Freqüência absoluta e relativa dos tipos de parto realizados nos
municípios de Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre, 2005. ............................................. 34
Quadro 4 - Saúde mental: síntese de indicadores nos municípios de Florianópolis,
Curitiba, Porto Alegre, ........................................................................................................... 35
Quadro 5 - Caracterização Final da Amostra .................................................................... 45
Quadro 6 - Indicadores selecionados para caracterização do contexto municipal,
Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. ................................................................................ 54
Quadro 7 - Síntese dos dados referentes a satisfação nas 4 linhas de cuidado ........ 75
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Distribuição dos beneficiários segundo o sexo, Florianópolis, Curitiba e
Porto Alegre, 2006-2007....................................................................................................... 46
Figura 2 - Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo a cor da pele.
Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007............................................................ 47
Figura 3 - Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo o grau de
escolaridade. Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007................................... 47
Figura 4 - Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo a renda.
Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007............................................................ 48
Figura 5 - Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo a faixa etária.
Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007............................................................ 48
Figura 6 - Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo o tempo em que
possuem o plano. Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007. .......................... 49
Figura 7 - Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo a operadora.
Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007............................................................ 50
Figura 8 - Desenho da Pesquisa ......................................................................................... 50
10
LISTA DE SIGLAS
AA
AAMA
ABEAD
Aids
AFIRMAR
Al-Anon
AMIL
AMS Petrobrás
AMUCC
ANS
APVP
AVC
BACEN
BENFAM
BRADESCO
Caixa – Saúde
CAPC
CAPS
CAPSad
CEBRID
CEPON
CICT
Clinihauer
Clinipam
CNSM
DALY
DANT
DATASUS
DCNT
DCV
DF
DM
DNVs
DSM-IV
ENSP
FEMAMA
Alcoólicos Anônimos
Associação das Amigas da Mama
Associação Brasileira de Álcool e Outras Drogas
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
Avaliação dos Fatores de Risco para Infarto Agudo do Miocárdio
no Brasil
Grupo de Familiares de Alcoólicos
Assistência Médica Internacional
Assistência Multidisciplinar de Saúde da Petrobras
Associação Brasileira de Portadores de Câncer
Agência Naciona l de Saúde Suplementar
Anos Potenciais de Vida Perdidos
Acidente Vascular Cerebral
Banco Central (Plano de saúde de autogestão dos servidores
ativos e aposentados, e respectivos dependentes, do Banco
Central do Brasil)
Sociedade Civil de Bem Estar Familiar no Brasil
Pano de Saúde do Bradesco (Banco Brasileiro de Descontos)
Plano de saúde dos servidores ativos e aposentados, e
respectivos dependentes, da Caixa Econômica Federal)
Centro de Apoio ao Paciente com Câncer
Centro de Atenção Psicossocial
Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas
Carlos Chagas - Centro clinico
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas
Centro de Pesquisas Oncológicas
Centro de Informação Científica e Tecnológica
Organização Médica Clinihauer
Clinica Paranaense da Assistência Médica
Conferência Nacional de Saúde Mental
Disabilities Adjusted Life Year
Doenças e Agravos Não Transmissíveis
Departamento de Informática do SUS
Doenças Crônicas Não Transmissíveis
Doença Cardiovascular
Distrito Federal
Diabetes Mellitus
Declarações de Nascidos Vivos
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
Escola Nacional de Saúde Pública
Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à
Saúde da Mama
11
FIOCRUZ
Fundação Oswaldo Cruz
FUNAI
Fundação Nacional do Índio
Fundação COPEL Previdência e Assistência Social dos Funcionários da
Companhia Paranaense de Energia
FUSEX
Fundo de Saúde do Exercito
GEAP
Fundação de Seguridade Social
GM
Gabinete do Ministro
HAS
Hipertensão Arterial Sistêmica
HDL
High Density Protein
HIV
Vírus da Imunodeficiência Humana
IAM
Infarto Agudo do Miocárdio
ICS
Instituto Curitiba da Saúde
IDB
Indicadores e Dados Básicos
IDH
Indice de Desenvolvimento Humano
IDH-M
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IMAMA
Instituto da Mama
IMC
Índice de Massa Corpórea
INCA
Instituto Nacional de Câncer
INPS
Instituto Nacional de Previdência Social
IPE
Instituto de Previdência do Estado
IPÊRGS
Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul
LDL
Low Density Protein
Mediservice
Empresa do grupo Marsh & McLennan Companies, que
administra planos de saúde
MS
Ministério da Saúde
Nossa Saúde
Operadora de Planos Privados de Assistência à Saúde Ltda.
NUPENS
Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde
OECD
Organization for Economic Co-Operation and Development
OMS
Organização Mundial de Saúde
OPS
Organização Pan-americana de Saúde
OSCIP
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PACS
Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PASS
Associação de Assistência a Saúde
PNAD
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNUD
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POF
Pesquisa de Orçamentos Familiares
Prá-Nenê
Programa de Vigilância Sanitária e Atenção Integral à Saúde das
Crianças Menores de um Ano
PROADESS
Projeto de Desenvolvimento de Metodologia de Avaliação do
Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro
PROCON
Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor
PSF
Programa de Saúde da Família
RN
Recém Nascido
SADT
Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapia
12
SAMS
SAMU
SAS
SBC
SC
SDD
SENAD
SENERGISUL
SGP
SIAB
SMS
SINASC
SISNEP
SISTEL
Sulamérica
SUS
SVS
UBS
ULBRA
UNIMED
UNISANTA
USA
USP
UTI
VIGITEL
WHO
Sistema de Atenção Médica Supletiva
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
Secretaria de Atenção a Saúde
Sociedade Brasileira de Cardiologia
Santa Catarina
Sistema de Desembolso Direto
Secretaria Nacional Antidrogas
Plano de Saúde do Sindicato dos Assalariados Ativos,
Aposentados, e Pensionistas nas Empresas Geradoras, ou
Transmissoras, ou Distribuidoras, ou Afins de Energia Elétrica no
Estado do Rio Grande do Sul e Assistidos por Fundações de
Seguridade Privada Originadas no Setor Elétrico
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
Sistema de Informações da Atenção Básica
Secretaria Municipal de Saúde
Sistema de Informação dos Nascidos Vivos
Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa
envolvendo Seres Humanos
Fundação Sistel de Seguridade Social
Companhia Nacional de Seguros
Sistema Único de Saúde
Secretaria de Vigilância em Saúde
Unidade Básica de Saúde
Universidade Luterana do Brasil
União dos Médicos – Cooperativa de serviços
Sistema Unimed em Santa Catarina
United States of America
Universidade de São Paulo
Unidade de Terapia Intensiva
Sistema de Monitoramento de Fatores de Risco e Proteção para
Doenças Crônicas não Transmissíveis
Word Health Organization
13
SUMÁRIO
RESUMO EXECUTIVO .............................................................................................................. 5
LISTA DE QUADROS................................................................................................................ 9
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................ 10
LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................... 11
1 INTRODUÇÂO/ APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 16
2 AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOANTROPOLOGIA PARA A GESTÃO .......................... 17
2.1 A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO E MODELO ASSISTENCIAL: UMA DISCUSSÃO
ACERCA DA PLURALIDADE DOS SISTEMAS DE CUIDADOS E A IMPORTÂNCIA DOS
ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS ............................................................................................. 17
2.2 A AVALIAÇÃO DE SERVIÇOS E A PERSPECTIVA DOS USUÁRIOS ........................... 24
3 OBJETIVOS E METODOLOGIA .......................................................................................... 30
3.1 OBJETIVOS........................................................................................................................ 31
3.2 TIPO DE ESTUDO ............................................................................................................. 31
3.3 DEFINIÇÃO DAS SITUAÇÕES MARCADORAS NAS QUATRO LINHAS DE CUIDADO ... 32
3.4 PROCESSOS DE SELEÇÃO DA AMOSTRA ................................................................... 36
3.5 SELEÇÃO DOS SUJEITOS DE PESQUISA E COLETA DOS DADOS........................... 37
3.5.1 Seleção dos sujeitos entrevistados na Linha de Cuidado Cárdio-Vascular,
marcador “Infarto Agudo do Miocárdio – IAM” .................................................................. 37
3.5.2 Seleção dos sujeitos entrevistados na Linha de Cuidado Materno Infantil,
marcador “Parto”.................................................................................................................... 38
3.5.3 Seleção dos sujeitos entrevistados na Linha de Cuidado Oncologia, marcador
“Câncer de Mama”.................................................................................................................. 41
3.5.4 Seleção dos sujeitos entrevistados na Linha de Cuidado Saúde Mental, marcador
“Alcoolismo” ........................................................................................................................... 44
3.6 CARACTERIZAÇÃO FINAL DA AMOSTRA...................................................................... 45
3.7 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ..................................................................................... 50
4 CONTEXTO DOS MUNICÍPIOS ESTUDADOS ................................................................... 51
5 CARACTERIZAÇÃO DAS SITUAÇÕES MARCADORAS .................................................. 55
5.1 INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO – IAM ...................................................................... 55
5.2 PARTO................................................................................................................................ 61
5.3 CÂNCER ............................................................................................................................. 64
5.4 ALCOOLISMO .................................................................................................................... 68
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................ 74
6.1 LINHA DE CUIDADO CÁRDIO-VASCULAR, MARCADOR “INFARTO AGUDO DO
MIOCÁRDIO – IAM” ................................................................................................................. 76
6.1.1. Percepção do Problema .............................................................................................. 76
6.1.2 Itinerário.......................................................................................................................... 77
6.1.3 Satisfação ....................................................................................................................... 86
6.2 LINHA DE CUIDADO MATERNO INFANTIL: MARCADOR “PARTO” ............................. 92
6.2.1 Percepção da situação: sentimentos e expectativas em relação ao parto............ 92
6.2.2 Itinerário.......................................................................................................................... 98
6.2.3 Satisfação ....................................................................................................................... 99
6.3 LINHA DE CUIDADO ONCOLOGIA: MARCADOR “CÂNCER DE MAMA” .................... 104
6.3.1. Percepção do problema............................................................................................. 104
14
6.3.2. Itinerário ...................................................................................................................... 106
6.3.3. Satisfação .................................................................................................................... 112
6.4 LINHA DE CUIDADO SAÚDE MENTAL: MARCADOR “ALCOOLISMO”....................... 116
6.4.1 Percepção do problema.............................................................................................. 116
6.4.2 O Itinerário.................................................................................................................... 128
6.4.3 Satisfação ..................................................................................................................... 141
7 CONCLUSÕES ................................................................................................................... 148
8 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 153
9 APÊNDICES........................................................................................................................ 167
APÊNDICE I – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO......................... 167
APÊNDICE II – ROTEIRO DE ENTREVISTA - SEMI-ESTRUTURADA (IAM, CÂNCER DE
MAMA, ALCOOLISMO) .......................................................................................................... 168
APÊNDICE III – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA (PARTO)................ 170
APÊNDICE IV – CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA POR LINHA DE CUIDADO E POR
CIDADE................................................................................................................................... 173
10ANEXOS............................................................................................................................. 181
ANEXO I – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA E REGISTRO NO SISNEP .................. 181
ANEXO II – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DE FLORIANÓPOLIS E DAS UNIDADES DE
SAÚDE.................................................................................................................................... 182
15
1 INTRODUÇÂO/ APRESENTAÇÃO
Esta pesquisa foi oriunda de uma demanda da Agência Nacional de Saúde
Suplementar/ANS em decorrência de um conjunto de medidas visando redirecionar
as ações de regulação de um controle da saúde financeira das empresas para uma
melhor qualificação da prestação e utilização dos serviços no setor. O estudo
consiste num mapeamento da experiência dos usuários de serviços da rede
suplementar na região sul do Brasil identificando-se os percursos trilhados face à
experiência de saúde-doença-cuidados.
Estima-se que a saúde suplementar cubra atualmente 38 milhões de
usuários, o que corresponde à aproximadamente um quarto da população brasileira.
O mercado é constituído por empresas de medicina de grupo (33.8%), cooperativas
médicas (24.6%), autogestão (13.7%), seguradoras (12.1%), odontologia de grupo
(8.7%), filantropia (3.4%) e cooperativas odontológicas (3.6%). Trata-se de um
mercado fortemente concentrado, pois, 61 operadoras somam mais de 20 milhões
de beneficiários. A clientela concentra-se nos centros urbanos, principalmente na
região sudeste (onde se situam 59% das operadoras), com maior proporção de
mulheres e de famílias de maior renda. A cobertura de planos de saúde para famílias
com renda superior a 20 salários mínimos atinge 76% (BRASIL, 2005).
Embora de menor envergadura, a presença de planos de saúde na região sul
não
é
inexpressiva.
Os
beneficiários
desses
planos
correspondem,
a
aproximadamente 20% da população no Paraná, 18% em Santa Catarina e 14% no
Rio Grande do Sul (BRASIL , 2005). No entanto, são raros os estudos sobre o tema
nessa região.
Uma das principais motivações do grupo de pesquisadores ao iniciar este
estudo era investigar os múltiplos arranjos que se estabelecem no cotidiano
assistencial dos usuários quando buscam através de suas próprias escolhas superar
lacunas do acesso e da integralidade da atenção rompendo barreiras entre o
sistema público e o sistema privado. No momento da concepção da pesquisa
tínhamos em mente que, no plano da utilização dos serviços, público referia-se ao
sistema estatal, o Sistema Único de Saúde/SUS, sendo privado tudo o que se
situasse fora dele, representado pelas diversas modalidades de seguro saúde
16
privado ou por outros prestadores privados sob forma de pagamento direto. No
entanto, ao lançarmos mão do referencial da socioantropologia e aprofundarmos o
que Aciole (2006) denomina de polissemia e antinomia dos termos público e privado,
ou seja, seus múltiplos significados e oposição recíproca, nos depararmos com
necessidade de enfocar a multiplicidade dos sistemas de cuidados. Conforme
veremos a seguir, esta multiplicidade ultrapassa em muito a dicotomia vigente entre
público com sendo sinônimo de estatal e privado como sendo sinônimo de mercado,
modo predominante como tem sido concebida a conformação do sistema de saúde.
Ao priorizar a experiência dos usuários e ao sistematizar suas concepções e
escolhas acerca do processo saúde/doença/cuidados foi possível não só ampliarmos
a noção de arranjos técnicos assistenciais como também mostrar a relevância de
que se leve em conta às subjetividades dos sujeitos nas políticas e na gestão. Esta
talvez seja uma das principais contribuições deste trabalho.
2 AS CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOANTROPOLOGIA PARA A GESTÃO
2.1 A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO E MODELO ASSISTENCIAL: UMA
DISCUSSÃO ACERCA DA PLURALIDADE DOS SISTEMAS DE CUIDADOS E A
IMPORTÂNCIA DOS ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS
O Sistema Único de Saúde/SUS não conseguiu, até hoje, garantir a
universalidade de acesso, e o setor de saúde suplementar tem ocupado um papel
significativo na oferta e prestação de serviços no país. Essa situação torna
necessário o desenvolvimento de estudos que contribuam para o entendimento da
atual conformação do sistema de saúde brasileiro em busca de uma maior
resolubilidade do conjunto da rede de serviços e da formulação de uma política
regulatória mais abrangente.
A avaliação do SUS tem leituras diferenciadas conforme o agente social que a
faz e segundo a região geográfica do país. A questão da universalização e do
acesso aos serviços tem gerado muitos debates resultando no que Fleury (1994)
chamou de um “Estado, sem cidadãos”, com a convivência íntima e contraditória dos
17
sistemas públicos e privados. Para a autora, as mudanças do modelo de seguridade
social ocorrido no Brasil a partir da Constituição de 1988 caracterizam uma reforma
universal com inclusão segmentada, ou seja, diversos "cidadãos" cobertos por
diversos benefícios sociais.
Numa análise setorial, Faveret e Oliveira (1990) já haviam assinalado esta
situação, denominando-a de “universalização excludente”. Ou seja, segundo os
autores, ao invés de um “welfare redistributivo” criou-se um padrão de “welfare
seletivo”, com uma articulação orgânica entre as políticas públicas e o crescimento
econômico do setor privado na área do financiamento e da prestação de serviços de
saúde.
Mendes (1993) foi um dos primeiros autores a apontar as mudanças operadas
na configuração do sistema de saúde brasileiro o qual, estimulado pela Previdência
social na década de 70, transitou do sanitarismo campanhista para o modelo
médico-assistencial privatista para chegar ao que o autor denomina de projeto neoliberal instalado a partir dos anos 80, apesar dos esforços da reforma sanitá ria .
Analisado sob o enfoque dos produtores de serviços, o modelo médico privatista
compreendia cinco subsistemas: um de alta tecnologia, um privado de atenção
médica supletiva, um privado contratado e conveniado moderno, um privado
contratado e conveniado tradicional e o estatal. Teria ocorrido com os produtores
privados, um fenômeno semelhante ao da exclusão dos usuários permanecendo
vinculados ao sistema público os setores tecnologicamente mais atrasados
definindo-se na década de 80 uma configuração final do modelo assistencial
brasileiro em três segmentos: o subsistema de alta tecnologia, o subsistema de
atenção médica supletiva e o subsistema público.
Este mesmo autor ao analisar mais recentemente os problemas das reformas
dos sistemas de saúde contemporâneos e em particular àqueles que se referem ao
SUS, continuou a destacar os dilemas da segmentação do acesso e da integração
dos serviços como questões seminais a serem superadas. Reatualizou a
classificação acima, agora sob o enfoque do financiamento, dividindo o sistema
brasileiro em três segmentos: o Sistema de Desembolso Direto/SDD, o Sistema de
Atenção Médica Supletiva/SAMS e o Sistema Único de Saúde/SUS. Assinala
problemas decorrentes de sistemas fragmentados os quais denomina sistemas do
tipo Hood Robin, marcados por iniqüidades. Uma das causas dessas iniqüidades é a
18
sobreposição unilateral de demanda entre os três segmentos: enquanto a população
pobre só tem acesso ao SUS, os usuários do SAMS e do SDD podem
constitucionalmente utilizar o sistema público. E isto se dá, em geral, para exames
mais sofisticados, procedimentos e medicamentos mais custosos (MENDES, 2001).
Em 1998 estimava-se que o sistema público garantia a cobertura de 75% da
população com os serviços hospitalares garantidos principalmente através de
prestadores privados (80%) e 75% da assistência ambulatorial sendo fornecida por
serviços próprios da rede pública (OPS, 2006).
Aciole (2006) realizou o que chama de uma cartografia do público e do
privado no setor saúde no Brasil. Inicia seu estudo com uma ampla revisão acerca
desses dois conceitos que fazem parte de pares de opostos que costumamos
encontrar no campo da saúde coletiva, preventivo/curativo, rede básica/hospital,
saúde pública/medicina, público/privado, assumindo este último significados muitas
vezes permeados por clichês (ineficiência vs eficiência, por exemplo). Recorre ao
trabalho de Arendt (1999) para mostrar que a separação entre esfera pública e
privada surgiu na Grécia, sendo a primeira ligada ao exercício da vida política na
polis representando a esfera da liberdade a qual tinham acesso os homens livres; a
segunda diz respeito à esfera da necessidade e referia-se a casa, ao trabalho e a
família. No decorrer da história da humanidade o desenvolvimento da esfera pública
ocorrerá intrinsecamente ligado ao desenvolvimento do capitalismo e da constituição
do Estado moderno. Assim, embora público seja associado a tudo que é estatal e
privado ao mercado, o autor mostra que Estado e mercado são inseparáveis na
constituição de cada formação social. Além disso, o termo público também se
vincula a noção de bem comum, de interesse coletivo, de opinião pública, enquanto
que privado significa o interesse particular, o individual.
Argumenta que apesar da aparente distinção entre um subsistema estatal
(público) e um subsistema privado no Brasil, interessa examinar o conjunto de
estabelecimentos, equipamentos e profissionais que permitem garantir a oferta de
serviços para a população, de modo a identificarmos diversos graus de
imbricamentos e de interdependência. Mostra o crescimento do número de
estabelecimentos de saúde a custa de unidades de atenção básica do setor público
que representavam em torno 70% desses estabelecimentos em 2002. Nota-se assim
um predomínio dos estabelecimentos públicos em torno da não especialização,
19
ocorrendo o oposto no setor privado.
Além deste, dois outros aspectos nos parecem importantes de serem
destacados desse trabalho: o papel dos diferentes agentes financiadores na receita
dos prestadores e o panorama da oferta de equipamentos de média e alta
complexidade. No primeiro caso, o tipo de financiador é dividido pela base censitária
da Assistência Médica Sanitária no SUS, plano próprio, terceiros e particular, sendo
possível que essa última categoria englobe pagamentos feitos pela modalidade de
seguro. Assim, em 2002 o SUS foi responsável pelo financiamento de 39% dos
estabelecimentos com internação, ficando 56% por conta de terceiros e particulares
(27% e 29%, respectivamente). No caso dos Serviços de Apoio Diagnóstico e
Terapia/SADT cresce a participação do setor privado que somada atinge 78%,
ficando o SUS com apenas aproximadamente 18%.* 1 Estes valores não mostram
mudanças importantes para a região sul.
No que diz respeito aos equipamentos, além de profundas desigualdades
regionais, o setor público apresenta déficits sugerindo problemas no acesso em
alguns procedimentos. Assim, por exemplo, estavam disponíveis para o SUS apenas
34.5% dos mamógrafos e 43% dos tomógrafos existentes no país. No entanto, 80%
dos equipamentos de hemodiálise foram considerados nessa condição mostrando a
existência de áreas com maior dependência do SUS em função de particularidades
da oferta e da necessidade de grandes investimentos econômico-financeiros
(ACIOLE, 2006, p. 304). Quanto aos médicos, estes se caracterizam por uma
inserção transversal nos dois subsistemas. Mas para o autor, o que importa é termos
em mente que nesses dois espaços atuam atores sociais alocados em esferas
específicas como o Estado e o mercado onde perseguem projetos próprios. Tais
projetos se expressam em práticas e numa oferta de serviços técnico-assistenciais
em permanente tensão determinada pela existência de uma lógica que decorre da
existência de duas categorias subjacentes distintas, a do consumidor e a do
cidadão. Assim afirma:
Práticas que, muito em função de tais delimitações territoriais, ganham
significados opostos, antípodas, a que vamos buscar o encontro de
elementos e relações de dependência e de interfaces dialéticas, cuja
materialidade se realiza no interior mesmo da sociedade. Dependência e
1
Percentuais calculados por nós a partir dos números absolutos da tabela intitulada “Estabelecimentos de
saúde, segundo tipo de atendimento, por financiador de serviços e região. Brasil, 2002”, Fonte :IBGE, Pesquisa
AMS la existência de uma lógica
20
interfaces completamente rearranjadas na cena atual das transformações
políticas e sociais que incorporam novas regulamentações, à luz dos
códigos de defesa do consumidor e da regulamentação dos planos privados
de saúde ( ACIOLE, 2006, p. 119-120).
Ao longo da década de 90, um conjunto de trabalhos foi publicado
focalizando, principalmente, a caracterização econômica do referido setor e os
aspectos referentes à sua regulação (BAHIA, 2001; MS/ANS, 2002). Já em
consonância com a atual proposta de qualificação da saúde suplementar, a ANS
fomentou a realização de duas pesquisas, visando o estudo dos modelos
assistenciais e da regulação praticada pelo próprio mercado de planos de saúde. Foi
utilizada uma metodologia qualitativa com o estudo de sete operadoras, tendo sido
realizadas um total de 89 entrevistas (dirigentes, prestadores hospitalares, médicos,
odontológicos, “call centers” e Procons) em São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e
Belo Horizonte. A investigação tomou por base os princípios de atenção integral,
humanização, estabelecimento de vínculo e resolubilidade das práticas de saúde.
Os resultados desses estudos, com uma contextualização geral dos planos,
foram publicados recentemente (BRASIL , 2005). Fornecem um panorama do
mercado atual, descrevendo e analisando as estratégias de microregulação junto
aos prestadores médicos e hospitalares. Estas estratégias se caracterizam pelo
direcionamento da clientela, disciplinamento das práticas e pelo controle do
consumo.
Visando uma aproximação ao cotidiano assistencial, a referida pesquisa
trabalhou também com a construção de linhas de cuidado, entendidas como:
[...] a articulação ou a facilitação do acesso ao conjunto de serviços
ambulatoriais ou hospitalares, aos cuidados de especialistas médicos ou de
outros profissionais de saúde (psicólogo, fisioterapeuta, enfermeiros, e
outros) e, as tecnologias de diagnóstico e tratamento capazes de contribuir
para a integralidade do cuidado que as pessoas necessitam (B RASIL, 1995,
p.123).
Foi dada ênfase a três linhas de cuidado: ao paciente cardiológico em
situação de infarto agudo do miocárdio, cuidado ao parto e cuidado ao paciente
pediátrico, e os dados do estudo mostraram uma similaridade muito grande do
cuidado oferecido na saúde suplementar com as demais práticas realizadas no
sistema de saúde como um todo. Os autores concluíram que o modelo de
21
assistência da saúde suplementar assentava-se na fragmentação dos serviços, na
ênfase em procedimentos orientados por diretrizes biologicistas e por interesses de
mercado. Entre os aspectos apontados para a reorganização da assistência estão a
integralidade do cuidado, as produções de vínculo e as responsabilizações, como
estratégias capazes de impactar a micropolítica dos processos de trabalho e os
desenhos institucionais para a oferta de ações e serviços.
O presente estudo visa dar continuidade a esta perspectiva de estudos
complementando o conhecimento sobre linhas de cuidado, com a peculiaridade de
enfocar a esfera micro-social através da perspectiva ou do mapeamento da
experiência dos usuários dos serviços.
A expressão “modelo assistencial ou modelo de atenção à saúde”, é utilizada
no campo da saúde coletiva para caracterizar o conjunto de estruturas, práticas
profissionais, conhecimento e tecnologias disponíveis sobre o cuidado no processo
saúde-doença e os modos de organização de serviços e do trabalho em saúde, que
são formalmente institucionalizados e legalizados em uma sociedade histórica dada.
Para Teixeira (2000) um modelo de atenção à saúde expressaria formas de
organização das relações entre sujeitos (profissionais de saúde e usuários)
mediadas por tecnologias (materiais e não materiais) utilizadas no processo de
trabalho em saúde, cujo propósito é intervir sobre problemas (danos e riscos) e
necessidades sociais de saúde historicamente definidas.
Para Campos (1992) modelo assistencial e modo de produção de serviços de
saúde podem ser usados como sinônimos e têm um sentido amplo envolvendo uma
“dimensão concreta (recursos financeiros, materiais, força de trabalho)” e também,
as “tecnologias e modalidades de atenção”. Ambos articulam-se “de maneira a
constituir uma dada estrutura produtiva e certo discurso, projetos e políticas que
assegurem a sua reprodução social” (CAMPOS, 1992, p. 38). Tal como Aciole,
(2006) aponta o caráter plural do modelo assistencial lembrando que diversas
formas de produção de serviços podem coexistir numa mesma sociedade.
Argumenta, no entanto, que essa co-existência é mais complexa do que uma bipolaridade mencionando que podem co-existir, no mesmo momento histórico, vários
modelos tais como: “clínico ou epidemiológico, estatal ou privado, produção de
serviços segundo a lógica do trabalho liberal ou assalariado, da pequena produção
22
ou de empresas”, configurando-se assim diferentes projetos tecnoassistenciais de
grupos ou atores sociais em disputa (CAMPOS 1992, p. 37).
Pretende-se demonstrar a importância de que se acrescente a este debate a
contribuição do referencial da antropologia, o qual também mostra a existência de
uma pluralidade de sistemas de cuidados à saúde, ainda que sob uma perspectiva
diversa (HELMAN,1994; KLEINMAN, 1980; LANGDON, 1994; OLIVEIRA, 2005).
Para esses autores a doença “é concebida, em primeiro lugar, como um processo
experiencial cujo significado é elaborado através de episódios culturais e sociais e,
em segundo lugar como um evento biológico” (LANGDON, 1994, p. 9; KLEINMAN,
1980).
Para Kleinman (1980, p. 24) o conjunto de crenças e teorizações sobre saúde
e doença, os modelos de organização dos serviços, as escolhas e avaliação de
práticas terapêuticas e os comportamentos socialmente aceitos, incluindo relações
de poder e papéis sociais dos diversos agentes no âmbito do setor, constituem, em
cada sociedade, um “sistema cultural”. Este sistema cultural inclui “significados
simbólicos ancorados em arranjos particulares de instituições sociais e padrões de
interações interpessoais”.
Para este mesmo autor, cada sistema de saúde é cultural e socialmente
delimitado e composto por três subsistemas sobrepostos: o informal (popular sector envolve família, comunidade, rede de amigos, grupos de apoio e auto-ajuda), o
popular (folk sector - envolve agentes especializados em tratar problemas de saúde,
sejam seculares ou religiosos, mas que não são profissionais reconhecidos
legalmente na sociedade) e o subsistema profissional (professional sector - rede de
serviços públicos e privados legalmente instituídos em cada sociedade, incluindo os
profissionais de saúde legalmente reconhecidos e com poder para diagnóstico,
prescrição terapêutica e realização de cuidados).
As pessoas e suas famílias buscam atenção à saúde nestas três esferas sem,
necessariamente, seguir um mesmo sentido de percurso ou hierarquia. Nos
processos de saúde-doença-cuidados, trillham caminhos denominados por Augé
(1986) de “itinerários terapêuticos”. Tais caminhos percorridos na busca de soluções
para problemas de saúde são, em geral, pouco conhecidos ou relegados a um
segundo plano, não sendo um tema prioritário durante a formação dos profissionais
23
das áreas de saúde e, também pouco presentes nas preocupações dos
pesquisadores e gestores. No entanto, o conhecimento dessas experiências e
trajetórias pode ser particularmente importante, por exemplo, nas doenças crônicas
onde a abordagem envolve uma complexidade de recursos, em diversos níveis do
sistema de atenção. Este conhecimento pode contribuir em situações que envolvem
risco de vida em que o aparato tecnológico disponível é de alto custo e com
resultados discutíveis, bem como em situações que envolvem debates sobre o
sofrimento e o sentido da vida.
Além disso,
dar atenção aos processos interativos que se desenrolam nas situações de
doença e cura mostra-se especialmente relevante nos estudos voltados
para contextos médicos plurais, em que os indivíduos percorrem diferentes
instituições terapêuticas e utilizam abordagens por vezes bastante
contraditórias para diagnosticar e tratar a doença (ALVES; RABELO;
SOUZA, 2004, p. 15).
Também se constitui numa conduta teórico-metodológica prudente no sentido
formulado por Santos (2004), pois a maneira de buscar novos horizontes nas
ciências seria dada pelo diálogo entre as diversas razões com processos
sistemáticos que traduzam e articulem lógicas diferentes.
2.2 A AVALIAÇÃO DE SERVIÇOS E A PERSPECTIVA DOS USUÁRIOS
A revisão teórica da pesquisa em avaliação mostra um grande número de
conceitos, atributos e metodologias. Para fins deste estudo, adotamos o conceito de
Contandriopoulos
et
al.
(1997,
p.
31)
para
os
quais
“avaliar
consiste
fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção”.
Ao adotarmos este conceito assumimos necessidade de que se considere a
subjetividade e os aspectos culturais intrínsecos a noção de valor. Na tarefa de
avaliar, a noção de “juízo” mescla -se com a aparente objetividade da noção de
“medida”, tendo sido a preocupação com esta última a que tem predominado. A
omissão em tratar a questão dos valores tem minimizado a importância de
reconhecermos a existência de diversos olhares sobre a mesma realidade e a
necessidade de integrá-los.
24
Silva e Formigli (1994, p. 81) sugerem que as características das práticas de
saúde e de sua organização social, objetos de estudos de avaliação, podem ser
agrupados da seguinte forma: relacionados com a disponibilidade e distribuição
social dos recursos (cobertura, acesso, eqüidade); relacionados com o efeito das
ações
(eficácia,
efetividade,
impacto);
relacionados
com
os
custos
(eficiência);relacionados com a adequação das ações ao conhecimento técnico e
científico vigente (qualidade técnico-científica); relacionados à percepção dos
usuários sobre as práticas (satisfação, aceitabilidade). Todas essas propriedades ou
atributos referem-se a características da qualidade das práticas e da sua
organização, por isso, o termo avaliação de qualidade tem tido maior difusão, nos
últimos tempos.
Do ponto de vista metodológico, o modelo de avaliação inspirado na teoria
sistêmica, proposto por Donabedian (1984), é um dos mais conhecidos na área,
composto pela análise da estrutura (recursos), dos processos (atividades) e dos
resultados, de um programa ou sistema de saúde, relacionando-os também entre si.
A estrutura diz respeito às características relativamente estáveis dos serviços,
incluindo os recursos disponíveis e o contexto físico e organizacional. A estrutura
determina o potencial do sistema. Já a avaliação do processo mostra como o
sistema realmente funciona, através da interação entre os prestadores e os usuários.
No que concerne aos prestadores, são quatro os componentes a serem avaliados:
reconhecimento do problema, formulação do diagnóstico, gestão e seguimento.
Quanto aos usuários, diz respeito, à utilização, aceitação, compreensão e
participação nos serviços. Mas, segundo o próprio Donabedian (1984) existem
problemas e insuficiências quando a avaliação considera apenas um desses
elementos que compõem o modelo. Sugere que uma boa estratégia para avaliação
da qualidade requer a seleção de um conjunto de indicadores representativos da
estrutura, do processo e de seus resultados.
De fato, pelo menos três tendências importantes podem ser identificadas no
campo da avaliação: um movimento no sentido da construção de matrizes
integradas, o esforço de se obter indicadores que possam ser sensíveis a ações
específicas dos serviços e a necessidade do crescente envolvimento dos
interessados nos processos avaliativos, sejam os usuários ou os “tomadores de
decisão”.
25
Num extenso trabalho feito no âmbito do projeto de Desenvolvimento de
Metodologia
de
Avaliação
do
Desempenho
do
Sistema
de
Saúde
Brasileiro/PROADESS foram revisadas as propostas existentes na Organização
Mundial
da
Saúde,
na
Organization
for
Economic
Co-Operation
and
Development/OECD, no Reino Unido, no Canadá, na Austrália e nos Estados
Unidos. As dimensões incluídas na matriz sugerida estão organizadas em quatro
grupos
de
indicadores:
determinantes
(ambientais,
socioeconômicos,
comportamentais e biológicos), condições de saúde (morbidade, estado funcional,
bem-estar, mortalidade), estrutura do sistema (condução, financiamento, recursos) e
desempenho (efetividade, acesso, eficiência, respeito aos direitos, aceitabilidade,
continuidade, adequação e segurança). Essas dimensões devem ser levadas em
conta em seu conjunto sendo a equidade considerada como um eixo cuja medida
perpassaria todas elas. Os indicadores de desempenho referentes às dimensões
respeito aos direitos, aceitabilidade e continuidade implicam em conhecer as
percepções dos usuários e da população necessitando, em geral, de estudos
específicos (FIOCRUZ, 2003).
Campbell, Roland e Buetow (2000) também realizaram uma revisão
internacional de matrizes de avaliação apontando para a importância de que se
estabeleça a diferença entre o nível individual e o nível coletivo do conceito de
qualidade. Em nível individual a qualidade é percebida como adequada quando se
obtém cuidado resolutivo quando dele necessitamos (acesso e efetividade das
ações). Na dimensão coletiva, o interesse seria outro, sugerindo que a qualidade
seja julgada em termos de equidade e custos.
O atual programa de qualificação implementado pela ANS (BRASIL, 2005)
compreende a avaliação de quatro dimensões, monitoradas através de indicadores
específicos fornecidos pelas operadoras: qualidade da atenção à saúde (impacto
nas condições de vida), econômico-financeira, estrutura/operação e satisfação.
Referenciam o trabalho de Kessner (apud BRASIL, 1997) que sugere o uso de
‘traçadores” ou marcadores para avaliação da qualidade. Este método tem como
premissa que alguns problemas específicos de saúde podem ser úteis para a análise
da prestação de serviços e da interação entre prestadores, usuários e o ambiente. O
Ministério da Saúde, já faz uso desta metodologia ,tendo organizado uma lista de
marcadores específicos para o monitoramento do Programa de Saúde da
26
Família/PSF, que integram o Sistema de Informações da Atenção Básica/SIAB
montado para seu acompanhamento gerencial.
Quanto à dimensão satisfação, esta é definida como sendo a identificação da
visão do usuário quanto ao cumprimento do estabelecido no contrato com a
operadora (BRASIL , 2005). Embora o documento cite que apenas 4% dos clientes
insatisfeitos reclamem, o índice de reclamações que geram auto de infração junto à
Agência foi estabelecido como um indicador de satisfação dos beneficiários na
primeira fase de implantação desse programa. Nas fases subseqüentes prevê-se a
complementação com pesquisas nacionais de satisfação e levantamentos junto aos
Procons.
Foi a partir do final dos anos 70, num contexto de transformações
econômicas, políticas e culturais tanto na Europa como nos USA, que cresceu o
interesse pela satisfação dos indivíduos em relação aos cuidados dispensados,
proporcionando-lhe um novo lugar na avaliação dos serviços de saúde (PRÉVOST;
FAFARD; NADEAU, 1998).
Satisfação do paciente ou do usuário pode ser definida como “as avaliações
positivas individuais de distintas dimensões do cuidado à saúde” (LINDER-PELZ,
1982) e existem vários modelos para realizar esta medida, mas todos têm como
características comuns as percepções do paciente sobre suas expectativas, valores
e desejos (LINDER- PELZ, 1982; WILLIAMS, 1994; DE SILVA, 1999).
Segundo Ware et al. (1983) a medida da satisfação dos usuários é uma
avaliação pessoal dos cuidados e dos serviços de saúde que são dispensados.
Outros autores, como Donabedian (1980) e Pascoe (1983), consideram que a
satisfação pode ser vista pela reação que os usuários têm diante do contexto, do
processo e do resultado global de sua experiência relativa a um serviço.
Para Donabedian (1984), a noção de satisfação do paciente é um dos
elementos da avaliação da qualidade em saúde a ser complementada com a
avaliação do médico e a da comunidade. Reforçando este postulado, Favaro e Ferris
(1991) mostraram que a perspectiva do usuário, abordada através da sua satisfação,
implica num julgamento sobre as características dos serviços e fornece informação
essencial para completar e equilibrar a qualidade da atenção. Da forma como foi
desenvolvido por Donabedian, o conceito de qualidade permitiu avançar no sentido
27
de incorporar uma participação leiga – a dos pacientes – na definição de padrões e
nas medidas da qualidade dos serviços. Consequentemente observou-se um
protagonismo cada vez maior dos usuários e a idéia de satisfação do paciente como
um atributo da qualidade tornou-se um objetivo em si e não somente uma garantia
de continuidade do tratamento ou um meio de interferir na sua eficácia por uma
maior adesão a ele, como freqüentemente vinha sendo abordada (SHAW, 1986;
VUORI, 1987; WILLIAMS, 1994).
Gradativamente um variado conjunto de pesquisas tomou como objeto de
estudo a “satisfação do usuário”, visando conhecer a opinião dos consumidores de
serviços de um modo geral, públicos ou privados. Foi a partir desse momento que os
estudos de avaliação em saúde passaram a utilizar o termo “usuário” (VAITSMAN;
ANDRADE, 2005).
De um modo geral, fatores relacionados à satisfação incluem características
sócio-demográficas, status físico e psicológico; atitudes e expectativas sobre a
estrutura, o processo e resultados do cuidado (AHARONY; STRASSE,1993).
Não há consenso sobre quais resultados são mais fortes para influenciar a
satisfação. Diferentes estudos apontam depender do tipo de cuidado oferecido e do
contexto no qual a satisfação do paciente é estudada, mas não se encontrou ainda
uma correlação simples e direta entre satisfação e melhoria nos resultados.
Pacientes satisfeitos parecem mais permeáveis em aderir aos tratamentos, mas por
outro lado, a satisfação também pode ser vista como um antecedente causal do
comportamento de melhora (AHARONY; STRASSE,1993).
Um trabalho recente foi feito por Gerschman et al. (2007) avaliou a satisfação
de beneficiários de planos de saúde de hospitais filantrópicos nos estados de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais através do uso de grupos focais. As razões
referidas para satisfação foram o acesso, a hotelaria e a privacidade percebida como
um privilégio em relação ao SUS. Os motivos de insatisfação foram demoras na
marcação de consultas, restrições a tratamentos, procedimentos e internações e a
“mistura com o SUS”.
Do ponto de vista metodológico, a literatura oferece distintas perspectivas na
abordagem da satisfação. Parasuraman (1990) desenvolveu uma das metodologias
mais conhecidas para avaliar serviços privados de diferentes naturezas, através da
28
avaliação de cinco dimensões do atendimento – agilidade, confiabilidade, empatia,
segurança
e
tangibilidade. Donabedian (1984; 1990), utilizou a categoria
aceitabilidade - que significa o grau de conformidade dos serviços oferecidos em
relação às expectativas e aspirações dos pacientes e seus familiares.
As propostas destes dois últimos autores têm semelhança conceitual, ao se
relacionarem as expectativas que podem ter sido atingidas ou não. Além disso, a
dimensão da aceitabilidade contempla elementos tais como condições de
acessibilidade ao serviço, relação médico-paciente, adequação das dependências e
instalações, preferências em relação aos efeitos e custos do tratamento e tudo
aquilo que o paciente considera justo ou equânime. Estas variáveis podem
influenciar de forma mais direta na definição e avaliação da qualidade dos serviços
de saúde.
Interessa para este estudo, a visão de Pascoe (1983) da satisfação do
paciente, considerada como uma avaliação da atenção recebida. Esta avaliação é
uma comparação de características de destaque da experiência de cuidados de
saúde dos indivíduos com um padrão subjetivo, implicando, portanto, atividades
psicológicas (no campo perceptual) de ordem cognitiva e afetiva, engajadas em um
processo comparativo entre a experiência vivida e critérios subjetivos do usuário
(TRAD et al., 2002).
O padrão subjetivo usado pelos indivíduos para julgar o cuidado de saúde
experimentado pode ser uma, ou a combinação das seguintes dimensões: um ideal
subjetivo de atenção, uma percepção subjetiva ou uma noção de atenção merecida,
uma média da experiência passada em situações similares ou algum nível subjetivo
de qualidade minimamente aceito (AHARONY; STRASSE, 1993).
Dilemas metodológicos se apresentam de forma importante quando se
pretende mensurar a satisfação, advindos de muitos problemas conceituais e
operacionais, como por exemplo, em que momento do atendimento o usuário deve
ser abordado, que tipo de pergunta e de escala utilizar e o quê exatamente avaliar
(AHARONY; STRASSE, 1993).
Frequëntemente as críticas às pesquisas de satisfação recaem sobre o
aspecto subjetivo da categoria “satisfação”, que sofre influência de grande variedade
de elementos determinantes, tais como o grau de expectativa e exigências
29
individuais em relação ao atendimento e características individuais do paciente,
como idade, gênero, classe social e estado psicológico (SITZIA ; WOOD, 1997).
Explicações sócio-psicológicas têm sugerido que os níveis de satisfação são
moldados por diferenças entre as expectativas dos pacientes sobre o serviço e a
atenção
recebida
(ATKINSON, 1993).
Entretanto,
pesquisas
recentes
têm
demonstrado que a expectativa é um conceito deveras complexo, assim como a
ausência dela, como, por exemplo, quando há possibilidade dos pacientes terem
aprendido a diminuir as suas expectativas quanto à atenção oferecida, ou quando
um serviço que tenha recebido uma boa avaliação for resultado de uma baixa
capacidade crítica dos usuários, ou o contrário (AHARONY; STRASSE, 1993).
Calnan (1988) sugere que uma aproximação mais frutífera seria examinar as
razões ou motivos por busca de cuidados ao invés de explorar expectativas. Outra
questão presente no debate, diz respeito a que os estudos de avaliação da
satisfação do usuário têm focado, de uma maneira geral, a medida do nível de
satisfação com o serviço prestado, sem um esforço de contextualização cultural. São
utilizados escalas e questionários que abordam um sem número de questões,
incluindo estrutura, funcionamento e avaliação do serviço de saúde pelo usuário.
(ATKINSON, 1993; WIL LIAMS, 1994). São comuns perguntas sobre satisfação ou
insatisfação, fechadas e do tipo dicotômicas, que são relativas à experiência do
usuário, mas excluem o exame das crenças, modos de vida e concepções do
processo saúde-doença, elementos que reconhecidamente exercem influência sobre
as formas de utilização dos serviços.
Com fins de superar essas limitações, novos caminhos foram trilhados e a
necessidade de desenvolver aproximações qualitativas de investigação, que
levassem em conta a subjetividade dos usuários foram incorporadas (AHARONY;
STRASSE, 1993; TRAD et al., 2002).
Nesse sentido, as metodologias que incorporam a visão do usuário são vistas
como parte de um paradigma no qual se reafirmam princípios relativos a direitos
individuais e de cidadania, tais como expressos nos conceitos de humanização e
direitos do paciente (VAITSMAN; ANDRADE; GRB, 2005).
3 OBJETIVOS E METODOLOGIA
30
3.1 OBJETIVOS
O objetivo geral da pesquisa foi analisar os percursos de usuários do subsistema
de assistência médica suplementar em capitais da região sul do país face à experiência
de saúde-doença-cuidados. Este objetivo foi desdobrado em três objetivos específicos:
caracterizar o contexto sócio-econômico, demográfico, epidemiológico e a oferta de
serviços nos municípios analisados; descrever o percurso referido nas linhas de
atenção à saúde em obstetrícia, saúde mental, cardiovascular e oncologia, no que diz
respeito aos diferentes serviços e sistemas de cuidados à saúde utilizados; identificar as
percepções e experiências em relação ao processo saúde-doença, às suas escolhas
terapêuticas e à qualidade da atenção recebida.
3.2 TIPO DE ESTUDO
Consistiu em um estudo de tipo qualitativo construído a partir de dados coletados
em entrevistas e em fontes secundárias. Foram realizadas entrevistas semi -estruturadas
com usuários do subsistema de saúde suplementar nas três capitais da região sul - Porto
Alegre, Florianópolis e Curitiba; e, para a caracterização do contexto nas capitais e
escolha dos marcadores foram utilizados dados secundários provenientes do DATASUS
(Indicadores e Dados Básicos/IDB) bem como de documentos obtidos junto a gestores
das operadoras ou do SUS, além de informações complementares provenientes de
entrevistas realizadas com estes agentes.
A unidade de análise foram beneficiários de planos de saúde, portadores das
situações marcadoras 2 que receberam cuidados em uma das áreas selecionadas.
Na condução da pesquisa todos os aspectos éticos nos termos da resolução 196/96
do Conselho Nacional de Saúde, foram respeitado incluindo a liberdade de
participação e o anonimato dos sujeitos com base no consentimento livre e
esclarecido (APÊNDICE I). Foi definida uma amostra inicial de 10 a 15 entrevistas
por situação marcadora e por cidade, constituindo-se um universo de 120 a 180
2
Situação marcadora está definida no item 4.3
31
sujeitos, utilizando-se como critério de suficiência a saturação dos dados.
3.3 DEFINIÇÃO DAS SITUAÇÕES MARCADORAS NAS QUATRO LINHAS DE
CUIDADO
Situação marcadora é entendida, neste trabalho, como um agravo ou
condição de saúde que expondo o beneficiário ao uso de serviços permite descrever
aspectos relacionados com a qualidade do cuidado.
Os seguintes critérios foram considerados para escolha dessas condições:
importância
epidemiológica,
possibilidade
de
impacto
dos
serviços
e
comparabilidade com sistemas de avaliação nacionais ou internacionais (HUSSEY et
al., 2004) custos e continuidade com estudos de linhas de cuidado, anteriormente
realizados pela ANS. Além disso, foi realizada uma reunião com representantes da
ANS para aumentar a validade dessa escolha.
Assim, o câncer de mama foi selecionado como situação marcadora da linha de
cuidado em oncologia por ser a neoplasia de maior incidência e de maior mortalidade
no sexo feminino nas três capitais, onde representa também uma causa importante de
internações e custos (BRASIL, 2007a). Esta patologia está presente como indicador de
qualidade de serviços de saúde na bibliografia nacional e internacional, incluindo o
programa de qualificação da saúde suplementar devido a possibilidade do efeito
positivo dos serviços através da prática de rastreamento.
Quadro 1 - Câncer de mama: síntese de indicadores nos municípios de
Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre.
NEOPLASIA
MORTALIDADE*
INCIDÊNCIA**
INTERNAÇÕES***
CUSTOS CLÍNICOS
ASSISTENCIAIS (EM
INTERNAÇÕES)***
32
Mama
Florianópolis
Mama
Curitiba
Mama
Porto Alegre
1º. entre as mulheres
que morreram por
câncer (15,91 óbitos
x100.000 mulheres); 3º
nas mortes por CA em
ambos os sexos (8,21
óbitos x100.000hab.)
1º. entre as mulheres
(exceto pele não
melanoma) (73,57 novos
casos de câncer de mama
por 100.000 mulheres,
correspondendo a um
total de 140 casos novos
no ano)
1º. em total de
internações entre
residentes de
Florianópolis (152
internações)
3º. em custos entre
residentes de Florianópolis
(R$ 99.069,05)
1º entre as mulheres
que morreram por
câncer(14,93 x100.000
mulheres); 4º nas
mortes por CA em
ambos os sexos (7,89
x100.000hab)
1º. entre as mulheres
(exceto pele não
melanoma) (77,88 novos
casos x100.000 mulheres,
correspondendo a um
total de 700 casos novos
no ano)
4º. em total de
9º. em custos entre
internações entre
residentes de Curitiba (R$
residentes de Curitiba 250.491,18 )
(373 internações)
1º. entre as mulheres
que morreram por
câncer (26,86
x100.000 mulheres); 3º
nas mortes por CA em
ambos os sexos (14,38
x100.000 hab.)
1º. entre as mulheres
(exceto pele não
melanoma) (146,83 x
100.000 mulheres,
correspondendo a um
total de 1.140 casos
novos no ano).
2º. em total de
internações entre
residentes de Porto
Alegre (612
internações)
6º. em custos entre
residentes de Porto Alegre
(R$ 382.061,86 )
* Ano analisado: 2004
** Ano analisado: 2006
*** Ano analisado: 2005
Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Instituto Nacional do Câncer (INCA) e
Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS ) (BRASIL, 2007)
Para a linha de cuidado na área cardiovascular selecionou-se o infarto agudo
do miocárdio, que constituiu na primeira causa de mortalidade quando analisados
ambos os gêneros nas três cidades. Considerando-se a letalidade hospitalar que
acarreta, o volume de internações hospitalares que produz e a sensibilidade a
tecnologias médicas hospitalares, vários estudos no Brasil e em nível internacional
têm utilizado esta patologia em programas de melhoria da qualidade, estudo de
padrões de qualidade para a assistência médica, avaliação tecnológica e qualidade
de sistemas de informação hospitalares, entre outros. Esta escolha teve
concordância nas três capitais de estudo, mas não foi coincidente com o marcador
sugerido pela ANS (Acidente vascular cerebral), o qual foi descartado por
dificuldades operacionais dentro do tempo disponível para o estudo e pelo fato da
não dar continuidade com pesquisas já realizadas.
Quadro 2 – Doenças do aparelho circulatório: síntese de indicadores nos
municípios de Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre.
AGRAVO
MORTALIDADE*
INTERNAÇÕES**
CUSTOS CLÍNICOS ASSISTENCIAIS
(EM INTERNAÇÕES)***
33
Infarto agudo do
miocárdio
Florianópolis
Infarto agudo do
miocárdio
Curitiba
Infarto agudo do
miocárdio
Porto Alegre
1º. quando analisados ambos os
sexos em conjunto (32,84
mortes x100.000hab.); 1º. entre
os homens (38,30 x100.000
homens) e 1º. entre as mulheres
(27,72 x100.000 mulheres)
5º. em total de
internações entre
residentes de
Florianópolis (237
internações)
2º. em custos entre residentes de
Florianópolis (R$ 516.416,07)
1º. quando analisados ambos os
sexo em conjunto (45,24 mortes
x 100.000hab.); 1º. entre os
homens (53,33 x100.000
homens) e 1º. entre as mulheres
(37,78 x100.000 mulheres)
3º. em total de
internações entre
residentes de Curitiba
(640 internações)
1º. em custos entre residentes de
Curitiba (R$ 2.783.852,49)
1º. quando analisados ambos os
sexo em conjunto (57,88 mortes
x 100.000hab.); 1º. entre os
homens (64,14 x100.000
homens) e 1º. entre as mulheres
(52,39 x100.000 mulheres)
3º. em total de
internações entre
residentes de Porto
Alegre (957 internações)
3º. em custos entre residentes de
Porto Alegre (R$ 1.927.654,71 )
* Ano analisado: 2004
** Ano analisado: 2005
*** Ano analisado: 2005
Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS)
(BRASIL, 2007a)
Para a linha de cuidado em obstetrícia selecionou-se o parto em função da
crescente preocupação com as elevadas taxas de parto cirúrgico, indicador que
integra o atual programa de qualificação da saúde suplementar. Essa escolha foi
coincidente com a opinião da ANS.
Quadro 3 - Freqüência absoluta e relativa dos tipos de parto realizados nos
municípios de Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre, 2005.
Tipo de parto
Numero
%
Florianópolis
Vaginal
2.430
50,24
Cesáreo
2.407
49,76
Total
4.837
100,00
Curitiba
Vaginal
11.262
44,68
Cesáreo
13.942
53,32
Total
25.204
100,00
Porto Alegre
Vaginal
10.867
55,63
Cesáreo
8.668
44,37
Total
19.535
100,00
Fonte: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) (BRASIL, 2007b)
Para a linha de cuidado na área de saúde mental selecionou-se alcoolismo
pelo impacto do problema e possibilidades de intervenção dos serviços. Outro fator
34
que justifica a escolha são os elevados gastos públicos e privados no tratamento de
pessoas com dependência de álcool, sendo que, em Florianópolis, é a primeira
causa de internação dentre os transtornos mentais. Esta escolha não foi coincidente
com a sugestão da ANS que mencionou interesse na escolha da esquizofrenia. Esta
foi descartada por dificuldades relacionadas à validade das informações,
considerando-se o enfoque deste estudo.
O quadro a seguir mostram a consolidação de dados relacionados com a
escolha desses marcadores, os quais incluem informações de custos e de
internações. No entanto, estas se referem unicamente ao SUS não tendo sido
possível obtê -las para a saúde suplementar.
Quadro 4 – Saúde mental: síntese de indicadores nos municípios de
Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre,
Agravo*
Florianópolis
Porto Alegre
Curitiba
Transtornos mentais e
comportamentos devidos ao uso de
álcool
Internações***
1,59
4,98
2,42
Transtornos mentais e
comportamentos devidos ao uso de
álcool
Custos***
370
737
2.335
Mortalidade (x100.000 habitantes)**
229.598,22
478.833,43
2.545.112,27
Transtornos mentais e
comportamentos devidos ao uso de
álcool
*Ambos os sexos
**Ano analisado: 2004
*** Ano analisado: 2005
Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações Hospitalares (SIHSUS) - (BRASIL, 2007a)
Os critérios adotados para inclusão na amostra foram guiados pela
possibilidade de que o portador da situação traçadora pudesse ter recebido um
conjunto suficiente de cuidados adequados para sua situação evitando-se, no
entanto, o viés de memória ou de valorização positiva, em especial para o caso do
35
parto. Assim sendo, definiu-se os seguintes critérios:
§
Câncer de mama: paciente portadores de câncer de mama diagnosticado
há no máximo cinco anos da data da entrevista; para aquelas com
diagnóstico recente, foram incluídas as que iniciaram o tratamento com
cirurgia, quimio e/ou radioterapia.
§
Alcoolismo: pacientes com diagnóstico realizado por profissional ou
serviço de saúde mental e em tratamento;
§
Parto: mulheres que deram a luz até no máximo 1 ano e meio da data da
entrevista;
§
Infarto Agudo do Miocárdio – pacientes com diagnóstico realizado em
serviço de cardiologia, até 1 (um) ano após o infarto.
3.4 PROCESSOS DE SELEÇÃO DA AMOSTRA
A amostra foi construída articulando-se três processos de amostragem
utilizados em pesquisa qualitativa: intencional, de conveniência e “bola de neve”. O
recurso à múltiplos processos foi necessário para atender a diversidade de cenários
e de contextos institucionais de um estudo desta amplitude além de inúmeras
dificuldades para obtenção de listas institucionais para acesso aos usuários.
Inicialmente foram escolhidas instituições (serviços e grupos de auto-ajuda)
que prestam cuidados de saúde nas 4 linhas definidas para esta pesquisa. Os
serviços ou grupos foram definidos considerando-se os critérios de conveniência e
intencionalidade. Conveniência – ser acessível aos pesquisadores e ter obtido
aprovação formal da instituição para a realização da pesquisa. Intencional instituições de referência para a atenção em cada linha de cuidado; cuidar de
usuários de planos de saúde; e, não limitar-se a uma população muito específica,
seja em termos de sexo, idade, situação sócio-econômica ou prestar atendimento
exclusivo aos beneficiários de um determinado plano de saúde.
Definidas as instituições, a seleção dos sujeitos da pesquisa iniciou pela
identificação de um informante-chave (profissional ou pessoas portadora do agravo
36
ou na situação de saúde em estudo), o qual indicou novos informantes, e assim
sucessivamente – amostragem por “bola de neve”. Outro procedimento utilizado foi a
obtenção, com o informante-chave, da listagem de usuários e, dentre estes, foram
escolhidos, intencionalmente, um grupo de potenciais entrevistados que atendessem
aos critérios definidos para os diversos marcadores. A seguir foi feito o primeiro
contato para obter o consentimento e agendar a entrevista.
As entrevistas foram realizadas nos meses de janeiro, fevereiro e março de
2007 após um período de preparação que compreendeu a seleção de instituições,
elaboração do roteiro de entrevista semi-estruturada (APÊNDICE II, III), realização
de pré-teste e treinamento de entrevistadores. Este processo de preparação
envolveu, também, o cumprimento dos trâmites exigidos para a formalização do
aceite das instituições onde foram realizadas as coletas de dados, com aprovação
pelas respectivas direções e/ou comitês/comissões de éticas. O projeto também foi
aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Regional Homero de Miranda Gomes, e
devidamente registrado no SISNEP (ANEXO 1). As entrevistas seguiram o roteiro
pré-definido e tiveram duração média de uma hora.
3.5 SELEÇÃO DOS SUJEITOS DE PESQUISA E COLETA DOS DADOS
3.5.1 Seleção dos sujeitos entrevistados na Linha de Cuidado Cárdio-Vascular,
marcador “Infarto Agudo do Miocárdio – IAM”
É importante registrar o pequeno número de entrevistas realizadas em Porto
Alegre, de modo que, os resultados desta linha de cuidado têm maior sustentação
na realidade de Florianópolis e Curitiba.
a) Florianópolis
A pesquisa foi desenvolvida nas instalações de uma prestadora de serviços
médico-hospitalares que atua nas áreas de cirurgia cardiovascular, cirurgia vascular,
cirurgia geral, cirurgia plástica, ginecologia, oftalmologia e cirurgia torácica. Realiza
procedimentos em todas as áreas da cirurgia cardiovascular, como cirurgias das
valvas cardíacas, cirurgias da aorta, casos de cardiopatia congênita e de patologias
associadas, sendo a revascularização do miocárdio o procedimento mais freqüente.
Tem convênio com algumas operadoras de saúde, mas trabalha predominantemente
37
com uma delas, que também predomina no município.
Foram entrevistados 18 usuários internados na enfermaria desta clínica, que
haviam sofrido infarto agudo do miocárdio recentemente e que concordaram em
responder à pesquisa, entre os meses de novembro e dezembro de 2006 e janeiro
de 2007.
b) Curitiba
Em Curitiba foram entrevistados 11 usuários de planos de saúde que
vivenciaram a situação de infarto agudo do miocárdio no período considerado e que
foram internados em dois hospitais de referência de cardiologia de Curitiba.
Os contatos com os pacientes foram realizados, em um dos hospitais, dentro
da unidade de terapia intensiva. No outro hospital, foram inicialmente realizados pela
gerente de enfermagem, que informou por telefone aos pacientes sobre a pesquisa,
obtendo sua anuência para as entrevistas domiciliares.
c) Porto Alegre
A coleta de dados desta linha foi realizada com os pacientes cadastrados no
Programa para Hipertensos e Diabéticos (Hiperdia) de uma Unidade Básica de
Saúde (UBS) constituída em convênio entre a Secretaria Municipal de Saúde e o
Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Há nesta unidade uma constante utilização dos
serviços por usuários de planos e seguros de saúde, principalmente para a retirada
de medicamentos.
O programa Hiperdia tem o objetivo de cadastrar todos os pacientes
hipertensos e diabéticos, a fim de planejar a dispensarão de medicamentos da
farmácia. Foram analisadas todas as 1600 fichas de cadastro, sendo selecionados
aqueles pacientes que atendiam aos critérios de inclusão do estudo, os quais foram
contactados e em caso de concordância, entrevistados em seus domicílios.
3.5.2 Seleção dos sujeitos entrevistados na Linha de Cuidado Materno Infantil,
marcador “Parto”
a) Florianópolis
As mães foram selecionadas por amostragem intencional, a partir da listagem
38
dos nascimentos ocorridos no município em 2006. Esta listagem consiste no banco
de dados do “Capital Criança”, um programa desenvolvido pela Secretaria Municipal
de Saúde.
Este programa realiza acompanhamento de todos os nascimentos ocorridos
em Florianópolis, por meio de uma visita pós-parto às mães ainda na maternidade.
Durante a visita, são realizadas orientações sobre os primeiros cuidados com o bebê
e distribuído um Kit contendo um termômetro, um sabonete, gazes e panfletos de
orientação, além de agendamento de consulta médica para o bebê, em uma das
unidades de saúde do município, mais próxima do local de residência da mãe. Prevê
acompanhamento pós-parto e puericultura para a mãe e o bebê.
Todas as mães visitadas nas maternidades de Florianópolis pelos agentes do
Capital Criança são cadastradas em fichas contendo dados do nascimento, tipo de
parto e se o mesmo foi financiado pelo Sistema Único de Saúde, (SUS), por
pagamento particular ou por cobertura de plano de saúde. Essas fichas são
arquivadas por mês.
Para esta pesquisa, selecionou-se o arquivo de fichas correspondente aos
meses de agosto e setembro de 2006, considerando que este período estaria dentro
dos critérios de seleção estipulado para a coleta de dados, tais como: mães que
tiveram filhos a menos de um ano, mas que não fosse muito próximo do parto ( para
evitar influências negativas ou emocionais deste evento nas respostas das
entrevistadas); ter aceitado participar da pesquisa; ter realizado o parto pelo plano
de saúde e buscar representatividade de todas as regiões de modo a evitar viés de
concentração em região específica (ANEXO II).
b) Curitiba
A seleção de mulheres nesta linha de cuidado ocorreu no Instituto da Criança,
que é um centro de atendimento voltado ao público infantil e que oferece pronto
atendimento com pediatras presentes diariamente das 8 às 22h. Dispõem de centro
cirúrgico com duas salas cirúrgicas e possui regime de hospital-dia, com
permanência de até 12 horas em apartamentos ou enfermarias, e oferece
atendimento em diversas especialidades médicas: pediatria, pneumologia e
alergologia
fisioterapia,
pediátrica,
psicologia,
cirurgia
pediátrica,
psicopedagogia,
dermatopediatria,
odontopediatria,
fonoaudiologia,
oftalmopediatria,
39
infectopediatria,
otorrinopediatria,
acupuntura
pediátrica,
suporte
nutricional,
cardiopediatria, ortopediatria e anestesia.
A clínica situa -se num bairro próximo à região central da cidade e atende uma
população vinda de diversos bairros da cidade por se tratar de uma clínica
especificamente pediátrica e que atende inúmeros planos de saúde.
As mulheres convidadas à participar do estudo foram mães que estavam
levando seu filho à consulta de puericultura. O acesso às agendas médicas foi
disponibilizado pela clínica. Assim, antes ou após as consultas, as mulheres eram
abordadas e convidadas a participar da pesquisa.
c) Porto Alegre
A coleta de dados desta linha foi realizada com as mulheres que acessaram a
Unidade Básica de Saúde Santa Cecília para realização de imunização e teste do
pezinho em seus bebês.
A Unidade Básica de Saúde (UBS) Santa Cecília é constituída pelo convênio
entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A
escolha da área de abrangência da UBS Santa Cecília como campo de coleta de
dados tem como justificativa a constante utilização dos serviços desta UBS por
usuários de planos e seguros de saúde.
A rede pública de assistência à saúde do município de Porto Alegre, de
acordo com o princípio de municipalização para o planejamento em saúde, está
dividida em distritos sanitários. Os distritos sanitários, em caráter políticoadministrativo, correspondem a uma área geográfica que comporta uma população
com características epidemiológicas e sociais, como necessidades e recursos de
saúde para atendê-la (SILVA et al. 2001).
O município de Porto Alegre está dividido em 16 distritos, estando a UBS em
questão, ligada ao Distrito Sanitário Centro, região que abrange os bairros com a
população de melhor poder aquisitivo (PORTO ALEGRE, 2006a). Sendo assim,
acredita-se que é nesta região onde se encontra a maior parte da população usuária
dos planos e seguros de saúde.
No Distrito Sanitário Centro, a UBS é tida com um dos serviços de refe rência
40
para toda a população do município na realização das imunizações e do teste do
pezinho, e no atendimento de pré-natal e puericultura para sua população adscrita
de mais de 40 mil usuários.
De acordo com o Programa de Vigilância Sanitária e Atenção Integral à
Saúde das Crianças Menores de um Ano (Prá-Nenê), a UBS Santa Cecília se
caracteriza como serviço de saúde responsável pela saúde das crianças nascidas na
sua área de abrangência, para isto esta unidade recebe o Relatório do Sistema de
Informação dos Nascidos Vivos (SINASC). Este Relatório é elaborado a partir das
informações contidas nas Declarações de Nascidos Vivos (DNVs), preenchidas no
momento do nascimento do bebê, em todos os serviços, públicos e privados, de
atendimento ao parto. Estas informações são referentes à identificação da mãe e do
local de nascimento, bem como características gerais da gestação e do nascimento
da criança. A UBS, ao receber este relatório, deve realizar uma visita ao domicílio da
puérpera, como o objetivo de saber em qual serviço de saúde a criança está sendo
acompanhada. Em 2006, na Gerência Distrital Centro 52,69% dos partos realizados
foram em hospitais privados, sendo que mais de 50% das crianças visitadas, pela
UBS, no ano de 2005, estavam em acompanhamento pelos serviços privados de
saúde (PORTO ALEGRE, 2006b).
3.5.3 Seleção dos sujeitos entrevistados na Linha de Cuidado Oncologia,
marcador “Câncer de Mama”
a) Florianópolis
A seleção dos sujeitos de pesquisa se deu a partir da lista de associados da
Associação Brasileira de Portadores de Câncer (AMUCC). A AMUCC é uma
associação sem fins lucrativa, com sede e foro na cidade de Florianópolis (SC) e
reconhecida oficialmente como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP) em 2005. Suas ações visam conscientizar as pessoas sobre a importância
do diagnóstico precoce do câncer e sua prevenção, além de dar assessoria jurídica
aos associados em ações relativas ao câncer. Promove, ainda, grupos de
compartilhamento, campanhas informativas, palestras, seminários e eventos anuais
de portadores de câncer.
41
A AMUCC se ocupa em assegurar os direitos dos portadores de câncer,
quanto ao acesso adequado ao diagnóstico, terapia de suporte e reabilitação, bem
como os concernentes à legislação trabalhista e previdenciária que os amparam;
além de ações educativas / informativas e apoio psicológico aos familiares e
portadores de câncer.
Em 2006, passou a fazer parte do Conselho Fiscal da Federação Brasileira de
Apoio a Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA), ficando,
assim, a entidade representando o Estado de Santa Catarina para todo o Brasil.
Após a autorização da AMUCC, para a realização da pesquisa, foi identificado
um informante chave na instituição que indicou mulheres com câncer de mama a
serem convidadas para participar da pesquisa. Utilizando-se a técnica “bola de neve”
para a seleção das participantes, após o primeiro contato, e ao final de cada
entrevista o pesquisador perguntava se a entrevistada conhecia e gostaria de indicar
outra mulher que teve câncer de mama nos últimos cinco anos para participar do
estudo. E, assim sucessivamente.
b)Porto Alegre
A coleta de dados desta linha foi realizada no Instituto da Mama (IMAMA).
O IMAMA do Rio Grande do Sul é uma instituição filantrópica, reconhecida como
OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que visa educar a
sociedade para a importância dos cuidados com a saúde da mama.
Atua em prol da conscientização para o diagnóstico precoce do câncer de
mama, mobilizando a sociedade para a importância dos cuidados com a saúde e dos
direitos que todo cidadão possui dentro do sistema público de saúde, constituindo-se
como articulador de políticas públicas para a saúde da mama.
O IMAMA desenvolve programas na área de educação, que visam
proporcionar a mudança cultural da sociedade a respeito da disseminação da causa
e programas na área de reabilitação, que visam auxiliar a mulher a superar a crise
frente ao diagnóstico do câncer, tanto física quanto psicologicamente, possibilitando
a reorganização da vida pessoal.
42
Na área de educação os programas são: oficinas de conscientização;
formação e treinamento de voluntários; educação continuada para profissionais da
saúde; bem como palestras e eventos.
Na área de reabilitação são oferecidos grupos de ajuda, visitação a
pacientes, banco de horas para psicanálise e para fisioterapia. Além disto, o
IMAMA dispõe de um banco de perucas, bem como convênios para descontos em
exames e próteses.
A coleta dos dados neste local foi realizada a partir do contato com as
psicólogas que conduziam os grupos de apoio. As pesquisadoras conversaram com
as mulheres que participavam dos grupos, sendo realizada as entrevistas após os
grupos, com aquelas que atendiam aos critérios de inclusão da pesquisa e que
consentiram em participar.
c) Curitiba
A Associação das Amigas da Mama (AAMA) foi fundada em agosto de 2001,
através da união de mulheres que vivenciaram o câncer de mama, que se
conheceram por meio do convívio durante o tratamento contra a doença. A
Associação das Amigas da Mama possui, entre suas atribuições:
•
Apoiar e ajudar as mulheres com vivência em câncer de mama,
compartilhando sentimentos e experiências diante do diagnóstico e do
tratamento;
•
Realizar visitas voluntárias a hospitais e clínicas;
•
Proferir palestras de prevenção em escolas, empresas e instituições;
•
Desenvolver atividades de cunho social e administrativo com suas
associadas e convidadas;
•
Realizar, dentro de suas possibilidades, projetos filantrópicos visando à
recuperação de mulheres com câncer de mama.
A AAMA desenvolve diversos projetos destinados às suas associadas, nos
quais são desenvolvidas atividades de apoio, de artesanato, música, orientação
jurídica e de divulgação de material referente à prevenção do câncer de mama.
43
3.5.4 Seleção dos sujeitos entrevistados na Linha de Cuidado Saúde Mental,
marcador “Alcoolismo”
A coleta de dados na Linha de Saúde Mental foi realizada a partir de contato
com grupos de Alcoólicos Anônimos (A.A.). O A.A. se autodefine como uma
Irmandade, sendo que a mesma existe em mais de cento e cinqüenta países do
mundo e possui cerca de noventa e sete mil grupos. Estes reúnem homens e
mulheres que através da troca de experiências pessoais com o álcool buscam
manter a sobriedade. Para isso, o A.A. mantém grupos que realizam reuniões com
dias e horários marcados e que se dividem em abertas, as quais são livres para a
comunidade geral e as fechadas, destinadas somente a pacientes em tratamento.
O grupo de Alcoólicos Anônimos tem como objetivo principal a recuperação
individual e a manutenção da sobriedade de seus participantes através do lema,
“evite o primeiro gole de 24 em 24 horas”. Para alcançar este objetivo são utilizados
os “doze passos” que norteiam o programa e as “doze tradições” que orientam sobre
as relações entre os membros e demais participantes, tanto dentro do grupo quanto
na comunidade. Embora os Alcoólicos Anônimos não se envolva com pesquisa,
seus membros podem participar de forma particular desta atividade. Nas três
capitais, para a pesquisa, contamos com alguns grupos de A.A.. Em Porto Alegre:
A.A. Unidade Central, A.A Sagrada Família e A.A. Só Hoje. Em Florianópolis: A.A.
Agronômica; A.A. Apoio e Liberdade; A.A. Campeche e A.A. Rio Vermelho. Em
Curitiba A.A. Cristo-Rei e o A.A. Central.
Estes grupos foram visitados após permissão da Coordenadoria Geral dos
A.A.s de cada capital, durante o período da coleta dos dados. As pesquisadoras
participaram de reuniões abertas em todos os grupos de A.A. selecionados na
pesquisa. Primeiramente foram expostos os objetivos da pesquisa, bem como os
critérios de inclusão da mesma. Após foi realizada a abordagem dos participantes de
forma individual, sendo agendadas as entrevistas com aqueles que consentiram em
participar e que atendiam os critérios de inclusão. A maioria das entrevistas foi
realizada em locais diversos aos das reuniões de AA, quando ocorreram no mesmo
local, estas aconteciam em horários próximos aos das reuniões. Usualmente havia
indicação de um entrevistado por outro, o que pode caracterizar a metodologia como
44
“bola de neve”.
Em geral não houve problemas com esta linha de cuidado. Finalizamos a
coleta quando foi atingida a saturação dos dados. Fomos muito bem recebidas pelos
Grupos de A.A., tanto pelos coordenadores de nível central quanto nas reuniões,
como pelos participantes de grupos.
3.6 CARACTERIZAÇÃO FINAL DA AMOSTRA
O quadro abaixo sintetiza as características gerais nas três capitais da região
sul do Brasil (Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre). Em entrevistas com um total
de131 usuários de planos de saúde em relação a vivência do processo saúdedoença-cuidados, em quatro linhas de cuidado relativas a um marcador em cada
linha, assim especificados: Saúde Mental – Alcoolismo; Cárdio-Vascular - Infarto
Agudo do Miocárdio - IAM; Oncologia - Câncer de Mama Saúde Materno Infantil –
Parto.
Quadro 5 – Caracterização Final da Amostra
Variáveis
Sexo
Feminino
Masculino
Cor da pele
Branca
Negra
Amarela
Ignorado
Escolaridade
Fundamental incompleto
Fundamental completo
Médio incompleto
Médio completo
Superior incompleto
Superior completo
Pós-graduação
Renda
Até 700,00
700,01 a 2.000,00
2.000,01 a 4.000,00
4.000,01 a 6.000,00
6.000,01 a 8.000,00
Acima de 8.000,01
Alcoolismo
IAM1
Câncer de
mama
Parto
Todas (%)
6
23
6
26
33
-
37
-
82 (62,6)
49 (37,4)
28
1
-
29
3
32
1
-
35
1
1
-
124 (94,7)
3 (2,3)
1 (0,8)
3 (2,3)
1
2
10
5
10
1
5
5
2
9
1
6
4
1
1
7
3
13
8
1
12
4
14
6
6 (4,6)
6 (4,6)
6 (4,6)
38 (29,0)
13 (9,9)
43 (32,8)
19 (14,5)
8
9
5
4
3
1
8
9
8
3
2
1
6
11
6
6
3
1
9
14
3
6
3
3 (2,3)
31 (23,7)
43 (32,8)
22 (16,8)
19 (14,5)
11 (8,4)
45
Não informado
Idade
21 a 25 anos
26 a 30 anos
31 a 35 anos
36 a 40 anos
41 a 45 anos
46 a 50 anos
51 a 55 anos
56 a 60 anos
61 a 65 anos
66 a 70 anos
71 ou m ais anos
Ignorado
Tempo com o plano
Cinco anos ou menos
Entre 6 e 10 anos
Entre 11 e 15 anos
Entre 16 e 20 anos
Mais de 20 anos
Ignorado
Operadora
Cooperativa Médica
Autogestão
Seguradora
Medicina de grupo
Filantropia
-
1
-
1
2 (1,5)
4
11
14
7
1
-
1
5
5
5
8
8
-
6
6
10
5
2
3
1
-
2
1
1
3
4
5
5
6
1
1
4 (3,1)
13 (9,9)
15 (11,5)
8 (6,1)
11 (8,4)
15 (11,5)
20 (15,3)
15 (11,5)
8 (6,1)
11 (8,4)
10 (7,6)
1 (0,8)
6
8
3
5
6
1
10
3
2
7
9
1
6
7
11
4
5
-
27
7
2
1
-
49 (37,4)
25 (19,1)
18 (13,7)
16 (12,2)
21 (16,0)
2 (1,5)
10
17
1
1
-
23
6
2
1
-
15
12
2
4
-
24
2
7
4
-
72 (55,0)
37 (28,2)
12 (9,2)
10 (7,6)
- (-)
Do total de 131 entrevistas (APÊNDICE IV), 82 (62,6%) entrevistados foram
do sexo feminino e 49 (37,4%) do sexo masculino.
37,4%
62,6%
Feminino
Masculino
Figura 1 – Distribuição dos beneficiários segundo o sexo, Florianópolis,
Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007.
Em relação a cor da pele verificou-se a predominância da cor branca, sendo
124 (94,7%) entrevistados, seguida de 3 (2,3%) de cor negra, 1 (0,8%) amarela e 3
(2,3%) ignorados.
46
94,7%
0,8%
Branca
2,3% 2,3%
Negra
Ignorada
Amarela
Figura 2 – Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo a cor da pele.
Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007.
Com relação ao nível de escolaridade, 43(32,8%) tinham curso superior
completo, 38 (29,0%) nível médio completo, 19 (14,5%) possuíam pós-graduação,
13(9,9%) com nível superior incompleto e o restante ficou entre o nível médio e
fundamental incompleto.
4,6% 4,6%
4,6%
32,8%
9,9%
14,5%
29,0%
Superior completo
Superior incompleto
Médio incompleto
Médio completo
Fundamental incompleto
Pós-graduação
Fundamental completo
Figura 3 – Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo o grau de
escolaridade. Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007.
Em relação a renda mensal dos entrevistados a amostra ficou assim
distribuída: 43 (32,8%) pessoas ganham entre R$ 2000,00 e R$ 4000,00; 31 (23,7%)
entre R$ 700,00 e R$ 2000,00; 22 (16,8%) entre R$ 4000,00 e R$ 6000,00; 19
(14,5%) entre R$ 6000,00 e R$ 8000,00; 11 (8,4%) acima de R$ 8000,00 e apenas 3
47
(2,3%)ganham até R$ 700,00. Estes dados demonstraram que as pessoas com
cobertura de planos privados possuem uma renda considera elevada, se comparada
com a maioria da população brasileira, que ganha entre um a três salários mínimos.
Neste contexto, podemos pontuar que o acesso à cobertura de plano de saúde
ainda é restrito a parcela da população com renda entre os extratos médio e médioalto da população.
32,8
35,0
30,0
23,7
25,0
16,8
20,0
%
14,5
15,0
8,4
10,0
2,3
5,0
1,5
0,0
Até 700,00
700,01 a
2.000,00
2.000,01 a 4.000,01 a 6.000,01 a
4.000,00
6.000,00
8.000,00
Acima de
8.000,01
Não
informado
Figura 4 – Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo a renda.
Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007.
No que se refere à idade dos entrevistados, 35 (26,8%) pessoas tinham entre
51 e 60 anos, 29 (22,1%) tinham 61 anos ou mais, 26 (19,9%) entre 41 e 50 anos,
23 (17,6%) entre 31 e 40 anos e 17 (13,0%) entre 21 e 30 anos.
15,3
16,0
14,0
11,5
12,0
11,5
10,0
%
11,5
9,9
8,4
8,0
8,4
7,6
6,1
6,1
6,0
4,0
3,1
0,8
2,0
0,0
21 a 25 26 a 30 31 a 35 36 a 40 41 a 45 46 a 50 51 a 55 56 a 60 61 a 65 66 a 70
71 ou Ignorado
mais
Anos de idade
Figura 5 – Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo a faixa etária.
Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007.
48
Com relação ao plano de saúde, das 131 entrevistas, 49 (37,4%) tinham
contratado a cobertura do plano há pelo menos 5 anos; 25 (19,1%) entre 6 e 10 anos;
18 (13,7%) entre 11 e 15 anos; 16 (12,2%) entre 16 e 20 anos; 21 (16,0%) pessoas
tinham o plano há mais de 20 anos; e, 2 (1,5%) pessoas não souberam informar.
37,4
40
35
30
% 25
19,1
16,0
20
13,7
15
12,2
10
5
1,5
0
Cinco anos
ou menos
Entre 6 e 10
anos
Entre 11 e 15 Entre 16 e 20
anos
anos
Mais de 20
anos
Ignorado
Figura 6 – Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo o tempo em
que possuem o plano. Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007.
A operadora que mais se destacou foi a Unimed, totalizando 72 (55,0%)
pessoas, que corresponde a realidade da região sul onde há forte predomino da
UNIMED, principalmente em Florianópolis (Vide dados do item 5.1). O restante
estava coberto por planos empresariais (59/45%), os quais estão demonstrados
figura 7 a seguir.
28,2%
9,2%
55,0%
7,6%
Cooperativa Médica
Autogestão
Seguradora
Medicina de grupo
49
Figura 7 – Distribuição dos beneficiários entrevistados segundo a operadora.
Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, 2006-2007.
3.7 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
O processo de análise iniciou com a definição dos conceitos operacionais da
pesquisa os quais foram acordados com a equipe nas Oficinas de Desenvolvimento
Metodológico e estão sintetizados no quadro abaixo. O quadro, também, apresenta
a estrutura básica do processo de análise.
USUÁRIOS/BENEFICIÁRIO/SUJEITO
ENTREVISTADO E SUAS EXPERIÊNCIAS
èA narrativa do itinerário percorrido para resolver problema de
saúde
èA narrativa é subjetiva mas insere-se num contexto e é por
influenciada (socioantropologia)
CONTEXTO
MUNICIPAL
. Aspectos demográficos,sócioeconômicos e epidemiológicos
caracterizar . Política de Saúde – oferta de
serviços públicos/privados
Em relação a saúde suplementar
. Quais são as principais operadoras
. Quais são os principais prestadores
. Quais são os principais procedimentos
Processo saúde/doença
EXPERIÊNCIA
DO USUÁRIO
Sistema utilizados/recursos/servi ço s
Satisfação com a assistência/Plano de Saúde
I
N
T
E
G
R
A
L
I
D
A
D
E
A
C
E
S
S
O
èACESSO
èTIPOS DE SERVIÇOS
èEXPECTATIVAS
Figura 8 - Desenho da Pesquisa
Para a análise dos dados obtidos nas entrevistas, optou-se pela utilização da
análise temática de Bardin (MINAYO, 1992) iniciando-se com a leitura flutuante de
50
cada entrevista, chegando-se a uma visão do conjunto das entrevistas por linha de
cuidado nos três municípios. Esse processo permitiu uma imersão na narrativa do
entrevistado e uma socialização dos resultados entre o grupo de pesquisadores. A
seguir foi feita uma leitura transversal do conjunto de entrevistas em cada linha de
cuidado buscando validar as pré-categorias analíticas construídas a partir das
grandes aberturas que permitiram a operacionalização do trabalho e a criação do
roteiro de entrevistas. Deste processo chegou-se a definição de três macro
categorias suas subdivisões: a) percepção/explicação do problema; b) o itinerário – o
percurso, as escolhas e a terapêutica; c) satisfação – com o atendimento e com
plano. Para o tratamento dos dados e a categorização foi utilizado o software Nvivo.
As falas dos entrevistados com vistas da preservação do anonimato estão
identificadas por código, conforme a cidade onde foi realizada a entrevista (F=Florianópolis,
C= Curitiba, P=Porto Alegre) e o marcador (P=Parto, C=Câncer, A=Alcoolismo, I=Infarto
Agudo do Miocárdio) seguida do número de cada informante. Exemplo: FP01, FP02, …
(Florianópolis - Parto); CP01, CP02.. (Curitiba – Parto); e PP01, PP02.... (Porto Alegre Parto). Também com vistas a facilitar o entendimento das expressões dos entrevistados
foram realizados cortes nos discursos os quais estão identificados por (...) bem como foram
incluídas expressões as quais estão identificadas entre [...].
4 CONTEXTO DOS MUNICÍPIOS ESTUDADOS
A região sul é a única região do país que se caracteriza por apresentar indicadores
socioeconômicos e epidemiológicos em geral mais favoráveis que as demais regiões
brasileiras. Segundo o relatório do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento/PNUD, o sul é a única região que conseguirá reduzir pela metade a
proporção de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza até 2015 se forem mantidas
as tendências atuais (PNUD, 2007). Os valores do Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal/ IDH-M de Porto Alegre (0.81), de Florianópolis (0.87) e de Curitiba (0.85)
colocam as capitais da região entre as primeiras do país pelos critérios deste indicador o
qual leva em conta a educação , a longevidade e a renda (PNUD, 2007).
Das três cidades estudadas, Florianópolis apresenta algumas características que
a distinguem das outras duas capitais. Embora venha apresentando uma elevada taxa
51
de crescimento demográfico , a cidade tem aproximadamente 400.000 habitantes o que
significa um porte populacional correspondente a um terço do tamanho de Porto Alegre
e um quarto do de Curitiba. A atividade econômica do município está fortemente
assentada no setor terciário, tanto pela localização de estruturas administrativas em
decorrência da função de capital como pela intensa atividade turística. Para entender
melhor sua situação econômica é preciso situar o município dentro da rede produtiva
estadual que se caracteriza pela especialização das regiões: norte do estado com
função industrial, destacando-se Joinville no setor metal-mecânico, Blumenau e
Brusque no setor têxtil, o sul detendo empresas de mineração e cerâmica, o oeste o
setor agro-industrial. Esta descentralização da atividade econômica em Santa Catarina,
com meios de escoamento da produção não dependente da capital, fez com que
Florianópolis, diferentemente da maioria das capitais brasileiras, não assumisse
proporções de grande cidade nem de pólo econômico estadual.
Em Curitiba ao longo do século passado, as atividades industriais agregaramse de forma importante ao perfil econômico antes embasado em atividades
comerciais e de serviços. Essa cidade destacou-se no cenário nacional e mesmo
internacional por políticas de planejamento e gestão urbana, o que se reflete em
indicadores de saneamento básico (76% população com rede geral de esgoto, por
exemplo) muito superiores ao das outras duas capitais (BRASIL, 2003 ).
Do ponto de vista epidemiógico, tal como no país, na região e nos respectivos
Estados, as doenças do aparelho circulatório constituem-se na principal causa de
mortalidade seguidas pelas neoplasias. O infarto agudo do miocárdio representa a
principal causa no primeiro grupo de doenças quando analisados ambos os gêneros
nas três capitais com consequências importantes em termos de internações e custos,
conforme analisado na parte refente a descrição dos procedimentos metodológicos que
orientaram a seleção das situações/problemas de saúde utilizados como marcadores.
Essa descrição evidenciou também a importância do câncer de mama que se constitui
na neoplasia de maior incidência (exceto pele não melanoma) e na primeira causa de
mortalidade entre as mulheres dessas cidades. Uma diferença a ser assinalada no perfil
epidemiológico dos municípios fica por conta da importância das mortes por causas
externas em Florianópolis determinadas pelos acidentes de transportes. Esse município
se destaca dos demais por um desempenho muito favorável no que diz respeito a
mortalidade infantil com um indicador correspondendo em 2004 a práticamente a
52
metade dos valores regionais (8 óbitos por 1000 nascidos vivos)(BRASIL, 2005).
Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba apresentavam um porcentual acima da
média nacional e regional para partos cesáreos, os quais correpondiam a
respectivamente
44%, 50% e 55% de todos os partos realizados em 2004 . O
porcentual de recém nascidos com baixo peso era discretamente superior ou igual a
média regional e nacional para esse mesmo ano base (BRASIL 2006).
Nos três municípios os principais recursos ambulatoriais correspondem a
estruturas públicas municipais e a consultórios privados com fins lucrativos. A oferta
de serviços públicos neste nível de atenção e a cobertura pela estratégia da saúde
da família/PSF é levemente superior, do ponto de vista quantitativo, em Florianópolis
(33% da população coberta pelo PSF em 2006). No que diz respeito a oferta
hospitalar, predominam os leitos em Hospitais Universitários tanto em Porto Alegre
como em Florianópolis, mas em Curitiba os principais prestadores hospitalares são
de natureza privada (BRASIL, 2003; 2006)
Em 2006, o número de beneficiários cobertos por serviços de saúde
suplementar era da ordem de 37% em Porto Alegre, 46% em Florianópolis e 43%
em Curitiba, o que corresponde a valores acima das coberturas existentes em nível
estadual e no país. Portanto, em duas das cidades que são objeto deste estudo,
quase a metade da população está coberta pela assistência suplementar. No
entanto há que se considerar a posibilidade de erro nesta informação o que é
alertado pela própria ANS, pelo fato que, indevidamente, as operadoras podem
informar para a Agência o endereço das empresas contratantes de planos coletivos
ao invés do endereço residencial dos beneficiários (BRASIL/MS, 2007).
Há diferenças no que diz respeito as operadoras notando-se uma importância
maior da medicina de grupo em Porto Alegre e Curitiba (35 % e 38.5%) quando
comparadas a Florianópolis (1.4%) onde a modalidade de Cooperativa médica (71%)
praticamente detém monopólio do mercado (BRASIL , 2006). O quadro 6, mostra o
conjunto dos indicadores selecionados para caracterizar o contexto municipal de
Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba.
Uma pesquisa que avaliou a implantação do Programa de Saúde da Família/PSF
e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde/PACS em Florianópolis no período
1994-2000 mostrou que, segundo a percepção da gestão municipal responsável pela
expansão dessa política, seria possível se esperar uma diminuição da procura por planos
53
de saúde nessa capital em função da maior cobertura oferecida pela rede pública
(CONILL; SOARES; FREITAS, 2000). Mas isto não parece ter acontecido uma vez que
os dados da UNIMED, Grande Florianópolis, revelam um crescimento anual da ordem de
14 % na procura dos planos dessa operadora, com um aumento em 2006 de 80% da
receita líquida quando comparado aos valores de 2003 (UNIMED, 2007). As queixas
registradas em 2006 diziam respeito principalmente à cobrança indevida, problemas na
qualidade do atendimento e falta de disponibilidade na agenda médica.
O impacto de novas tecnologias, medicamentos e tratamentos nos custos
assistenciais sem correspondência nos cálculos atuariais aliado ao crescimento dos
procedimentos diagnósticos são algumas das principais dificuldades apontadas pela
gestão dessa operadora. Nota-se uma ênfase crescente em atividades de medicina
preventiva, embora tais ações sejam ainda incipientes cobrindo menos de 2% dos
beneficiários em 2006 (UNIMED, 2006). A discussão acerca de um modelo de atenção
integral com promoção da saúde aparece como uma temática relevante no discurso da
direção da Confederação das UNIMEDS do Brasil sendo referidas como “avanços que
preparam as cooperativas para os novos desafios no setor” (UNIMED, 2007a).
É possível que esta tendência esteja se configurando em outras modalidades de
assistência da saúde suplementar como uma resposta a pelos menos dois fatores
externos. De um lado, a pressão exercida pelos custos crescentes de um modelo de
cuidados centrado no uso de tecnologias materiais (equipamentos e procedimento com
novos materiais e exames diagnóstico com tecnologia de ponta), e por outro, a atual
política de regulação da ANS que incentiva a mudança do foco de um equilíbrio
meramente financeiro para melhores indicadores epidemiológicos na população
beneficiária desse setor.
Quadro 6 - Indicadores selecionados para caracterização do contexto
municipal, Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba.
Indicador*
Porto
Alegre
RS
Florianópolis
1.400,000
11
Milhões
400,000
0,81
0,81
0,87
SC
Curitiba
PR
Região
Brasil
6
milhões
1.800,00
10
milhões
180
Milhões
0,82
0,85
0,78
0,76
Demográficos
População total
IDH
% população/ rede
geral de esgoto
47
47
76
Epidemiológicos
Mortalidade Infantil
12
15
8
(óbitos/1000)
Mortalidade Proporcional por grupo de causas (%) por cento ou por mil
14
11
15.5
15
18
54
• Ap. Circulatório
32
33
31
32
33
34
33
31.5
• Neoplasias
23
21
22
19
20
17
19
15.5
• Ap. Respiratório
10
13
10
11
10
11
12
11
• Causas externas
9
Fatores de Risco/Morbidade
• % RN baixo peso
10
10
15
14
13.5
14
12
14,5
9
8
8
10
8
9
8
• % Partos cesáreos
47
50
48
55
49
42
42
48
43
44
44
Recursos
Recursos ambulatorias (Unidades p/prestador - %)
• Público Municipal
38,5
• Privado Lucrativo
• Consultórios/ 10.000
hab.
51
32,5
43
40
45
12.4
12.7
7.4
• PSF/pop. Coberta (%)
16
27
Recursos Hospitalares (Leitos por natureza - %)
• Públicos
4
33
15
20
• Privados
28
30
66
• Universitários
68
55
32
63
30
• Leitos p/100 hab
4.6
3.2
Saúde Suplementar (Assist. Médica/ Modalidades - % beneficiários)
• Medicina de Grupo
35
31
1.4
10
38.5
27
38.5
• Cooperativa Médica
25
34
71
67
43
52
32
• Autogestão
24
17
24
14
10
13
15
• Seguradora
9
5
4
7
3
4
11
• Filatropia
8
12
-
2
3
3
11
• % pop. Coberta
37
17
46
21
43
19
22
3.2
* Valores aproximados para facilitar visualização, diferentes datas bases com informações variando do ano de
2003 a 2006.
Fonte: MS/DATASUS
5 CARACTERIZAÇÃO DAS SITUAÇÕES MARCADORAS
5.1 INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO – IAM
As doenças cardiovasculares prevalecem como a principal causa de
mortalidade e de incapacidade no Brasil (LAURENTI,1982; BRASIL, 1993) e no
mundo (MURRAY; LOPEZ , 1996; LOPEZ, 1993).
Nos países em desenvolvimento o número de óbitos relacionados a este
grupo de doenças tem experimentado um crescimento acelerado, sendo atualmente
responsável por cerca de 76% de excesso em óbitos por doenças cardiovasculares,
portanto uma das questões de saúde pública mais relevantes nos dias de hoje. Uma
projeção para 2020 indica também que a doença cardiovascular permanecerá como
a principal causa de mortalidade e incapacitação, trazendo como conseqüência, um
custo associado extremamente preocupante (GUIMARÃES; AVEZUM; PIEGAS,
55
2006).
No Brasil, desde a década de 60, o grupo de doenças do aparelho circulatório
se constitui na maior causa de mortalidade proporcional (LOLIO et al. 1995).
A existência de um banco nacional de dados que disponibiliza informações
sobre mortalidade e internações hospitalares realizadas através do Sistema Único
de Saúde (DATASUS) (LEWCOVITZ; PEREIRA,1993) tem possibilitado mostrar que
nas cidades da região Sul e Sudeste do país, a doença isquêmica do coração é o
componente principal dessa mortalidade (LOLIO et al. 1995). Destaca-se deste
grupo de doenças, por sua importância epidemiológica, o infarto agudo do miocárdio
(IAM)
(LAURENTI,
1982;
BRASIL,
1997b;
MARCOPITO;
GOLDFEDER;
SCHENKMAN, 2000), com relevante impacto em termos de mortalidade e número
de hospitalizações.
Em 2006, a taxa de mortalidade brasileira para o IAM foi de 13,96. A região
sul apresentou 15,18 óbitos por 100 000 habitantes, acima da média nacional e a
mais alta entre as regiões brasileiras. Neste mesmo ano, as capitais da região sul
tiveram respectivamente, taxas de 17,43, 14,88 e 13,87 para Porto Alegre,
Florianópolis e Curitiba (SIH/SUS, 2006).
Pesquisas desenvolvidas no Brasil relativas ao IAM envolvem grande
quantidade de estudos clínicos, estudos sobre a epidemiologia da doença
(GUIMARÃES; AVEZUM; PIEGAS; 2006), sobre prevenção e identificação de estilos
de vida e fatores de risco correlacionados ao IAM (CIORLIA; GODOY,2005;
COLOMBO; AGUILLAR, 1997) e estudos de avaliação da qualidade da assistência
(SILVA; ESCOSTEGUY; MACHADO; 1996 ; VAITSMAN; ANDRADE, 2005), entre os
quais, os de satisfação dos usuários (TRAD et al., 2002 )
Há poucos estudos a partir da perspectiva dos usuários no país. Colombo et
al. (1997) ao estudarem a percepção sobre causas do IAM e sua relação com
fatores de risco e estilos de vida do ponto de vista de pacientes com primeiro
episódio de IAM, em Campinas, encontraram que cerca de 60% dos indivíduos
relacionaram o infarto a algum hábito do seu dia-a-dia (COLOMBO; AGUILLAR,
1997; MILAN; TREZ, 2005)
Até recentemente, o conhecimento sobre fatores de risco para infarto agudo
do miocárdio provinha de estudos realizados em países desenvolvidos (YUSUF;
56
HAWKEN; OUNPUU et al., 2004).
Uma das mais importantes evidências da associação entre fatores de risco e
infarto agudo do miocárdio no país foi o estudo de “Avaliação dos Fatores de Risco
para Infarto Agudo do Miocárdio no Brasil” (AFIRMAR) (PIEGAS; AVEZUM;
PEREIRA et al., 2003), que em conjunto com dados fornecidos pelo estudo GRACE3
têm permitido diversas inferências sobre uma alta prevalência de fatores de risco
coronário em nosso meio (LOTUFO, 1996).
O Ministério da Saúde aponta como principais fatores de risco para doenças
cardiovasculares: (BRASIL, 2006a): história familiar de DCV; idade: homem > 45
anos / mulher > 55 anos; tabagismo; dislipidemia (LDL-c e triglicerídeos elevados
/HDL-c baixo); presença de HAS; presença de DM; obesidade – IMC > 30 kg/m2;
circunferência abdominal elevada; sedentarismo; alimentação Inadequada (pobre
em frutas e vegetais, rica em sal, açúcar e gorduras); stress psico-social.
Para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (BRASIL, 2005) as doenças
cardiovasculares são abordadas dentro da linha de cuidado da saúde do adulto e do
idoso, onde são enfatizadas recomendações sobre ações e monitoramento para os
principais fatores de risco, como diabete e hipertensão.
Ainda segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006b), estima-se que no
Brasil existam 23 milhões de pessoas portadoras de Diabetes e Hipertensão Arterial.
Estas taxas têm se elevado e tendem a se agravar, não só pelo processo de
envelhecimento da população, como também e, principalmente, pela manutenção na
população de nosso país de hábitos inadequados de alimentação; sedentarismo e
tabagismo (BRASIL, 2006c).
Os modelos explicativos, em geral, são desenvolvidos a partir da investigação
de fatores biológicos de risco relacionados à doença coronariana e ao infarto
(GUIMARÃES; AVEZUM; PIEGAS; 2006).
Há vários estudos, por outro lado, baseados em modelos sócio-históricos de
determinantes (YAZLLE ROCHA; SILVA, 2000), que mostraram a interferência de
fatores extra-biológicos na gênese destas doenças, marcadamente os relacionados
3
O estudo transversal “Global Registry of Acute Coronary Events” (GRACE), se encontra em
andamento e representa um dos maiores registros realizados em síndromes coronárias agudas no
mundo (envolve cerca de 60 mil pacientes em 14 países, incluindo o Brasil). The GRACE Registry.
Disponível em: www.outcomes-umassmed.org/grace/ (acesso em 14/3/2007).
57
às condições de vida e de trabalho. Yazlle Rocha et al. (1997) discutiram as
desigualdades entre pacientes hospitalizados por doenças cardíacas e vasculares
cerebrais relacionando-as à posição social dos indivíduos e aos sistemas sociais de
assistência médica. Ficou evidenciado no estudo que os grupos sociais menos
privilegiados economicamente eram hospitalizados a uma idade média 10 anos
menor e que a idade média ao morrer dos pacientes hospitalizados era mais precoce
entre os menos privilegiados.
Cunningham (1992) classifica os fatores de risco em modificáveis e não
modificáveis. Os primeiros se constituem naqueles sobre os quais o paciente e os
profissionais de saúde podem atuar, como a Hipertensão Arterial, o tabagismo, as
dislipidemias, Diabetes Mellitus, obesidade, sedentarismo e estresse. Os não
modificáveis incluem idade, sexo, raça e história familiar de doença aterosclerótica.
O uso excessivo de bebidas alcoólicas, a menopausa, uso de contraceptivos orais,
hiperuricemia, taxa de fibrinogênio aumentada e outros, também estão sendo
relacionados ao desenvolvimento de patologias circulatórias (BRASIL , 1993) .
Lalonde (1974) desenvolveu um modelo explicativo denominado campo de
saúde, que propõe uma estrutura mais ampla para análise dos problemas da saúde,
incorporando dimensões referentes não só à biologia humana, mas também
relacionadas ao meio ambiente, à organização da atenção à saúde e ao estilo de
vida.
Cada dimensão tem o mesmo valor na determinação da saúde do indivíduo e
todas necessitam estar em equilíbrio para que tal condição se estabeleça. A
dimensão da biologia humana inclui todos os aspectos da saúde, física e mental, os
quais pertencem ao corpo humano e a constituição orgânica do indivíduo; o meio
ambiente se refere à aspectos relacionados à saúde externos ao corpo humano,
pertencentes ao ambiente físico ou ao ambiente social que envolve os indivíduos, e
sobre os quais eles têm pouco ou nenhum controle; a organização dos serviços de
saúde, se relaciona à qualidade, quantidade, administração, natureza e relações de
pessoas e recursos no oferecimento do cuidado de saúde, e a dimensão estilo de
vida consiste no conjunto de decisões tomadas pelo indivíduo, sobre as quais ele
possui maior ou menor controle, e que afetam a sua saúde, os chamados riscos
58
autocriados 4; Assim, a presença de hábitos como o uso de drogas, a ingestão
excessiva de bebidas alcoólicas, fumo e abuso de medicamentos, a ausência de
exercícios físicos e de recreação e a dieta inadequada com alta ingesta de gorduras
e carboidratos estariam relacionadas à gênese de doenças, como por exemplo, as
cardiovasculares (LALONDE,1974).
Estudos realizados fora do Brasil têm mostrado um declínio persistente da
mortalidade atribuída à doença arterial coronariana nas últimas três décadas
(HIGGINS; LUEPKER,1989; PASSOS et al., 2000; LOLIO,1994).
Essa questão pode ser explicada, em parte, pela redução da incidência desta
enfermidade relacionada a modificações no estilo de vida e melhor controle da
hipertensão arterial, mas também pode estar ligada ao aumento da sobrevida destes
pacientes, o que contribui para uma maior probabilidade de morte por outras causas
(PASSOS
et al., 2000).
A introdução de novos recursos diagnósticos e terapêuticos contribuiu para a
melhora do prognóstico de pacientes com a doença e para o aumento da sobrevida,
e é importante assinalar que fatores sócio-demográficos estão associados com sua
utilização.
Exemplos
têm
sido
evidenciados
em
pesquisas
recentes,
que
demonstraram que os homens com infarto agudo do miocárdio, recebem mais
intervenções (e mais precocemente) do que as mulheres, podendo-se considerar a
hipótese de que o gênero esteja associado com diferentes padrões na tendência
temporal da mortalidade (KOSTIS et al. 1994; CLARKE et al. 1994).
O IAM é um evento agudo que requer internação hospitalar, sendo a oclusão
coronariana por um trombo a principal causa da maioria dos infartos do miocárdio.
Tem um diagnóstico clínico relativamente simples e bem estabelecido, geralmente
baseado no tripé história clínica, evolução eletrocardiográfica e dosagem sérica de
enzimas (RYAN et al. 1999; ALEXANDER; PRATT; ROBERTS,1998).
Existe uma diretriz nacional que normatiza o tratamento do IAM, publicada
pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)5, que recomenda a recanalização
4
Define estilo de vida como um "conjunto de decisões individuais que afetam a saúde e sobre os quais se pode exercer certo
grau de controle. As decisões e os hábitos pessoais que são maus para a saúde, criam riscos originados pelo próprio indivíduo.
Quando estes riscos resultam em enfermidade ou morte se pode afirmar que o estilo de vida contribuiu ou causou a
enfermidade ou disfunção” (LALONDE, 1974)
5
Para normatizar o tratamento do infarto agudo do miocárdio para os cardiologistas bras ileiros, com o intuito de obter melhores
resultados , quer reduzindo a mortalidade, quer reduzindo o tamanho da necrose miocárdica e a conseqüente morbidade, a
59
precoce da artéria responsável pelo infarto, procedimento realizado através de
terapias de reperfusão. A reperfusão pode ser realizada com a utilização de
medicamentos (agentes fibrinolíticos) ou com intervenções mecânicas (angioplastia
primária com balão ou implante de stents). O uso de stents tem sido considerado
revolucionário nos resultados terapêuticos. Independentemente da técnica utilizada,
constitui-se na mais importante terapia a ser empregada no tratamento do IAM3.
Outra técnica de reperfusão é a revascularização cirúrgica do miocárdio, mas as
situações que necessitam esta indicação têm sido cada vez menos freqüentes.
O IAM destaca-se por se constituir em uma das poucas condições que
contam com significativa disponibilidade de evidência científica sobre eficácia,
segurança e custo de grande parte das tecnologias terapêuticas disponíveis. Por
esta razão, além do impacto que acarreta na mortalidade, pela letalidade hospitalar
e pelo volume de internações, tem sido especialmente indicado para o
desenvolvimento de indicadores e padrões de qualidade (SILVA; ESCOSTEGUY;
MACHADO, 1996).
Especificamente no Sistema Único de Saúde, onde a institucionalização de
procedimentos de avaliação recém inicia, encontra-se no Pacto da Atenção Básica o
monitoramento de indicadores para doenças do aparelho circulatório, feita através
das taxas de internações por Acidente Vascular Cerebral e por Insuficiência
Cardíaca Congestiva. Estes indicadores são utilizados em programas como o de
Saúde da Família (PSF) como eventos sentinela. Indicadores diretos para o IAM não
são contemplados no referido Pacto, mas pode-se destacar o monitoramento de um
dos fatores de risco para a doença, a Hipertensão Arterial, presente no Programa de
Doenças Crônico-Degenerativas e no PSF.
Também o setor de saúde suplementar no Brasil, através de sua Proposta de
Qualificação da Saúde Suplementar, vem trazendo a necessidade de implementar
avaliações da atenção nas operadoras de planos de saúde, através de indicadores e
marcadores que expressem efetivamente os serviços prestados aos beneficiários.
Dentre estes indicadores, a taxa de internações, a letalidade e a taxa de mortalidade
por IAM constituíram-se em indicadores de avaliação da qualidade da atenção à
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) publica, desde 1995, suas diretrizes de tratamento do infarto agudo, em: III
DIRETRIZ SOBRE TRATAMENTO DO INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO, 3ª. Versão, set 2004.
3
idem
60
saúde participantes do elenco de indicadores da ANS (BRASIL,2005).
5.2 PARTO
A cobertura da assistência pré-natal no Brasil ainda é baixa, apesar de vir
aumentando nas últimas décadas. As desigualdades no uso desta assistência ainda
persistem, sendo que há grande diferença na cobertura segundo regiões geográficas
e nível sócio econômico (COIMBRA et al., 2003).
Os coeficientes de mortalidade materna e infantil são influenciados pelas
condições de assistência ao pré-natal e ao parto, bem como pelos aspectos
biológicos da reprodução humana e pela presença de doenças provocadas ou
agravadas pelo ciclo gravídico-puerperal. Cerca de 98% das mortes de mulheres por
causas maternas são evitáveis, mediante a adoção de medidas relativamente
simples, como a melhora na qualidade da assistência perinatal e a garantia de
acesso aos serviços de saúde (COIMBRA et al., 2003).2
Dominguez (2004) pontua que ao longo das últimas décadas, tem-se
observado um movimento crescente de críticas ao modelo brasileiro de assistência
ao parto e aos seus resultados, incluindo mais recentemente o próprio Ministério da
Saúde. Esse movimento, denominado “humanização da assistência ao parto e ao
nascimento”, surge em vários serviços que buscam a implantação de uma atenção
menos intervencionista, baseada em uma participação ativa da mulher no processo,
com maior ênfase nos aspectos sociais e emocionais da parturição, incorporando a
possibilidade de presença de acompanhante familiar na rotina de assistência ao
parto.
Segundo as diretrizes do manual do programa de humanização no pré-natal e
nascimento do Ministério da Saúde (2000), busca-se ampliar medidas que
contribuam com a diminuições das altas taxas de morbimortalidade materna e
perinatal; adotar medidas que assegurem a melhoria do acesso, da cobertura e da
qualidade da atenção pré-natal, parto e puérpério e neonatal. Para isto, as equipes
de cada unidade “devem ser sensibilizadas para o Programa de Humanização no
Pré-Natal e Nascimento, seus fundamentos e a importância de humanizar e
qualificar a atenção à gestante e suas repercussões positivas”, como uma maior
61
adesão ao pré-natal; melhor qualidade na assistência e melhores resultados
obstétricos e perinatais com mãe e RN saudáveis.
O manual estabelece ainda necessidades de haver rotinas nos serviços de
saúde que promovam a captação precoce das gestantes; ações educativas com as
mesmas; oferta do teste anti HIV; oferta de exames de urina, glicemia e VDRL no 1o
trimestre e o retorno da puérpera à unidade de saúde para a consulta puerperal. O
controle pré-natal, deve ter início precoce, ter cobertura universal, ser realizado de
forma periódica, estar integrado com as demais ações preventivas e curativas, e
deve ser observado um número mínimo de consultas (MINISTÉRIO DA SAUDE,
2000).
Segundo o manual, com relação às condições para uma assistência pré-natal
efetiva, deve -se levar em conta a captação precoce da gestante na comunidade; o
controle periódico, contínuo e extensivo à população-alvo; os recursos humanos
treinados; a área física adequada; os equipamento e instrumental mínimos; os
instrumentos de registro e estatística; os medicamentos básicos; o apoio laboratorial
mínimo; o sistema eficiente de referência e contra-referência e a avaliação das
ações da assistência pré-natal.
Considerando as causas diretamente relacionadas com a função reprodutiva,
observa-se que óbitos por hipertensão na gravidez, hemorragias, infecção puerperal,
complicações no trabalho de parto e abortos, são elevados, apesar de serem
facilmente evitáveis, através de adequada assistência ao ciclo gravídico-puerperal,
em todas as suas etapas: pré-natal, parto e puerpério. As condições de assistência e
a própria organização dos serviços são também fatores determinantes das
condições de saúde da população e transparecem quando os principais problemas
da mulher são analisados. O acompanhamento pré-natal de reconhecido efeito
positivo sobre a saúde da mulher e do concepto, tem na sua baixa cobertura
associada à baixa qualidade de atendimento, um grande desafio a ser superado.
Estudo desenvolvido por Leal et al. (2004) descrevem uma pesquisa realizada
pela SMS do município do Rio de Janeiro, em convênio com a Escola Nacional de
Saúde Pública (ENSP) e o Centro de Informação Científica e Tecnológica (CICT), da
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) cujo projeto de investigação denominado
“Estudo da Morbi-mortalidade e da Atenção Peri e Neonatal no Município do Rio de
62
Janeiro”, tinha o objetivo de conhecer melhor os determinantes da morbi-mortalidade
no município e avaliar aspectos tanto dos sistemas de informação, quanto da
qualidade da assistência que vem sendo prestada.
Os resultados da pesquisa apontaram que há uma diferenciação nas
condições de atenção ao parto e ao nascimento, de mães que utilizam maternidades
privadas e, portanto, com melhores condições sociais. Por outro lado, nestas
instituições privadas, há um predomínio do parto cesáreo (quase 90%) o que não
significa qualidade da assistência, devido aos riscos inerentes à intervenção
cirúrgica.
Segundo Ministério da Saúde (2007), o número de cesarianas realizadas no
Brasil é alto. Analisando o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos, (SINASC)
do Ministério da Saúde, as cesáreas representaram, em 2004, mais de 41% dos
partos realizados no país. A Organização Mundial de Saúde (OMS) aconselha que
esse percentual não ultrapasse 15% por acreditar que feito de forma indiscriminada,
o parto cirúrgico pode trazer sérios danos à saúde da mãe e do bebê.
Estudos da OMS associaram o elevado percentual de partos cesáreos aos
altos índices de mortalidade materna e infantil, inclusive em países desenvolvidos. O
procedimento também está associado à maior probabilidade de internação para a
mãe e para o recém-nascido. Complicações potenciais para a parturiente incluem
lacerações acidentais, hemorragias, infecções, além de reações indesejáveis à
anestesia. Além disso, a pessoa submetida a qualquer intervenção cirúrgica precisa
de mais tempo para se recuperar.
Os recém-nascidos também podem correr riscos. O parto cirúrgico está
associado à maior freqüência da síndrome da angústia respiratória (complicação
ligada à prematuridade). Segundo especialistas, o trabalho de parto exerce um papel
fundamental para o desenvolvimento do sistema respiratório das crianças. As
contrações ocorridas durante o parto normal liberam substâncias que ajudam no
desenvolvimento do pulmão e estimula os movimentos de sucção do bebê, o que
facilita o sucesso da amamentação. Como, algumas vezes, a data das cesarianas
leva em consideração a conveniência do médico e da mãe, independente do início
do trabalho de parto, muitas crianças nascem sem que os pulmões estejam
completamente capazes de fazer com que respirem de forma independente..
63
A cesariana também custa caro. A realização da cirurgia implica mais gastos
para o sistema de saúde e para a sociedade, com maior consumo de recursos
hospitalares (centro cirúrgico, leitos/dia, medicamentos, cuidados de enfermagem,
etc), e a necessidade de contabilizar o custo de prováveis complicações decorrentes
da cirurgia.
Joffe e Paterson (1994) apud Leal (2004) analisando as conseqüências que o
parto cesáreo tem sobre a saúde materna infantil na cidade de Londres, apontou a
necessidade de que os índices deste tipo de parto não sejam elevados.
Neste sentido faz-se necessário desenvolver e difundir procedimentos
normativos e políticas de redução desses índices visando melhhorar a qualidade da
assistência da mãe e do recém-nascido.
5.3 CÂNCER
Estima-se que no ano de 2005 morreram em todo o planeta aproximadamente
58 milhões de pessoas. Desse total, 35 milhões de óbitos foram decorrentes de
doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). As neoplasias configuram-se como
um dos mais importantes grupos de agravos dentro da DCNT, correspondendo no
mesmo ano a 13,1% do total de óbitos ocorridos no planeta (WHO, 2005).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) indica que na década seguinte a
2006 um total de 388 milhões de pessoas morrerá por alguma doença crônica. No
entanto, pondera a Organização, já há conhecimento científico disponível para
intervenções que minimizem os impactos dessas doenças. Assim, a OMS aponta
como meta a redução de 2% nas taxas mundiais de mortalidade por DCNT, o que
evitaria 36 milhões de mortes prematuras até 2015 (WHO, 2005).
Segundo Lessa (1998) o estudo das doenças crônicas também é uma
importante linha de pesquisa no Brasil, uma vez que elas são responsáveis (i) pelas
primeiras causas de mortes no país; (ii) por elevadas taxas de morbidade no adulto;
(iii) por elevados custos clínicos assistenciais; (iv) pela alta freqüência de
aposentadorias por doença e (v) pelos milhares de anos produtivos de vida perdidos
por mortalidade precoce.
A principal causa de óbitos no Brasil durante a década de 1990 foram as
64
doenças do aparelho circulatório. Em seguida apareciam as causas externas e logo
após as neoplasias. No entanto, no ano 2000 houve uma inversão que permanece
até hoje entre as causas externas e as neoplasias, e estas passaram a ser
responsáveis pela segunda principal causa de óbitos na sociedade brasileira
(BRASIL, 2007a). No ano de 2004 a taxa de mortalidade por neoplasias no país foi
de 78,61 óbitos por cem mil habitantes.
Analisando o período 1980-1995, Wünsch-Filho e Moncau (2002) relataram
que as regiões sul e sudeste apresentaram as maiores taxas de mortalidade por
neoplasias no Brasil. As demais regiões apresentaram taxas menores, porém em
ascensão. Entre as mulheres, em 1995 o câncer de mama foi o principal responsável
pelos óbitos por neoplasias (15% do total). Além disso, as taxas de mortalidade por
câncer de mama foram ascendentes durante todo o período de estudo.
Além da mortalidade, a incidência do câncer de mama é alta. Segundo o
Instituto Nacional de Câncer (INCA) o total de casos novos da neoplasia estimados
para 2006 foi de 48.930, representando um risco estimado de 52 casos a cada
100.000 mulheres (BRASIL, 2005a). Esses valores configuram esse tumor como o
mais incidente no sexo feminino e tal panorama epidemiológico colocam o câncer de
mama como importante problema de saúde pública no Brasil.
Em diversos países desenvolvidos tem sido descrita redução na mortalidade
por câncer de mama concomitante a um acréscimo na incidência do tumor. Tal
fenômeno relaciona-se com um aumento na detecção precoce da neoplasia através
de estratégias bem sucedidas de rastreamento associadas ao tratamento adequado
da doença. Outros países, no entanto, têm conjugado aumento na incidência e
também na mortalidade, como é o caso do Brasil.
São apontados como fatores de risco para o câncer de mama: existência de
casos da neoplasia em algum familiar de primeiro grau, sobretudo se ocorrido antes
dos 50 anos de idade; nuliparidade; menarca precoce; menopausa tardia; consumo
regular de bebidas alcoólicas; exposição a radiações ionizantes e a idade avançada.
Também vêm sendo investigadas as associações positivas entre o câncer de mama
com a terapia de reposição hormonal e com o uso de contraceptivos orais (BRASIL,
2007b).
Como a modificação dos hábitos associados ao câncer de mama e das
65
características genéticas relacionadas aos tumores são difíceis e por esses fatores
não corresponderem à maior proporção de casos, o foco para a redução da
mortalidade volta -se ao diagnóstico precoce. Três estratégias são apontadas para
que essa identificação do tumor ocorra nos estágios iniciais: o auto-exame das
mamas, o exame clínico por parte do médico e a mamografia.
A eficácia do auto -exame das mamas na redução da mortalidade pela
neoplasia vem sendo questionada recentemente. Kösters et al. (2007) em revisão
sistemática concluíram que o auto-exame das mamas não acarreta redução da
mortalidade por esta neoplasia nas populações que o executam. Para o INCA o
auto-exame das mamas não deve ser estimulado como estratégia isolada de
detecção precoce do câncer de mama.
Já quanto ao exame clínico das mamas pelo médico, segundo o INCA
(BRASIL, 2007b) “a sensibilidade do exame varia de 57% a 83% em mulheres com
idade entre 50 e 59 anos, e em torno de 71% nas que estão entre 40 e 49 anos. A
especificidade varia de 88% a 96% em mulheres com idade entre 50 e 59 e entre
71% a 84% nas que estão entre 40 e 49 anos”. Porém não há informações
suficientes para que se assuma o exame clínico como único método de
rastreamento do câncer de mama.
Estima-se que o rastreamento através de mamografias permite reduzir em até
18% a mortalidade por câncer de mama de mulheres entre 40 e 50 anos de idade e
até 30% entre mulheres com mais de 50 anos, apesar desses números variarem
bastante na literatura (SMITH, 2005). Assim, essa prática de diagnóstico vem sendo
adotada e recomendada universalmente para o rastreamento de casos iniciais do
câncer de mama.
Reconhecendo a relevância do câncer de mama na saúde da mulher, a
“Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes”
(BRASIL, 2004a) apontou como um dos seus objetivos específicos e estratégias:
Reduzir a morbimortalidade por câncer na população feminina:
– organizar em municípios pólos de microrregiões redes de referência e
contra-referência para o diagnóstico e o tratamento de câncer de colo
uterino e de mama;
– garantir o cumprimento da Lei Federal que prevê a cirurgia de
reconstrução mamária nas mulheres que realizaram mastectomia;
Também em 2004 o Ministério da Saúde publicou o manual “Controle do
66
câncer de mama: documento de consenso” (BRASIL, 2004b). Nele a posição oficial
do governo brasileiro expressa a inexistência de “evidências conclusivas que
justifiquem a recomendação de estratégias específicas de prevenção [do câncer de
mama]”. Assim, há necessidade de se priorizar a detecção precoce do câncer de
mama, sendo para tal recomendado:
- Rastreamento por meio do exame clínico da mama, para as todas as
mulheres a partir de 40 anos de idade, realizado anualmente. Este
procedimento é ainda compreendido como parte do atendimento integral
à saúde da mulher, devendo ser realizado em todas as consultas
clínicas, independente da faixa etária;
- Rastreamento por mamografia, para as mulheres com idade entre 50 a
69 anos, com o máximo de dois anos entre os exames;
- Exame clínico da mama e mamografia anual, a partir dos 35 anos, para
as mulheres pertencentes a grupos populacionais com risco elevado de
desenvolver câncer de mama;
- Garantia de acesso ao diagnóstico, tratamento e seguimento para
todas as mulheres com alterações nos exames realizados.
Ainda segundo o consenso:
São definidos como grupos populacionais com risco elevado para o
desenvolvimento do câncer de mama:
- Mulheres com história familiar de pelo menos um parente de primeiro grau
(mãe, irmã ou filha) com diagnóstico de câncer de mama, abaixo dos 50
anos deidade;
- Mulheres com história familiar de pelo menos um parente de primeiro grau
(mãe, irmã ou filha) com diagnóstico de câncer de mama bilateral ou câncer
de ovário, em qualquer faixa etária;
- Mulheres com história familiar de câncer de mama masculino;
- Mulheres com diagnóstico histopatológico de lesão mamária proliferativa
com atipia ou neoplasia lobular in situ.
A necessidade de tratamento interdisciplinar é outro ponto de destaque no
documento. É recomendado que as pacientes e familiares sejam assistidos por
equipe interdisciplinar, composta por: médico, enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta,
terapeuta ocupacional, assistente social e nutricionista.
A taxa de mortalidade de mulheres por câncer de mama também foi um dos
indicadores pactuados pela união, estados e municípios no Pacto dos Indicadores
da Atenção Básica de 2005, que representa um “instrumento nacional de
monitoramento e avaliação das ações e serviços de saúde referentes a esse nível de
atenção”, reforçando a possibilidade de intervenções públicas que minimizem a
carga do câncer de mama (BRASIL, 2005b).
67
5.4 ALCOOLISMO
Para fins desse trabalho usaremos a terminologia “alcoolismo” com referência
aos casos de uso de álcool em que está presente a dependência (física e psíquica),
havendo nos usuários de álcool a tríade de critérios que fazem parte da
dependência: tolerância, abstinência, ou padrão de uso compulsivo. Na atualidade a
classificação do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-IV
(1995) não utiliza a terminologia “alcoolismo”, mas sim, “transtornos decorrentes do
uso de álcool”, subdividindo-os em dependência, abuso, intoxicação e abstinência.
Salienta-se que há uma complexidade imensa de fatores imbricados quando
se intenciona discutir sobre o uso abusivo ou problemático do álcool atrelado ao
tema saúde, sendo que, mesmo naqueles usuários que não desenvolvem
dependência, tal uso acarreta além de danos físicos – com repercussões clínicas,
toda uma série de problemas sociais, familiares e mesmo jurídicos, sempre havendo
conseqüências prejudiciais advindas do uso repetido. Sob esse prisma é proposto
pelo Ministério da Saúde brasileiro que se efetue uma abordagem transversal desse
tema,
configurado
por
diferentes
aportes
teórico-metodológicos
confluentes
(BRASIL, 2003).
Estudos apontam que os casos de uso abusivo de álcool sem dependência,
ocorrem com uma freqüência cinco vezes maior do que os com dependência
(CARLINE et al., 2001; BABOR et al. 2003).
O álcool é uma das poucas drogas psicotrópicas que tem seu consumo
admitido e incentivado pela sociedade. Nas últimas décadas, o seu
consumo vem aumentando no mundo todo, sendo que a maior parte deste
aumento deve-se aos países em desenvolvimento. Calcula-se que,
mundialmente, o álcool esteja relacionado a 3,2% de todas as mortes e
4,0% das Disabilities Adjusted Life Year (DALY), e que nos países em
desenvolvimento e com baixa mortalidade, dentre eles o Brasil, o álcool é o
fator de risco que mais contribui para a carga de doenças, sendo
responsável por 6,2% das DALY (BRASIL, 2004, p. 109).
Outra estimativa alarmante em termos de saúde pública e dos impactos
gerados, como apontado por Oliveira e Melcop, (1997, p. 8) em um estudo na cidade
do Recife, Pernambuco em 1997, foi a evidência de que 88,2% das vítimas fatais de
68
trânsito e 80,7% dos demais acidentados tiveram álcool detectado em suas
amostras de sangue. Segundo estimativas da Associação Brasileira de Álcool e
Outras Drogas (ABEAD), cerca de 75% dos acidentes fatais no Brasil estão
relacionados com o consumo de bebida alcoólica.
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID, e
o SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas, têm efetuado estudos epidemiológicos
abrangentes sobre o uso de álcool na população geral. Estes estudos colocam em
evidência o número crescente de casos de dependentes do álcool (GALDURÓZ et
al., 2004).
Um amplo estudo domiciliar, onde foram pesquisadas as 107 cidades
brasileiras com população acima de 200 mil habitantes, mostrou que a prevalência
da dependência de álcool no Brasil é de 11,2%, sendo 17,1% no sexo masculino e
5,7% no sexo feminino. O estudo mostra ainda que 5,2% dos adolescentes – faixa
etária de 12 a 17 anos era dependente do álcool e, que a porcentagem de pessoas
que haviam recebido tratamento para o uso de álcool é da ordem de 4%. (CARLINI
et al., 2002). Observe -se que os resultados desta pesquisa auxiliaram a subsidiar a
instituição do Programa de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas
(Brasil, 2005).
O Ministério da Saúde aponta que no triênio 2001/2002/2003, ocorreram
246.482 internações para o tratamento de problemas relacionados ao uso do álcool,
que correspondem a 82% do total de internações decorrentes do uso de álcool e
outras drogas, no período mencionado (BRASIL , 2004).
No campo da saúde pública, além dos estudos epidemiológicos sobre o uso
abusivo ou problemático e a dependência de álcool em si, a temática do fator “uso
de álcool” tem uma visibilidade ampliada, ao ser pesquisado como variável
independente, principalmente nos estudos que o investigam como um fator de risco
ou comportamento de risco associado a: causas externas intencionais e nãointencionais
(traumatismos,
acidentes,
violência,
criminalidade);
doenças
sexualmente transmissíveis, com ênfase naquelas sobre HIV -Aids; doenças com
altas taxas de morbi-mortalidade, tais como as doenças e agravos não
transmissíveis (DANT) e as Doenças Crônicas Não-transmissíveis (DCNT). Como
exemplo
de
grandes
levantamentos
cita-se:
o
Inquérito
domiciliar
sobre
69
comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não
transmissíveis: realizado pelo INCA, em 15 capitais e no Distrito Federal, no período
de 2002 a 2003 (BRASIL, 2004); e, a implantação do Sistema de Monitoramento de
Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas não Transmissíveis (VIGITEL) resultado de uma parceria entre a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do
Ministério da Saúde, a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGP) e o
Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da USP. O
primeiro estudo VIGITEL foi realizado nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal
(DF) durante o ano de 2006, por intermédio de entrevistas telefônicas, havendo a
intenção de que este ocorra anualmente (BRASIL , 2007).
Fatores de risco comuns e modificáveis estão na base das principais doenças
crônicas. Esses fatores de risco explicam a grande maioria dos óbitos causados por
doenças crônicas em todas as idades, em ambos os sexos, e em todas as partes do
mundo. Eles incluem: obesidade, sedentarismo, tabagismo e alcoolismo (OMS,
2005).
Observe-se que não há unanimidade entre os pesquisadores quando discute
o álcool como fator de risco, já que em doses moderadas tem sido apontado como
“fator de proteção” a algumas doenças. A grande maioria dos estudos apresenta-o
como fator comportamental, isto é, previnível, pois, modificável, colocando-o
conjuntamente com o sedentarismo, a dieta e o fumo.
Ainda há certa carência de estudos interdisciplinares a este respeito, onde
possam
confluir
análises
referentes
aos
determinantes
comportamentais
relacionando-os a outros determinantes. Os estudos genéticos fazem parte de uma
área de estudos, que tem demonstrado evidências importantes sobre alguns dos
aspectos de determinação biológica relativos à dependência do álcool, definindo o
caráter hereditário como um de seus componentes, associando-o ou não aos
aspectos sociais - ambientais e socioeconômicos e aos aspectos comportamentais
ou psicológicos.
Assim como há uma diversidade de abordagens que confluem em graus
diversos, um fator que tem sido enfatizado é que “o diagnóstico do alcoolismo é em
geral impreciso, freqüentemente subestimado e feito, via de regra, quando o
paciente já está num estágio avançado de dependência, com claras repercussões
70
físicas, psíquicas e sociais” (OLIVEIRA; LUIS , 1996, p.175).
De maneira breve salienta-se a necessária compreensão e, se possível a
estruturação de interfaces entre as pesquisas e estudos sobre aspectos biomédicos
- com ênfase na clínica médica, na psiquiatria e na genética, com estudos
sociológicos, antropológicos, psicossociais e ético-legais.
Neste sentido é importante destacar algumas das políticas recentes do setor
saúde referente ao uso de álcool, que colocam em evidência a importância e a
prioridade que este tema começa a assumir no Estado brasileiro:
§
Portaria nº 816/GM/MS, de 30 de abril de 2002, que instituiu, no âmbito do
Sistema Único de Saúde - SUS, o Programa Nacional de Atenção
Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas;
§
Portaria no 336/GM/MS de 19 de fevereiro de 2002, que define normas e
diretrizes para a organização de serviços que prestam assistência em
saúde mental, tipo “Centros de Atenção Psicossocial – CAPS” - incluídos
aqui os CAPS voltados para o atendimento aos usuários de álcool e
drogas, os CAPSad.
§
Portaria n0 189/SAS/MS de 20 de março de 2002, que regulamenta a
Portaria GM / 336 - criando no âmbito do SUS os “serviços de atenção
psicossocial para o desenvolvimento de atividades em saúde mental para
pacientes
com
transtornos
decorrentes
do
uso
prejudicial
e/ou
dependência de álcool e outras drogas”;
§
Portaria n0 2.197/MS de 14 de outubro de 2004, a qual redefine e amplia a
atenção integral para usuários de álcool e outras drogas e institui o
Programa de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, a ser
desenvolvido de forma articulada pelo Ministério da Saúde e pelas
Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
§
Portaria n0 429/GM/MS de 22 de março de 2005, que institui o Comitê
Técnico Assessor para a Política de Álcool e de Outras Drogas do
Ministério da Saúde;
§
Portaria n0 1.612/ GM/MS de 09 de setembro de 2005, a qual aprova as
Normas de Funcionamento e Credenciamento/ Habilitação dos Serviços
71
Hospitalares de Referência para a Atenção Integral aos Usuários de Álcool
e outras Drogas.
Salienta-se, ainda, que a Política Nacional de Promoção da Saúde (BRASIL ,
2006), busca através de suas diretrizes e das estratégias apontadas, que na
organização das ações nas três esferas de gestão do SUS seja garantida a
integralidade do cuidado. Enfatiza que sejam buscadas soluções a temas
complexos, dentre estes, o do uso abusivo de álcool e outras drogas.
Para tentar dar conta da multifatorialidade e da complexidade de um tema tão
premente na saúde pública mundial e brasileira, como é o do uso de álcool e outras
drogas, as novas políticas e diretrizes propostas pelo Ministério da Saúde trazem em
seu bojo o desafio de implementar, na prática, as ações concretas. Ações
transversais que envolvem vários setores da sociedade, como: justiça, educação,
ações sociais e de desenvolvimento, uma vez que a perspectiva transversalizadora é
a
“que
permite
a
apreensão
do
fenômeno
contemporâneo
do
uso
abusivo/dependência de álcool e outras drogas de modo integrado e diversificado
em ofertas terapêuticas, preventivas, reabilitadoras, educativas e promotoras da
saúde” (BRASIL , 2003, p. 7)
Muito além do que pensar em estratégias centradas apenas num modelo
curativo, o Ministério da Saúde, coloca a importância da prevenção voltada para o
uso abusivo e/ou dependência de álcool e outras drogas. Nesse particular a
prevenção
(...) pode ser definida como um processo de planejamento, implantação e
implementação de múltiplas estratégias voltadas para a diminuição da
vulnerabilidade/redução dos fatores de risco específicos e fortalecimento
dos fatores de proteção. Implica necessariamente na inserção comunitária
das práticas propostas, com a colaboração de todos os segmentos sociais
disponíveis (BRASIL, 2003, p. 13).
A Agência Nacional de Saúde Suplementar,
no
“Manual
Técnico
de
Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças na Saúde Suplementar”,
resgata que a ANS,
(...) tem como pressuposto alinhar as práticas do setor suplementar de saúde às
políticas de saúde gerais do Brasil. Deste modo, está incorporando a Saúde Mental
como uma Linha de Cuidado prioritária para o setor. Nesta direção, a prática de
Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças na Linha de Cuidado Saúde
Mental tem sido estimulada em todos os níveis de atenção: primário, secundário e
terciário. (...) Toda a Atenção em Saúde ao paciente portador de transtorno mental no
72
território nacional em qualquer sub-sistema de saúde, seja público, complementar ao
público, suplementar ou estritamente privado está obrigado a seguir as determinações
desta lei federal no 10.216 – 2001 (...) (BRASIL, 2006, p. 41-42).
Nesse sentido propõe ações que devem estar presentes em Programas de
Prevenção ao uso de Álcool e Outras Drogas, evidenciado que as mesmas “devem
estar pautados na Política Ampliada do Ministério da Saúde de Redução de Danos.
Seguindo esta diretriz, a abstinência não pode ser o único objetivo a ser alcançado”
(BRASIL , 2006, p. 44). As ações propostas são:
§
Programas de educação em saúde sobre álcool e drogas para toda a
população beneficiária;
§
Programa de apoio e educação em saúde para familiares e usuários;
§
Trabalhar com equipes multidisciplinares;
§
Capacitar recursos humanos para o programa;
§
Proporcionar tratamento específico na atenção primária;
§
Criar vínculos com outros setores sociais como Alcoólicos Anônimos –
AA;
§
Estabelecer programas específicos para alcoolismo e outras drogas em
todos os níveis de atenção;
§
Quando
trabalhar
com
planos
empresariais,
fazer
programas
preventivos junto às empresas;
§
Estímulo, quando for o caso, à reinserção familiar e no trabalho;
§
Equipe qualificada nas emergências psiquiátricas e clínicas para
redução de visitas em emergência e aumento da adesão ao tratamento
continuado em serviços ambulatoriais e de atenção diária.
Pautando-se na diretriz transversalizadora acima apontada, considera-se que
no bojo destas discussões há dois aspectos apontados na Política Nacional que
merecem destaque aqui. O primeiro faz referência ao papel da mídia e das
propagandas de massa relacionadas ao álcool – dirigidas progressivamente ao
público jovem e centrada no eixo diversão – esporte.
Os veículos de comunicação de massa devem ser incentivados a realizar
campanhas de redução dos danos à saúde provocados pelo consumo do álcool. O
73
eixo norteador de campanhas pela redução dos problemas provocados pelo álcool
deve ser a estratégia de redução de danos, devendo haver a crítica de estereótipos
relacionados ao uso do álcool, e incentivados pela propaganda de bebidas
alcoólicas, como a associação do uso do álcool com a virilidade, a sensualidade,
diversão etc. (BRASIL , 2003, p. 21).
O segundo é sobre a importância do papel do controle social, uma vez que,
quanto ao controle social dos danos à saúde relacionados ao uso do álcool,
deve ser fomentado o debate público em várias instâncias de modo a
viabilizar o controle social sobre os danos à saúde e relacionados ao
consumo de bebidas alcoólicas. Este debate deve abordar medidas como a
revisão da taxação de bebidas alcoólicas através de imposto que seria
destinado ao custeio da assistência e prevenção dos problemas
relacionados ao uso do álcool, bem como pela discussão, implantação e
implementação das propostas constantes no Relatório Final da III
Conferência Nacional de Saúde Mental (III CNSM, 2001) (BRASIL, 2003, p.
21).
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Considerando-se a perspectiva deste estudo que é captar o olhar dos
usuários de quatro linhas de cuidado, em três capitais da região sul do Brasil a
respeito do processo saúde-doença-cuidados, e tendo como referência o olhar da
sócio-antropologia, os achados obtidos nas entrevistas foram organizados e estão a
seguir apresentados, segundo três categorias analíticas e por linhas de cuidado.
Os estudos de Kleimann (1980), Langdon (1994), Helman (1994) mostram
que a percepção sobre a saúde e a vivência da doença envolve uma explicação
pessoal, fortemente influenciada pela cultura. E que esta percepção influencia as
escolhas de tratamento e o itinerário percorrido na busca de soluções para o
sofrimento e para os cuidados em saúde.
Neste sentido o estudo buscou, inicialmente, captar as percepções dos
sujeitos entrevistados sobre o problema, seguido da identificação das escolhas e do
percurso realizado em busca de cuidados e, finalizando com a identificação da
satisfação dos usuários em relação aos serviços, aos cuidados recebidos e ao plano
de saúde.
74
A temática da satisfação pertence a um campo polissêmico que é o da
avaliação em saúde, e embora o termo satisfação esteja na ordem do dia, sendo
referido em larga escala na literatura internacional, trata-se de um conceito cujos
contornos
se
mostram
vagos,
reunindo
realidades
múltiplas
e
diversas”
(ESPERIDIÃO; TRAD, 2006, p. 1268). Consciente desses limites, analisar a
satisfação de beneficiários da rede de saúde suplementar não intenciona discutir
aspectos teóricos desse tema complexo, mas apenas centrar-se na percepção dos
entrevistados sobre o serviços/atendimento recebido e sobre o plano de saúde. No
conjunto das linhas, os resultados apresentados no quadro 7 apontam para uma
avaliação, significativamente positiva.
Quadro 7 - Síntese dos dados referentes a satisfação nas 4 linhas de cuidado
Variáveis
Satisfação com o atendimento
Totalmente satisfeita
Satisfeita
Insatisfeita
Muito insatisfeita
Ignorado
Satisfação com o plano
Totalmente satisfeita
Satisfeita
Insatisfeita
Muito insatisfeita
Ignorado
Alcoolismo
IAM
1
Câncer de
mama
Parto
Todas (%)
15
12
2
23
8
1
-
21
9
2
1
-
25
8
1
3
-
84
37
4
4
2
(64,1)
(28,2)
(3,1)
(3,1)
(1,5)
5
20
3
1
18
9
4
1
-
21
9
2
1
-
15
19
2
1
-
59 (45,5)
57 (43,5)
11 (8,4)
3 (2,3)
1 (0,8)
Com relação ao atendimento 84 (64,1%) estão totalmente satisfeitos;
37(28,8%) satisfeitos, 4 (3,1%) insatisfeitas, 4(3,1%) muito insatisfeitos e 2 (1,5%)
ignorados. Com o plano: 59(64,1%) estão totalmente satisfeitos; 57(43,5%)
satisfeitos, 11(8,4%) insatisfeitos e 3(2,3%) muito insatisfeitos e 1 ignorado.
Em relação ao atendimento, apesar da satisfação elevada, muitos pontos
foram elencados como negativos tais como baixa qualidade das instalações físicas
dos hospitais, maternidades e clínicas que atendem pelo convênio e ausência de
equipes multiprofissionais que poderiam contribuir com a integralidade da
assistência. Foram apontados também deficiências nos profissionais de saúde
contratados pelo plano para prestar assistência, destacando falta de humanização
75
no atendimento, principalmente por parte dos médicos e déficits na orientação e
comunicação entre instituições, profissionais e usuários dos serviços.
Cabe ressaltar, também, que apesar da avaliação do plano ter sido bastante
positiva, verificou-se uma “segunda” avaliação nas falas dos entrevistados, que
demonstra que diversos aspectos relativos à utilização do plano não estão sendo
efetivos. Estes aspectos estão descritos, detalhadamente, em cada linha de cuidado.
6.1 LINHA DE CUIDADO CÁRDIO-VASCULAR, MARCADOR “INFARTO AGUDO
DO MIOCÁRDIO – IAM”
6.1.1. Percepção do Problema
A percepção da causa do problema “infarto agudo do miocárdio”, nas pessoas
entrevistadas das três capitais, apontou para duas categorias principais: estilo de
vida, como primeira explicação e de maior força, e fatores hereditários, como a
segunda.
A categoria estilo de vida articula as explicações que entendem que a doença
é causada por determinados hábitos alimentares, consumo de fumo e pouco
exercício físico, assim como por stress causado por problemas, pressões,
insatisfações e perdas vividas no trabalho e/ou na família.
Uma dieta inadequada, colesterol altíssimo, quatro anos sem exame,
controle nenhum e stress, um stress emocional bem forte(...).então nessa
correria o stress me acelerou uma coisa que eu não deveria ter, que é
artérias entupidas, com uma dieta inadequada até, muita gordura, muito
queijo. (FI 05)
É o vício do cigarro e a falta de exercício(...) (PI 07)
Eu trabalhava muitas horas, fiquei sedentário (...)e o stress foi se
acumulando(...) (CI10)
Foi problemas com estresse(...) muito trabalho, envolvimentos variados e a
parte financeira(...)preocupação, a profissão(...)imposto de renda tem que
pagar isso de declaração é..barbaridade, é um monte de coisa e com a
família também(...) E sobrecarga assim, vai indo, vai indo o dia-dia(...) isso
daí incomoda a gente (CI 03)
Todas estas categorias apareceram relacionadas às causas de infarto nas
três capitais.
Dantas et al (1999), tomando o modelo de “campo da saúde”, ao investigar o
76
perfil de mulheres com infarto agudo do miocárdio mostrou referências à presença
de fatores de risco evidentes nos quatro elementos do modelo.
Em Curitiba, houve uma maior valorização da categoria stress do que nas
outras capitais, semelhante aos resultados de Colombo e Aguillar (1997), que ao
pesquisar sobre estilo de vida e fatores de risco de pacientes com primeiro episódio
de infarto agudo do miocárdio, encontraram que 60% dos pacientes estabeleceram
relações entre o infarto e algum hábito do seu dia-a-dia, principalmente o estresse,
seguido de esforço físico e do hábito do fumar.
O caráter familiar da doença foi apontado por um grupo menor de usuários,
qualificando-a como “hereditariedade” ou “fator genético”.
Eu acho que é hereditário sabe por quê? Porque minha mãe e minhas
irmãs, a minha mãe morreu disso, uma irmã morreu dentro do quarto
infartada e tinha a outra que tava telefonando também, morreu na hora, caiu
assim, então eu acho que é hereditário, né? (FI 08)
(...) o problema do meu infarto, eu acredito foi por duas situações: por ser
genético e por ter abusado da minha saúde, né? (CI5)
A história familiar positiva para doença cardiovascular, entre parentes
consangüíneos, é um fator de risco importante na determinação da ocorrência e do
prognóstico do IAM, principalmente quando se encontrar associada a outros fatores
de risco.
O estudo de Guimarães (1992) sobre doença coronariana no Brasil mostrou
esta associação, especialmente com relação à Hipertensão Arterial Sistêmica - HAS
(50%), IAM (34,6%), morte súbita (32,0%), Diabetes Mellitus (30,8%), Acidente
Vascular Cerebral - AVC (29,5%) e dislipidemias (11,5%).
6.1.2 Itinerário
O itinerário nesta linha de cuidado pode ser caracterizado como uma linha de
cuidado invertida, ou seja, os cuidados começam no final, quando a doença já está
instalada.
Neste sentido, o percurso mais comum identificado nos relatos dos
entrevistados foi: sentir dor pré-cordial e procurar ajuda do cardiologista ou médico.
A maioria dos entrevistados, ao identificar o sintoma de dor pré-cordial intensa
77
procurou serviços do subsistema profissional, sendo que a grande maioria procurou
por profissionais que prestam assistência a usuários de planos de saúde, e em
seguida foram encaminhados para um hospital/emergência. Alguns ainda, ao
reconhecerem os sintomas, tomaram a decisão de procurar diretamente a
emergência de um hospital, que conforme a configuração do sistema local de saúde
podia ser público ou privado.
Dentre os entrevistados, a maioria teve pela primeira vez este tipo de sintoma,
e uma menor parcela os teve de forma reincidente, por já ser portador de cardiopatia
ou por terem sofrido episódios prévios de infarto. Cateterismo e angioplastia com
colocação de stent foram os procedimentos mais freqüentes que se seguiram à
internação
nas
três
capitais,
ocorrendo,
também,
em
menor
monta,
a
revascularização do miocárdio.
a) Reconhecimento do problema
Pelo usuário e família - o itinerário percorrido pelo usuário nas três capitais
inicia com o reconhecimento do problema, o que se dava em três situações
diversas: a forma mais comum foi a identificação de risco pelo próprio usuário ou
por familiares, ao perceberem sintomas agudos acentuados, sem ou com
identificação da provável causa. No caso de pacientes com história de cardiopatia
prévia, sintomas reincidentes eram facilmente reconhecidos como situação de
infarto.
Senti um aperto tipo uma queimação bem no centro do tórax, mas eu não
dei importância pra isso. (...) eu não sou daqui, eu sou do Rio Grande do
Sul(...)após o almoço eu senti um mal-estar estomacal, aí eu fui numa
farmácia e me auto-mediquei e fui para a casa. Quinta-feira tomei uma
cervejinha à noite, e começou a dar uma queimação muito acentuada
depois(...)Começou a vir, nessa parte abdominal, subir, e se espalhava
pelas laterais e chegava até os dedos, até a ponta dos dedos, doía todo
braço, totalmente. Aí eu peguei e fui num hospital. (FI 02)
Começou a queimar o braço, peito, costas, dor muito intensa de quase não
conseguir respirar e aguda e irradiava, queimava(...) em casa a família já
desconfiou que eu estava infartando. (PI 05)
Este achado identifica-se com o referido na literatura por Kleinman (1980) e
Helman (1994) de que é no âmbito do subsistema denominado de informal (ou
popular, na versão em inglês, constituído pela família e rede de relações mais
próximas da pessoa que vivencia o sofrimento ) que, inicialmente, os sintomas de
mal estar são identificados e classificados.
78
Pelo profissional em consulta médica ou em caráter de urgência
A segunda forma que se apresentou foi o reconhecimento e identificação da
situação por profissionais médicos em consultas com cardiologistas ou nos serviços
de urgência, os quais podiam ser públicos ou cobertos pelo plano de saúde.Uma
parcela menor de usuários não teve seu problema identificado como infarto numa
primeira avaliação médica e somente com o agravo da situação ou na consulta com
outro profissional foi realizado o diagnóstico definitivo e subseqüentemente a
internação de urgência.
A eficácia deste reconhecimento nem sempre foi positiva, acontecendo erros
diagnósticos episódicos. Influenciou na efetividade do diagnóstico a complexidade
do local da atenção em termos de acesso ao profissional especializado e a exames
diagnósticos complementares.
(...)eu tinha que fazer urgente o cateterismo, daí eu vim pra cá, fiz o
cateterismo.(FI11)
Aquele primeiro médico medicou como se fosse(...)pra tirar essa ardência
que eu mencionava pra ele no estômago e ele me deu mais um remédio
para gastrite(...) nada com o coração.(? )
Eu fui na clínica para consulta e as secretárias falaram que ele não ia
atender que ia embora. Fui em outra Policlínica, o médico viu que era
infarto, falou que não podia fazer nada, não podia fazer exames,chamou a
ambulância da “X”,e teria que preencher uma papelada pra ambulância vir,
e eu não podia esperar esse tempo, muita burocracia. Daí foi chamado o
SAMU, a mesma situação, um formulário que levaria uma hora(...). Daí eu
peguei um táxi e fui até o Hospital onde eu fui atendido imediatamente
(...).(CI 7)
O doutor veio, foi me examinar, o clínico, daí me mandou pro hospital(...).(PI
62)
As dificuldades de acesso ao profissional do plano de saúde acarretaram
inclusive consultas com médicos de outras instituições
O cardiologista de Tubarão era do plano, mas tava esgotado, eles tem
também limite. Aí teve que encaminhar pra Criciúma, mas nesse caso, que
é urgente, eu sou obrigada a pagar a consulta porque não tinha mais como
conseguir pelo plano(...) o resto foi tudo pelo plano. (FI3)
Por rastreamento prévio em consulta ou avaliação para controle do
problema – Apenas um número pequeno de usuários referiu-se a uma terceira
situação onde o reconhecimento do problema ocorreu por rastreamento prévio em
consulta médica dirigida a outros agravos ou em avaliações para controle do mesmo
79
problema em outras artérias comprometidas anteriormente.
(...)tava jogando futebol e(...) senti uma dor forte no peito. Não fiz nada,
relaxei um ano (...) No ano seguinte o médico só fez o eletro e não pediu a
esteira, fui a outro médico, esse foi mais preventivo, ele me receitou a
esteira(...)no terceiro estágio, que aumenta a altura e a velocidade, comecei
sentir uma dor no peito(...) ele já me mandou parar, indicou uma
eletrocardiograma que acusou que eu tinha que fazer urgente um
cateterismo. (FI 11)
Então o enfermeiro me mandou eu pro hospital(...)Cheguei lá, já tava 20 de
pressão, acharam melhor procurar o cardiologista. Aí fiz todos os exames:
cintilografia, esteira, e fui fazer o cateterismo novamente. No cateterismo
acusou outro problema. Então vou ter que fazer mais 3 angioplastia, 3
colocação de “stent”. Eu to virando “magaiver”, robô, como é que chama?
Ciborgue. (CI 5)
O reconhecimento do risco ou mesmo da situação de infarto pode acontecer
de forma indireta, com histórias de consultas para verificação de outros fatores de
risco. Colombo e Aguillar (2006) mostraram que o principal motivo de procura aos
serviços de saúde da rede básica, de pacientes com primeiro episódio de IAM em
Campinas, foi o controle periódico de determinadas doenças, como HAS, Diabetes
Mellitus, entre outras, realizado por 48,7% dos pacientes.
b) Percurso, tipo de serviços e acesso em situações de urgência
Com o reconhecimento do problema o itinerário percorrido pelos usuários
envolveu a procura de diversos serviços do subsistema profissional, tais como
consulta ambulatorial em serviço público e privado, consulta com cardiologista e
atendimento em serviço de emergência cardiológica privada, além de serviços de
emergência da rede pública, referências ou não na área da cardiologia. A partir do
atendimento na emergência por cardiologista, muitos pacientes seguiam com este
médico a seqüência do tratamento.
Em relação às consultas privadas, as pessoas procuravam realizar
diagnósticos e tratamentos tanto com médicos de especialidades não especificadas
como com cardiologistas pertencentes ao plano.
Consultei particular, pelo, plano de saúde. Foi feito um eletrocardiograma e
o médico constatou que eu tava com ameaça de infarto e me mandou
80
consultar um cardiologista(...)( FI01)
Eu primeiro fui num médico do plano(...)só procurei especialista, porque
uma, é que eu não tenho fé em curandeiro, não acredito (FI 08).
(...)chamaram o médico e ele veio aqui. É o Doutor A, foi lá no quarto
examinar, é clínico, e me mandou para o hospital. (PI 62)
Os usuários que procuraram a unidade de internação de urgência privada
realizavam alguns procedimentos em uma unidade hospitalar e outros em outra,
dependendo das vagas em leitos e dos procedimentos a serem realizados. Em geral,
a escolha da unidade de internação era dos próprios pacientes ou familiares, ou
orientados pela emergência pública quando esta havia dado o primeiro atendimento,
ou mesmo pelo SAMU. Às vezes, do interior do estado, o próprio cardiologista
encaminhava para a capital, inclusive diretamente para uma unidade já contatada,
como encontrado em Florianópolis.
Em Curitiba os locais de início do percurso, na maioria dos casos, foram em
hospitais
credenciados
ao
plano
que
tinham
pronto-atendimento,
não
necessariamente de emergência cardiológica. Em Porto Alegre, a maioria se dirigiu a
hospitais de referência em cardiologia.
quando eu fui, eu tinha tido já o infarto, fui imediatamente para uma clínica.
E fui atendido na emergência, que se eu não tivesse sido atendido naquele
exato momento, com certeza eu não teria a sorte de estar falando hoje aqui.
(C4)
Eu disse que se nós vamos passar na frente do hospital de cardiologia,
vamos chegar ali. (PI 63)
Tive os sintomas e chamei a ambulância pra providenciar minha
remoção(...)eu já tinha vindo nesta clínica(...)( F16)
eu fui direto no plano, no posto médico de Tubarão, e lá eles fizeram
cateterismo e me mandaram direto pra cá. De Tubarão até aqui eu tive que
pagar a ambulância. (F17)
(...) Internei no hospital “X”, f iz cateterismo, angioplastia, e depois
tratamento em casa. Em dois meses deu outro infarto. Aí viemos aqui
porque não tinha vaga no “X”.( FI01)
A partir do IAM, os pacientes passaram a fazer acompanhamento com
cardiologista, em muitos casos com o médico que atendeu na emergência.
A partir do infarto começo a fazer acompanhamento com esse cardiologista
. O contato foi lá no hospital mesmo, ele começou a aparecer, ver como
tava, como não tava, e eu segui me tratando com ele. Ele diz que não foi
quem me atendeu, nem na emergência nem na UTI, mas depois que eu fui
para o quarto era ele que aparecia lá. (P62)
81
O médico é o que eu to me tratando até hoje, a gente tem que sentir
confiança. Quando ele tirou férias, me indicou dois nomes, mas eu só
consigo ir nele, tentei uma vez outro, mas não fui mais, sabe, não senti
firmeza. ( P63)
As pessoas que procuraram por conta própria a emergência dos hospitais em
Florianópolis para tratar o problema, encontraram acesso em hospitais públicos, uma
delas, inclusive, por não obter informações claras do plano de saúde. Na maioria dos
casos, eram reencaminhadas pelas emergências públicas, ou mesmo pelo SAMU,
ao atendimento em clínicas privadas. Em Curitiba e Porto Alegre, a procura aos
hospitais públicos como primeira opção só se deu nos poucos casos em que havia
proximidade com a residência dos usuários, ou mesmo quando um primeiro
atendimento se fazia no serviço de ambulância utilizado (SAMU).
Cheguei lá (no hospital público) e encontrei um médico maravilhoso. Ele me
escutou e falou: ‘ah, tu tá tendo um infarto, mas eu sou um médico de
(...)Oncologia’(...)’nós não temos agora aqui médico de coração (... ) somos
um hospital público e os recursos são limitados, mas a decisão é sua. Se
você quiser ficar aqui, nós vamos fazer todo possível para lhe dar o melhor
atendimento dentro dos recursos que nós dispomos. Mas como o senhor
tem um convênio bom, tem um hospital aqui perto que tem todos os
recursos, o senhor pode ser atendido por eles. (FI 13)
Daí a filha chamou a ambulância do SUS do SAMU e eles vieram aqui e eu
tive três paradas cardíacas na ambulância, mas eles tinham o desfibrilador
E daí eu fui pro hospital e fizeram o cateterismo e a angioplastia. O Samu
levou para o hospital particular. Eles não queriam, mas devido a minha
situação e eu pedi pra eles ou vocês me levam ou eu morro daí ele abriu
uma exceção e me levou pro hospital particular. (CI 05).
Neste estudo, os hospitais/urgências públicos foram procurados no primeiro
episódio de dor pré-cordial em três situações: quando o paciente não possuía a
modalidade de plano que provê cobertura hospitalar; quando havia maior acesso da
urgência hospitalar pública; e por não ter encontrado informações acessíveis sobre a
existência de uma urgência cardiológica privada coberta pelo plano(Fpolis).
(...)fui para uma emergência pública e fiz cateterismo na mesma hora. E fui
transferido para cá do hospital publico no sábado pra fazer a cirurgia, lá eles
até fazem a cirurgia, mas como é hospital público você não tem nada,
entendeu? Tem nego esperando lá vinte, trinta dias. E eu tendo plano de
saúde, pagando plano de saúde, pra quê, podendo vir pra cá? (FI10)
A partir daí, alguns usuários de Florianópolis sem a cobertura específica de
82
internação hospitalar passaram a providenciar sua ampliação. Usuários com
cobertura já suprida pelo plano e atendidos por hospital público foram orientados a
procurarem os serviços vinculados ao plano .
Cateterismo e angioplastia foram os procedimentos mais freqüentes que se
seguiram à internação, ocorrendo também em menor monta a colocação de pontes
de safena.
Vou fazer outro cateterismo e angioplastia. (FI01)
Chamaram o plano de saúde porque eu estava infartando e vim direto para
cá, entrei direto pro centro cirúrgico, fiz uma angioplastia, agora vou fazer
outra quarta-feira porque tem mais umas duas meio entupidinhas ali, vai ter
que mexer.(P4)
Fiquei na UTI, fiz aquela cirurgia grande, 4 ponte de safena né? (CI 08)
Os serviços de emergência cardiológica apareceram como um importante
recurso nos casos de IAM, configurando-se em muitos casos como local de início do
percurso/itinerário terapêutico. Em relação a este dado é preciso considerar a
possibilidade de um viés uma vez que todos os entrevistados em Florianópolis foram
captados em uma clínica privada de referência em cardiologia onde estavam em
processo de tratamento.
Ainda
assim
identificaram-se
múltiplos
arranjos
e
percursos nas narrativas dos entrevistados.
Destaca-se, ainda, nesta linha, a concentração dos cuidados nos serviços do
subsistema profissional, o que pode ser explicado pela situação clínica de urgência,
com risco de vida.
Destaca-se como ponto importante nesta linha de cuidado o fato de que não
aparecerem nas histórias passadas dos usuários referências a procedimentos
preventivos sistemáticos com relação ao IAM, ficando reduzidos a controle de
fatores de riscos nos casos de pacientes hipertensos ou diabéticos, ou de
orientações alimentares em caso de dislipidemias. Depois do primeiro episódio de
infarto é que se inicia o efetivo monitoramento da doença.
c) As Escolhas
As possibilidades de escolha dos usuários estavam influenciadas pelo tipo de
financiamento, pelas possibilidades de acesso e pela falta de informação dos
usuários a respeito dos direitos e das alternativas terapêuticas sobre procedimentos
mais complexos.
83
O tipo de cobertura contratada com o plano de saúde foi determinante para a
trajetória a ser seguida pelo doente no que diz respeito ao acesso, diagnóstico e à
terapêutica. Em casos de não cobertura do pagamento de procedimentos mais
complexos pelo plano, pode ocorrer pagamento privado.
Chamaram o plano de saúde porque eu estava infartando e vim direto para
cá, entrei direto pro centro cirúrgico, fiz uma angioplastia. (F5)
É um sten,uma molinha. Tem um convencional e aquele que faz
armazenamento de remédio. O plano não cobriu e falou que não ia cobrir
em hipótese alguma. Daí o médico conversou comigo e eu conversei com a
empresa e a empresa que acabou é..pagando. Porque foi um preço que eu
não podia. (C7)
Com relação às possibilidades de escolha dos usuários sobre procedimentos
indicados para tratamento do IAM, existiu muitas vezes falta de informação a
respeito dos direitos e das alternativas terapêuticas sobre procedimentos mais
complexos,
principalmente
com
relação
ao
uso
do
stent.
Além
disso,
constrangimentos no atendimento público, como sugestões de co-pagamento,
também foram relatados.
(...)Não sei se teve colocação de stent. (acompanhante confirmando: teve,
sim) [Entrevistador: Com ou sem medicamento?] Não sei, tem que
perguntar (FI5)
O médico conversou o que ia fazer, o que não ia fazer. Inclusive, foi uma
coisa que ficou assim bastante ficou chato, ficou ruim pra gente no SUS lá,
foi que o médico nos pediu dinheiro.Ele falou o seguinte: aqui no SUS é
assim. Se você pagar vai ter um tratamento melhor, vai ter um equipamento
melhor. Então, na situação que eu tava ali eu falei: eu prefiro viver. Eu não
tinha o dinheiro né? Entrei no cartão de crédito, cheque especial, fiz
empréstimo, uma porção de coisa. Perdi um apartamento(...) É porque aí a
dívida vai rolando. O hospital também nós pagamos particular, o quarto
particular, mas também foi cobrado do SUS. (CI 05)
Problemas com relação a informações sobre acesso à internação hospitalar
coberta por plano foram relatados, principalmente no que diz respeito à necessidade
de informações mais claras sobre a existência e localização das unidades de
urgência. Este fator foi determinante na procura pela emergência pública em
Florianópolis.
Foi pura coincidência que estou aqui! Através de uma clínica cardiológica
que consta no catálogo, que me informaram desta urgência aqui. Aqui pelos
exames foi constatado que eu tive um infarto. Mas, caso eu tivesse
conseguido uma urgência coberta pelo plano logo (...) teria me evitado o
84
infarto, com certeza. Eu procurei desesperadamente, sexta e sábado (...) E
domingo, já me sentindo muito mal.(F2)
Com relação ao tratamento, observou-se total adesão aos procedimentos
instituídos, como era de se esperar pela condição de internação hospitalar na
realização das entrevistas. Na maioria dos usuários que tiveram outro/s episódio/s
de IAM no passado, a adesão durante o período de manutenção do tratamento era
completa. A pequena parcela que não seguia estritamente as recomendações, o
fazia às custas de não exercer bom controle da dieta, ou de diminuir o número diário
de medicamentos recomendados.
Segui rigorosamente. Porque o tratamento dizia pra não beber, não fumar e
tomar os remédios. Eu fumava há mais de cinqüenta anos e bebia todos os
dias uísque na hora do almoço e no jantar. E quando eu sai do hospital eu
parei de beber e parei de fumar e segui certinho..A esposa fez uma tabela
com os horários dos meus remédios, então tomei os remédios certinhos(...)
o médico hoje se orgulha de eu ser paciente dele diz que eu sou o melhor
paciente que ele tem (CI 09)
(...) a gente não segue totalmente o tratamento médico(...) A gente dá uma
bola fora, eu saia muito, a gente comia muito fora em restaurante. Seguir a
dieta que era pra seguir eu não segui, pois depois de oito semanas eu parei.
(F12)
Eu segui em parte né? Porque às vezes você(...) porque eu tenho um
problema de glicose alta, e o médico receitou alguns remédios e eu tô
renitente, fui renitente, para fazer uso desse medicamento né? (CI 04)
Outras práticas alternativas, tais como religiosas, populares, benzedeiras, etc,
foram descartadas por todos como não realizadas. Além do atendimento médico e
de enfermagem nas três capitais foram mencionados, mas em escala muito
pequena, o uso mais freqüente de exercício, como caminhadas, e a consulta a
fisioterapeutas. E, apenas em Curitiba, foi mencionado por um entrevistado a busca
de apoio religioso ou de grupos sociais solidários.
Sempre tive uma atividade diária,
fiz(...)fisioterapia, particular. (F10)
uma
caminhada(...)
também
Que eu fiquei sabendo depois, tinha um grupo de oração aí rezando pra
mim, achei bom(...)gostei disso (CI 09)
Na igreja, a gente faz um trabalho extra profissional. Nós somos
palestrantes de curso de noivo, encontro de casais, tal. Esse pessoal nos
auxiliou bastante, não financeiramente, com remédios, com nada. Mas com
palavras, com carinhos. E isso não tem faltado (CI 05)
Procurei em Deus, claro, toda a força, toda a fé que tinha. (PI 61)
85
6.1.3 Satisfação
a) Satisfação com os serviços e com a qualidade da assistência recebida
A satisfação positiva com os serviços foi unânime entre os entrevistados, que
valorizaram a presteza no atendimento, a qualidade técnica, o tratamento de acordo
com as necessidades individuais e com as diferentes subjetividades, o acesso aos
cuidados necessários e a cobertura oferecida. A maioria dos usuários nas três
capitais escolheu a alternativa totalmente satisfeitos para qualificar a atenção
recebida. Nas três capitais, os serviços de saúde oferecidos foram tiveram uma
avaliação mais satisfatória dos planos de saúde.
Esta satisfação se deu, principalmente , pela boa atenção profissional recebida
na clínica onde ficaram internados, com destaque para o reconhecimento do
diferencial que significa obter atenção de boa qualidade.
Totalmente satisfeito. Porque o pessoal foi atencioso, competente.Todos
eles são, além da médica. A médica que me atendeu no primeiro dia, ela
continua me dando cobertura agora até o fim.. Então ela vem de manhã,
vem de tarde e ela não é plantonista aqui dentro né? (...)aqui na UTI tem
plantão. Troca a cada seis horas e todos eles são muito atenciosos e as
enfermeiras são muito atenciosas (CI 01)
Muito satisfeita. Porque o carinho e a maneira que elas tratam lá a gente
não tem, é uma coisa assim que a gente se sente bem. Então, para mim eu
não peguei um lugar que eu falasse fulana é chata, não, tudo com todo
carinho. (PI61)
Totalmente satisfeito. Lá tem uma filosofia de que, quando chega uma
pessoa acometida de um mal súbito desse, ela atende a pessoa e depois
ela vai encaminhar pra onde deva ir, etc e tal. Então é por isso que eu fiquei
satisfeito né? Eles começam a te atender, imediatamente Eu até tive a
felicidade de quando eu cheguei infartado, o meu médico que eu
costumava, que me consultava, estava de plantão e ele ajudou a orientar o
profissional que tava na parte da emergência. (...), são muito organizados e
por isso a gente não tem notícia de óbitos, e tal, lá.De nada adiantaria ter
um plano bom se na hora que eu necessitasse do atendimento, não tivesse
um atendimento de qualidade.(CI 04)
Do serviço não posso me queixar. Se pudesse dar mais de dez eu daria
mais de dez a nota pra eles. Tanto na ambulância quanto aqui, na estadia,
no tratamento(...). (F16)
Não é uma questão de plano(...)Com o plano, a finalidade é essa, que te
torne menos oneroso, mas só o plano não resolveria, de nada adiantaria ter
um plano bom se na hora que eu necessitasse do atendimento, por
exemplo, se eu viesse aqui e não tivesse um atendimento de qualidade,
entendeu? O que mais tá me ajudando, o plano vai cobrir tudo, mas é o
atendimento que eu já estou tendo aqui, então isso é um complemento,
entendeu? (F2)
86
O atendimento tava bom, dentro da normalidade, nada de excepcional que
justifique o “totalmente satisfeito”. Um bom tratamento, o necessário, a parte
principal: a operação – correu tudo bem. Deveria ter sido tratado da maneira
que fui tratado.( F 11)
Também houve referência de bom tratamento em um hospital do setor público
Fui muito bem tratado, peguei uma equipe ótima de serviço lá no HU e o
pessoal me deu toda atenção, tanto é que eu fiquei vinte minutos numa
emergência. Vinte minutos não é tempo algum((...))os profissionais que
estavam lá, deveria ter sempre, pois também existe nas emergências dos
hospitais aqueles profissionais que não tem um mínimo de respeito pelo ser
humano, sabe?( F4)
Apareceram também alguns pontos de insatisfação, focados em queixas
relativas a um ambiente hospitalar ruidoso. Apenas uma queixa foi apresentada
com relação a manejo dos profissionais.
Vou fazer uma crítica à clínica, tá? Eu não sei se toda UTI é desta maneira,
mas eu acho que qualquer pessoa que faz qualquer procedimento dentro de
uma UTI, requer silêncio(...)e eu nunca vi coisa mais barulhenta do que uma
UTI, pela madrugada! Tem um tambor lá que eles enxugam a mão, então
eles botam o pé lá embaixo e quando eles jogam o papel lá dentro eles
deixam aquela tampa cair com toda a força, é um estrondo só. Eu que sou
jovem isso me irritou imagine um idoso(...). Muito barulho dentro da UTI. O
papo entre eles é alegria, né, eu acho assim, entre os funcionários,
conversavam, descontraiam tudo, mas eu acho que o barulho nas ações
instrumentais, bate aqui, bate alí, isso aí irrita muito a quem tá querendo
fechar o olho e dormir. Tu sai duma mesa de cirurgia, de um procedimento
desse, tu tá sedado, aí tu fecha o olho pra dormir, os barulhos vão
atrapalhando teu sono, (...). Fazer mais silêncio, orientar o pessoal para
fazer menos barulho. O resto tá tudo ótimo, tá tudo ótimo, não tenho
queixas. (F5)
Com relação a satisfação com o lado profissional eu fiquei totalmente
satisfeito, agora se tu me disser: o total. No total eu não fiquei satisfeito por
causa de uma tremenda algazarra das visitas aqui do lado, não dava pra ler,
não conseguia concentrar(...) eu algumas vezes reclamei: tá muito barulho
lá, o pessoal não tem noção que tá num hospital. Mas isso aí é um
problema de educação do nosso povo. O povo não tá preparado. Isso aí
que me deixou um pouco insatisfeito.(F13)
Eu não queria usar a sonda para oxigênio, dai diziam que eu devia fazer
isso, eu disse não faço, porque eu não queria, não faço!! (...)pegou uma
vassoura me esfregando o corpo me machucando. Era escova, diz a
esposa. Ora, escovinha, escovona, e não era bom, ela me machucava(...)
Era para ela ter entrado dentro do banheiro comigo, o que eu sei é que eu
tava lá dentro do banheiro só e ela me mandava, sugeria o que era para
fazer: levanta, mais para baixo.PI62
Outro motivo de reclamação foi o tempo à espera para a internação e a
opinião dos usuários na imperícia médica, foi encontrado
87
Devia ter mais leitos, mais espaço, pois se espera em fila, perdendo tempo,
sofrendo. Amanhã faz uma semana que a gente tá esperando leito no
“X”.(F1)
Insatisfeito(...)eu fui duas horas da manhã pro hospital, peguei o profissional
de plantão não tinha papel no aparelho. Poderia ter requisitado um da UTI,
não requisitou.Aí falou, “vamos fazer exames de enzimas, esse exame é
demorado, vai demorar umas três horas, então você pode ir pra casa e
depois você vem de manhã pra ver o resultado”. Quando voltei e viram o
resultado das enzimas, me enfiaram numa maca na mesma hora. Foi
interessante porque eu não fiquei em enfermaria, apesar do meu plano ser
enfermaria. O Dr. Fulano é diretor do hospital, ele me enfiou num
apartamento, inclusive com geladeira. Depois um colega me falou “escuta,
mas o cara que te atendeu pisou na bola! Que se te dá um infarto antes,
você morre, e entram com um processo contra o hospital aqui, ele quis botar
pano quente. (C11)
b)Satisfação com o plano
De uma forma geral, a maioria dos usuários relatou uma grande satisfação
com o plano de saúde, valorizando de forma muito positiva a presteza do
atendimento, com acesso facilitado e a qualidade proporcionada através do serviço
de saúde contratado As insatisfações apontadas foram relativas à cobertura do
plano, inclusive com relação ao acompanhante, às mensalidades consideradas
altas, às necessidades eventuais de co-pagamento, insatisfação pelos custos
crescentes. Houve uma crítica pontual relativa ao papel da agência reguladora dos
planos privados.
A cobertura é total, mas o plano já mandou dizer que não quer pagar
alguma coisa, mas eu já entrei com advogado pra pagar. Essa é a negativa
a respeito de uma ultra-sonografia que eles querem fazer pra continuar a
parte preventiva, pra ver o que tem mais entupido alí, mas tá no plano.
Estou entrando com advogado agora pra conseguir, só uma ultra-sonografia
dessa é R$ 4.700,00 . A desculpa é que o plano não cobre esse tipo de
procedimento, mas cobre. Na tabela antiga diz que eu tenho direito, na
tabela nova diz que não, então alguns hospitais estão usando as tabelas
novas, que dizem que eu não tenho direito.(F5)
Troquei de plano, porque o anterior estava muito caro, então a gente optou
pelo plano “X” social.(PI 62)
Dez também! Eles me atenderam muito bem, a “y” foi excelente, foi só ligar,
eles me trataram muito bem. Tudo, rápido, sem nada de burocracia,
maravilhoso. Colocaram o stent numa boa, tudo bem. (F7)
Totalmente satisfeito, porque tá tudo bem, tudo que eu pedi até agora, tá
tudo certinho. Me transportaram direitinho, não criaram nenhum impecilho,
impecilho normal, não tem burocracia, só a carteirinha e mais nada, não tem
nada não. (F 10)
Totalmente satisfeito, inclusive gostaria de ressaltar que eles respeitam o
estatuto do idoso. A “y” atende muitíssimo bem, maravilhosamente bem. O
88
meu plano é completo, tem também “y” lar(...)Eles vem em casa, pra ele
tomar injeção, ele podendo sair e tudo mais(...)Durante doze dias,
diariamente fazendo injeção, seria o plano completo pra injeção, E depois
não demora, você chama e eles vem imediatamente, não é aquela espera
de uma hora ou duas horas, não. (F 7)
Olha, juntando tudo bem juntadinho, eu acho o plano de saúde ótimo!
Apesar da gente ter que gastar pra pagar, né? Mas seu eu fosse pagar tudo
o que eu gasto de hospital, eu acho que sairia mais caro que o plano de
saúde ainda. Eu não sei, eu acho que quem não tem um plano de saúde
deve fazer, eu tenho uma colega que disse que não queria plano de saúde,
aí ela ficou doente e teve que vender a casa pra se tratar. Assim a gente vai
pagando um pouquinho todo mês, no fim a gente não sente né? (F8)
O plano atendeu minhas necessidades imediatas. A reclamação é que ele
não agiu por si, teve atenção a coberturas mínimas como alimentação, café,
apartamento, apartamento eu já sabia, quanto a alimentação do
acompanhante, nos primeiros dias o acompanhante não recebeu
alimentação, disseram que não tinha direito. E cinco dias depois disseram
que receberam uma informação do plano corrigindo esse erro. (F 11)
(...)um absurdo um órgão do Governo estar “se metendo” no serviço
particular. Se o Governo não cuida da saúde do povo não deveria se meter
com o serviço privado. (marido de usuária totalmente satisfeita) (F15)
Com resultados semelhantes, Milan e Trez (2007), em estudo sobre a
satisfação de beneficiários de planos de saúde, mostraram que as razões para a
satisfação com os planos são as certezas de acesso ao tratamento e a hotelaria e
privacidade.
Em Florianópolis, e em menor volume em Curitiba, as maiores insatisfações
relatadas
estiveram
relacionadas
às
dificuldades
de
acesso
a
exames
complementares (liberação, autorização) e à cobertura oferecida pelo plano de
saúde:
Um pouco demorado(...)a liberação. Liberam sempre, mas sempre tem uma
demora, os procedimentos mais caros, como cateterismo,eles demoram pra
liberar. Muita burocracia, o médico dá um laudo, depois vão estudar aquele
laudo, pra depois liberar. Tinha que ser mais rápido, aqui no Brasil tudo é
demorado. (F1)
A cobertura é total, mas o plano de saúde já mandou dizer que não quer
pagar alguma coisa, mas eu já entrei com advogado pra pagar. É uma
negativa à respeito de uma ultra-sonografia que eles querem fazer pra
continuar (...) a parte preventiva, prá ver o que tem mais entupido (...)A
justificativa é que esse plano não cobre esse tipo de procedimento, mas
cobre. Houve uma mudança lá(...) da Agência Nacional de Saúde, que
também autorizou essas mudanças de plano, só que quem não mudou eles
são obrigados a garantir o plano antigo. Era mais completo. É um absurdo,
pra fazer a cirurgia precisa do ultra-som, então precisa pagar o ultra-som
prá fazer a cirurgia que eles pagam(...) Então por causa do coração a
pessoa deveria estar calma, tem que estar mais estressada porque tem que
batalhar, brigar com o plano de saúde, uma coisa louca, né? A gente paga
para não se incomodar, mas vai ter que se incomodar. O socorro foi bom, foi
rápido, aqui é adequado, mas a única crítica é em relação a esses exames
89
mais especializados que é uma coisa a discutir, mas no todo, o plano é
ótimo, sem plano a gente não consegue se salvar não. (F5)
Porque eu acho que tem algumas coisas que deixam a desejar assim.. uma
que o nosso é plano nacional. Já começa a dificuldade.., antes de ontem, se
eu tô sozinho no hospital, eu não tinha como ir lá na unidade, sair do
hospital, pegar autorização(...) é uma coisa que eu acho que deveria ser
mais simplificada. (CI 10)
A autorização para prestação de serviços entre as cooperadas de diferentes
estados também foi alvo de críticas:
Agora tô esperando só a autorização prá fazer esse Ecocardiograma, a
sonda. A única coisa que eu to dependendo é isso aí. O plano tem que dar,
tudo isso é por autorização. Todos os exames, tudo com autorização.
Encaminha por aqui, mas quem tem que autorizar é onde eu tenho o plano,
que é no Rio Grande do Sul. Burocracia bonita. Dispenso!. (F2)
A liberação do meu plano acontece pelo estado do Tocantins! E além disso,
não fazem liberação por telefone. Faz a liberação pelo sistema da “y”. E
outra, só faz na unidade da rua tal. Então isso é uma dificuldade muito
grande (CI 10)
Houve ainda insatisfação no que diz respeito aos custos crescentes com o
plano e também como o co-pagamento
Tudo que eu faço é pelo plano. Se eu tô pagando (a mensalidade do plano),
tem que fazer pelo plano. Agora, caro para a pessoa mais idosa, quanto
mais avançada a idade, mais caro eles cobram(...), mas é muito bom, eu
acho muito bom o plano. (FI8)
Satisfeito, mas não totalmente, porque eles há poucos dias alegaram que o
plano estava em débito e cobraram uma taxa nossa, o plano já tá com um
superávit de 70 milhões e continuam cobrando essa taxa nossa. Por quê, se
está com superávit? (...) Então isso também enche a paciência, cobrar
coisa, cobrar coisa. Eu não paguei a minha vida inteira pra me aposentar?
Não fiz esforço pra pagar? Por que é que depois de eu me aposentar, que
acabou meu serviço na empresa eu tenho que pagar plano? Pra quem? Vou
pagar INPS?( FI6)
O ideal seria se o plano desse cobertura total ao tratamento médico, né?
Mas o plano não dá, a gente sempre tem uma despesa extra, porque você
tem que pagar um apartamento, você tem que pagar uma diferença aí já
paga uma diferença, para os médicos também(...)Acho que melhor que o
SUS é!. Insatisfeito pelo valor que a gente paga para um plano de saúde e o
que descontam deveriam dar a cobertura praticamente total(...) quando eu
fui lá prá fazer uma avaliação, eles alegaram que eu já tinha doenças préexistentes, eu também não teria cobertura total, porque eu já era portador
dessas doenças pré-existentes. Meu plano anterior era a mesma coisa, era
restrito também! Só que se pagava um percentual bem menor. E o plano
obedece a uma faixa etária, quanto maior a idade, o valor da mensalidade é
completamente diferente. (F09)
Troquei de plano, porque o anterior estava muito caro, então a gente optou
pelo plano “X” social. (PI 62)
90
E foi colocado duas molas. Aquele stent. Tem um convencional e aquele
reserva..que faz armazenamento de remédio. A “y” não cobriu e falou que
não ia cobrir em hipótese alguma(...)e a empresa que acabou pagando.
Porque foi um preço que eu não podia, como de fato não podia porque o
valor era muito alto, (CI 07)
fiz pela “X”, que não precisava ficar andando pra lá e pra cá pra autorizar. O
próprio prestador de serviço é que liga e autoriza. O “Y”tem que ir até lá pra
autorizar, então já é um pouco mais difícil pra mim que não posso caminhar
direito. Só pago aquela parte que a gente tem participação, como eles
chamam(...)de toda a minha despesa no hospital eu gastei noventa reais,
fora o anestesista que não tem convênio.(PI 63)
Gerschman et al. (2007) encontraram ao analisar a satisfação dos
beneficiários de planos de saúde que o padrão da prestação de serviço está
associado ao preço do plano e à qualidade do hospital que está vinculado.
Independente de ser plano novo ou antigo, os planos de categorias mais altas, de
hospitais bem estruturados, prestam um serviço melhor. Da mesma forma, planos de
categorias mais baixas, de hospitais pouco estruturados, oferecem um serviço pior.
Aqui também parece ser esta a explicação para as pessoas que tiveram maior ou
menor insatisfação com os diferentes planos, independentemente da operadora.
Da mesma forma, os motivos de insatisfação encontrados parecem conformar
um padrão de respostas encontradas em vários estudos no país: demora na
marcação de consultas; restrição ao tratamento de doenças cardíacas e outras;
restrição no número de consultas e exames e no tempo de internação e de UTI.
Também nesta pesquisa, as regras ou a falta delas, para os reajustes por idade e a
restrita abrangência geográfica de alguns planos preocupam os beneficiários e são
motivos de descontentamento com o plano de saúde.
Destaca-se, para os usuários das três capitais, uma grande preocupação com
a questão dos medicamentos, e há uma tendência de responsabilizar o setor público
pelo fornecimento de medicamentos.
Medicação graças a deus eu to pegando lá no Centro de Saúde, tem
poucos que eu compro. Mas o cardiologista não quer, quer que eu continue
com esse, que ele disse que não é a mesma coisa.(PI 63)
Os remédios é que são caros (...) e o remédio de coração é caro, e todo
mundo sofre na pele o preço do remédio. Só acontece isso quando a gente
realmente usa o remédio, aí é que a gente sabe, eu estou tomando um
remédio de duzentos e vinte reais. É verdade! É isso que o governo deveria
dar mais atenção, isso deveria ser parte do governo. Nenhum dos planos de
saúde cobre no total.( F7)
91
6.2 LINHA DE CUIDADO MATERNO INFANTIL: MARCADOR “PARTO”
Nesta linha, os resultados relativos ao marcador “parto” apresentam-se com
algumas especificidades pelo fato de não tratar-se de uma doença, como é o caso
dos demais marcadores. O parto neste estudo está tratado como “problema, ou
situação problema”, por se tratar de um evento especial na vida das mulheres e
famílias que demanda certos cuidados em relação à saúde, seja no campo da
promoção da saúde, seja no acompanhamento com vistas à prevenção de agravos,
identificação e tratamento precoces, seja no tratamento de problemas de saúde ou
doenças, novas ou pregressas.
6.2.1 Percepção da situação: sentimentos e expectativas em relação ao parto
A identificação da situação de gravidez para as mulheres entrevistadas
despertou sentimentos distintos entre felicidade e surpresa/infelicidade, assim como
expectativas acerca de como seria o transcorrer da gravidez e do parto. Estes
sentimentos e percepções sofrem influência dos valores pessoais, familiares e
culturais sobre o processo “gravidez-parto” e influenciam as decisões das mulheres
sobre o tipo de parto, assim como o itinerário percorrido em busca de cuidados,
correspondendo ao encontrado na literatura (HELMAN, 1994).
Dentre os sentimentos manifestados pelas mulheres, ao saberem da gravidez
e suas primeiras expectativas com relação ao parto, a maioria das mães
entrevistadas apontaram entre sentimentos de temor e felicidade.
Quando eu tava grávida eu fiquei assustada, porque a gente não esperava
né?! Eu morava num lugar, morava em São Paulo, ele morava aqui
(Florianópolis) né?! Embora tenha sido planejada pra ter um filho no futuro
(...)assim, não foi planejada, mas quando a gente ficou sabendo que eu tava
grávida, foi super(...)super bem recebida, né?! A noticia, né?! Pela gente,
pela família, ficou todo mundo super feliz. Então por mais que tenha sido um
susto assim né?! Foi super bom. (FP 05)
Me senti muito feliz, foi planejada então(...)eu imaginava ter normal até a
metade da gravidez e quando eu vi a barriga crescendo eu fiquei meio com
medo, eu digo ai acho que não vai ser normal. (PP 01)
Ao mencionarem seus sentimentos e expectativas em relação ao tipo de
parto, surgiram manifestações relativas ao medo da anestesia e da dor durante o
92
parto.
É a gente fica mais preocupada, com certeza, a gente fica mais preocupada,
fica mais sensível, toda aquela coisa. O que eu tinha mais medo era da
anestesia, é que eu fiz parto [normal] com anestesia quando eu tive o
primeiro filho, eu não senti nada foi uma maravilha e não tive nenhum efeito
colateral também o único efeito colateral é que eu não conseguia fazer xixi
nem coco, eu tive que fazer estimulação depois do parto porque foi super
difícil, mas foi mais isso mesmo. O parto foi sem dor foi bem tranqüilo, agora
eu tinha medo de ter isso novamente, e tive, porque tomar raqui, tem alguns
efeitos (PP05).
Fiquei apavorada (...) bom eu queria que fosse uma cesárea né? Porque eu
sofri demais no parto normal (CO 03).
Aí que tá! Como foi até o sétimo mês então praticamente até o parto não
recebi muitas orientações pra mim foi bem complicado até. Pra eu ter nenê
não sabia como ia ser, o meu parto foi parto induzido, senti muita dor(...) O
nenê tava nascendo, aí tinha que segurar mais um pouco. Então foi bem
complicado, tanto que o médico não queria muito conversar sobre o parto,
eu tava em dúvida entre parto normal e a cesárea né? Depois eu fiquei
sabendo que parto normal hoje tem, é(...)como é que se diz? Menos dor e
eu nem fui informada, fiquei sabendo até agora com essa novela que ta
passando (CO 06).
Vale ressaltar que os aspectos relacionados aos sentimentos devem ser
considerados pelos profissionais de saúde que prestam os cuidados ao parto.
Rugolo (2004) encontrou resultados semelhantes em estudo sobre sentimentos e
percepções realizado com mães adolescentes e pontua a importância da valorização
do emocional na assistência à gestante, no nascimento e ao recém-nascido.
Por outro lado, o planejamento da gravidez traz para as mulheres a sensação
de tranqüilidade e possibilita o planejamento do transcorrer da gravidez e próprio
parto. Já o fato de não ter planejado a vinda do(a) filho(a) traz uma sensação de
insegurança e medo.
Bom foi uma gravidez planejada eu fiquei muito feliz embora eu tivesse
certeza que eu ia engravidar. Eu tinha certeza de que tudo ia dar certo eu
nesse ponto sou bem otimista então não tive muitas preocupações em
relação ai o bebe vai chegar assim ou assado bem bem confiante. (CO 05)
Ai meu Deus foi terrível(...) Não é que eu não esperava né? Que (...) eu
queria primeiro terminar a faculdade tudo né? E depois ter filho daí quando
eu soube que tava grávida tipo chorei três dias sem parar assim de não
saber o..não pelo fato? de ter o nenê. Mas de não saber o que fazer,
estudando, trabalho o dia inteiro, vai pra faculdade à noite. E o que que eu
vou fazer com ela né? Então foi(...) fiquei assustada né? (...) Com relação
ao parto(...) eu tinha um pouco de medo, um pouco de medo porque aquela
coisa, todo mundo fica falando, um vem e fala daqui ,outro vem um vem e
fala dali né? Então você fica meio assustado. (CO 07)
Ah, eu preparei antes de ter filho. Até o plano de saúde eu já tinha feito já
porque tem a carência tudo (...)eu já tava me preparando. Só que ainda eu
demorei pra engravidar. Demorei quase 1 ano, eu tava só aguardando né?
93
Porque foi decisão minha e do meu marido né? A gente tava
esperando.(CO 09)
Outro dado obtido nas entrevistas, bastante relevante, foi com relação ao
elevado número de parto cesáreo. Das 37 entrevistadas, 28 tiveram parto cesáreo,
seguida de 6 parto normal e 3 não identificaram o tipo de parto durante a entrevista.
Múltiplos fatores contribuem para a explicação deste fenômeno, dentre eles
destacam-se: concepções e valores das mulheres enquanto indivíduos e seres
culturais, medo da dor, situações de organização da vida cotidiana, e, também,
crença no aparato da biomedicina e na palavra dos médicos. Por outro lado, há,
também, certa conivência, omissão e, até, estímulo por parte dos obstetras
vinculados aos planos de saúde para realização do parto cesáreo.
Eu queria que fosse cesárea, porque lá em São Paulo o meu médico
incentivava a cesárea, não é que ele incentivava, ele achava que era
melhor, tanto pra criança quanto pra mim. Mais pra criança até do que pra
mim. (FP05).
A questão da escolha do tipo de parto em alguns casos parece ser decisão do
profissional em detrimento à vontade da mulher. A escolha por cesariana variou
entre decisão profissional sem um motivo aparente, por complicação e por decisão
da própria mulher. Os dados revelaram que a falta de informações sobre parto com
analgesia impediu a mulher de optar por parto normal. Outro aspecto refere-se ao
fato de que o tipo de parto pode ser influenciado pelo profissional médico durante o
pré natal, destacando-se a palavra do profissional baseada em argumentos técnicos.
Um estudo nacional13 realizado com puérperas, de instituições privadas e públicas
também destacou a participação do médico como promotor de uma cultura
intervencionista.
Como eu já tinha tido um parto e foi normal, eu gostaria que fosse
novamente normal, mas como eu sofri um pouco no primeiro porque eu tive
problema de hemorróida, então eu sofri mais por causa disso, aí eu acabei
fazendo uma cesariana por causa desta questão das hemorróidas se não
eu teria que operar logo após o parto, então eu optei pela cesariana, mas eu
me arrependi eu achei que a recuperação fosse um pouco mais tranqüila,
mas é complicada. (PP 04)
É, o primeiro que foi induzido foi normal e esse eu também achei que ia ser
normal. Aí eu cheguei no consultório dia 06 de outubro de 2006 e o médico,
fui numa consulta, tava com trinta e sete semanas ele (falou) ’tu vai ganhar
ela hoje’, eu levei um susto, disse ‘como?’, ele ‘tu ta com quatro dedos de
dilatação, nós vamos pra prevenir a pré-eclâmpsia e tal, ocorreu tudo bem
94
na tua gestação, mas pra não dar na hora, qualquer coisa assim, nós vamos
tirar ela. Aí levei um susto fiquei super nervosa, aí às nove horas da noite
era o parto, tudo no mesmo dia. ( PP 06)
Dessa vez eu já sabia que ia ser cesariana, porque eu tava com placenta
prévia total e eu já tinha duas cesarianas, então não tinha muito mais, não
tava nem nervosa, ia ser cesárea e ponto final. (PP03)
Eu queria parto normal desde o começo, mas aí, que eu trabalhava no Rio
(de Janeiro), como meu marido foi transferido para cá eu tive ela aqui. Mas
meu médico do Rio ele fazia de tudo para me convencer pra cesariana, de
tudo, tudo. Porque ele marcou (para) uma semana antes de completar
quarenta e uma semana. Tá, daí eu cheguei aqui, não tinha contado, falei
com o médico, que é o médico da minha família, ele falou ‘não a G. ela
completa quarenta e uma semana tal data’. Acabou que ela nasceu com
trinta e oito, mas foi parto normal também. Eu cheguei no hospital com 4 cm
de dilatação já. ( PP05)
Faúndes e Cecatti(1991) apontam que a cesariana a pedido também tem sido
implicada como uma das causas do crescente aumento de partos cesarianos.
Não, a gravidez não foi planejada, mas o parto sim (...) fiz a cesariana
quando estava com umas 38 semanas, 39 semanas pra não ter perigo de
passar, nada disso, também por causa das férias do meu marido, pra ele
poder estar comigo, pra poder ter um apoio, porque fica complicado sem
esse apoio, então a gente conseguiu conciliar tudo. (PP 154)
Ia ser cesárea também, por eu optar. O segundo foi melhor, eu
tive um melhor acompanhamento e ele [marido] ficou mais
perto de mim, na primeira não aconteceu, então eu fiquei bem
frustrada.(PP07)
Identificou-se, também, situações em que as entrevistadas mencionaram a
interferência dos obstetras a favor do parto normal, assim como um processo de
negociação entre as suas opiniões e expectativas e a dos médicos.
Ai depois conversei com o médico no desenrolar das consultas ele me
convenceu a fazer parto normal, e quando chegou no ultimo mês eu
convenci ele a fazer cesárea com laqueadura.
Então foi assim, durante a gravidez na primeira hora que eu tive certeza que
tava grávida, eu assim: “vou fazer cesárea”, decisão minha, né?! Depois o
médico me convenceu do contrario e depois eu convenci ele de que eu
queria fazer cesárea (FP01).
Atualmente, parece haver consenso de que o incremento das cesarianas não
se deve apenas às questões médicas, sendo influenciado por diversos fatores
psicossociais. Vários fatores não médicos estão envolvidos como os aspectos
socioeconômicos, preocupações ético-legais e mesmo características psicológicas e
95
culturais das pacientes e dos médicos.
Muitas vezes as mulheres já decidem por cesariana, que na verdade é seu
direito de escolha, mas o profissional pouco esclarece e pouco conversa com as
mulheres sobre seus desejos em relação ao parto e ao porque destes desejos. A
gravidez e a proximidade do parto são propícios para refletir sobre a gestação e a
parturição, assim como para desmistificar idéias como do parto normal com dor e do
parto cesáreo sem dor.
Não, a gente nunca conversou sobre como seria a cesárea, porque
como foi marcado assim (...) Não, a gente nunca conversou sobre
parto. Ela não conversa muito sabe, eu adoro ela, mas a gente não
conversava muito. Então foi na quarta a gente marcou por telefone a
cesárea para o sábado e como seria, como não seria eu não sabia
de nada, só quando eu cheguei lá, aí só quem me deu mais
informações foi o anestesista, que me disse que eu não ia fazer
força, que eu ia sentir, que eu ia deixar de sentir, porque ela fez o
parto inteiro e não falou nada. ( PP 01)
Uma análise geral permite verificar que há uma grande tendência de que as
mulheres sejam induzidas ao parto cesáreo por tratar-se de um procedimento que
otimiza a utilização dos recursos e diminui o tempo em que o profissional necessita
dedicar-se ao atendimento da parturiente.
Podemos observar também que apesar do elevado número de partos
cesáreos a maioria das entrevistas referiu o desejo do parto normal.
A gente fica feliz né?! Eu sempre quis parto normal, queria
amamentar, queria tudo certinho. Fiz até fisioterapia pra ajudar na
hora do parto. A gravidez foi planejada.(FP02)
Sempre esperei parto normal, sempre pensei em ter parto normal
(FP06).
O da primeira gestação eu pensei em fazer normal mas eu não pude,
porque tanto é que ele nasceu de oito meses. Ele era muito grande e
tava com duas circulares no pescoço, então a médica não quis
arriscar. Ela fez a opção por uma cesárea e daí na segunda gestação
eu acabei fazendo cesárea por já ter tido a experiência né? Daí eu
falei não! já que eu fiz uma a segunda também vai ser assim.. mas
no caso dele foi porque ele era um bebê muito grande mesmo e
poderia ter sido sufocado pelas circulares. (CO 05)
As expectativas das entrevistadas com relação ao parto surgiram de
experiências prévias de gravidez ou somente por conhecer a experiência de
96
parentes/amigas. Muitas vezes, o parto não ocorreu como a mulher gostaria ou
imaginou. Nesse aspecto, a maioria das entrevistas apresentou expectativas
semelhantes.
Bom, eu fiz cesárea né? Não posso ter normal. E ela é um nenê especial,
ela nasceu com síndrome [de Down]) e ter dado assim mais um pouco de
atenção sabe? Assim, na hora do parto, já na hora, me falaram que ela
tinha nascido assim. Eu acho que deveria esperar um momento mais né?
De se recuperar, pra chegar e conversar. Mas foi tudo bem graças a Deus.
fiquei um tempo lá ainda com ela, porque ela nasceu também com
amarelão. E seguir a vida em frente, fazer o tratamento dela, mas achei
assim, que faltou, um pouco mais de atenção sabe? né, filha? (CO 11)
Na segunda gestação é, na verdade eu, é, não esperava, porque a gente
tava se programando pra ter a segunda gestação no final do ano e
aconteceu bem no início, mas foi, a expectativa assim foi bem valiosa.
Fiquei bastante satisfeita. (CO 04)
Ah, eu me assustei quando soube que estava grávida, porque não foi
planejada. Mas foi bem aceita, desde o inicio, antes de saber que tava
grávida eu queria cesárea, quando fiquei grávida comecei a me informar e
quis parto normal, daí não foi possível, porque meu filho tinha 4 Kg no ultimo
ultra-som ai o médico não fazia, quis optar pela cesárea. (FP07)
Na verdade a gente decidiu a cesareana na sala de parto porque ela estava
com voltas de cordão no pescoço e daí baixou muito o batimento cardíaco
dela e daí a obstetra resolveu fazer a cesárea o mais rápido possível pra
não judiar dela e nem de mim. então na verdade eu entrei em trabalho de
parto tudo fui pra sala de parto fiz soro então a minha expectativa estava
igual. (CO 02)
Eu imaginei que eu ia sair correndo de madrugada e no fim foi mais ou
menos(...) e minha bolsa estourou só que eu não precisei sair correndo
porque ela estourou parcialmente então daí foi indo(...) foi indo mas foi bem
tranqüilo. (CO 07)
De acordo com Dominguez et al. (2004, p. 52) “gravidez e parto são eventos
marcantes na vida das mulheres e de suas famílias. Representam mais do que
simples eventos biológicos, já que são integrantes da importante transição do status
de “mulher” para o de “mãe”.
De acordo com os autores, embora a fisiologia do parto seja a mesma, há
diferenças de tratamento nas diferentes sociedades, sendo que “em nenhuma
sociedade ele é tratado de forma apenas fisiológica, pois é “um evento biossocial,
cercado de valores culturais, sociais, emocionais e afetivos” (DOMINGUES at al.,
2004, p. 52). Estes aspectos no Brasil são revelados por um modelo de atenção ao
parto centrado como um evento médico ou tecnológico, carregado de risco potencial,
onde a gestante é tratada como paciente e os partos ocorrem, em sua maioria, em
ambiente hospitalar, sendo o médico o profissional responsável pela assistência,
97
com utilização intensiva de intervenções obstétricas.
Essa visão médica abstrai a gravidez do restante da experiência de vida da
mulher e os significados que as mulheres atribuem às experiências de gravidez e
nascimento, seus sentimentos e sua satisfação com o cuidado são considerados
menos importantes do que sua subjetividade, sua segurança e a de seu bebê.
6.2.2 Itinerário
Em relação ao percurso, tipos de serviços e de profissionais de saúde
procurados para assistência pré-natal e para a realização do parto, foi amplamente
majoritária a escolha pelos serviços do subsistema profissional.
Verifica-se que o itinerário percorrido pelas mulheres segue a lógica do
modelo da biomedicina, seguindo o fluxo: consultório-laboratório-maternidade
Como era da segunda gestação, então na primeira você é marinheiro de
primeira viagem né? E como eu tenho contato direto com a minha
ginecologista né? Então a primeira, ela alertou bem sobre o pré-natal e
mesmo assim na segunda gravidez teria séries de exames né, que são
fundamentais? E assim, foram bem importantes assim né? Bem
explicadinho. No segundo foi mais fácil porque a gente já tem uma
experiência né? mas na primeira a minha obstetra explicou detalhadamente
né? Então, assim, não ficou nada a desejar. Assim, digamos, tinha o raio x.
Que daí a pessoa é especializada só nessa parte. Entrei em contato com a
pediatra antes dele nascer, tudo né?(CO 04)
Eu desconfiei né? Da gravidez, aí fui fazer o exame, aí deu positivo, aí já
marquei consulta. Aquela rotina né? (CO 11)
Obstetra e ginecologista somente. (CO 14)
AH(...)porque o pré-natal ele já me explicou né? (...)o pré-natal no
começo(...)quando eu soube que tava grávida eu não tinha o plano, ai
depois que que eu fiz. Dai no começo tratando pelo SUS né? Depois que eu
fui pro particular, então sempre quanto mais eu tava com uns seis, sete
meses daí os médicos mesmo falavam né? Como ia ser, eles perguntavam
se a gente tinha alguma dúvida, e a gente conversava bastante,
principalmente com esse meu médico do convênio né? (CO 12)
Dentre os profissionais de saúde mencionados como participantes da
assistência prestada às mulheres, durante o processo de gravidez e parto,
destacaram-se, principalmente, os médicos. Mas também foram mencionados os
profissionais de enfermagem e nutrição
(...)E acho que eu fui bem orientada durante todo o tempo. Pelo médico(...)
(FP05)
Ah, todos os médicos eu procurei(...)eu fiz cirurgia de redução de estômago
né?Então tem que ter acompanhamento de nutricionista. (CO 07)
98
Só a minha médica, mas no momento do parto, no hospital me atenderam
as enfermeiras, as técnicas de enfermagem, auxiliares e também o pediatra,
o anestesista também, eles dão uma atenção bem especial pra gente. O
atendimento deles foi excelente, não tem o que dizer e o hospital “x” em
particular, é muito bom, o atendimento de enfermagem deles é excelente,
eu tenho a dizer, sempre digo isto, já ganhei o primeiro, ganhei o segundo e
se tiver que ganhar foi ganhar lá de novo, porque eles tem um atendimento
vip. (PP 04)
Nesse aspecto Pires (1999, p. 33) pontua que a assistência à saúde, até hoje,
é fortemente influenciada pelo modelo biomédico hegemônico, no qual o médico tem
se mantido como “o elemento central da assistência”. Os demais profissionais
desenvolvem práticas que, mesmo sendo essenciais para que a assistência
institucional ocorra, tendem a ser percebidos como “auxiliares” e muitas vezes, os
aspectos positivos de seu trabalho são pouco mencionado pelos usuários dos
serviços de saúde.
Algumas mães referiram ter procurado outras práticas de saúde, além do
atendimento clínico individual, como vistas a se prepararem melhor para o parto.
Inclui-se aqui o cuidado profissional desenvolvido em grupos de gestantes e,
também, práticas não convencionais, o que foi observado, de modo destacado, nas
mães que moram em Florianópolis.
Sim, fiz no postinho de saúde do Itacorubi, grupo de gestantes e Yoga (FP
07).
Foi bem tranqüilo assim, e depois eu cheguei a procurar o banco de leite na
Carmela, e também fui super bem atendida (...)Me ajudaram, mas sobre
tudo a conversa assim mais as conversas com outras pessoas que não
eram da área da saúde, principalmente com pessoas da família (FP 08).
Procurei informações com minha mãe e minhas amigas que já tinham tido
filhos (FP 11).
Foi o curso, a minha médica que me ajudou bastante. Que eu conversava
bastante com ela, e algumas revistas e alguns papeizinhos que a gente
pegava. (CO 15)
Li alguma coisa na internet, sobre o feto né? , o desenvolvimento dele, mas
tudo coisa fácil. Como eu trabalhava não dava tempo, mas eu queria ter
feito, mas não deu tempo. (CO 06)
Eu acho que tinha que ter uma pessoa assim realmente pra falar sobre o
parto em si mesmo. (CO 03)
6.2.3 Satisfação
Com relação à categoria satisfação, destacaram-se a satisfação com os serviços
e com a qualidade da assistência recebida, e, também, a satisfação com o plano.
99
a) Satisfação com os serviços e com a qualidade da assistência recebida
A maioria das entrevistadas valorizou a presteza no atendimento, a atenção, o
tratamento de acordo com as necessidades individuais e com as diferentes
subjetividades, o acesso à atenção disponível quando necessário e a cobertura
oferecida. Um total de 60% das mulheres entrevistadas referiu estar totalmente
satisfeita com o atendimento prestado pelos profissionais.
A satisfação estava enfocada na boa atenção profissional recebida na
maternidade onde foram atendidas, destacando-se as seguintes falas:
Porque assim, o hospital que eu fui era bom. O “A” é um hospital bom. A
médica também já era uma médica de confiança e já é o terceiro parto que
ela faz meu. E assim, na primeira vez que você vai ter filho você é
marinheiro de primeira viagem né? Então às vezes você tá com fome, você
até passa fome no hospital? Já era a terceira vez, e ligava lá na cozinha, ai
eu tô com fome..dá pra mandar mais bolacha, mais pão? Eu pedia e eles
mandavam. Então me senti assim, fui super bem atendida. (CO 01)
Acho que foi excelente, inclusive das próprias médicas. Eu recebi da clínica
delas uma apostila falando sobre os diferentes tipos de parto, sobre os tipos
de anestésicos também e os procedimentos em relação ao pré e o póscirúrgico né? (CO 05)
Também houve referência de bom tratamento em um hospital do setor público
Fui muito bem tratada, peguei uma equipe ótima de serviço lá no HU e o
pessoal me deu toda atenção, tanto é que eu fiquei vinte minutos numa
emergência. Vinte minutos não é tempo algum(...)os profissionais que
estavam lá, deveria ter sempre, pois também existe nas emergências dos
hospitais aqueles profissionais que não tem um mínimo de respeito pelo ser
humano, sabe? (FP04)
Por outro lado, algumas mães entrevistadas referiram insatisfação com o local
onde foi realizado o parto e com a qualidade do atendimento prestado pelos
profissionais de saúde e por recepcionistas. Assim como, foram mencionadas
queixas relativas à falta de informação com relação às condições da mulher durante
o parto e às condições do bebê.
Eu acho que assim, faltou bastante da parte da enfermagem onde eu tava
internada sabe? Me colocaram lá, era prematuro. Acho que tinham que ter
conversado mais porque eu chorava de dor e chorava de medo, porque eu
achava que o nenê não ia sobreviver. E assim né? Quando começou a dar
as contrações mais forte, os médicos já sabem, deixavam, deixam gritar
porque é assim mesmo. (...) Pra mim deixou a desejar bastante porque não
achei que ia ser tão dolorido assim como foi pra mim. Foi bem traumático,
foi bem traumatizante, tanto que tive depressão pós-parto. Foi bem
100
traumático mesmo*! [*ênfase da entrevistada]. (CO 06)
Só assim, na hora que eu cheguei na maternidade que a moça da frente foi
meio ríspida assim comigo, a recepcionista. Mas depois também já mudou,
não sei se ela tava de mau humor, ela já mudou e eu não tenho mais nada
pra reclamar. Até as enfermeiras, os médicos. (FP06)
Eu acho assim, que o médico deveria ter abordado o parto em si né? E me
falado, esclarecido realmente o que estava acontecendo, porque na
verdade eu só fiquei sabendo o que tinha acontecido com a neném depois
do parto, então eu acho que(...).(CO 03)
Com o médico não. Muito insatisfeita. Eu acho que a atenção dele ele foi
muito negligente uma que eu tinha um quadro de pré-eclâmpsia e ele não
levou em consideração. Tanto é que eu comecei inchar, minha pressão
subiu, ele não sabia disso. Só fiquei com as enfermeiras mesmo(...) Então
ele foi muito negligente. (C0 13)
b)Satisfação com o plano
De uma forma geral, a maioria dos usuários relatou satisfação com o plano de
saúde.
Totalmente satisfeita. Não tenho o que reclamar deles não (...) até agora
tudo o que eu precisei, eu tive do plano. Todos os médicos, exames,
consultas, nunca foi negado nada, nunca faltou nenhum profissional
assim(...)sempre(...). (CO 07)
Satisfeita (...)Ai, porque além dessa de não ter a visita é(...) às vezes lá
mesmo a gente não conseguia sempre a consulta no dia que precisava,
mas a minha doutora sempre foi assim, fazia encaixe, se virava. No
momento que precisasse ser atendida ela me atendia. O plano em si até
que tá ruim, mas ela assim dava um jeito e eu era atendida. (CO 08)
As insatisfações ficaram por conta das falhas na cobertura do plano, das
mensalidades consideradas altas, das necessidades eventuais de co-pagamento,
dos custos crescentes e principalmente nas condições de estrutura física e humana,
das instituições hospitalares conveniadas aos planos de saúde.
Até o momento do parto eu tinha um plano de saúde básico, ai depois com
o bebê eu resolvi trocar por um plano mais completo, mas não teve
problema, só por causa dessa questão da cobertura mesmo. Que na
verdade eu não me preparei, acho que deveria ter me preparado antes, ter
feito a mudança antecipadamente. Ai meu parto teve cobertura, mas a
acomodação não era privativa. (FP07)
Só no caso o material cirúrgico né? que eu acho o plano também poderia
cobrir ter uma cobertura total porque isso daí tem que pagar a parte. (CO
09)
Olha(...)foi uma briga porque a menina que me atendeu no internamento
falou que tava tudo certo né? Então o que você entende por tudo certo?
Não vou pagar nada, certo? Eu subi pra sala de cesárea (...) e aí quando foi
na hora da alta tava devendo 260 reais, quer dizer, ali ela devia então ter
me passado que ia ter instrumentação cirúrgica, que é cobrado né? Foram
cobradas as fraldas, tudo. Então ela devia ter me passado. então, com isso
101
eu fiquei insatisfeita, mas o resto foi bom assim, sabe? O quarto, me deram
enfermaria também. Fiquei um pouco insatisfeita porque falaram pra mim
que era quatro, cheguei lá tinha oito. Aí, como passei mal de nervosa
porque me deram a notícia assim que ela nasceu, aí me levaram pro quarto,
por opção deles daí né? Mas tô com uma dívida lá que o plano não cobriu.
(CO 11)
As maiores insatisfações relatadas foram relacionadas à cobertura oferecida
pelo plano de saúde:
Insatisfeita. Porque assim ó: se você deixa de pagar em dia, e nesse dia
você não pagou, você precisa de uma consulta você não consegue, certo?
Quer dizer, então eles cobram e cobram muiiito [*ênfase da entrevistada]
bem, né? Agora, se eles cobram muito bem o atendimento, deveria ser igual
né? Então, e, por exemplo, eu sei que, na primeira gravidez, eu tive, foi feito
muito, bastante radiografias né? no caso, ecografia que fala né? agora no
segundo eles já meio que diminuem, já cortam né? Então porque isso né?
Como que eles, por exemplo assim, é, se você, é (...)uma burocracia
enorme. Dependendo do exame né? Você tem que esperar, ir direto lá, no
caso da “y”, lá na central né? Tem que esperar pra ver se é aprovado, quer
dizer, pra cobrar eles sabem cobrar, e sabem cobrar muito bem. (CO 04)
Com a “y” já não. A lentidão do processo que nem a Medservice, eu cheguei
lá fui internada, não tive nenhuma preocupação em relação a tar pedindo
autorização de guia e isso e aquilo e aquele outro. Em relação à “y” não.
Eles ficam a toda hora te ligando, te questionando sabe? Sendo que eu
tinha cobertura total também na “y”. O meu era com direito a apartamento.
Só não tinha reembolso como eu tenho na(...)quer dizer a “y” não faz
reembolso nenhum. Você pode tanto ter o executivo como enfermaria que
ele não te da reembolso né? (CO 05)
Só o que eu queria agora era um acompanhamento de psicoterapia, um
negócio assim. Porque eu penso, a gente fica muito nervosa. Então eu
procurei já um tratamento, eu queria um psiquiatra mesmo, porque
psicólogo a “y” não cobre, e psiquiatra não consegui assim que faça terapia,
só que te dá remédio, ai não é o que eu quero, eu quero fazer terapia. Isso
não consegui ainda, não tem. Era esse acompanhamento que eu queria.
Porque na “y” ali tem no site os psiquiatras, mas nenhum faz psicoterapia.
Tem 5, 6 ali que fazem pela “y”, mas não fazem psicoterapia. É bom né, só
que psicólogo mesmo não cobre. (FP04)
Embora eu tenha “y”, eu não consegui pela “y”, eu tive que pagar tudo
particular. As consultas não. Pois então eu vim pra cá ai eu tava tentando
transferir meu plano “y” de lá pra cá né!? Eu achava que “y” fosse “y” tudo
igual, em todo Brasil e não é(...)eles não quiseram compra a carência do
parto, compravam a carência de consulta de outras coisas, mas do parto
não. Daí a gente foi em Curitiba, porque a família do meu marido é de
Curitiba, e ai ele tem a “y” dele de lá que pode usar aqui na boa, ai a gente
tentou lá também. Ai ele disseram “não a gente compra a carência de todas
as outras coisas, mas do parto a gente não compra a carência”. Então foi
assim, super desapontador, ficar pagando anos plano de saúde chegar na
hora de eu precisar usar, e eu não poder usar né?! E o pior de tudo, a
minha maior insatisfação ainda é que ela teve que nascer por cesárea
particular, né?! Ai ela (...)eu não tendo feito a cesárea pelo plano ela não
tinha direito a plano. Então ela teve que cumprir carência pra poder usar o
plano dela. A gente teve que fazer um plano pra ela claro né?! Só que
quando as mães fazem o parto pela “y”, a “y” já sai pagando pro neném
entende? Mas pra ela não(...)teve que esperar cumprir carência, teve que
102
esperar um mês de carência. Então eu sou assim super insatisfeita com
esse plano e acho que eles conseguem ludibriar a gente na hora de vender
o plano (...)porque quando eu comprei o plano lá em São Paulo eu
perguntei pro cara “escuta eu vou conseguir usar esse plano em qualquer
lugar, em qualquer outra parte? Eu vou pra Sul muito freqüente, eu preciso
usar”. Ele disse “não pode usar não tem problema(...)Vai poder usar porque
lá também tem “y”” E daí chegar na hora do parto e não cobrir?! Então eu
acho que assim, o cara poderia ter me dito “olha se tu tiver uma urgência ou
emergência vai poder usar, mas tu não vai poder fazer um parto lá, uma
cirurgia, uma coisa assim tu não pode se programar pra fazer lá” né?! (FP
05)
Eu me sinto satisfeita porque cobriu o que eu precisava, mas não a
modernidade assim ele não acompanha, não tem essa ecografia com
Doppler, tem um monte de ecografia nova assim, pra medir muita coisa que
ele não cobre, só cobria a simples (FP 01).
C) Desejos e expectativas em relação ao plano e aos serviços
As usuárias apontaram o desejo de que o local onde tiveram seus bebês
fossem mais bem estruturados para tal. Demonstraram insatisfação com aspectos
relativos à estrutura física da maternidade e falta de humanização no tratamento.
Ah, se é um hospital então você imagina um lugar, por exemplo, que não
tenha mau cheiro né? Agora imagina você , pós-cirurgia, porque não deixa
de ser, pós-operatório né? Você num quarto onde fica 24 horas cheirando
esgoto, e aí ninguém, a gente reclamando e ninguém toma nenhuma
iniciativa? Daí fica complicado. (CO 04)
Sim, mas nesse segundo eu tive umas complicações. Tive uma hemorragia,
e também cefaléia, por causa da anestesia. E a clinica que eu tava estava
em reforma, então tinha barulho de furadeira, gente martelando, muito
barulho. (FP 02).
Embora não tenha sido foco central desta pesquisa, os aspectos relacionados
à humanização no atendimento apareceram com bastante ênfase, nas respostas
das entrevistadas, demonstrando o quanto é importante uma assistência
humanizada principalmente durante o evento do parto.
Eu acho que tinha que ter ali, talvez no meu caso, psicóloga pra conversar
comigo, pra me acalmar, de repente. Um médico que me dava mais
atenção, o plantonista mesmo. Acho que é isso(...) as enfermeiras lá são
muito frias, eu queira apertar a mão de alguém e elas puxavam a mão
sabe? Então me senti muito sozinha, foi dolorido pra mim, me senti
assim(...)com dor e com medo ao mesmo tempo. (C0 06)
A única coisa que eu achei, que talvez a gente se sente um pouco mais
fragilizada então eu senti o médico um pouco mais distante, então eu
gostaria que ele tivesse sido mais carinhoso comigo. Assim, pegasse na
mão, a única coisa que eu senti, mas não em outro momento. (PP 02)
Eu acho que de repente, o plano de saúde mesmo poderia ter curso de
gestante, porque no hospital que eu tive, que foi a Maternidade “B” eu tinha
que pagar pra ter o curso. Então eu acho que deveria ser gratuito porque
nem todo mundo tem condições de pagar e esses cursos são excelentes
103
pra quem é de primeira viagem. Assim você aprende muita coisa, você fica
muito mais tranqüila em relação ao bebê.Então acho os planos mesmo
teriam que ter uma orientação maior, não só os médicos, os hospitais
também(...). (CO 07)
Olhe(...)foi tão tranqüilo assim foi.. A única coisa que a gente sente falta
mesmo é que não podia ficar alguém comigo o tempo todo, que foi
enfermaria. Embora eram só duas pessoa,s mas mesmo assim desta vez.
No primeiro eles já ficavam o tempo todo comigo pelo menos uma pessoa.
Não dormia,mas ficavam o tempo todo. Desta vez foi assim a gente só tinha
o horário de visita e pronto né? Entendeu? Sozinha, mas não é sozinha,
né?. (CO 08)
Só o que eu queria agora era um acompanhamento de psicoterapia, um
negócio assim. Porque eu penso muita, a gente fica muito nervosa. Então
eu procurei já um tratamento, eu queria um psiquiatra mesmo, porque
psicólogo a “y” não cobre, e psiquiatra não consegui assim que faça terapia,
só que te dá remédio, ai não é o que eu quero, eu quero fazer terapia. Isso
não consegui ainda, não tem. Era esse acompanhamento que eu queria.
Porque na “y” ali tem no site os psiquiatras, mas nenhum faz psicoterapia.
Tem 5, 6 ali que fazem pela “y”, mas não fazem psicoterapia. É bom né, só
que psicólogo mesmo não cobre. (FP04)
6.3 LINHA DE CUIDADO ONCOLOGIA: MARCADOR “CÂNCER DE MAMA”
6.3.1. Percepção do problema
A maioria das pessoas entrevistadas associou o desenvolvimento do câncer
de mama a situações de estresse em suas vidas pessoais e profissionais, em alguns
casos conjugadas à depressão. Situações de óbito de pessoas próximas e excesso
de trabalho, além de conflitos no ambiente profissional foram descritos.
O aspecto da ansiedade. Eu acho que a ansiedade, ela não só pode gerir
câncer, mas ela pode gerar outras coisas, como em mim gerou uma
depressão, uma síndrome do pânico, uma anorexia nervosa, e uma bulimia.
Tudo isso foi gerado pela ansiedade. Trabalhei na Amazônia 8 anos, com
traficante, com madeireiro, com garimpeiro, com o meu marido na Policia
Federal e eu na FUNAI. Eu vivia em constante incerteza de que sairia com
vida da minha casa e [poderia] não voltar mais. Então, aquela vida, com
todo aquele medo, aquela incerteza, aquele perigo (....). (FM 07)
Mas eu tive tantos problemas! Meu marido doente, fiquei viúva, sofri, mas
nunca senti nada, e depois a minha neta começou na adolescência, e dá
preocupação. Eu acho que foi por isso que apareceu, e acho que foi mais
emoção né, depressão, decerto um pouco, tudo junto. (FM 01)
Situação de estresse, problemas familiares, meu marido é alcoólatra e essa
situação gerou muita angústia, preocupação. (CM 01)
A associação realizada por diversas pessoas entre o câncer de mama e
fatores psicológicos e emocionais é milenar. Segundo essa interpretação, momentos
104
específicos carregados de intensas emoções, estilos de vida estressantes ou a
depressão poderiam se expressar fisicamente no tumor maligno da mama. Apesar
de ser comum, essa perspectiva jamais foi confirmada por estudos epidemiológicos
(BLEIKER, 1999; BUTOW, 2000). Como o câncer de mama não apresenta um fator
de risco único e forte - como o tabagismo para o câncer de pulmão - é possível que
muitas pessoas, ao procurar a causa da doença, a relacionem com experiências
negativas que se recordam (o estresse, a depressão, comportamentos agressivos,
etc) e que ocorreram antes do diagnóstico do tumor, creditando às mesmas o
aparecimento da neoplasia.
Outras duas percepções comuns foram que a doença está associada à
herança genética e à reposição hormonal.
Eu penso que foi reposição de hormônios, eu acredito que foram os
hormônios, mas isso é uma avaliação minha, né?! Eu tomava Premarin
0,625, tipo uns 10 anos eu acho que tomei isso e tenho certeza que foi
disso aí que eu peguei câncer. (PM 03)
Eu tenho certeza que foi reposição hormonal (...) eu fiz a reposição
hormonal e no segundo ano da reposição já apareceu. (CM 07).
O meu problema foi (...) é hereditário né!?. Minha mãe teve, e dali a um ano
apareceu em mim. Então na verdade eu acho que é isso (...), é uma
herança (...), minhas irmãs não tiveram e eu tive, sei lá, de repente meu
organismo não (...). (FM 06)
A reposição hormonal é uma estratégia indicada por muitos profissionais da
saúde para reduzir os sintomas do período pós-menopausa em diversas mulheres. É
também empregado com o objetivo de reduzir fraturas ou no tratamento da
osteoporose. Apesar de apresentar benefícios quanto à primeira indicação, a
reposição hormonal tem ação limitada quanto à prevenção de fraturas (FARQUHAR
et al., 2007). Ainda assim, a terapia hormonal se disseminou bastante em períodos
recentes e potenciais riscos decorrentes da mesma passaram a ser descritos na
literatura. Quanto ao câncer de mama, Reeves et al (2006), em estudo de coorte
conduzido no Reino Unido, indicaram maior risco de desenvolver a doença entre as
mulheres que realizavam reposição hormonal em relação ao grupo sem a terapia,
sendo maior o risco quanto mais longo o tempo de adesão à mesma. Outros estudos
corroboram esse achado, indicando risco maior entre aquelas que realizaram
reposição hormonal combinada (estrogênio associado à progesterona) (NEWCOMB
2002; STAHLBERG, 2004). A repercussão recente desses achados na mídia e junto
105
aos profissionais de saúde certamente induziu as mulheres a associar os seus casos
de câncer à terapia, ainda que exista intenso debate sobre o assunto no meio
acadêmico, sobretudo quanto ao uso extensivo de anticoncepcionais orais.
A herança genética é um importante fator a ser considerado na avaliação de
risco para o câncer de mama. Histórico familiar e mutações nos genes BRCA1 e
BRCA2 devem ser avaliados quando da análise profissional sobre a suscetibilidade
de mulheres à doença (DAGAN, 2002). O fato de diversas entrevistadas terem
relatado casos anteriores de câncer na família indica que muitas delas já associam
as neoplasias ao fator hereditário. No entanto, apenas cerca de 5% a 10% dos
casos de câncer de mama podem ser creditados ao caráter familiar (BOETES,
2002).
6.3.2. Itinerário
a) Identificação/reconhecimento do problema
As consultas e os respectivos exames de rotina realizados pelas mulheres
junto aos ginecologistas mostraram-se os principais meios de identificação do câncer
de mama. Na maior parte dos casos relatados, exames clínicos e por imagem,
associados à posterior biópsia e punção, foram empregados para confirmar o
diagnóstico.
Eu fazia mamografia de 6 em 6 meses e foi detectado um nódulo que em
principio seria benigno, e eu fiz outros exames de laboratório também, só na
hora que foi feita a cirurgia que foi descoberto que era maligno. (FM 02)
Eu fui no meu ginecologista fazer um check-up, que era final de ano, e eu ia
viajar, eu ia todo final de ano fazer um check-up pra ter certeza de que no
tempo que eu ficasse fora, que estava tudo legal, né. Aí ele fez o exame
ginecológico e depois ele tocou minhas mamas. Ele tocou minhas mamas, e
quando ele botou a mão assim na minha mama direita ele disse: “M., tu
nunca sentiu esse carocinho que tu tens aqui, é tão pequeninho, mas é um
carocinho que tu tens aqui”. Eu digo: “Não, doutor, (...)”, porque não fazia
auto-exame, então eu disse pra ele: “Não, doutor, nunca, nunca vi isso
aí(...)” Ele pegou minha mão e botou assim, realmente é uma pequena
coisinha, bem pequeninha. Aí ele disse: “Olha, amanhã tu vais fazer uma
mamografia”. E aí eu realmente fiz, no outro dia, fui fazer, e quando fiz a
mamografia, já foi detectado que era câncer de mama, porque o nódulo que
eu tinha era todo espiculadinho assim, sabe, como se fosse uma
estrelinha(...) (PM 09)
Uma segunda forma de identificação do câncer de mama foi pela própria
106
mulher, seja através do auto-exame sistemático ou ao acaso, ao tocar a mama.
Eu achei uma bolinha apalpando a mama. Aí eu fiz exame, fiz a ecografia,
mamografia, punção e constatou a neoplasia. (PM 05)
Eu descobri, eu tinha 35 anos e fazia 5 meses mais ou menos que eu havia
parado de amamentar. A minha filha tava com um ano e meio, e um dia,
deitada fiz o auto-exame e percebi o nodulozinho (...). (CM 10)
A identificação precoce do câncer de mama, potencializada através do uso
regular dos serviços de saúde e dos exames específicos de diagnóstico, aumenta as
chances de sobrevida e limita os danos físicos e abalos psicológicos da paciente.
Apesar de desejada, a prevenção primária do câncer de mama ainda é bastante
limitada. Dos fatores associados hoje conhecidos poucos são passíveis de
intervenção através de aconselhamento individual ou por medidas populacionais
(DEBS, 2000; HULKA, 1995). E mesmo as intervenções possíveis não permitem que
haja uma redução substancial na incidência da doença. Dessa maneira, o
diagnóstico precoce é fundamental para garantir à paciente longa sobrevida e um
tratamento menos mutilador. Kösters et al. (2007) realizaram uma revisão
sistemática sobre métodos de detecção precoce do câncer de mama e concluíram
que o auto-exame das mamas não é um método eficaz e que leve à redução da
mortalidade por esta neoplasia nas populações que o executam. Apesar dessa
recente conclusão, durante muitos anos o auto-exame foi promovido em campanhas
públicas visando o diagnóstico precoce do câncer e continua a ser incentivado, seja
de maneira individual nos consultórios médicos ou ainda em grandes campanhas.
Muitas mulheres permanecem fazendo o auto-exame, como ocorreu entre várias
entrevistadas, e a partir da identificação de alguma anormalidade procuram, em
geral, o ginecologista.
No entanto, o método de diagnóstico preferencial do câncer de mama é a
mamografia (KÖSTERS et al., 2007). Este exame é o mais indicado atualmente para
o diagnóstico precoce do câncer de mama (MENDONÇA, 1999). Estudo realizado
por Godinho e Koch (2002) em Goiânia indicou que a principal razão que motivou as
mulheres para a realização de mamografia foi o rastreamento do câncer de mama.
Em seguida apareceu a investigação de mastalgia.
b) Percurso/tipos de serviço
107
Com o câncer diagnosticado depois da consulta com o ginecologista e da
confirmação laboratorial da biópsia, o caminho mais comumente seguido pelos
pacientes foi a procura por um mastologista ou um oncologista. Este profissional
avaliava o quadro clínico da mulher solicitando novos exames, e marcava a cirurgia
para a retirada do tumor. Em muitos casos realizou-se a mastectomia ou
quadrandectomia. A maior parte das pacientes passava, então, à radioterapia e/ou à
quimioterapia. Geralmente passados alguns meses as mulheres realizaram a
reconstituição da mama. Outras, no entanto, já realizavam essa cirurgia no momento
da retirada da mama.
Então eu fiz a consulta normal os exames mamografias todas, apareceram
estas microcalcificaçãoes e a minha médica ginecologista me encaminhou
para uma mastologista, que foi quem fez a cirurgia, a cirurgia essa que tira
uma bifezinho para fazer exame. (PC 07)
A ginecologista me passou para o oncologista que me passou para a
mastologia. (...) Eu comecei a fazer quimio, fiz quatro quimio, depois a
cirurgia e depois mais duas sessões de quimioterapia. E agora vou começar
a fazer a radioterapia. (PC 02)
Eu procurei um especialista né, um mastologista, mas eu tinha ido no
ginecologista fazer o exame de rotina (...), que eu vou todo ano, faço
mamografia (...). Fazia tudo, então eu procurei o ginecologista, daí como na
mamografia veio esse resultado ai eu fiquei melhor, eu fiquei tranqüila só
que daí triplicou de tamanho e ai eu resolvi procurar um especialista. Eu fiz
todo o tratamento completo, fiz quimioterapia e radioterapia (...) [e] retirada
total da mama, mas eu ainda não fiz a reconstituição. (FM 06)
Eu tinha três pontinhos de câncer maligno, então foi feito uma mastectomia
dentro de quinze dias que eu soube (...) na mesma hora que eu fiz a
retirada eu já fiz a reconstrução, ta!? Depois foi feita a quimioterapia, depois
a quimioterapia não precisei fazer só radio, ta!? Foi feito todo um tratamento
multidiciplinar que nem eles falam é.. Até a quimioterapia ta? (CM 05)
Apareceu 3 nódulos na ecografia mamária. Aí ele me encaminhou para um
laboratório mais adiantado ainda, o médico. No dia seguinte eu estava
nessa mesma clínica fazendo mais uma ecografia. E aí já para fazer retirada
de material pra biópsia. Aí apareceu 4 nódulos. Fizeram a retirada de
material pra biópsia dos 4 nódulos. 21 dias após veio o resultado e os 4
nódulos deram positivo. Então eu retornei à unidade de saúde onde eu
trabalhava, meio apavorada e tinha um ginecologista com o qual eu
trabalhava. E ele pegou o resultado e disse: ‘olhe, eu sinto muito e a única
coisa que eu posso te dizer é que você corra contra o tempo, porque você
tem 4 nódulos e todos eles são positivos’. Então ele fez uma cartinha para
um médico mastologista e oncologista do hospital Erasto Gaertner, que é
amigo dele e disse: vai no consultório desse médico com essa cartinha. E
eu fui. Na semana seguinte, eu tava na sala de cirurgia. Fez retirada total da
mama direita, fez esvaziamento axilar porque eu tinha a axila inchada, quer
dizer, já tava sendo afetada. E desde então eu tô em tratamento. (CM 02)
Durante esse processo algumas pacientes passavam a ter também consultas
108
com psicólogos e fisioterapeutas - uma vez que a cirurgia pode resultar em
comprometimento dos movimentos dos braços.
Foi fundamental pra mim, pra minha recuperação [consultas com psicóloga].
Se antes eu falava: ah, psicóloga não sei(...). Não botava muita fé. Hoje eu
me rendo e digo que funciona sim. Porque ela conseguiu, naquele turbilhão
todo que eu tava, organizar a minha cabeça, as minhas gavetinhas e da
minha filha, porque a minha filha com 4 anos também precisava desse apoio
né? (CM 10)
Eu fiz a cirurgia em dezembro, a radio em janeiro e comecei a quimio em
março, daí eu comecei com acompanhamento psicológico. (PC 05)
Eu só fiz logo depois da cirurgia umas seções com o fisioterapeuta, por
causa do movimento da mão né, ai eu fiz lá na clinica, ai na época eu fiz
particular. (FM 03)
Observa-se nesta linha um mix público e privado por dificuldades de cobertura
de alguns planos de saúde. Certos pacientes reportaram que dificuldades já nas
consultas médicas fizeram-nos procurar assistência no Sistema Único de Saúde
(SUS), enquanto outros o fizeram para ter acesso à medicação.
O diagnóstico foi feito pelo médico particular, pois o plano não cobria os
exames ginecológicos. Após isto, foi para o plano, tentando fazer a cirurgia,
mas o plano não cobriu(...) Após a cirurgia, eu consultei com o oncologista
do plano, e ele disse que eu teria que fazer quimioterapia e radioterapia, só
que teve que ser particular, pois o plano não cobria. O médico até disse que
a radioterapia eu poderia fazer pelo SUS, mas a quimioterapia deveria ser
particular. Eu iniciei a quimioterapia em uma clínica particular, fiz um ciclo,
só que acabou meu dinheiro, daí tive que ir para o SUS(...) Eu fui
encaminhada para o SUS pelo imama. Até agora eu só fiz quimioterapia,
terei que fazer radioterapia, que será pelo sus também. (PC 04)
Até inclusive a minha médica pediu para mim ir no SUS da Santa Casa para
mim ver se eu consigo os remédios porque eles são muito caros, né. (PC 02)
Agora (...) que eu to pegando pegando os remédios pelo SUS, super bem
atendida nos postos de saúde, em todos os lugares que eu fui. (CM 13)
E é caro [o remédio Tamoxifeno], eu tive que vender o meu carro. (...)
Conversando com a minha médica, ela fez o encaminhamento via SUS. O
meu plano de saúde não dá essa medicação. (CM 01)
Foi [procurei o CEPON - SUS], foi agora, por causa do remédio que eu
tenho que tomar, então eu fui lá e consegui pelo CEPON. (FM 08)
Baixou [a imunidade]. Eu tive que tomar uma injeção para continuar fazendo
a quimio, então eu ia tomando essa injeção, que eu consegui no posto de
saúde. (CM 07)
De maneira geral as mulheres relataram-se satisfeitas com as orientações
médicas e seguiram as recomendações indicadas.
[Seguia] todinho, todinho [o plano de tratamento]. Os cuidados com a
alimentação na época, né? Tua imunidade tá baixa. Tudo, tudo o que o
médico falava, é pra fazer isso? Eu seguia à risca o que tinha que ser feito.
Se eu confiava neles, né? A confiança que eu tinha neles(...). sabia que eles
tavam falando aquilo que era pro meu bem. (CM 06)
109
[Seguia o tratamento] radicalmete. Porque era a minha salvação era o único
meio de eu continuar viva. (CM 07)
Sim, eu acredito que todos os tratamentos que eu fiz ajudaram, porque não
se conhece nada a respeito da doença, a gente sabe que ela existe mas
acha que isso só acontece com os outro. Sim, eu sempre fiz o que eles
diziam para eu fazer, porque eu acho que se eles diziam que era para fazer
é porque era o melhor para mim. (PC04)
No entanto , também houve queixas quanto ao não conhecimento de
intervenções que seriam realizadas ou na explicação do porquê de certas restrições
com as quais teriam de se adaptar. Por outro lado, avaliam positivamente quando
recebem informações a respeito do seu estado de saúde e quando podem participar
nas decisões a serem tomadas sobre o seu tratamento, impactando inclusive na
redução da ansiedade e da depressão (DEGNER et al., 1997; FALLOWFIELD,
1997). Neste aspecto foi mencionado, de modo positivo, a intervenção de outros
profissionais da equipe com os de enfermagem.
[A orientação] ficou [a desejar]. Depois que eu fui sabendo(...) porque havia
comentários e eu perguntava pras enfermeiras. ‘Não, você não pode fazer
isso, pelo amor de Deus. Não. Você não pode fazer isso’. No caso, tirar
cutícula. A gente não pode pra entrar infecção e eu não dei a mínima
porque eu achava que podia. Só me falaram assim: ‘ó. Não pegue peso’.
Mas até onde você não vai pegar peso, né? ‘Mas não faça esforço
repetitivo’. Mas porque não pode fazer? (...)Então eu não tive orientação
não por má vontade deles, talvez por achar que eu já sabia em razão de
que eu estava atendendo outras pessoas. (CM 04)
O que eu tenho assim, até uma queixa. Foi logo após a cirurgia, porque eu
entrei sem saber. Eu tinha os dois exames comigo, e nenhum dos dois tinha
dado nada de maligno (...). Daí na hora que eu saí [da cirurgia], eu mesma
descobri, passei a mão e vi que não tinha o seio, ai eu comecei a chorar.
(...) Então eles deveriam ter conversado antes né(...) Dizendo que caso
fosse encontrado um nódulo maligno [a mama seria retirada]. (FM 02)
Ressaltou-se nas entrevistas a busca das mulheres de apoio em práticas
religiosas. O câncer representa para muitas a proximidade da morte e uma luta com
sérios desafios, comprometimento estético e da feminilidade, podendo haver ainda
queda na qualidade de vida. Esse novo cotidiano, o medo e as incertezas remetem
muitas pacientes a momentos de introspecção a aspectos espirituais da vida.
Mesmo quando a busca é feita por amigos ou parentes e não pela paciente, esta se
sente reconfortada.
Aí ela [técnica do leaboratório de análises clínicas] me aconselhou a ir lá no
Ribeirão da Ilha que tem aquele.. é espírita [CAPC], ai eu fui pra lá e fiz a
cirurgia espiritual e antes disso eu já comecei a fazer a imposição das mãos
bastante . (FM 01)
Eu sou católica, aí eu vou sempre a missa e isso me ajudou muito. A fé que
110
eu tenho me ajudou muito, e a família, marido, filho, todo mundo me deu o
maior apoio. (FM 02)
Eu sou messiânica e na igreja messiânica ela tem o jo-hei que é uma
energia né? Uma oração através das mãos e que dá muito resultado e eu
acredito nisso tenho muita fé em Deus né? E acho que se não fosse ele
talvez eu não estaria aqui.(CM 11)
Sim [procurei a religião]. É uma coisa que você, eu pelo menos, eu andei de
igreja católica, evangélica, centro espírita, tudo. Você acende uma vela pra
cada santo e pede ajuda. E é fundamental. (CM 10)
O lado espiritual da gente fica bem mexido, a gente acha que(...) Tô mais
envolvida com a minha espiritualidade agora, procuro ler mais, saber mais o
porquê das coisas. (PM 05)
É (...) eu tenho um centro espírita que eu freqüento né, e eu fiz passe
magnético todo o tempo. Eu ia lá no centro uma vez por semana, todos os
sábados tomar passe magnético durante todo o tempo que eu fiz a
radioterapia. (PM 06)
Cotton et al. (1999) descreveram associação positiva entre um bem-estar
espiritual e uma boa qualidade de vida entre pacientes com câncer de mama. Levine
e Targ (2002) confirmaram esse achado em outra pesquisa com mulheres com
câncer de mama, na qual identificaram que a espiritualidade explica cerca de 40%
da variação das escalas de bem-estar físico e emocional, sendo um importante
preditor da qualidade de vida da paciente e de como ela irá lidar com o estresse em
sua vida.
Além da religião, a participação em grupos de apoio/ajuda foi apontada por
muitas mulheres como de grande importância para ajudá-las na aceitação da
doença e nas repercussões físicas e emocionais decorrentes do tratamento.
Então eu comecei a freqüentar este grupo e estou aqui, agora a gente fazer
essa troca assim, viu que aquilo que a gente pensa que é muito pesado,
que eu estava pensando que era muito pesado, não é tanto porque os
outros tem casos muito piores que a gente. (PM 03)
Daí eu conheci as Amigas da Mama (...) eu fui na primeira reunião em junho
e daí eu não parei mais e aqui é o meu..o meu..a minha(...)análise digamos
assim, é o meu psiquiatra, o meu psicólogo, e eu preciso disso pra me sentir
bem porque eu me sinto bem aqui dentro da associação. Hoje graças a
Deus eu estou curada mas continuo participando porque eu acho que eu
tenho uma gratidão muito grande pela associação e eu faço um trabalho
voluntário, né? (CM11)
(...)pra mim [o grupo] foi pra mim(...) olha(...) porque quando a gente tem um
diagnóstico desse, a gente pensa logo na morte né, ‘Ah, vou morrer e tal’ e
é sofrimento acho também né. Então assim, é que tem pessoas que falam
contigo(...). e eu acho assim, que eu tô te passando experiências positivas.
E eu não posso te passar uma experiência negativa: ‘Ah, quando eu morrer
onde vai ficar o meu corpo? E blá blá blá’, tem gente que é bem drástica né,
então te põe pra baixo. Então assim, a minha experiência que a minha tia
faz 7 anos que teve, vai fazer 8 anos esse ano, tá super bem, tem uma
prima da minha mãe também que teve, já vai fazer 10 anos. (FM 05)
111
6.3.3. Satisfação
a) Com o atendimento
A satisfação com o atendimento recebido foi muito grande. Em geral as
pacientes consideraram bom o atendimento que se mostrou individualizado, que as
ouvisse e as tratasse com carinho, compreendendo o momento crítico que estavam
passando. A competência profissional e o fato de terem apresentado um desfecho
favorável – estarem vivas – também justificou em alguns casos a satisfação.
Porque o apoio foi muito grande. Muito grande. Tanto que nós damos
auxílio na conta telefônica até hoje pro [hospital]. Porque lá tem muita
gente que vem, aquelas ambulâncias assim. A gente vai lá sempre. Faz
programa com eles, se apresenta no natal e faz de tudo. A gente tá sempre
lá. Então eu fui muito bem atendida sabe? Por todos, pelo médico, pela
médica oncologista que é de lá também, que é uma pessoa maravilhosa.
Que além de médica se torna amiga da gente sabe? Querendo saber como
é que tá. Como é? Foi passear, não foi passear, sabe? Essas coisas assim
que faz bem e eu só tenho a agradecer. (CM 02)
Porque eu acho que o que tinha que ser feito, foi feito. O que tinha que ser
falado, eles me falaram. É o que fazem até hoje, porque eu continuo sendo
uma paciente de mastologista. (...) Então eu fico muito satisfeita por ter
passado por profissionais tão competentes como eu passei. (CM 06)
Eu acho que foram pessoas assim, extremamente competentes, capazes,
ágeis, sabe, foram(...) eles me salvaram. Eram dois tumores, eu tive que
tirar a mama toda, ele podia ter passado para o pulmão. Eles correram a
tempo de evitar que o quadro ficasse pior. (PM 08)
Nossa [satisfeita]! Porque eu fui operada no Hospital, aqui, e eu fui muito
bem atendida ali, todas as enfermeiras tinham com um carinho muito
grande comigo, foi excelente o atendimento. (PM 09)
Eles [os profissionais de saúde] são realmente queridos com a gente, não é
um atendimento profissional, é um atendimento pessoal. (FM 04)
Foram muito solidários. Foram muito atenciosos. Como eu disse, quando o
assunto é esse todo mundo te trata bem. (FM 11)
As insatisfações ocorreram em geral exatamente quando o atendimento não
foi individualizado e com atenção especial à paciente.
No atendimento profissional eu acho que [falta] mais humanização sabe?
Porque você tá tão, teu dia-a-dia. Você ta assim(...) uma pessoa que tá
passando mal, uma pessoa que tá vomitando, uma pessoa que hoje não tá
bem. Uma pessoa que quer falar, falar, falar, falar. Para jogar tudo fora. E
as pessoas não têm tempo, porque é o trabalho delas e isso é normal.
Então uma humanização de todos, né? Não foram ruins pra mim ninguém,
nem pra ninguém, mas acho que se tivessem(...)sei lá(...)se passassem por
orientações , ou se, assim: trabalha uma semana, dois dias, tivessem um
lazer diferente, seriam mais humanos. (CM 04)
Uma única vez aconteceu (...) uma das pessoas que me examinaram.
Quando eu disse quando é que vem o exame dos nódulos e ela disse uns
112
doze dias, e eu disse que horror, eu vou ficar doze dias nessa angústia, vai
ter que voltar para tirar e me operar? ‘ah tem’ eu quase morri. E ela falou
assim para mim, né me deu um golpe. (PM 01)
Segundo Gimenes e Queiroz (1988) há necessidade de os profissionais que
lidam com pacientes com câncer de mama serem formados com capacidade de
trabalhar os anseios delas. Rossi e Santos (2003) ressaltaram a importância de uma
boa relação médico-paciente no caso do câncer de mama, impactando inclusive na
aderência ao tratamento por parte da paciente.
Um ambiente de tratamento desagradável também foi referido como fator
associado à insatisfação no atendimento.
Tratar de câncer já é uma coisa pesada. A palavra câncer já é pesada.
Agora se não tiver um lugar agradável, com pessoas que te atendam com
carinho. Você quer isso nesse momento. Então, eu acho que mudar um
pouco a aparência física do local onde se trata a pessoa com câncer. (CM
06)
b) Com o plano
Em geral foi referenciada uma grande satisfação com o plano de saúde.
Destacam-se nas avaliações positivas as experiências em que não houve empecilho
por parte da operadora para o rápido atendimento e também a cobertura do plano às
necessidades do beneficiário.
[Satisfeita] porque eu não tive nada assim é (...) eu não tive nenhuma
dificuldade de demora um pouco com o meu plano. (CM 07)
[Satisfeita] porque a cobertura cobriu tudo que eu precisava, não tive de
dispender nada né, e fora a maneira como nos tratam, foi excelente. (PM
09)
[Satisfeita] porque meu plano cobriu tudo que precisei. (FM 10)
O meu plano é excelente. Apesar de ser enfermaria, na época eu não pude
fazer quarto, apartamento, porque ficava muito alto. Tudo que eu precisei eu
tive, tudo. Mesmo aqueles que você precisa passar por uma perícia, aquilo
é rápido. (CM 04)
Apesar de na pergunta objetiva as pacientes referirem majoritariamente
satisfação com o plano, expressiva parte delas apresentava ressalvas. Uma parte
ressaltava a necessidade de o plano cobrir também, ou em maior diversidade,
profissionais não-médicos, uma vez que o tratamento do câncer de mama exige uma
integração entre diversas áreas do conhecimento.
113
Eu acho que além disso, eu acho que seria muito bom algo como um
assistente social. Talvez ela até tenha, não sei se ele atua em determinados
casos, a assistente social. Mas eu acho que tinha que ser um pouco mais
presente, acompanhando o tratamento, perguntando, enfim, dando esse
feed back né? (CM 10)
Também acho que devem oferecer outros profissionais como o
fisioterapeuta, como já falei aprendi alguns exercícios e cuidados com uma
afilhada, que é fisioterapeuta, mas no convênio não tinha nenhum para
procurar, mas também tem o psicólogo, as vezes precisamos também de
conversar com alguém profissional que pode nos ajudar. (CM 14)
Dizem que já existem fisioterapeutas que são conveniados, só que um
fisioterapeuta especializado em câncer de mama, porque é uma fisioterapia
totalmente diferente por causa do esvaziamento muita pessoas ficam com o
braço atrofiado, é muito diferente de uma fisioterapia que geralmente é por
problema de coluna e atende em massa. (FM 04)
Uma afilhada que faz curso de nutrição me ensinou algumas receitas e
indicou algumas alterações na minha alimentação. Mas quando fui procurar
uma profissional, o convênio não oferecia na época. (PM 01)
Em decorrência da cirurgia, sobretudo no primeiro ano após a sua realização,
as mulheres têm dificuldade para desenvolver atividades profissionais e esforços
para execução de tarefas relacionadas ao seu dia-a-dia pessoal por perda de força
muscular e de amplitude de movimento (SHIMOZUMA et al., 1999). Além disso, há o
impacto muitas vezes avassalador que o diagnóstico e o tratamento da doença
provoca nas pacientes, que deve ser abordado profissionalmente . Assim, fica clara a
necessidade de uma abordagem multi e interdisciplinar nas práticas assistenciais,
rompendo com o modelo clássico da biomedicina. A necessidade da inclusão e uma
maior disponibilização de assistentes sociais, fisioterapeutas, nutricionistas e
psicólogos, por exemplo, pelos planos de saúde já vem sendo expressa pelas
pacientes.
A burocracia para a liberação de exames também foi referida, como:
Em alguns exames, algumas autorizações que tu tem que levar na sede da
“y” pra autorizar. Então, é um transtorno, tu vai leva, daí leva de 24 a 48
horas para autorizar, tem que passar pela auditoria. Então, não deixa de ser
um transtorno, porque os exames tu não sabe se eles vão autorizar ou não,
então tu fica nessa expectativa por 48 horas, né!? (PM 05)
A única coisa que eu não concordo porque eles não têm uma sede aqui no
centro eu tenho preciso dos ônibus pra ir lá num bairro pra liberar um exame
que é mais caro mas eles sempre liberaram todos os exames tudo. (CM 07).
Gerschman et al. (2007) ao avaliar a satisfação de beneficiários de plano de
saúde de hospitais filantrópicos também associaram a demora e a restrição na
marcação de consultas e exames a um maior grau de insatisfação. Ainda foram
114
pontuados negativamente restrição no tempo de internação e na UTI e a “mistura” de
seu atendimento com o SUS.
A dificuldade no acesso aos medicamentos necessários para o tratamento do
câncer de mama foi uma grande frustração das beneficiárias, havendo necessidade
delas recorrerem ao SUS para seguirem com o tratamento e com a sua vida
preservada (conforme já descrito no item b). Essa parece ser uma das principais
limitações dos planos de saúde quanto ao tratamento do câncer de mama.
Medicamento que eu não tive e tô tratando com um que eu não sei se vai
ser tão eficiente quanto se fosse o outro remédio que eu tinha(...) diz que
pro meu tipo de câncer aquele era melhor, mas no fim eles tiveram que
fazer(...). porque eu falei pra ela ou você faz quimio em mim que você disse
que a quimio era violenta e eu tenho problema de estomago então ela(...).
Eu falei então você tem que mudar o remédio porque eu não posso pagar
isso apesar de pagar um plano caro porque eu acho um absurdo o plano,
porque eu pago caro já faz muitos faz muitos anos e(...) e chegar na hora
você precisar de uma medicação e não tem porque é porque eu sou(...)
quando e fui fazer o plano ele já era caro pela idade. (CM 03)
Eu gostaria que tivesse os remédios agora mais para frente, porque eu vou
ter que continuar tomando, né!? Até inclusive a minha médica pediu para
mim ir no SUS da Santa Casa para mim ver se eu consigo os remédios
porque eles são muito caros, né!? (PM 02)
Depois da primeira quimio, baixo muito o meu hematoquito, ai eu tinha que
tomar uma injeção, ai começou a ficar caro, ai eu passei para o Cepon
(SUS). (FM 03)
Sobre o convênio, bom, então ele tá me pagando praticamente tudo, só não
me restitui, por exemplo, medicamentos para os efeitos colaterais, insônia,
dores no corpo, irritação, problemas no estomago, e esses medicamentos
então a caixa não esta me restituindo. (FM 08)
A partir de estudo de base populacional, Lima-Costa et al. (2002)
descreveram que o acesso aos medicamentos configura-se como um importante
problema entre beneficiários de planos de saúde. Dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (PNAD) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF)
indicaram que os maiores gastos das famílias com saúde são as mensalidades com
os planos de saúde e a compra de medicamentos (SILVEIRA et al., 2002). Essa
limitação dos planos e o peso que tal conseqüência traz para os beneficiários já têm
gerado impacto negativo na avaliação da operadora. Ainda que no contrato do plano
não esteja referida a garantia ao acesso ao medicamento, a paciente sente que a
integralidade do seu atendimento não foi contemplada e ela precisa recorrer ao
SUS, do qual ela procurou não depender mais a partir do momento em que aderiu
ao plano.
115
Outra preocupação das pacientes foi com a rede de médicos conveniados
com os planos de saúde. O desejo de ampliação da mesma foi descrito por muitas
pacientes, sobretudo para consultas com especialistas foi referida dificuldade. Em
diversos momentos, as beneficiárias precisaram abrir mão do seu médico de
confiança, ou que a acompanha há muitos anos, para procurar outro que seja
conveniado ao plano. Essa mudança, conforme os relatos, gerou desconforto. Além
disso, há apreensão sobre a permanência dos credenciados no futuro. Numa
avaliação quantitativa da satisfação de beneficiários de planos de saúde em relação
à sua operadora, Milan e Trez (2007) identificaram como fatores associados (i) a
qualidade do atendimento recebido pelo paciente; (ii) os médicos que têm à
disposição para a marcação de consultas, valorizando a confiança e a segurança na
hora de escolher ou manter a preferência por um profissional; (iii) o preço do plano e
(iv) a conveniência e facilidade para marcação de consultas e exames, a oferta de
serviços complementares e a cobertura do plano.
O meu plano de saúde(...) não posso fazer muitos elogios, porque inclusive
o médico que me atende da depressão e da síndrome do pânico, ele era
cooperado e não é mais, então eu tenho que pagar consulta particular, eu
pago pra mim e pros meus filhos pra nós três, eu já tenho mais de 50 anos e
o plano é dobrado, então eu pago mais ou menos 500 reais de plano de
saúde, e eu tenho que pagar consulta particular porque o meu médico se
descrendenciou da “y”. (FM 07)
A única coisa que eu fico apreensiva é que tipo assim o médico que me
atende ele é conveniado e então meu medo é de um dia ele se
descredenciar do plano de saúde porque é um plano que não paga
muito(...)talvez não pague muito bem pros médicos, né!? Então é isso que
eu tenho medo. E daí eu vou ter que trocar assim como eu fiz a partir do
hipotireoidismo eu passei por uns quatro cinco médicos porque cada vez
que eu ia que eu marcava uma consulta, ele já tinha se
descredenciado.né!? (CM 11)
Gostaria que houvesse mais profissionais médicos especialistas, deveria ter
mais opção. O melhor profissional, o que as suas amigas ou um outro
médico quer indicar você não acha no convênio. Isso é uma das coisas que
acho que o os convênios deveriam melhorar, ter mais oferta de profissionais
especializados. (PM 01)
6.4 LINHA DE CUIDADO SAÚDE MENTAL: MARCADOR “ALCOOLISMO”
6.4.1 Percepção do problema
116
a) Conceito geral
Nesta categoria de análise sobre a percepção, surge inicialmente um conceito
geral de alcoolismo, como sendo um problema (de saúde), uma doença. O
alcoolismo enquanto doença assume diferentes enfoques e, pode-se dizer que esta
categoria, a da doença não adjetivada traz consigo toda uma série de matizes e até
mesmo de contradições, uma vez que há múltiplos modelos explicativos, que a
compõem, que confluem ou divergem do modelo biomédico. Um elemento essencial
que determinarão os itinerário terapêuticos são as concepções e construções de
modelos explicativos sobre o que é saúde e o que é o adoecimento e suas formas
de solução. No caso do alcoolismo, há um espectro de percepções que vai desde a
dificuldade ou inexistência de problematização - quando do início do uso do álcool,
uso este, em geral bastante aceito e legitimado socialmente - pelos usuários,
familiares e pelos grupos com os quais estes se relacionam até a definição da
situação como doença. Entre estes dois pólos existem diversas nuances que
envolvem uso problemático do álcool no conjunto das dificuldades cotidianas, sem
estabelecer um nexo causal, ou mostrando que a família como a problematizadora
inicial até o lócus do profundo sofrimento pelo qual passam muitos dos usuários
mesmo nas fases iniciais da doença. Deve ser assinalado de que pelo fato de
termos optado metodologicamente pela escolha que usuários que possuem
diagnóstico de dependência e, da grande maioria dos entrevistados já ter passado
por uma ou por várias internações psiquiátricas, a equação alcoolismo = doença,
acabou sendo frisada.
Nunca foi um problema, mesmo eu desistindo da Universidade, porque eu
trabalhava e tudo que eu consegui na minha vida foi por concurso público,
fiz 5 concursos públicos e passei nos cinco. Então a droga nunca foi um
problema pra mim, nunca achei que era um problema. Porque o álcool e as
drogas estavam inseridos na minha vida, não era um problema, nunca achei
que era um problema. (FA 03)
Mas eu me destacava no meio da turma como aquele que sabia beber.
Porque eu sabia beber? Enquanto eles tomavam 1 dose de gim com soda
limonada, eu tomava 3 ou 4. Se eles tomavam duas eles ficavam bêbados e
eu não. E eu era reconhecido como o bom né? O cara que sabia beber, que
agüentava beber e por aí afora. Mal sabia que começava ali o processo de
instalação da doença de alcoolismo. E assim fui até os 38 anos de idade.
(CA 02)
Aí é que é a questão da doença. O sujeito usa tá se degradando, tá se
destruindo, tá vendo que ta fazendo cagada porque burro eu nunca fui...
Mas a gente não consegue enxergar. (FA 03)
Foi muito lentamente como é a doença, e foi nos fins de semana no baile
pra(...) aquela timidez prá tirá as gurias pra dançar , mas, logo, logo eu já fui
117
exagerando né?! Aumentando a dose. (PA 02)
Meu primeiro porre foi aos 11 anos. Eu me lembro muito bem, foi na França
e já foi um porre, não foi um pouquinho pra experimentar. Aí dos 14 aos 17
eu fui experimentando de tudo um pouquinho. Dos 17 aos 37 anos, ano que
eu parei, foi progressivo. No começo nada do álcool me incomodava. Era só
finais de semana, era só alegria. Por isso o problema do álcool, no começo
é só alegria, e nunca ele vai imaginar que mais pra frente ele vai se envolver
cada vez mais com a bebida. (FA 08)
(...) eu comecei a usar o álcool com nove anos de idade por uma
brincadeira, suco aquele de vinho sabe? Com água, e comecei a gostar, eu
já com 14 anos de idade já usava álcool para me desinibir, eu era tímido e ai
começou a me derrotar o alcoolismo, levei trinta anos pra sair dessa. (PA
08)
Na época eu também fumava e eu achei que eu estava fumando demais.
Porque a bebida é a doença da negação. (FA 04)
Enquanto doença, o alcoolismo para os entrevistados surge como algo que é
pouco ou quase nunca reconhecido nos seus primórdios, e talvez por isso, devido a
esse compartilhar coletivo que pouco problematiza e pouco informa sobre o que é
doença. Não sendo vislumbrado como problema, uma vez que, muitas pessoas,
apesar do uso do álcool, conseguem uma progressão na esfera profissional . Outro
fator importante é o fato de haver um uso comum, fazendo parte simplesmente do
cotidiano sem estar problematizado – e aqui não entramos na discussão de como
esse uso ocorre em diferentes culturas e sociedades, ou ainda como foi sofrendo
transformações na sociedade ocidental. Na maior parte das sociedades atuais, e
nesse particular o papel da mídia ganha um destaque especial, nesse processo
transformativo que o normatiza o álcool “pode ser considerado um desinibidor, um
facilitador das relações, uma forma de diminuir as crescentes tensões do cotidiano”
(SIMÃO, 2004, p. 23). Atrelado a esse uso legitimado e mesmo incentivado, o uso do
álcool acaba tendo uma faceta importante, tornando-se o que muitos denominam
uma “doença da negação”.
Eu tenho pra mim um sentimento a respeito do alcoolismo, bem diferenciado
do convencional. (...) Eles põem a causa de tudo quanto é problema na vida
do alcoólatra, o alcoolismo. Ou seja, o alcoolismo que trouxe o resto de
desestruturação da família, de tudo, da vida toda do cara. Eu já tenho uma
coisa diferenciada. Uma coisa puxa a outra, causa e efeito e não tem como
determinar a cauda exata. E acho também que o alcoólatra é uma pessoa
muito sensível e criativa.(...) Pode-se ver que o alcoolismo é grande no meio
artístico, então pra mim isto já é uma grande forma que existe uma
sensibilidade maior. (FA 02)
Então a gente precisa de mais esclarecimento sobre o que é o alcoolismo,
como ele se manifesta, que é uma doença, que tem tratamento, isso tudo
falta. Porque eu até tenho um fator genético, mas eu conheço gente que
não tem.(FA 06)
118
Então só quem realmente trabalha com o alcoolismo sabe. Nós somos
muito sensíveis e uma coisa dessa marca muito. (FA 08)
O alcoolismo, como apontado, muitas vezes é percebido, inicialmente, e
mesmo no seu curso, como não sendo um grande problema. Ou está inserido num
conjunto de problemas gerais, sem uma relação direta de causalidade, ou ainda,
quando visto como doença é descrito como algo insidioso, que vai só aos poucos se
evidenciando, devido a problemas familiares e outros. Para alguns usuários não
existe uma determinação causal única que ocorre a partir do uso do álcool. Os
aspectos sociais, familiares, econômicos, além dos biológicos estão implicados no
alcoolismo, ou como causa ou como conseqüência.
Bom, hoje eu sei que o problema de alcoolismo é uma doença. Estudei isso
também. Se eu fosse atribuir culpa a outras pessoas ou a outros fatores que
não seja eu, eu estaria fugindo um pouco do foco. (...) A partir do momento
que começaram a surgir essas perdas, eu descobri que eu tinha a doença.
Eu não entendia como doença. Hoje eu entendo.(CA 01)
Bom, o alcoolismo é uma doença. Você começa beber ainda criança.
Comecei com 15, 16 anos, e como é progressivo, e quando você menos
espera, depois de um certo tempo você fica dependente do álcool. Isso
aconteceu comigo. Acontece com todos os alcoólatras. (CA 08)
Vai fazer 7 anos que eu estou de abstinência e a cabeça vai mudando, vai
mudando o raciocínio, e hoje em dia eu não vejo assim, a doença em si é
muito complexa(...). (FA 07)
O que causou, isso aí é complicado, porque o alcoolismo hoje é definido
como uma doença. Então eu tenho essa doença. (CA 08)
O alcoolismo é uma doença progressiva e os fatores que levam as pessoas
a ser um são inúmeros. Na verdade é a doença da negação e então
ninguém fala nada. (FA 08)
Pode-se dizer que há um gradiente que vai desde algo visto como fazendo
parte do cotidiano, da vida social, quase-neutro, sem problemas, é a “não doença” –
chegando até o valor de positividade. Muitas vezes sendo atribuído àquele que tem
resistência aos efeitos do álcool quando comparado aos colegas de mesma idade a
insígnia de “bom bebedor”, muito intimamente ligado à virilidade, ou mesmo para
alguns a própria identidade masculina, seu reconhecimento e internalização
(JARDIM, 1990; MACHADO-SILVA, 1978; GUEDES, 1997). Havendo ainda, uma
positividade ligada ao sensível, ao artístico, justificável na expressividade implicada
pelo compartilhar do uso de álcool entre os artistas. Sobre esse aspectos os estudos
antropológicos apontam que “(...)torna-se possível compreender os processos de
socialização do bom bebedor, ou as regras e as normas que definem como beber.
119
Portanto, o uso aprovado do álcool e o alcoolismo constituem-se em temas
pertencentes a uma mesma sociologia da sociabilidade e aos mesmos sistemas
sócioculturais” (NEVES, 2004, p. 12).
Possivelmente se houvessem medidas mais drásticas em termos de ações de
prevenção da saúde, ou determinações mais restritas em termos da legislação sobre
publicidade, esta percepção em muito compartilhada ganharia outras dimensões e,
talvez o aspecto da aparência inócua veiculada pela mídia, ligando-o ao lazer e ao
esporte, fosse veiculado com mais cautela.
Estudo de comerciais de bebidas alcoólicas, demonstram que a freqüência
destes era, em média, maior do que a freqüência de comerciais sobre
outros produtos, como bebidas não alcoólicas, medicamentos ou cigarros.
Mais ainda, dos cinco temas mais freqüentemente encontrados nos
comerciais de bebidas alcóolics, três deles (como relaxamento,
camaradagem e humor) eram diretamente relacionáveis às expectativas dos
jovens (PINSKY; SILVA apud PECHANSKY et al., 2004, p.14).
Um fator bastante presente que ficou evidenciado na pesquisa é o aspecto da
precocidade do início regular e elevado de álcool. No nosso estudo, em alguns
casos a partir de 9 anos de idade, o que confirma “uma tendência mundial que
aponta para o uso cada vez mais precoce de substâncias psicoativas” (BRASIL ,
2003, p. 13). No Brasil, quatro levantamentos realizados pelo Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID entre 1987 e 1997 evidenciaram
que houve aumento do uso pesado (pelo menos vinte vezes no mês anterior à
pesquisa) – “o que mostra uma tendência da juventude em beber com mais
freqüência nos últimos anos” (GALDURÓZ; CAETANO, 2004, p.4), além disso, no
que se refere a uso freqüente, o levantamento de 1997, mostra o índice de 14,7%,
sendo ainda constatado que 19,5% dos estudantes faltaram à escola, após beber, e
que 11,5 % brigaram, sob o efeito do álcool (GALDURÓZ et. al., 1997). De acordo
com a última pesquisa realizada pelo CEBRID (2004) entre estudantes do 1º e 2º
graus de dez capitais brasileiras, as bebidas alcoólicas são consumidas por mais de
65% dos entrevistados, estando bem à frente do tabaco. Dentre esses, 50%
iniciaram o uso entre os 10 e 12 anos de idade.
Deve ser enfatizado que,
o uso de drogas, inclusive álcool e tabaco, tem relação direta e indireta com
uma série de agravos à saúde dos adolescentes e jovens, entre os quais
destacam-se os acidentes de trânsito, as agressões, depressões clínicas e
distúrbios de conduta, ao lado de comportamento de risco no âmbito sexual
120
e a transmissão do HIV pelo uso de drogas injetáveis e de outros problemas
de saúde decorrentes dos componentes da substância ingerida, e das vias
de administração (BRASIL, 2003, p. 15).
No outro extremo do espectro temos a questão da tomada de consciência por
alguns, e isso no decorrer do processo, de que há malefícios diretamente ligados ao
uso abusivo de álcool, uma transformação da percepção da complexidade do
processo saúde-doença, que vai acarretar diferentes posicionamentos para o
enfrentamento da dependência do álcool, visto então como uma doença onde
convergem inúmeros fatores. Estes fatores foram sub-divididos em categorias
descritas a seguir – SOCIAL, GENÉTICA e PSICOLÓGICA ou de CARÁTER.
Há estudos de modelos explicativos sobre o alcoolismo que optam por colocar
uma confluência entre os fatores sociais (incluindo-se aí os aspectos de vivências
familiares e ambientais) e os fatores psicológicos – denominando de modelo
psicológico ou psicossocial – incluindo no mesmo o aprendizado social, a interação
familiar e os traços de personalidade do indivíduo (PILLON; LUIS, 2004). Considerase que estes fatores, em si mesmo complexos, devam ser pesquisados
separadamente num primeiro momento e, nas pesquisas epidemiológicas, havendo
associações entre eles, talvez possam ser discutidos conjuntamente. Nas narrativas
dos entrevistados muitas vezes aparecem de forma aproximada. Nesses casos,
apontaremos os co-fatores presentes nas categorias elencadas.
Como afirmado, há uma multifatorialidade que pode ser apontada como
associada ao alcoolismo. Nesse sentido, prefere-se analisar separadamente as
categorias sêmicas surgidas nas entrevistas, ainda que algumas delas apareçam
associadas.
b) Relacionado a fatores socia is
As pesquisas socioantropológicas têm buscado modelos explicativos para o
uso de drogas, dentre elas o álcool, principalmente a partir da observação e da
perspectiva dos usuários de álcool e dos profissionais de saúde, com ênfase na
abordagem sociocultural. Ao mesmo tempo tanto as pesquisas epidemiológicos
quanto alguns estudos que podem ser considerados como micro-sociológicos
procuram abordar
os
determinantes
demográficos
e
os
sócio-econômicos
121
associados ao alcoolismo. A noção de que o uso de bebidas alcoólicas, o beber, isto
é, o que beber, quando e como beber, enquanto um comportamento compartilhado,
refletindo o contexto sociocultural tem se tornado um tema importante para o
entendimento do alcoolismo.
Alguns trabalhos colocam a noção do social ligando-a aos aspectos
ambientais ou socioambientais – que são mais ou menos favoráveis ao uso de risco
de álcool, inserindo-se aí o contexto das relações interpessoais dentro da família –
desestrutura familiar, violência doméstica, uso de álcool -, além dos vínculos e
influência ligados aos grupos de escola e de amigos (GALDURÓZ et al., 1997;
CARLINI et al., 2003).
Nesse estudo ambos os sentidos, que se complementam, aparecem nas
narrativas e histórias de vida dos entrevistados e estarão sendo enfatizados.
Inicialmente como a sociedade nos chama para o álcool, qualquer festa,
qualquer evento tem álcool, eu jamais poderia imaginar que o álcool poderia
me causar algum problema. (FA 05)
O acesso fácil a bebida, os amigos e pouca atividade a fazer nos momentos
de lazer, as únicas que tínhamos eram os churrasco com os amigos neste
período. (CA 04)
(...) talvez brigas na família, desavenças, pode ter influenciado mas isso é
muito relativo também né?! Difícil de responder. Bem lentamente, foi assim
fim de semana, após as aulas nas quartas -feiras e(...) tomava bem
pouquinho né?! Tomava apenas com os companheiros, colegas de aula
né?! Uma dose de anis, né?! Em 4! Foi muito lentamente como é a doença,
e foi nos fins de semana no baile pra(...) aquela timidez pra tira as gurias pra
dançar , mas, logo, logo eu já fui exagerando né?! Aumentando a dose.
(PA02)
(...) e também porque a minha família era muito desestruturada. No início é
aquela festa né! No início é aquela festa(...)tu bebe pra conversar, bebe pra
dançar, qualquer coisa assim a festa é beber né!. (PA 05)
Eu não sei(...)gostava de beber com os amigos, em festas(...) mas, não
posso dizer que eles me influenciaram porque eu também influenciei eles
então. (PA 09)
(... )Depois eu com 16 anos, fui estudar e Minas Gerais (...) E lá tinha muita
cachaça. (...) E lá que eu aprendi a tomar cachaça, então a cerveja já
estava acompanhada da cachaça. (...) Aí com viagem, diária no bolso,
viajantes de estradas, sempre na minha área técnica, pessoas chegadas na
vida noturna, então a bebida ou restaurante, então fui convivendo com essa
turma. Não em excesso danado, mas estava sempre no efeito do álcool.
Geralmente o álcool é a porta de entrada pra todas as outras. Quem está
neste meio acaba se envolvendo com drogas, nem que seja lícita, como
álcool e tabaco, mas acaba se envolvendo. Porque esse mundo de
compulsividade, vida noturna é movido a álcool, tabaco e outras, mas então
eu fui um cara de sorte. (FA 02)
Mas o meu pai era e bebia cerveja e quando eu era pequenino e fui
experimentar a cerveja do copo dele, era um gosto tão ruim, tão amargo que
eu pensei o seguinte: “Pó eu vou ter que aprender a gostar de cerveja,
122
porque aqui em casa só tem cerveja”. E fui gostando. (FA 03)
O primeiro porre que eu tomei eu tinha nove anos, a mãe tinha uma coleção
de garrafinha de bebidas na janela da cozinha, e eu ficava com a
empregada, aí a empregada não viu. Eu furei todas as rolhas, empurrei para
dentro e tomei tudo e fui para o meu quarto e dormi. (PA 06)
Eu sempre tive wisk y em casa, sempre tive vodka em casa e sempre
quando eu saia do serviço eu passava num barzinho tomava uma dose de
uiski, depois passava ali no outro barzinho tomava mais umas duas ou três
doses e quando chegava em casa ainda tomava mais um aperitivo. Eu
ainda teimava em dizer que eu não tinha problema com álcool. (FA 05)
Começou na minha pessoa, motivo, como eu já mencionei: problemas da
vida. Quando eu estava em ruim situação financeira eu ia beber, quando eu
conseguia coisas ótimas na vida, eu ia beber; quando eu brigava com a M.
eu ia beber.(PA 04)
Em
nossa
pesquisa,
na
grande
maioria
dos
relatos,
aparece
o
reconhecimento da influência de certo padrão de sociabilidade. Por um lado, em
certos casos, pautado na desestrutura familiar, ou no modelo familiar do uso de
álcool, por outro, no vínculo com grupos de amigos, o companheirismo no advento
da adolescência, intimamente ligado às fases iniciais do uso de álcool e
compreendidos dentro de certa lógica de causalidade direta ou indireta,
principalmente para permitir um comportamento desinibido, vencendo a timidez nas
festas, caracterizando o uso nos finais de semana. Progressivamente, em muitos
casos, esse padrão vai se constituindo como usual e há uma progressão natural em
muitos casos, do uso “social”, passando para o uso rotineiro, abusivo, à
dependência.
Eu só me preocupava com as dívidas e quando tinha elas e queria resolver,
ao invés de resolver eu ia para o copo. (...) geralmente foi nessa época
(festas final de ano) que eu tive as recaídas. Aí hoje eu tento evitar estas
festas, onde tem álcool eu estou fora. (PA 01)
Porque o indivíduo está alcoolizado, não está com saúde, ele tá em
abstinência e ele acha que ele é o bom, que ele é isso e aquilo(...) o que
acontece, arruma uma garota e surgem os programas: “vamos numa
pizzaria, numa boate, num restaurante”. E surgem as bebidas, e ele pra
fazer uma média, e aí o cara dança. Porque ele mudou o comportamento. E
foi numa dessas que eu entrei depois dos 8 anos, eu não queria, mas eu
tava com uma pessoa e prá não pedir uma coca ou um guaraná, pedi uma
taça, e assim que começou. (FA 01)
Um outro aspecto evidenciado refere-se às recaídas daqueles que estavam
abstêmios. Essas, estando muitas vezes também relacionadas a problemas
econômicos, às festas e a determinadas expectativas de sociabilidade.
Quando
há
outros
fatores
associados,
tais
como
os
problemas
123
socioeconômicos relatados, há uma tendência do somatório desses fatores implicar
em risco acentuado para o uso abusivo e a dependência de álcool, além do mesmo
ser uma espécie de porta de entrada para outras drogas. Não apenas os
profissionais de saúde, mas a sociedade como um todo – familiares, educadores,
necessita estar bem informada e dedicar especial atenção precocemente aos modos
de compreender e de negar esta problemática complexa, visando diminuir a
prevalência do alcoolismo e a prevenir os agravos do uso de risco de álcool.
c) Relacionados a fatores genéticos
Estudos e pesquisas sobre a questão dos fatores genéticos na transmissão
da vulnerabilidade da dependência do álcool, conjuntamente com outros domínios
científicos, pode contribuir sobremaneira para a compreensão do uso de risco de
álcool. Os principais estudos têm sido feitos com gêmeos, com crianças adotadas e
com famílias. Messas e Vallada Filho (2004, p. 54) colocam que “essa transmissão
pode
ser
melhor
compreendida
através
de
um
modelo
epigenético
de
desenvolvimento do transtorno, no qual condições hereditárias associam-se a
situações ambientais ao longo da vida para a produção da dependência”.
Com isso, o modelo epigenético tem se pautado sobre as condições de
vulnerabilidade ou suscetibilidade, buscando compreender a herança
genética das vulnerabilidades e sua modulação ao longo dos anos devido
aos efeitos ambientais (MESSAS; VALLADA , 2004, p. 55)
Ahh, acho que foi uma série de fatores né, já veio genético, meu avô bebia,
meu tataravô bebia né, aquela coisa de família. Minha família fabricava
champanhe, acho que veio um pouco disso. Um pouco também da minha
mãe ter ido embora, então acho que foi tudo(...). (PA 01)
Dizem que o alcoolismo é genético, que está lá no cromossomo 14, sei
lá(...) mas eu não acredito nisso aí. (FA 02)
Eu acho que este problema é congênito, e a gente tem a pré-disposição. E
como eu usei, porque mesmo com a pré-disposição, se eu nunca tivesse
usado, eu nunca teria desenvolvido este problema. Começou usando, pelo
o fato de eu já ter a pré-disposição à dependência e quando começa usar
droga, beber(...). (FA 03)
Esse problema começou na minha concepção porque ele é genético, de
qualquer maneira eu ia beber. Eu tinha que passar por tudo isso. Eu
comecei a beber brincando porque eu vim de uma família que tem muito
problema com alcoolismo, inclusive meu vô morreu de cirrose(...) Então, o
que me desenvolveu foi uma doença, que se alojou como fator principal a
minha pré-disposição. Eu acredito até hoje que seja um tanto hereditário
124
(CA 01)
É muito estranho, deve ter uma parte hereditária. Eu penso que um pouco é
hereditário e outra parte são problemas emocionais que as pessoas vão
somando. (FA 07)
Olha, isso aí é uma doença que eu trago, digamos assim, do berço, porque
meu pai era alcoólatra, ele morreu alcoólatra e praticamente essa doença
veio fluir assim, no momento da minha adolescência. Nos 15 em diante eu
comecei a fazer uso socialmente e depois passou a ficar abusivo. (PA 01)
Bem, como na minha família ninguém bebe, assim, dos meus antepassados
o que dá para descartar o fator genético. (PA 03)
Eu nasci com um gene alcoólatra. (PA 06)
A herdabilidade considerada como uma predisposição, uma propensão que
liga o genético ao ambiental, foi algo bastante expressado pelos entrevistados,
afirmando-o ou negando-o. Os estudos epidemiológicos sobre o componente
genético das dependências químicas afirmam Messas e Vallada (2004, p. 54).
“demonstram uma agregação familiar sugestiva de algum componente genético. No
entanto são incapazes de decidir isoladamente se a agregação se dá
predominantemente por via genética ou pela via do comportamento compartilhado.”
A percepção do alcoolismo em nossa pesquisa traz a tona esse fator, como algo
discutível, negado por uns e afirmado por outros, e que pode ou não estar na
gênese ou corroborar para o advento da dependência. “Os estudos em famílias vêm
demonstrando, com segurança, a agregação familiar da dependência do álcool,
encontrando aumento de três a quatro vezes na prevalência desta dependência em
parentes de primeiro grau de dependentes quando comparado a indivíduos da
população geral”.
Pode-se dizer que para muitos dos nossos entrevistados, o modelo
epigenético é aquele que melhor sintetiza a percepção de causalidade ou de
multicausalidade do alcoolismo.
d) Relacionados a fatores psicológicos
A dependência do álcool na literatura é descrita como “física e psicológica”.
As categorias surgidas pautam-se principalmente sobre dois modelos: a. o modelo
epigenético acima descrito - principalmente na questão da vulnerabilidade ligada à
emotividade; b. o modelo psíquico ou psicossocial.
125
Como mencionado acima, o modelo explicativo psicológico ou psicossocial
liga – os traços de personalidade ao aprendizado social e à interação familiar, sendo
que, “A atribuição de características de personalidade, no caso do uso de
substâncias, estaria associada a muitos fatores, dentre eles a falta de maturidade,
conflitos intra e interpessoais, baixa auto-estima, ou ter como base problemas
psiquiátricos como depressão ou transtorno de ansiedade, dentre outros” (PILLON;
LUIS, 2004, p. 678).
Acredita-se que os campos de pesquisa das ciências da saúde, ciências
humanas e ciências jurídicas, devam se aproximar cada vez mais, buscando melhor
compreender a dependência do álcool.
Mas no decorrer a bebida serve como anestesiante, qualquer coisa tu
ameniza, qualquer sensação tu ameniza com o álcool(...) aí problemas?
Problema: álcool, euforia: álcool, qualquer coisa “estabiliza né?! (...)” você se
sente incapaz de lidar com qualquer sentimento que seja desconfortável.
(PA 05)
Porque eu sentia prazer com a droga, sentia prazer, me deixava relaxado
frente aos meus problemas, as minhas dificuldades, né e aí eu fui
usando(...). (PA 07)
Com o passar do tempo, que até então eu só usava em momentos de
alegria, eu passei a usar em todas as situações. Pra ter coragem, pra viajar,
pra ir a um baile, pra dançar, pra jogar futebol(...) (FA 05)
Eu acho que o alcoólatra é basicamente um covarde e a bebida é uma fuga.
È uma maneira de fugir do problema que tem pra resolver. Então a bebida
empana o cérebro e pro cérebro empanado o problema está resolvido.
Resolvido entre aspas né, mas eu continuo a me sentir assim inocente.
Então eu acho que o alcoolismo é assim uma fuga. (FA 02)
Aí, a gente faz assim, tudo é por culpa, porque isso não deu certo vamos
beber, porque isso deu certo vou comemorar, então, o álcool sempre está
presente. (PA06)
É muito estranho, deve ter uma parte hereditária. Eu penso que um pouco é
hereditário e outra parte são problemas emocionais que as pessoas vão
somando. (FA 07)
Estes exemplos são bastante aproximativos à questão da vulnerabilidadesuscetibilidade em seu aspecto da emotividade, e estão pautados na dificuldade em
lidar com as emoções e principalmente com as perdas, ligando-se o uso do álcool
como uma busca de prazer e mesmo de esquecimento. Alguns querem acentuar as
alegrias e outros superar limitações sociais, ou diminuir o sofrimento advindo das
mais diversas dificuldades e das perdas financeiras e amorosas. Para outros a
questão do lidar cotidianamente com as emoções e com a diversidade da vida
coloca igualmente uma centralidade na bebida.
126
Mas decorrido de muitos anos eu achei que eu ia poder voltar a beber
socialmente. Então a falha foi essa, porque “uma vez alcoólatra, alcoólatra
sempre”. “Uma é muita e mil não basta”, hoje eu sei. (FA 01)
Se eu disser mais ou menos a característica do alcoólatra, dá pra você ver o
que eu penso a respeito. Por exemplo, é o distúrbio do caráter da pessoa.
Está estipulado que o caráter correto é aquela faixa assim, é então aquela
pessoa que está a margem desta faixa. (FA 02)
Eu tive uma internação, eu tive aos 21 anos na clínica Pinel, ai com 31 dias
eu sai, sai bem mas ai depois logo, logo eu continuei usando, ai vieram as
drogas também, eu sou cruzado e só foi se aprofundando, eu tive paradas
eu parei alguns tempos, tampa a garrafa a gente chama, mas não mudava o
meu comportamento, continuava com os mesmos defeitos de caráter,
coisas(...) manipulando e então logo, logo eu voltava a usar novamente, não
mudava meu comportamento. (PA 02)
A pessoa não fica de mau caráter ou começa a ter mau comportamentos
porque bebe, na verdade a agente já têm pré-disposição ao alcoolismo.
Então quando a gente sai desta linha de sobriedade, você usa do álcool pra
justificar algumas coisas. (FA 05)
Nestes depoimentos, o alcoolismo aparece como uma problemática ligada ao
caráter em si, como algo mais amplo e que não tem uma especificidade tão ligada a
dificuldade de lidar com as emoções, e que se refere direta ou indiretamente a uma
“propensão” ou uma pré-disposição que é constitutiva e ligada ao “caráter” que leva
ou impõe o uso e à dependência do álcool”. Historicamente a questão do caráter
assumiu diferentes facetas na sociedade ocidental, sendo que
uma visão moralista, que considera o consumo excessivo do álcool como
uma falha de caráter esteve na raiz de movimentos proibicionistas que
conseguiram obter a aprovação que tornou a substância ilegal nos Estados
Unidos (a chamada “Lei Seca”), o que trouxe resultados discutíveis. É
evidente, entretanto, que essa possibilidade não exclui automaticamente a
carga de significados pejorativos associados ao diagnóstico dessa
condição, preconceitos esses que existem na população geral e mesmo
entre os profissionais de saúde. (LOTTEMBERG et al., 2004, p. 24)
Como veremos a seguir esta propensão acaba ganhando expressão, em
decorrência de determinados estressores familiares ou sócio-econômicos.
Quando a M. ia para uma festa eu tinha de beber primeiro, e fumar, para me
tornar social perante as pessoas, porque além de eu admitir que eu sou
impotente perante o álcool eu também sou neurótico e a minha esposa
passava por viúva. (PA 04)
Eu acho que(...) hãm(...) eu já tinha propensão, porque eu sou depressiva,
sou bipolar. (...) mas, isso eu descobri dentro de uma clínica já, quando eu
já tinha tentado suicídio, eu não tinha entendido que o álcool já tinha, tava
dentro disso assim, eu achava que era minha depressão que me levava a
isso, mas o álcool contribuiu muito né?! E eu percebi dentro de uma clínica,
eu conheci uma pessoa que era AA, que falou do AA e eu descobri que eu
tinha problemas com o álcool(...). (PA05)
Como eu acho que eu já tinha compulsão, eu fui bebendo e a minha doença
127
foi aumentando e eu fui adquirindo mais a vontade de beber. Então eu
tenho a atração, a compulsão por aquilo ali. As bebidas como cerveja ou as
finas como champanhe já não me atrai. O caso é que, eu acredito comigo,
que a compulsão foi comigo e foi aumentando. Então eu dizia pra mim que
não era doença, que eu não era doente. Tanto que eu sou aposentado, mas
não por isso, não por esse problema. (FA 04)
Bom, o alcoolismo é uma doença. Você começa beber ainda criança.
Comecei com 15, 16 anos, e como é progressivo, e quando você menos
espera, depois de certo tempo você fica dependente do álcool. Isso
aconteceu comigo. Acontece com todos os alcoólatras. Ele tem a propensão
de ser alcoólatra. A verdade é essa. Tem certos médicos que dizem que o
alcoolismo é genético e outros dizem que não é. (CA 03)
A “propensão” ao uso do álcool ganha algumas especificidades nesses
depoimentos, associado-a dificuldades extremas de timidez e a presença de comorbidades diagnosticadas ou auto-referidas – neurose, depressão, dependência de
outras drogas, aparecendo o fator do uso compulsivo e da tolerância descritas em
alguns casos.
Para a maioria dos entrevistados a questão psicológica da dependência
ligando-a ao aspecto compulsivo do beber, conectando-se principalmente a duas
questões ora descritas separadamente, ora mostrando-se confluentes, ora
aparecendo como sinônimos. A primeira refere-se a uma fraqueza do caráter, algo
que é por um lado constitutivo, uma propensão; a segunda relaciona-se ao aspecto
mais psíquico propriamente dito, a dificuldades de lidar com emoções fortes (de
alegria, mas principalmente de tristeza e de depressão). Tais emoções e
sentimentos necessitando, certo apaziguamento, atuando o álcool como um
relaxante em todos os sentidos e, mesmo como uma fuga do enfrentamento dos
problemas.
6.4.2 Itinerário
a) Reconhecimento do problema e busca de tratamentos
Alcoolismo: “Efetividade do mix da trajetória pelos múltiplos sub -sistemas de
atenção à saúde”.
Como explanado até aqui, identificou-se forte prevalência de comportamentos
de negação da doença, compartilhado pelo usuário, pelos profissionais e pela
128
sociedade, pois, isto talvez devido ao preconceito e mesmo estigma em relação à
doença (aos “maus” bebedores). O estigma talvez seja o principal ingrediente que
dificulta o “reconhecimento” pela família, pelos amigos e, também, no trabalho. Nas
três capitais pesquisadas, o reconhecimento do alcoolismo enquanto um problema e
a procura e/ou motivação para o tratamento deveu-se ao surgimento de doenças
secundárias/associadas, perdas financeiras, problemas no trabalho e família.
Conforme discutido acima, o reconhecimento da dependência ou do uso de
risco do álcool, na grande maioria dos casos ocorre depois de vários anos de uso
progressivo e contínuo. As motivações e explicações para a busca de tratamentos
não são excludentes, ou seja, várias delas podem estar presentes na trajetória de
um mesmo sujeito, já que modelos explicativos são construídos histórica e
culturalmente e não é unívoco, sendo fundamentais serem pensados como guias ou
modelos para a ação (GEERTZ, 1978) que se concretizam em várias facetas da vida
dos dependentes do álcool.
Consoante a teoria da antropologia aplicada à saúde (KLEINMAN, 1980;
HELMAN, 1994) múltiplas alternativas de atenção foram identificadas, incluindo os
três subsistemas de atenção á saúde: o informal (identificação do problema pela
família, amigos e trabalho, onde ocorre o primeiro aconselhamento; alternativas de
auto-ajuda como a Instituição dos grupos de Alcoólicos Anônimos – AA); o popular
(assistência espiritual como na umbanda e em comunidades terapêuticas – ligadas a
grupos religiosos); e o sub-sistema profissional (consultas para legalizar faltas,
consultas a clínicos, consultas com profissionais de saúde mental, internações para
desintoxicação).
Nossos resultados aproximam-se daqueles evidenciado nas etnografias e nas
análises transculturais, nos aspectos relacionados ao fluxo e ordem de procura dos
serviços, sendo possível identificar múltiplas trajetórias e múltiplos arranjos.
b) A identificação do alcoolismo como problema ou como doença, pelo
usuário
Já começou a dar problema já com 19 anos, até antes, porque me impedia
de praticar esportes, não tinha responsabilidades, me atrapalhou na minha
vida de uma forma geral. (FA 03)
O que aconteceu de interessante é que depois de muita luta eu tomei a
decisão que eu ia abrir o jogo e cheguei no presidente da instituição e falei
que eu queria me afastar para cuidar da minha saúde. Como eu tinha uma
amizade com ele, eu resolvi dizer pra ele o porquê, até porque ele podia
129
perguntar se era um problema grave. (FA 01)
O problema danado foi quando eu me aposentei, em 1999. Em 99 eu
descobri que se eu continuasse neste caminho, fatalmente eu ia morrer com
cirrose ou câncer ou fígado. Não aguentava mais a minha aparência, agente
se olha no espelho e vê inchado, de um indivíduo não saudável. Eu já
andava até com vergonha de contato social, porque era evidente. A
aparência diz tudo e ninguém é bobo, eu já tinha vergonha desse negócio
assim. Eu já sabia que era doença, porque eu pesquiso muito em livros e
internet. (FA 02)
E a bebida, agora eu sei, tem um efeito cumulativo e a nossa tolerância vai
aumentando, eu quando percebi eu estava numa situação deplorável e eu
comecei a ver, (...) alguns sintomas como náusea, azia, dores no fígado,
diarréia. Isso coincidia muito quando eu bebia. (FA 05)
Conforme os depoimentos, o reconhecimento da dependência ou do uso de
risco de álcool, na grande maioria dos casos ocorre depois de vários anos de uso
progressivo e contínuo. Excetuando-se quando já há repercussões importantes,
como no jovem de 19 anos que já se percebia doente pelo impedimento de praticar
esportes devido ao uso de álcool. O fato das complicações físicas parecerem colocar
em evidência a noção de doença insidiosa, que gera repercussões ao longo dos
anos, havendo o reconhecimento do uso crônico.
Pelo fato de usar droga diariamente, diuturnamente, eu faltava muito serviço
e tinha muito problema com pontualidade, assiduidade. Tinha muito
problema nesta área profissional porque eu faltava muito e precisava de
atestado médico. E foi assim, procurando atestado médico, indo em médico,
usando serviço deste meu plano aí(...) Esse meu plano aí deve ter um
prejuízo danado. (FA 03)
Então eu comecei com problema de memória, eu perdia a memória, não
sabia onde eu tava, dava uma amnésia assim. Tinha hora que eu começava
a beber e depois de um tempo chegava a um limite que fugia tudo e eu nem
sabia quem era nem onde estava, com quem, não sabia nada. Só com o
tempo que eu voltava e sabia onde eu tava. Uma vez eu bebi e fui para em
Blumenau, sem saber. Quando eu acordei que vi que eu tinha dirigido até
lá, arriscando a minha vida e vida de um monte de gente. (FA 04)
Em 98 na minha cidade natal eu procurei um livro sobre alcoolismo, porque
eu já sabia que desde adolescente eu bebia mais do que os outros. Era
uma coisa que achava legal, um sinal de afirmação.Esse livro chama “O
alcoolismo na cabeça”, escrito por um psiquiatra que trabalhou muitos anos
com alcoólatras e identifica os fatores que levam as pessoas ao alcoolismo.
Aí um dia eu procurei na lista telefônica o AA. E eu passei umas 15 vezes
na frente: “será que entro, será que eu não entro(...). (FA 08)
Na verdade com 40 anos. (...) Me senti muito mal, porque nessa época a
minha esposa se separou de mim, por causa da bebida e levou minhas
duas filhas. (PA 09)
A tomada de consciência do uso problemático do álcool muitas vezes ocorre
de uma forma dramática, um verdadeiro “drama social” como apontado por Victor
130
Turner (1986), que ocorre em situações de liminaridade. Nesses relatos a tomada de
consciência das diferentes adversidades, exemplificadas nas perdas: de memória,
de controle de esfíncteres, de aspectos materiais e de oportunidades acumuladas ao
longo e, ainda dos riscos relacionados ao fato de dirigir embriagado. Outro fator
bastante presente, se refere às as repetidas faltas no trabalho com a busca de
atestado médicos, sendo que, como veremos adiante ao discutirmos os itinerários,
esta dinâmica se constitui como algo recorrente em muitos casos.
b) A identificação do alcoolismo como problema ou como doença, pela
sociedade e família
Aquilo vinha incomodando o relacionamento com a minha mulher, claro,
chegava tarde, saia do trabalho ia para o bar. Cumpria com minhas
obrigações, achava que porque eu dava o dinheiro que todo mundo dizia
amém, que as coisas estavam boas. E o me casamento já ficou tumultuado
em função disso. (...) Eu conseguia ter um comportamento que não
demonstrasse aquela situação de não alcoolizado, mas o próprio rosto em
si, o hálito, as coisas deixavam claro. Como eu era diretor de um órgão
público, as pessoas me viam, mas não sabiam como me dizer, como fazer
esta abordagem. (FA 01)
Todo mundo sabia, claro, eu ia perdendo os empregos. Aí foi assim.
Algumas pessoas me falaram que eu era alcoólatra. Primeiro foi meu pai,
depois uma senhora do AA. (...) Depois eu tinha um amigo que era
alcoólatras e que dizia: “Claro que nós somos alcoólatra, você acha que nós
estamos todos os dias nessa mesa de bar porque?”. (FA 06)
Só tive perda na minha família, porque minha família já não estava mais
confiando em mim. A minha esposa, quando eu ia num aniversário, ela
ficava sempre me vigiando. Ou ela via que eu estava “coisa” daí ela pegava
e ia embora e me deixava sozinho. A pior coisa que tem é quando a pessoa
tá numa festa e tem este problema de saúde, os outros tentar levar a
pessoa embora. (...) Por último, minha família toda dizia que era pra eu
procurar um tratamento. (FA 04)
(...) tinha sido internada, aquela gente louca(...) aí eu saí, deu três meses e
eu saí. (FA 06)
E também tem outra coisa, a mulher tem a questão do preconceito. Mulher
que bebe é vagabunda e não tem outra definição. Então mulher sofre
estupro e por aí vai, não é respeitada em porcaria nenhuma. (FA 06)
A rede de relações, a família, os amigos e os colegas de trabalho, apontam
para a questão do álcool, principalmente quando há dificuldades de relacionamentos
e de inúmeras perdas que vão se explicitando no decorrer do processo de cada um.
Durante a pesquisa participamos de algumas reuniões de Al-Anon, onde,
principalmente familiares de dependentes estão presentes. Nos relatos, a questão
da negação por parte da família é também algo muito presente, sendo que as
131
pessoas vão buscar no grupo uma forma de apoio e orientação para conseguir lidar
com o alcoolismo de um familiar próximo. A conscientização do processo do
adoecimento que acaba sendo vivenciado também pelos familiares, que muitas
vezes passam a centralizar suas vidas no enfrentamento cotidiano do parente que é
dependente, é algo muito compartilhado estando presente em muitos dos relatos
dos freqüentadores desses grupos.
Outro ponto importante salientado nas entrevistas é sobre a discriminação do
alcoolismo feminino. Este tema é algo ainda pouco debatido na literatura. Isso fica
evidente inclusive no fato de poucas mulheres ainda procurarem, por exemplo , os
grupos de auto-ajuda como o dos Alcoólicos Anônimos (AA), ou ainda o fato dos
familiares daqueles que buscam ajuda em grupos de Al-Anom usualmente estarem
ali devido a problema de alcoolismo com um membro da família que é do sexo
masculino. Os levantamentos epidemiológicos têm o aumento de mulheres alcoolista
e, conconcordamos com Palatnik (2004, p. 21) que se faz necessário discutir de
forma mais consistente a questão da diferença de gênero que tem sido silenciada
sistematicamente na grande maioria dos estudos, mesmo aqueles de cunho
socioantropológico. Em nossa pesquisa, o número de mulheres que freqüentam as
reuniões de AA é muito pequeno quando comparado com o número de homens. Em
muitas reuniões a presença masculina é massiva ou mesmo exclusiva, sendo que
em algumas delas as mulheres que estão assistindo, comparecem devido a
problemas de familiares que são dependentes.
c) A identificação do alcoolismo como problema ou como doença pelo
profissional
(...) eu trabalhei na perícia médica, aí eu fui a dois médicos e disse que eu
estava bebendo demais, não existe uma fórmula, um medicamento para eu
estacionar esta bebida? Ele disse-me que a única maneira era diminuir.
Veja bem, do meu ponto de vista eu acho até que este médico era
alcoólatra, pois, o que ele tinha de falar para minha pessoa era o seguinte: o
álcool, tu tem é que parar porque vai te fazer mal. (PA 04)
Mas digamos que com trinta anos eu já era praticamente diagnosticado
como alcoolista. Bem, minha primeira consulta foi com um clínico aos
quarenta anos, foi quando eu tive o diagnóstico do alcoolismo, ele disse que
eu teria que parar pois meu corpo não iria agüentar muito tempo. (PA03)
Eu não busquei médico. Não tinha coragem. A impressão que eu tinha era
que ele ia me dar um esporro. “Sua biritum, sai daqui!”, eu achava que era
isso que eu ia ouvir. Eu tinha medo de médico, tinha pavor de psiquiatra e
jamais ia procurar um médico. E depois eu ia no médico e os médicos não
132
percebiam, nunca falavam nada a respeito e também não entendem.
Médico normal não entende nada de alcoolismo, médico psiquiatra
especializado em alcoolismo é outra coisa. Mas médico normal não, até
porque cada um tem sua área e cada um sabe do seu. (FA 06)
E estava ficando já assim, como vim nesta última internação a entender,
que eu estava virando um rato de clínica, que é o termo que eles usam para
pessoas que tem recaídas e aí ficam indo e vindo. E eu estava sendo esse.
Dessa vez que eu comecei a entender que eu era portador de uma doença
incurável, então tratamento só em grupo. Hoje eu estou conseguindo apesar
de duas recaídas esse ano, consegui ainda me conscientizar que sou
portador de uma doença. (PA01)
Não na verdade eu fui num psiquiatra, um que eu peguei no livrinho do
plano. E fui dizendo que tinhas vários problemas, mas tudo não acreditando
naquilo, o que eu queria mesmo era atestado. Eu achava que não era
verdade, eu achava que eu estava mentindo, e eles me indicaram a Clínica
São José, que tinha um especialista que era o dr. Cláudio. Eu fui, falei como
dr Cláudio que disse que se eu fosse pra lá pra pegar atestado ele não daria
que, atestado era pra ajudar na minha drogadição e não na minha
recuperação. Que se um dia eu quisesse recuperação podia procurar ele.
(FA 03)
Voltei a internar, mas não mais por bebida, voltei a internar por causa da
bipolaridade. (PA06)
Procurei médico para gastrite, pra gota úrica e sempre dizia: “eu bebo
muito”, e eles perguntavam o que eu bebia e diziam que era pra eu tentar
diminuir, mas não falavam nada. (...) Eu tinha tudo, excesso de peso e fui
até no hematologista. (FA 08)
Os relatos mostram as diferentes percepções sobre os profissionais médicos.
O diagnóstico da dependência, sendo feito na maioria das vezes por profissionais
mais especializados mesmo dentro da psiquiatria. Babor et al. (2003) apontam para
a possibilidade do diagnóstico se efetivar na atenção primária o que conflui com as
propostas de programas do Ministério da Saúde acima apontadas. Outro aspecto
que chama a atenção é o fato de, em certos casos, somente depois de várias
internações ser realmente esclarecido para aqueles que são dependentes que há
uma doença e que é necessário uma série de medidas para lidar com a mesma o
que representa uma maior implicação do usuário com o seu processo e tratamento.
A co-morbidade entre outros transtornos psiquiátricos e os transtornos devido a
substâncias é algo importante, perfazendo em alguns casos uma prevalência de até
60% (ZALESKI et al., 2004, p.142)
A tomada de consciência do alcoolismo, e suas implicações do ponto de vista
biomédico, parece que para alguns dependentes é crucial no seu processo de
saúde-doença, principalmente nas estratégias que são buscadas a partir daí para o
seu enfrentamento, para a diminuição de agravos.
133
b) Percursos e tipos de serviços
Subsistema informal
Muitos de nossos entrevistados após uma ou várias internações, buscam
ajuda em outros espaços terapêuticos, procurando respostas que a biomedicina não
abarca. Um dos entrevistados permaneceu durante nove meses em uma
comunidade terapêutica. Nessa pesquisa, além desse serviço, denominamos os
grupos da instituição de Alcoólicos Anônimos como um espaço informal de serviços.
Nos foi salientado que cada um dos grupos possui autonomia sobre a condução das
reuniões. Há sempre um coordenador da reunião que dirige os trabalho, este
sentando-se numa mesa a frente dos participantes. Usualmente as reuniões que
participamos tiveram duração de duas horas, com um intervalo no meio, sendo subdividida em três partes principais, na primeira parte há uma série de informes gerais
e na segunda parte há depoimentos dos freqüentadores, pautados sobre narrativas
das trajetórias vividas pelos participantes que são convidados a vir para frente, junto
a mesa de coordenação e é feita uma exposição. Os demais presentes não
interferem ou colocam questionamentos durante esta etapa. Num terceiro momento
aqueles que assim o desejarem - que são novos no grupo ou que estão retornando
depois de certo tempo, por diversos motivos como por ex. por “recaídas” recebem
um padrinho que irá lhes acompanhar durante o seu processo no grupo. As
inserções são variadas, sendo recomendado que haja participação semanal. Há
pessoas que freqüentam determinados grupos como participantes e que são
simultaneamente coordenadores de outro grupo, num outro dia da semana, sendo
que alguns freqüentam reuniões diariamente.
Eu em 1974 fui a uma reunião do AA, assisti. Mas prepotente, achei que
aquilo não era pra mim. E fui a uma reunião do AA achei que eles iam
ensinar a beber e não ficar bêbado, achei que ia encontrar bebida,
chegando lá só tinha cafezinho. Aí nunca mais quis entrar naquilo, até
porque já tinha ido até meio alcoolizado. (FA 01)
Fui no AA, ai aquele negócio, fui pouco tempo, faltou aquele negócio da
honestidade. (...) E saí dali e ingressei no “Paz e Amor” e estou fazendo um
programa, sei exatamente o que é necessário. (FA 02)
Agora se você perguntar a parte espiritual aí o hospital não trabalhou. A
parte espiritual minha eu consegui isso no AA. Ali no AA que abriu a minha
mente. Outra coisa, depois que eu fui pro AA, porque é o seguinte, no AA
nós temos tradições e pra você se tornar membro é só você se declarar. Se
declarar alcoólatra. A partir daí você é membro de alcoólicos anônimos. (CA
03)
134
(...) a maioria das comunidades terapêuticas como elas são filiadas a igreja
católica, ai tem alguma coisa de padre e ler Bíblia e tal, tem as comunidades
terapêuticas que são católicas e tem as comunidades evangélicas de
evangélicos. (PA 10)
Daí ali eu ingressei de vez no AA. Entrei lá no hospital pra não encontrar
ninguém conhecido, mas quando eu vi tava todo mundo do AA (...) Dali eu
fui em outros grupos e tal e de lá pra cá eu não sai mais. (FA 06)
Aí um dia eu procurei na lista telefônica o AA. E eu passei umas 15 vezes
na frente: “será que entro, será que eu não entro(...)” (...) Aí demorou mais
uns 6 meses até eu ligar d enovo pra esse amigo meu. Ele me fez algumas
perguntas novamente e ele viu que dessa vez era pra mim.. Liguei pra ele e
ele disse que ia me levar pra outro grupo. E me levou pro AA. Lá foi onde eu
me identifiquei muito e desde aquele dia eu não tomei mais nenhuma gota
de álcool. (FA 08)
Em nosso estudo, observou-se que há diversas dinâmicas de inserção em
grupos de AA, intimamente ligadas às expectativas que são geradas no percurso da
percepção da dependência do álcool como uma doença. Pesquisadores das
ciências sociais colocam a importância de compreensão das representações que
vão sendo elaborados por dependentes de álcool,
(...) nos espaços sociais construídos pelos alcoólicos vinculados a terapias
ou à instituição dos Alcoólicos Anônimos. Aí são dramatizados os modos de
construção do alcoólico como identidade redentora, graças à entre-ajuda ou
à solução coletiva. Enfatizando a fragilidade da imagem de si, a
necessidade vital do semelhante, a alteridade salvadora e o ser abstinente,
os alcoólicos, nestes contextos assim reconhecidos, falam de si. Aí
investem na expressão de uma adesão irrecusável e durável a um espaço
coletivo, constituído pelos que supostamente viveram experiências
semelhantes (NEVES, 2004, p. 12).
Como discutido acima, a criação de vínculos da biomedicina com outros
setores, como o dos Alcoólicos Anônimos, é uma das ações propostas pelo
Ministério da Saúde que a ANS (2006) recomenda que ocorra igualmente no setor
suplementar da saúde brasileira.
Um dos aspectos apontados por muitos dos entrevistados e que pode-se
afirmar que diverge ou mesmo complemente a interpretação de Pires acima citada, é
o que se refere à espiritualidade ou ao desenvolvimento de aspectos éticos, por
exemplo, à rede de solidariedade, presentes nos grupos de AA.
Subsistema popular
No Brasil algumas pesquisas, tais como as de Fry e Lowe (1975), Bastide
(1978), Oliveira (1985), Loyola (1984), Queiroz (1985), Montero (1985), Oliveira
135
(1996, 1997a, 1997b) entre outros, têm mostrado o papel da religiosidade como
resposta às doenças e também que as práticas populares de saúde coexistem com
os tratamentos biomédicos. Embora de cunho bastante descritivo, esses trabalhos
têm a importância de destacar a pluralidade médica e a intermedicalidade presente
na população brasileira.
Todas as imaginárias. Desde benzedeira, vacina contra o alcoolismo tinha
em uma cidade no interior de São Paulo, você tomava e não podia beber se
não ficava cego, acho que o medo de ficar cego, isto impedia as pessoas de
voltar a beber, mas eu voltei 8 meses depois, fiquei estes 8 meses sóbrio.
Busquei apoio também em centro espírita. Fui em Centro Espírita, tudo o
que você pode imaginar tentei, mas o que me ajudou e resolveu foi o grupo
de AA. (CA 04)
Antes desta situação de AA e que minha mãe morava no Rio de Janeiro eu
fui fazer um tratamento em uma clínica no alto da Tijuca, chamada Mensana
que era dirigida por Brino Aresi, com quem eu tive a grata satisfação de
conversar, ele que é um grande parapsicólogo. Lembro perfeitamente da
médica “n” e eles faziam um trabalho que não era internação. Ia lá, era com
umas fitas magnéticas, uns eletrodos e vinha uma voz falando, fazendo uma
mensagem e fazia também um trabalho com sensitivas e regressão. Eu
lembro que fizeram isso comigo sem eu saber que eu estava fazendo
regressão. Então o pessoal que era treinado, e que faziam esse trabalho.
Este tratamento que eu fiz lhe confesso, me ajudou uma barbaridade, só
que tinha uma recomendação que ele deveria ser acompanhado de reforço,
eventualmente tinha que voltar para fazer um reforço. E eu fiquei oito anos
em abstinência. (FA 01)
Então a gente vai muito prá macumba, porque essa coisas levam pra isso,
porque dizem que a gente tinha encosto que é a pomba-gira. Até eu passei
por isso e eu adorava, todo mundo gosta desse tipo de tratamento, porque
todo pai de santo tem um copo esperando a gente e com o santo a gente
pode beber, porque a bebida do santo é uma beleza. (FA 06)
Umbanda, macumba, banho de galo, perna de aranha e tudo eu já procurei,
benzedeira. (PA 07)
Eu sou católico, e sempre ia na igreja e pedia pra Deus me ajudar e rezava
para que não continuasse bebendo. (PA 09)
E tem um monte de gente que eu sei que já andou por cemitério e tudo
atrás de garrafa de cachaça. E nunca larga o diabo, é uma peste. E tem
muita desculpa em função disso, não é ele que bebe é o encosto. Olha vê
se pode. Sem pré era eu. E essa história é muito vantajosa, principalmente
se a família acredita nisso. E por aí vai. Tem muita coisa, um monte de
remedinho e na realidade só consegue parar que quer. (FA 06)
Sim, me converti a Assembléia de Deus, ouvi a voz do mestre e hoje leio a
Bíblia todos os dias. (PA 04)
Na verdade é uma coisa muito forte. Meu pai morreu em janeiro de 2000 e
meu alcoolismo estava muito sério.Quando chegou dia 7 de maio, eu tinha
tomado um porre e na segunda de manha, dia 8/05/2000, eu não estava
mais bêbada, só estava de porre. Aí eu escutei a voz do meu pai no quarto:
“Filha, procura ajuda”. Eu não vi, mas escutei a voz dele. Daquilo ali eu
levantei e foi um marco. Aí eu peguei a lista telefônica, porque eu já tinha
lido sobre os alcoólatras anônimos. (FA 07)
136
A eficácia terapêutica é algo que pode assumir diferentes feições em
contextos específicos. O alcoolismo, assim como outras dependências, exige uma
visão mais compreensiva do processo saúde-doença, dos tratamentos buscados nos
itinerários terapêuticos. As políticas de saúde mental, pautadas na integralidade,
colocam a necessidade do olhar mais abrangente, que vai muito além da questão
clínica, como um dos requisitos fundamentais para o tratamento e cuidado de
pessoas em relação uso de álcool e outras drogas.
Quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos que, necessariamente,
lidar com as singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas
que são feitas. As práticas de saúde, em qualquer nível de ocorrência,
devem levar em conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o
que em cada situação, com cada usuário, é possível, o que é necessário, o
que está sendo demandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito,
sempre estimulando a sua participação e o seu engajamento (BRASIL,
2003, p. 10).
De maneira confluente ao analisar práticas populares ou tradicionais, Victor
Turner (1980, p.399), afirma que a enfermidade “debe ser considerada no sólo en un
contexto privado o ideográfico, sino también en el otro, público o social”.
Em nossa pesquisa a relação da busca das várias possibilidades religiosas
dentro do itinerário terapêutico esteve mais presente em Porto Alegre do que nas
outras capitais. Embora presente, não fica claro sobre a percepção das respostas
obtidas nesse subsistema. Alguns trabalhos enfocando, por exemplo, a relação entre
alcoolismo e a ética no pentecostalismo (GARCIA , 2003), podem servir de guias
para novas pesquisas enfocando a relação da religiosidade e dependência do álcool.
Considera-se que esse tema deve ganhar um maior espaço nos estudos sobre
álcool e sobre outras dependências.
Subsistema profissional
A necessidade de uma maior capacitação dos profissionais da saúde para a
problemática dos transtornos ligados ao álcool é algo que ficou evidente em vários
depoimentos. O conjunto de respostas satisfatórias pelo modelo assistencial implica,
como já mostrado, o diagnóstico precoce, assim como a maior atuação na atenção
primária de ações voltadas para a promoção e a prevenção da dependência e do
uso de risco do álcool.
Estava resolvido que eu ia tratar, a minha atual companheira que também já
estava muito preocupada, foi no Instituto São José e me disse que tinha
137
uma internação pra mim. Eu confesso que eu não fui por minha vontade,
mas porque eu não tinha mais opção. Daí eu fui pra lá, fiz minha internação.
(FA 01)
Na Menssana eu ia 2 vezes por semana durante dois meses e não ficava
internado. No São José eu fiquei internado, não precisei a ficar amarrado,
mas fiquei uma noite na unidade de desintoxicação, me deram medicação e
no dia seguinte me passaram para enfermaria junto com os outros colegas e
aí agente tinha palestras, conversas com o médicos, tinha atividades, tinha
responsabilidades na limpeza na organização da sala. Tinha gente de todo
estado, de todos os tipos de nível social. (FA 01)
Ahh, foi bem mais tarde, eu fui descobrir que era alcoólatra aqui dentro
(AA). Eu vim a saber que eu era alcoólatra no momento em que eu não
conseguia mais parar de beber. Pedi para o Dr. “n” que foi quem me
atendeu, faz doze anos já, eu disse para ele ‘me ajuda que eu vou me
matar’, para o psiquiatra, ‘que eu não agüento mais beber, faz alguma
coisa’. Ele disse ‘eu vou fazer’, aí me botou aqui (Clínica Pinel). Um ano, eu
tinha consulta com ele uma vez por semana e ele dizia ‘tu ta indo no AA?’ e
dizia to ‘então ta, vamos conversar’. (PA 06)
E foi assim, procurando atestado médico, indo em médico, usando serviço
deste meu plano aí(...) Esse meu plano aí deve ter um prejuízo danado. Eu
faltava e pegava atestado de 5 dias, 4 dias, 15 dias, inventava mentira e
usava o plano de saúde um monte, mas nunca tinha usado para esta área
psiquiátrica. Amigos meus já haviam se internados e falaram que as
internações dão mais dias de atestado, dão mais de 15 dias, dão 30 dias. E
era mais legal 30 dias. Daí a primeira vez que eu fui procurar ajuda foi na
clínica Belvedere, que ainda não era clínica Belvedere era o Hospital de
Caridade. Não na verdade eu fui num psiquiatra, um que eu peguei no
livrinho do plano. (FA 03)
Depois entre 1982 e 1996, foram 70 internamentos, destes acho que só
completei o tratamento em cinco ou seis. Eu procurava os internamentos
para me afastar do emprego, ficava internado 4, 5 ou 7 dias depois ia na
perícia médica e conseguia mais 30 dias de afastamento e aí eu tinha
tempo para beber mais, porque ir trabalhar não agüentava mais, não
conseguia segurar nem uma caneta. Destas internações quase todas
ligadas a questão do alcoolismo, direta ou indireta, eram agressões na rua,
levei tiro e tudo o mais o que você pode imaginar. (CA 04)
Aos 21 a primeira, a segunda 10 meses depois mais ou menos, depois um
ano e meio depois ai eu vim fiz os 45 e fui para a comunidade terapêutica,
ai eu fiquei 9 meses na comunidade terapêutica, fiz todo o programa. (PA
10)
Daí eu com este atestado aí entrei pra perícia médica e fique na perícia né,
desde então não voltei mais. Desde agosto de 1990. Fiz perícia, eles
queriam que eu voltasse, mas eu enganava, ia drogado pra perícia e ia
empurrando assim. Fiquei um ano nisso aí, usando drogas e bebendo todo
dia. (...) Daí neste dia 20/08/1991 eu decidi mudar de vida. Aí como eu tinha
marcado uma próxima consulta pra uma próxima semana, dia 27/08, eu
decidi que ia me internar e “vou mudar de vida porque eu não tenho mais o
controle”. E dito e feito, dia 27/08 eu me internei. Fiquei 30 dias. (FA 03)
Naquela época eles não tratavam de alcoólatra, era tratamento psiquiátrico,
não tinha isso. Porque eu realmente fiquei em coma umas 3 ou 4 vezes por
causa do álcool. Fiquei uma vez 48 horas em coma. Foram duas noites que
eu bebi muito que nem sabia onde que eu tava, só acordei no hospital. (FA
04)
As complicações e os agravos clínicos, foram os principais aspectos
138
apontados para a busca de tratamentos médicos e hospitalares no percurso dos
nossos entrevistados. Um outro ponto importante é a referência à utilização do
sistema médico formal para a obte nção de atestados, perpetuando um ciclo de
justificativas das faltas ao trabalho, sendo o tempo livre usufruído muitas vezes,
como uma maior possibilidade para o uso contínuo do álcool. Em muitos casos, o
simples procedimento de fornecer atestados ou promover internações hospitalares,
acarretam uma relação de continuidade e até retro-alimentação do ciclo da doença
pela biomedicina quando outras medidas, pautadas na integralidade da atenção, não
são tomadas conjuntamente com o afastamento legal.
Salienta-se que, para alguns, a tomada de consciência do alcoolismo
enquanto doença é algo que só acontece depois de inúmeras e recorrentes
internações e, muitas vezes não é através do esclarecimento advindo do contato
com os profissionais da saúde, mas em outros setores.
d) Escolhas
No caminho percorrido pelos entrevistados, há inumeráveis respostas que vão
sendo dadas nos diversos tratamentos buscados. As pessoas vão paulatinamente
formalizando escolhas, a partir da eficácia percebida em cada um dos subsistemas
experenciados. No geral foi descrito que os vínculos que vão se estabelecendo nos
grupos de AA e a possibilidade de re-interpretação dos seus processos -, muitas
vezes espelhados nas narrativas das experiências semelhantes dos companheiros
de grupo - , é algo essencial na busca diária da “recuperação”. Essa é vista como
um quase sinônimo de abstinência. Ao mesmo tempo ocorrem aproximações entre
os sistemas e, o sistema biomédico assume como um dos espaços da “luta” que
deve ser assumida no processo, vinculada a uma determinação, um “querer”, uma
vontade de mudança de atitude frente à dependência do álcool, algo que é também
vivenciado de outras formas e com outra metodologia nas comunidades
terapêuticas.
Então o tratamento que deu certo pra mim foi o do AA, mas eu não atribuo
na minha concepção, porque tem uns companheiros que falam, mas eu não
desvinculo o tratamento médico. (PA 05)
E primeiro eu descobri que eu entrava em convulsão. Eu sou do tipo que
intoxicado como eu estava, se eu me abstivesse, no segundo ou no terceiro
dia eu tinha convulsão.Então eu não sabia como sair disso ai, e procurei
uma clínica. Fui numa clínica e fiz as 4 semanas. (...) Aí eu fiz na Belvedere.
Já tinha me determinado a fazer um tratamento que fosse definitivo de
139
sobriedade também, e lá, como eu encrenquei com psiquiatra eu decidi:
“Agora é tudo ou nada!”. (FA 02)
Uma outra tentativa de me internar e não fui aceito e o médico me falou que
eu precisava querer, e não iria me aceitar enquanto eu quisesse ser o
condutor e ditador do meu tratamento, acho que comecei a reconhecer a
minha impotência, sei que cheguei em casa, peguei um monte de fitas e me
internei em casa, coloquei para minha companheira, que não estava em
casa para ninguém, foram 7 dias de intenso sofrimento, assisti a muitos
filmes, tomava doses homeopáticas de álcool até assentar, vomitava muito,
todo o desconforto físico, psicológico, indigestão, eu passei, mas consegui
fazer a desintoxicação aqui em casa e depois fui me internar. (CA 04)
O psiquiatra até atenderia pelo “y” mas, eu teria que ir lá na clínica “x” no
lugar que ele me atende ali no(...)ali não atende pelo Ipê, como eu trabalho
no zoológico e meus horários são muito difíceis e como é uma vez só
também a cada(...) dai eu vou particular com ele, mas ele faz um preço
melhor assim. (PA 05)
AA é uma sala, recuperação, reformulação, mas o tratamento, certo, correto
é dentro de uma clínica ou em uma fazenda terapêutica, hoje eu não
condeno, mas eu não defendo essas casas, por dois motivos, não é
orgulho, eu defendo um trabalho sério, na saúde mental que não existe só
isso, quando são abandonados por falta de plano de saúde eu me
envergonho por isso, a minha vergonha é essa. (PA 08)
Todas elas eu fui bem atendido, essa coisa toda. Falei que queria fazer
tratamento, procurei mesmo pelo atestado e pelas benefícios da internação.
A internação também traz benefícios: a família paga as contas do cartão de
crédito, me afasto dos traficantes de rua que eu to devendo dinheiro,
melhoro do meu organismo, do meu fígado, os problemas conjugais. “Agora
eu vou melhorar de vida, vou ficar legal(...)”. Em um dia, só você decidir,
que o mundo cai aos teus pés de novo, só pra você chegar lá e cuspir em
todo mundo de novo. (FA 03)
(...)continuo em tratamento com a minha psiquiatra, que é credenciada a
“xx”. (...) Continuo com a psiquiatra, faço o voluntariado e freqüento as
reuniões de AA diariamente, é o que me mantém, o AA é fundamental. (PA
02)
Eu procurei o AA. Eu ia no AA mas é aquela história (...) ia, mas não ia.
Aquela coisa assim (...) não se envolvia. Ficava lá um mês, dois. Daqui a
pouco dava preguiça não ia mais(...) eu não dava muito valor aquilo né?
Então acabava desistindo. Foi quando do ultimo internamento, que eu saí
do internamento, fiquei uns 15 dias nessa clínica Porto Seguro e daí quando
eu saí eu resolvi levar mais a sério. E eu inclusive, que eles fazem quando a
pessoa sai duma clínica assim um acompanhamento a nível de ambulatório
com psiquiatra. Toda semana eu tinha uma, era uma espécie de consulta
com o psiquiatra né? Uma vez por semana ia lá, e tal. A gente formou até
um grupinho ali, quatro, cinco pessoas. E naquele dia a gente ia lá
conversar com o psiquiatra e tal. E funcionou né? De certo modo funcionou.
Nós ficamos até, quase 2 anos com esse psiquiatra, e junto com isso eu
comecei a participar de Alcoólicos Anônimos essa coisa toda, e foi quando a
coisa começou a dar certo, que eu comecei também a levar a sério, o fato
de não brincar mais com a coisa né? (CA 08)
Eu já tive médico que chegou a me dizer que eu já estava curada. Eu vou
fazer 15 anos de alcoolismo, com 10 anos uma médica disse pra mim que
eu estava curada, porque com 8 anos de abstinência eu já estava curada.
Aí eu cheguei e disse pra ela que a medicina não tinha me curado e que
então eu não ia seguir o conselho dela. (FA 06)
(...) até hoje com todo o tempo de sobriedade, ainda evito hábitos, lugares
e pessoas, mas hoje tenho essa liberdade de escolha eu posso me sentar
140
em qualquer lugar do mundo e me sentir bem, comer, eu tenho filho, eu
tenho que ser social, eu não posso ser um bicho, antes eu era um bicho, era
amordaçado profissional, era impulsivo, hoje eu não sou. (PA 08)
De modo confluente ao que foi discutido na subcategoria anterior, algumas
escolhas terapêuticas ligadas ao sistema biomédico pautam-se num modelo de
instrumentalidade, onde os “benefícios” ligados a internações, por exemplo, vão
muito além da busca de uma melhora apenas clínica. Um aspecto relacionando o
risco de recaídas, é referido como certo “ritual de evitação situacional”. Nesse
aspecto a questão da sociabilidade e o grande compartilhamento e livre acesso ao
álcool, acima referido, ganha novas interpretações e um destaque particular, onde a
relação indivíduo e sociedade necessita de determinadas prescrições, uma firma
uma atitude diante da potencialidade que estão implicadas nessas situações sociais.
Cabe ressaltar ainda dois pontos. Um deles se refere à simultaneidade de escolhas,
ligando a biomedicina ao sistema informal, ou como pacientes psiquiátricos ou como
voluntários. Observe -se que esse foi um dado recorrente dentre os entrevistados.
Principalmente na última década houve uma progressiva abertura de alguns
espaços psiquiátricos formais e também das instituições prisionais, a membros de
AA, sendo que estes visitam e fazem trabalhos voluntários com os internos, dando
palestras e orientações.
O segundo ponto a ser ressaltado é que o diálogo entre os profissionais da
saúde e os pacientes necessita ser um ponto de discussão e estar presente nas
pautas de definições políticas e de planejamento de serviços. Dessa forma, poderse-ia conhecer e compreender melhor o pensa e o que sente o portador de
dependência e quais os significados do adoecimento para ele. Talvez, com isso,
pudesse haver uma maior adesão a um tratamento inclusivo , uma troca pautada nas
reais necessidades de cada indivíduo em sua experiência singular.
6.4.3 Satisfação
a) Com o atendimento recebido
Quanto à satisfação dos entrevistados obtivemos um amplo espectro de
posições relativas ao atendimento biomédico formal e, ainda relativo ao aspecto
comercial de certas clínicas, mesmo sobre aquela exemplificada como de grande
resolutividade, que aqui foi classificada como pertencente ao sistema popular.
141
Simultaneamente há um certo consenso dde que a “decisão” pessoal pautada
no querer parar de beber, isto é, na abstinência, está intimamente ligada ao sucesso
dos tratamentos.
Lhe confesso que acho que aquilo pra quem estava no estado que eu
estava era um cinco estrelas, entendeu? O tratamento foi fantástico, o
atendimento que eles deram e a forma que foi conduzido. Era muita reunião
em cima de reunião, troca de idéias e tal, e o que eu fiz ao sair de lá foi ir
pro grupo (de AA) onde estou até hoje. (FA 01)
Na “x” não foi colocado a questão da abstinência, mas aí num conceito que
eu formo, mas não sei se é verdade. Não quero falar mal de uma coisa que
me trataram super bem. A questão comercial podia até na época estar
envolvida. Só foi dito que o recomendado era prá eu voltar em dois anos,
mas eu nem me lembro a data, prá não ser desonesto e inventar datas(...)
Mas não foi dado ênfase assim neste aspecto. Só foi falado assim do
reforço como forma de uma recomendação, não foi marcado uma data. Mas
talvez se desse importância a esse reforço, ou se tivesse dado ingresso a
um grupo ou à procura(...).talvez até tenha dado, mas a minha
lembrança(...) Mas até o pensamento de que daria 8 ou 9 meses e cara ia lá
dar mais um dinheirinho pra eles chegou a ocorrer, mas eu não posso
confiar na minha mente de como ela estava. Talvez eles até tenham dito até
outras coisas mais importantes. (FA 01)
Fui internada no São José, pelo “I”. Foi muito(...) como não era para
alcoolismo foi meio inútil, me deram antidepressivo, no momento, me deram
fluoxetina, que não é o remédio indicado pra mim, depois foi trocado né?!
Eu sai de lá, tive alta completamente eufórica, completamente bombando na
euforia, recai pouquíssimo tempo depois, bom eu já sai de lá achando que
não(...) (PA05)
O atendimento psiquiátrico no Brasil acho, principalmente nesta área, não
tem gente especializada pra tratar com dependência química, talvez até em
outras áreas até que tenha, não sei. A minha insatisfação nesta clínica em
função do atendimento psiquiátrico. (...) Eu já tinha feito os meus trinta dias.
Quinze dias de desintoxicação, e os outros dias eram pra terminar o
tratamento, que era ficar lá amassando barrinho que para algumas pessoas
pode ajudar em alguma coisa e para outras é totalmente inócuo. A gente
aceita porque é educado, mas o atendimento poderia ser mais voltado pra
pessoa e não pro grupo. O grupo não é homogêneo. Então o que causa
efeito pra um, pro outro é nada e às vezes até irrita. (FA 02)
Então a minha irritação contra essa clínica é por conta deste cara e por ter
entendido que aquilo lá é dinherista. “Coveiro quer defunto, médico precisa
de doença e dentista precisa de carne”, isso aí é vital pra eles. Mas querer
explorar daquele jeito. Na clínica lá, acho que uns 20% ou 30% tem uma
compulsão por tratamento em clínica. São os “ai-ai”, os “dói-doi”. E só isso
que sabem dizer.
Totalmente satisfeito. (FA 03)
Olha, eu estou muito insatisfeita com os médicos. (FA 06)
Me senti insatisfeito. Porque o tempo que eu estive lá. Foi por seguro saúde
sabe? O plano meu na época me cobriu 50% ta? Eu fiquei por 24 dias fui
coberto pelo plano. Mais 24 dias depois eu paguei. Hoje, a lei naquele
tempo, se não me engano, não obrigava a pagar total. Hoje o plano paga
total. O plano hoje ta pagando. Naquela época não. (CA 03)
Conforme apontado acima, há uma diversidade de percepções sobre os
142
diferentes subsistemas que geram maior ou menor satisfação quanto aos
atendimentos recebidos. Ressalta -se a questão econômica e lucrativa vinculada aos
planos de saúde que não cobrem inteiramente os tratamentos, somando-se à
questão do despreparo profissional para o trabalho com dependentes gerando
insatisfação como a atendimento recebido. Como muitos passam por inúmeras
internações, a idéia de compulsão por tratamentos em clínicas, denota o círculo
vicioso vivenciado por muitos nos itinerários terapêuticos.
(...) as comunidades terapêuticas são tão úteis quanto uma clínica, porque a
clínica tem toda a estrutura, o aparato, mas dependendo do caso que se
encontra a dependência química trinta dias é pouco, eu vejo assim porque
eu to agora há três anos limpo, claro to conseguindo novas coisas agora,
mudou tudo, mas eu ainda tenho dificuldade de resocialização, coisas
assim. (CA05)
No início eu não me sentia muito bem (no AA), mas hoje já não. A
freqüência que vai mudando. Se não tivesse a primeira vez eu não taria
aqui. Então eu estou hoje muito satisfeito. Totalmente satisfeito. Aqui tem
uma democracia, é livre, até você se quiser estar ali e dar um depoimento
você pode. Aqui não tem dono, é de todo mundo e só depende de nós pra
continuar. (FA 04)
(...) só o grupo de AA que está me dando o suporte para eu me manter
sóbrio, estou há 7 meses sem beber. Olha, eu acho que para fins de
abstinência sim, porque ele está me dando suporte que eu não tinha
anteriormente. É aquele compromisso de ter um algo a mais para me
preocupar. Eu só me preocupava com as dívidas e quando tinha elas e
queria resolver, ao invés de resolver eu ia para o copo. Hoje, o AA está me
dando suporte para que eu possa ter uma serenidade, ter elas ainda e não
me preocupar com a situação de que não dá para resolver tudo, isso AA me
ensinou muito. (PA01)
No AA foi tudo muito bom. Com toda aquela diversidade de gente, eu me
senti muito protegida e aprendi muito. Eu nunca procurei um serviço de
saúde por causa que eu não queria falar pra ninguém, mas eu acho esses
lugares muito ótimo. (FA 07)
Totalmente Satisfeito. No AA eu estou totalmente satisfeito, mesmo porque
o atendimento não é feito por nenhum profissional. Agora, no escritório de
AA, um lugar onde as pessoas ligam pra ter informações, o lugar onde há o
primeiro contato, isso pode melhorar muito. Porque o meu primeiro
atendimento no grupo foi fantástico, mas no escritório não. Quanto aos
tratamentos médicos estou totalmente insatisfeito, porque para os médicos,
eles não encararam como uma doença. Eu acredito profundamente que
eles continuam pensando que é a doença do sem-vergonha, que está nesta
situação porque quer. (FA 08)
Na verdade o verdadeiro amor eu conheci numa sala de AA, nunca bebi
com eles, não conhecia e eles me receberam. È um amor sem condição,
minha paixão pelo álcool se tornou compaixão pelas pessoas que tem
problemas com ele. (FA 08)
AA é muito bom. Pra concluir vou falar uma coisa que eu li esses dias. Eu
venho de uma terra muito fria e para se esquentar só tem duas formas, a
primeira é usar um casaco de pele e a outra e acender uma fogueira. A
diferença é que o casaco só vai esquentar quem o veste já a fogueira pode
esquentar a si e a quem chegar perto. Então pra mim eu vejo todos os meus
companheiros de AA como uma fogueira, não é egoísta, é só chegar perto.
143
Eu sei que ele torce por mim e eu torço por ele também. Eu não sei nada
sobre eles, o importante é estar lá. (FA 08)
As
comunidades
terapêuticas
são
identificadas
como
lugares
que
proporcionam um tempo maior de afastamento do cotidiano externo, sendo visto, por
alguns como algo necessário e que não ocorre devido ao prazo das internações,
devido à dos planos de saúde. A partir das noções de proteção, amor, suporte,
solidariedade – remetem a hipótese de que há, para alg uns, um redimensionamento
da existência proporcionada nos grupos de AA, aproximando-se de uma
integralidade, que vai muito além da solução da problemática clínica alcançada na
biomedicina.
b) Com o plano
Nesta linha de cuidado foram mencionadas insatisfações com a cobertura do
plano, especialmente os limites para custeio do atendimento necessário, com
destaque para as dificuldades de reconhecimento do alcoolismo como doença. Isso
confirma o que já apareceu em outras categorias de análise relativas ao sistema
biomédico.
Outro motivo de insatisfação diz respeito aos custos com o pagamento da
mensalidade do plano, além de situações que demandam co-pagamento, ou seja,
para o mesmo procedimento é necessário o pagamento pelo plano e pelo usuário.
Poucos foram os depoimentos onde foi evidenciada a percepção de estar
plenamente satisfeito. Nesses casos, isso deveu-se exclusivamente ao aspecto da
cobertura total e não da qualidade em si do atendimento.
Ficou evidente que ao inexistir uma ampla cobertura a tendência natural é de
utilizar o SUS, ou ainda, arcar com as despesas, principalmente com consultas
psiquiátricas particulares.
Nada relativo ao alcoolismo, de um modo geral. Eu acho que o plano
atende, eu sou consciente, eu trabalhei na área da previdência, eu sei que
num plano desse que atende um grande número de funcionário, ele não
pode oferecer muita coisa de luxo a não ser com uma contribuição
complementar, que é o que eu esperava. Opcional, onde as pessoas que
querem podem passar para o plano A, B, C. Mas hoje a minha consulta é
com hora marcada, entendeu, eu defendo a participação no valor da
despesa. Se não, era até fácil. Funcionário pegava atestado e governo
144
ainda pagar. Então ele tendo uma leve participação(...). (FA 01)
Então pode botar totalmente satisfeito. O da “Y” eu nem tive contato, só
assinei a folha e nem vi quanto custou. Então nem posso avaliar muito. (FA
02)
Recaí e nunca mais procurei, daí só tenho psiquiatra, no ano passado mas
tudo particular Por opção minha, por ser indicado, especialista em
dependência química, mas aí foi por indicação mesmo. (PA01)
Ahh, porque não pode ser totalmente satisfeito com uma franquia de mil e
quinhentos reais, ninguém merece ter que pagar tudo isso e também pelo
número de consultas, que eu acho injusto eles dizerem que eu posso
consultar tantas vezes se quem sabe da minha saúde sou eu. (PA 03)
Eu não utilizo o plano, até mesmo pra consultas de outro tipo eu uso o SUS,
mas tem algumas coisas que eu uso, porque pra esperar pelo SUS demora
muito. Então agora eu faço assim: Eu vou no médico e os exames que ele
pede eu tento pelo SUS se não eu pago. Então com o plano eu estou
satisfeito. Porque ele não cobre tudo né. (FA 04)
Eu já tive o plano completo e vi o seguinte. Quando você chega nos lugar
ou tem as suítes completas que você tem que pagar a diferença ou o
comum. Se você tem o plano básico aí você tem pra apartamento pro plano
completo e tem dificuldade pra vaga. Eu decidi então ficar no plano básico e
se eu precisar eu pago a diferença. Como não está nos meus planos, e a
gente na saúde sempre pensa que não vai adoecer. Eu já tive o plano
completo pra todos da família, mas estava muito caro e eu desisti. (FA 05)
Eu uso muito médico para o meu filho e tem muito médico, exames e sem
plano de saúde eu não sobriveria. E eu vou nos médicos que eu confio,
acho que todo mundo faz isso. Então eu vou num neurologista para o meu
filho, mas meu plano nem passava perto. Eles não atendem pelo “x”, atende
pela “Y”. Então eu pago particular, mas não dá é muito gasto. (FA 06)
Na verdade, na última internação o plano queria cobrir só 15 dias, ai como o
tratamento era 31 dias eu sei que no contrato me dava 31 dias, ai o meu
irmão mais velho botou a boca no trombone, como se diz né?! Olha eu vou
para o jornal, não é assim que esta no contrato e ai eles cobriram o prazo
que esta no contrato, foi um tratamento incompleto. (PA 02)
Eu nunca utilizei pra este problema, mas em relação a cobertura, acesso o
plano ta bom. O preço que eu acho muito caro (risos). Sempre que eu
procurei usar o plano de saúde sempre deu tudo muito certo. (FA 07)
Eu só não coloco totalmente satisfeito pelo preço. Até hoje eu nunca tive
problema. Até porque nunca usei muito. Até eu começar a me tratar eu
nunca tinha usado, mas agora que eu faço exames de sangue, porque hoje
eu quero saber como está meu corpo, e nunca tive problemas. (FA 08)
Insatisfeito com os planos em relação aos poucos profissionais autorizados/
credenciados, o profissional que já nos acompanha há um determinado
tempo, em determinadas situações (internações) por não ser credenciado
naquela instituição não pode nos atender, e assim outro profissional nos
atende e não conhece a história anterior da nossa doença/ situação. E hoje
os planos estão restritos a uma ou duas instituições hospitalares na cidade.
Outra situação é a falta de credenciamento / autorização de outros
profissionais da saúde ( fisioterapeuta, psicólogo, entre outros) (CA 04)
c) Desejos e expectativas
145
Os desejos e expectativas estão diretamente ligados às lacunas apontadas
nas entrevistas em referência à estrutura do modelo assistencial e o lócus da saúde
mental em geral e dos transtornos devido ao álcool em particular. Os esteriótipos e
julgamentos moralizantes que são imputados aos dependes de álcool em geral não
são acompanhados do aspecto do sofrimento humano e, das inúmeras dificuldades
e vicissitudes que os acompanham no processo do adoecimento e da busca da
saúde nos seus itinerários.
O que posso dizer é que talvez a saúde pública pudesse ampliar este
atendimento, que eu sei que foi meio difícil esta vaga, houve um movimento
pra eu conseguir esta vaga. Porque vêm pessoas do interior. Enfim, o
alcoolismo talvez pra alguns ainda é encarado como sem-vergonhismo, não
é encarado ainda como doença, hoje ele tem, estou contando pelo
depoimento que eu escuto, ele ta mais acentuado porque ele ta relacionado
com drogas. Então é um serviço de saúde que deve estar mais estruturado.
(FA 01)
A crítica é a um tratamento não individualizado, pois nós somos indivíduos.
O alcoolismo é uma coisa, mas o alcoolismo abre um leque, tem um tipo de
alcoólatra e outro, tem um que é irrecuperável. Tem cara que só lê do jornal
a página policial e esporte. E do esporte ainda só de futebol. Aí isso aí trata
como povão. Mas outros tem que ser tratados diferente, senão fica
insuportável e o cara vai fugir, não pode. (FA 02)
Porque eu trabalhei na “y” e sempre contava uma parte da minha história e
sempre dizia pra pessoas: “Não importa o modo que vocês entraram na
clínica, importa como vocês saíram. Se vocês saírem daqui com o mesmo
pensamento que entraram, só estão gastando dinheiro que provavelmente
nem é de vocês, porque se vocês tivessem dinheiro não estariam gastando
aqui, estavam bebendo e usando drogas”. Se tivesse um programa mais
efetivo, eu poderia na primeira internação. Poderia ter conseguido. Mas
naquela época eram psicólogos, assistentes sociais, que nunca fumaram na
vida e a gente ficava lá brincando de enganar os psicólogos que tem uma
boa vontade incrível, que são ótimos profissionais. Mas na minha
concepção, pra tratar com pacientes tem que ser alguém que já passou por
isso. Eu acho que agora todas as clínicas usam os consultores terapêuticos
que são essenciais. Tem que mexer com os brios da pessoa. (FA 03)
E eu consegui encontrar todos os mecanismos dentro dos passos de AA
né? Hoje eu trabalho na área de prevenção às dependências químicas. Sou
aposentado. Faço isso dentro dessa instituição que é o Instituto
Internacional de Prevenção às Drogas porque existe muita coisa que eu
quis fazer e gostaria de fazer dentro da irmandade de AA pelos outros mas
é impossível, não dá mesmo porque o AA não aceita dinheiro de fora, nem
nada. Então eu fiz alguns cursos, quis aprender mais sobre o problema.
Estudo todo dia. Nessa semana eu viajo pro interior de São Paulo, nem sei
a cidade, pra acompanhar um grupo de jovens que vão debater o assunto
dependência química e fé. O pessoal da secretaria nacional antidrogas vai
estar presente. O general Uchoas também vai estar. Então eu vou participar
desse evento porque eu sou um defensor ardoroso, fervoroso, de que, no
que ser refere à dependência química. (CA 02)
Eu acho que no caso, na parte de saúde, o SUS, não tem tratamento
específico pra isso. Tem as clínicas particulares, mas são um absurdo, tem
gente que não pode se tratar. Acho que se o psiquiatra viesse numas
dessas reuniões ele poderia tratar melhor. Acho não, tenho certeza. Como
tem especialização pra todo tipo de doença, acho que deveria ter uma pra
146
esse quadro de saúde. E tem muita gente nessa doença. (FA 04)
Eu penso que os médicos deveriam indicar algum assistente social pra ir
mais a fundo, porque eu respeito que o médico não precisa saber de todas
as coisas, mas tem que ter o discernimento de que ele bebe mesmo que
controladamente, porque só quem bebe é que pode dizer que é alcoólatra
ou não, ele deveria me indicar pra outro médico. Porque certamente este
poderia me orientar melhor. Se ele não poderia tratar disso ele poderia
indicar pra alguém que podia. Mas na nossa sociedade é uma coisa que
não passa na cabeça das pessoas. (FA 05)
Eu até fui para o hospital quebrada, quebrei até o cóccix. Sempre
atendimento de emergência, as vezes particular. No público, lá eles viram a
minha mão quebrada e não viram o cóccix. Nunca falaram nada do
alcoolismo e eu com a cara inchada(...) (...) precisa de muito
esclarecimento, porque a gente diz que o Brasil é um país sem preconceito,
mas é o país que tem mais preconceito no mundo. Porque as pessoas
acham que preconceito é de raça, mas o preconceito é com o diferente. (FA
06)
Só que precisa ser divulgado, o alcoolismo podia ser mais divulgado,
principalmente para as mulheres porque tem muitas mulheres por ai
bebendo escondido. Mas a sociedade é muito machista e é difícil a gente ir
lá e entrar naquelas salas cheias de homens. (FA 07)
(...) isso é tipo um tripé, se tu não tem a tua vontade, não tem profissionais
que sejam voluntários ou que sejam profissionais que estudam, não tem o
apoio técnico e não tem a família, ai parece que o cara ta sozinho, porque
se a família não te ent ender, entender nem digo, não te respeitar. E a parte
técnica é interessante mesmo que seja voluntário, voluntário que eu digo
uma pessoa que ta há mais tempo na caminhada nos grupos de apoio, tem
padrinho, e ai esse tripé quanto mais firme ele for, as outras partes for fortes
e a vontade do cara também for forte, vai ficando mais firme. (PA 10)
As expectativas vão desde as questões pontuais ligadas à necessidade de
uma melhor estruturação dos serviços que repercutam em melhores práticas
profissionais até questões mais abrangentes que possuem várias implicações - o
reconhecimento da problemática do uso de risco do álcool - por profissionais,
familiares e usuários. Simultâneo a isso há um nível mais macro de expectativas,
referente às políticas e programas de saúde pautadas na humanização e na
integralidade, com priorização de respostas pelos vários setores da sociedade. Ao
mesmo tempo há expectativas sobre a questão de uma maior abrangência de ações
e de responsividade pelos planos de saúde. A pouca satisfação com a cobertura dos
planos, relativas a tempo de internação, número de consultas e de serviços para o
atendimento do alcoolismo, gera naturalmente uma expectativa de que esses fatores
sejam contemplados pelo modelo assistencial vigente. Por último cabe ressaltar que
há questões de gênero que devem ser melhor compreendidas e aprofundadas no
estudos sobre o uso de álcool e sobre as respostas formais e informais disponíveis.
147
7 CONCLUSÕES
A abordagem sócio-antropológica mostrou ser um instrumento interessante
para ampliarmos a noção de público e privado trazendo um novo enfoque para a
discussão da utilização dos sistemas de cuidados marcada, em geral, pela dualidade
entre o sistema estatal, o SUS e o sistema privado, representado pelos planos de
saúde. Permitiu-nos constatar através das narrativas das experiências dos usuários
a diversidade de arranjos e percursos realizados além de identificar suas percepções
acerca do processo saúde/ doença e da qualidade da atenção recebida.
Ao comparamos as linhas de cuidado analisadas, algumas tendências acerca
das interpretações do processo saúde doença e dos diferentes arranjos na utilização
dos sistemas de cuidados em cada uma dessas linhas pode ser apontada.
Assim, no caso do alcoolismo, apesar da referência a um conjunto de fatores,
a importância do contexto social surge como marcante. Aparecem sucessivas
menções a respeito da permissividade da sociedade a qual termina por se associar
de forma negativa a fatores genéticos e psicológicos, principalmente em períodos
críticos do desenvolvimento do indivíduo. A contra parte perversa dessa situação é
que essa mesma cultura facilitadora parece não reconhecer o alcoolismo como uma
doença o que se manifesta, entre outros, pelas dificuldades no acesso (falta de
vagas, limites de coberturas) e pela referência a falta de preparo por parte dos
serviços profissionais em lidar com o problema. Constitui-se o que pode ser
denominado de doença não adjetivada ou nas palavras dos entrevistados “a doença
da negação”. O reconhecimento da dependência ou do uso de risco de álcool ocorre
depois de muitos anos de consumo e a procura e/ ou motivação para o tratamento
deve-se ao surgimento de doenças secundárias, perdas financeiras, problemas no
trabalho e na família. Um aspecto importante encontrado foi a precocidade do início
regular e elevado desse uso.
No caso do alcoolismo, o itinerário dos casos mostra um longo percurso
identificando-se a utilização dos três subsistemas de atenção à saúde: o informal
(identificação do problema pela família, amigos e trabalho, onde ocorre o primeiro
148
aconselhamento; alternativas de auto-ajuda como a instituição dos grupos de
Alcoólicos Anônimos – AA); o popular (assistência espiritual como na umbanda e em
comunidades terapêuticas – ligadas a grupos religiosos); e o sub-sistema
profissional (consultas para legalizar faltas, consultas a clínicos, consultas com
profissionais de saúde mental, internações para desintoxicação).
É interessante destacar a existência, nessa linha de cuidado, de um mix entre
o sistema informal e o sistema profissional, num arranjo que parece ser positivo (ou
efetivo) entre recursos do modelo biomédico. Estas abordagens incluem diversos
profissionais, práticas grupais, suporte espiritual e de auto-ajuda. Isto corrobora a
idéia de que é preciso uma maior transversalidade social e interdisplinar na
compreensão e na busca de ações efetivas na promoção à saúde e na prevenção
com detecção precoce dos usos de risco de álcool, com ou sem dependência.
Também gera hipóteses de que esses arranjos possam ser particularmente válidos
para a área da saúde mental.
O social também esta relacionado ao conjunto de causas referidas para o
infarto, mas adquire nesse caso um significado distinto associando-se a noção de
estilo de vida: hábitos alimentares, tabagismo, sedentarismo, bem como o stress
causado por problemas, pressões, insatisfações e perdas vividas no trabalho e/ou
na família. Ou seja, um conjunto de riscos que o indivíduo deveria modificar ou
aprender a controlar. Notou-se em Curitiba uma maior valorização da categoria
stress.
Chama atenção a pouca referência por parte dos entrevistados a formas de
rastreamento ou de intervenção que pudessem ter modificado o curso desses
fatores de risco que os sujeitos parecem conhecer, mas não conseguem modificar.
Nota-se como ponto importante nesta linha de cuidado o fato de que não
aparecerem nas histórias passadas dos usuários referências a procedimentos
preventivos sistemáticos que ficam reduzidos a controle de fatores de riscos nos
casos de pacientes hipertensos ou diabéticos, ou de orientações alimentares em
caso de dislipidemias. Depois do primeiro episódio de infarto é que se inicia o efetivo
monitoramento da doença. O itinerário revela o que estamos denominando de uma
“linha de cuidado invertida” uma vez que a ações ligadas à promoção da saúde tem
início quando a doença já está instalada de forma severa.
149
O problema é, em geral, reconhecido pelo próprio paciente no âmbito do
sistema informal. A partir daí, o itinerário percorrido envolve a procura de diversos
serviços do subsistema profissional, na grande maioria do sistema privado.
Identificamos a existência de um mix público-privado no sistema profissional de
cuidados com a utilização de hospitais e urgências pertencentes ao SUS quando o
plano não previa cobertura hospitalar ou se o beneficiário desconhecia a existência
de um prestador privado, mas tais situações foram pouco expressivas. Há
referências do uso do sistema público para obtenção da medicação de uso crônico.
O SAMU cumpre um papel importante no direcionamento desses pacientes.
O tipo de cobertura contratada com o plano de saúde foi determinante para a
trajetória a ser seguida, como para o acesso à terapêutica. A obtenção de
procedimentos mais complexos está subordinada a regras especiais e pode
significar pagamento complementar. Portanto, as possibilidades de escolha dos
usuários são limitadas pelo tipo de financiamento e pela falta de informação dos
usuários
diante
de
alternativas
terapêuticas
e
procedimentos
complexos.
Cateterismo e angioplastia foram os procedimentos mais freqüentes. Há um papel
de destaque para os procedimentos tecnológicos que assumem intensa valorização
diante de uma situação de risco de vida, sem a menção aos recursos de outros
sistemas de cuidado.
No caso do câncer de mama houve predomínio do sofrimento psíquico na
explicação das pacientes acerca dos determinantes de sua doença. A associação
entre o câncer de mama e fatores psicológicos e emocionais é antiga embora essa
perspectiva não tenha sido confirmada por estudos epidemiológicos até o momento.
Esta é a única linha na qual a concepção do processo saúde/doença que foi
predominante não coincide com o modelo explicativo da biomedicina. Outras duas
percepções comuns foram a de que a doença está associada à herança genética e à
reposição hormonal, o que nesse caso, é concordante com o fatores de risco do
modelo profissional.
As consultas e os respectivos exames de rotina realizados pelas mulheres
junto aos ginecologistas mostraram-se os principais meios de identificação do
câncer. Na maior parte dos casos, exames clínicos e por imagem, associados à
posterior biópsia e punção, foram empregados para confirmar o diagnóstico. Em
seguida vem o auto-exame ou um achado ao acaso ao tocar a mama. Identifica-se,
150
portanto, a incorporação de atividades preventivas no cotidiano das entrevistadas o
que mostra um avanço neste campo. Segue-se um itinerário no sistema profissional
privado que envolve consultas com mastologista, oncologista, realização de
quadrantectomia ou mastectomia, radioterapia e/ou quimioterapia. Algumas realizam
a reconstrução da mama no momento de sua retirada e outras, algum tempo após.
Houve algumas referências a consultas com psicólogos e com fisioterapeutas.
Nessa linha de cuidado aparece claramente a existência de um mix entre o sistema
público e o sistema privado para a obtenção de medicamentos de maior custo. Isto
sugere que na área da oncologia possa se configurar o efeito Hood Robin, discutido
na fundamentação teórica deste trabalho.
Deve ser ressaltada também a existência de um mix interessante que se
realiza entre o sistema informal, com um papel importante dos grupos de auto-ajuda
e do sistema popular, através da busca de suporte espiritual. Não há referência ao
abandono ou a modificação de padrões do uso das prescrições da biomedicina,
mostrando assim um arranjo harmônico desses recursos feito pelas pacientes de
forma a contemplar suas necessidades.
As expectativas relacionadas ao parto apontam para a importância de que se
leve em conta à difusão de uma cultura que associa e enfatiza a dor ou intenso
sofrimento ao ato de dar a luz, o que encontra eco em interesses profissionais num
contexto organizacional onde não existem incentivos para a realização de parto
natural. A escolha por cesariana variou entre decisão profissional sem um motivo
aparente, por complicação e por decisão da própria mulher. Os dados revelaram que
a falta de informações sobre parto com analgesia impediu a mulher de optar por
parto normal ou então, já ocorre uma influência pelo profissional médico durante o
pré-natal.
Esses elementos de ordem cultural e organizacional deverão ser
considerados no sentido da reversão das elevadas taxas de cesarianas atualmente
prevalentes no país, fato que também se confirmou neste trabalho.
A principal escolha feita pelas mulheres na gestação foi o de procurar
serviços do subsistema profissional para a realização de pré-natal e exames de
rotina. Verifica-se que o itinerário traçado segue a lógica de atendimento:
consultório-laboratório-maternidade. Apenas em Florianópolis foi mencionado o uso
de recursos do sistema informal ou mesmo a freqüência a um grupo de gestantes do
sistema público.
151
Foi alta a satisfação referida pelos usuários com relação tanto aos
prestadores do sistema profissional como em relação aos planos de saúde nos
atendimentos recebidos no caso do IAM, do câncer de mama e durante o parto. Ter
acesso rápido aos recursos que interpretam como sendo de qualidade técnica
adequada é o aspecto que sobressai nessa avaliação. Os raros pontos de
insatisfação dizem respeito a dificuldades de informações e nas instalações.
Quanto aos planos, cuja satisfação é alta, porém, um pouco menor do que em
relação aos prestadores, as insatisfações se situavam em torno do custo crescente,
das necessidades de co-pagamentos, das deficiências de coberturas e dos
impasses burocráticos para autorizações de procedimentos. Talvez isto possa, em
parte, ser explicado pela ambigüidade da existência de duas lógicas decorrente da
segmentação do sistema brasileiro: a do cidadão e a do consumidor. Embora
inseridos numa estrutura contratual de mercado, o imaginário dos usuários é
permeado por aspirações de uma cobertura universal.
Há uma discussão a ser feita quanto ao viés de valorização positiva dessas
respostas (medidas através de um ícone) diante de situações vitais de extrema
importância. Assim, no caso do parto quando as mulheres eram estimuladas a
falarem mais acerca de seus desejos e expectativas em relação ao plano e aos
serviços, muitos aspectos relacionados à humanização (paciência, apoio, carinho)
vieram a tona. Também no caso do câncer de mama, apesar de na pergunta objetiva
as pacientes referirem majoritariamente satisfação com o plano, expressiva parte
delas mostrava ressalvas. Referiam a necessidade da cobertura de uma maior
diversidade de profissionais não-médicos, uma vez que o tratamento requer uma
integração entre diversas áreas do conhecimento. Outra preocupação manifesta foi
com a rede de médicos conveniados, apontando o desejo de ampliação da mesma,
com dificuldades para consultas com especialistas Além disso, havia apreensão
sobre a permanência dos credenciados no futuro.
Quanto à satisfação dos entrevistados no caso do alcoolismo, encontramos
um amplo espectro de insatisfações relativas ao atendimento biomédico formal e
ainda relativo ao aspecto comercial de clínicas classificadas como pertencentes ao
sistema popular. Ressaltou-se a questão econômica e o caráter lucrativo dos planos
de saúde que não cobrem inteiramente os tratamentos, somando-se à questão do
despreparo profissional para o trabalho com dependentes.
152
Finalizando, é possível pensar que a linha cardiovascular possa se constituir
num bom marcador tanto da incorporação tecnológica no setor como da realização
de práticas de promoção ou prevenção mais efetivas. A oncologia pode ser útil para
o monitoramento do mix público-privado, representando o parto uma excelente
situação para acompanhamento das ações de humanização. A saúde mental
oferece a possibilidade para observarmos a efetividade da ampliação do diálogo
entre o sistema profissional e o informal.
Os dados da amostra confirmam que as pessoas com cobertura de planos
privados possuem uma situação sócio-econômica acima da maioria da população
brasileira. Também constatamos o predomínio de uma operadora, particularmente
em Florianópolis. Mas nas três capitais a amostra foi coerente com o tipo de
cobertura existente na saúde suplementar. No entanto, é importante lembrarmos dos
limites a serem considerados na interpretação destas conclusões, tais como os
vieses já apontados e as dificuldades na coleta de dados junto aos usuários, o que
traz a necessidade de que se amplie a amostragem de forma a confirmar as
hipóteses levantadas.
Os resultados encontrados neste estudo aproximam-se daqueles oriundos de
estudos etnográficos e de análises transculturais nos aspectos relacionados ao fluxo
e ordem de procura dos serviços constatando-se uma multiplicidade de trajetórias e
de arranjos principalmente no campo da saúde mental e da oncologia. Também
coincidem com os principais aspectos referidos nas pesquisas de satisfação.
Esperamos que possam ser úteis na implementação das diversas políticas e
programas elencados anteriormente que se relacionam com a promoção da saúde e
uma maior integralidade da atenção do cuidado nas linhas estudadas. O
desenvolvimento de novos referenciais e instrumentos que possibilitem uma visão
ampliada na compreensão e na análise dos modelos de cuidados empreendidos
pelos usuários e por sua rede de relações parece particularmente útil no atual
cotidiano assistencial brasileiro, superando-se assim qualquer contraposição entre
enfoques que priorizam uma explicação política daqueles que tratam dos aspectos
culturais.
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166
9 APÊNDICES
APÊNDICE I – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Projeto de Pesquisa “Relação público-privado e arranjos técnicos assistenciais na
utilização de serviços de saúde: um estudo de itinerários terapêuticos na região
sul”
Esta é uma pesquisa que tem como objetivo analisar os caminhos percorridos pelos usuários dos
planos de saúde em Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. Visa identificar as experiências narradas
pelos usuários nesses serviços com relação à sua doença e quanto à qualidade da atenção recebida.
A pesquisa pretende compreender a perspectiva e expectativas daqueles que usam os serviços com
vistas a contribuir para a sua melhoria e para subsidiar ações da Agência Nacional de Saúde
Suplementar, que pretende formular políticas para qualificar os planos de saúde, aproximando o
cuidado/atendimento ofertado pelas operadoras às necessidades de saúde e expectativas dos
usuários.
Você está sendo convidado a participar desta pesquisa na forma de entrevistado e, pedimos que
declare, através deste termo de compromisso, que se considera esclarecido/a quanto ao objetivo e
procedimentos da pesquisa e aceita participar da mesma, bem como autoriza a sua gravação. A sua
participação é livre, bem como fica garantido o seu direito de desistir de participar da pesquisa em
qualquer momento sem que isso lhe cause qualquer penalidade ou prejuízo. Fica, também garantida
a sua privacidade e o anonimato das informações. Esclarecemos ainda que os dados obtidos sejam
utilizados em relatório conclusivo, bem como em publicações científicas, sendo que, em nenhum
momento a sua identidade será revelada.
Qualquer despesa decorrente da pesquisa e de danos que lhe possam ocorrer, serão de
responsabilidade dos pesquisadores.
Isto posto, declaro para os devidos fins e efeitos legais que tomei conhecimento do projeto de
pesquisa “Relação público-privado e arranjos técnicos assistenciais na utilização de serviços
de saúde: um estudo de itinerários terapêuticos na região sul”, estando ciente e devidamente
esclarecido(a) dos direitos descritos neste termo de consentimento.
_____________________ ________________________
Entrevistado
Entrevistador
Dra Denise Pires
Coordenadora da Pesquisa
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde,
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Campus Universitário,
Trindade, Florianópolis, SC. CEP 88 040
167
APÊNDICE II – ROTEIRO DE ENTREVISTA - SEMI-ESTRUTURADA (IAM,
CÂNCER DE MAMA, ALCOOLISMO)
Linhas de cuidado: Cárdio-vascular (Infarto do miocárdio) – Câncer (Câncer de mana) - Saúde
Mental (alcoolismo)
Local:_______________________________ Data:_______/_________/__________
Iniciais da/o Entrevistada/o:______________________ Número da Entrevista:________
A) DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
• Idade/data de nascimento ______. _____/_____/____
• Sexo: _________
• Raça/cor/
( ) Branca
( ) Amarela
( ) Negra
( ) Indígena
•
Plano de saúde – Qual? (Detalhar o nome e tipo de plano – copiar da carteirinha e checar na
lista):
•
Tipo de cobertura (copiar da carteirinha):
•
Tempo que possui o plano (carência):
•
Escolaridade:
( ) Analfabeto
( ) fundamental ou 1o grau incompleto
( ) fundamental ou 1o grau completo
( ) médio ou 2o grau incompleto
( ) médio ou 2o grau completo
( ) superior incompleto
( ) superior completo
( ) pós-graduação.
•
Profissão :_______________ Ocupação:_________________
B) AGORA VAMOS FALAR DO PROBLEMA QUE ACONTECEU COM O SR./SRA.
1) O que você pensa que causou o seu problema de saúde e porque esse problema começou?
2) Como e quando esse problema começou? Diga o que você sentiu
3) O que você fez desde que a sua doença começou? Quais recursos/ serviços ou opiniões/
168
orientações você procurou e/ou recebeu?
a) Descrever todos os serviços profissionais públicos (SUS) ou privados que você procurou –
ambulatórios, consultórios, clínicas ou hospitais procurados, incluir os diversos profissionais
de saúde.
b) Além do médico e profissionais de saúde que outra/s forma/s de tratamento você procurou?
(Investigar outras alternativas assistenciais - religiosa, práticas alternativas, benzedeiras ou
outros, pessoas amigas ou familiares, outros doentes, grupos de apoio).
4) Descreva o que aconteceu nestes serviços.
§ O/s tratamento/os / orientação/ões que você recebeu ajudaram? Sim? Não? Por quê?
(Resolveu ou melhorou o seu problema? – Especifique o que aconteceu em cada serviço)
§ Você seguiu o tratamento recomendado em cada um dos locais/serviços procurados?
Sim? Não? Por quê?
5) Como você se sentiu com o atendimento recebido?
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Insatisfeito
Muito
Insatisfeito
Por quê?
6) Como você acha que deveria ter sido tratado/cuidado?
7) O que você desejaria que estivesse disponível para seu tratamento nos serviços de saúde que
você procurou?
8) Como você se sente com relação ao seu plano de saúde?
• Cobertura, acesso, outros.
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Insatisfeito
Muito
Insatisfeito
Por quê?
COMPLEMENTAÇÃO DA IDENTIFICAÇÃO:
Renda familiar/ mês (total de rendimentos de todos os membros da família que dependem desta
renda):
( ) sem rendimento
( ) até R$ 700,00
( ) R$ 700,01 - 2 000,000
( ) R$ 2 000,01 – 4 000,00
( ) R$ 4 000,01 – 6 000,00
( ) R$ 6 000,01 – 8 000,00
( ) acima de R$ 8 000,01
Quantas pessoas dependem desta renda?
Renda familiar per capita média (total das contribuições dividido pelo número de membros):
Impressões do entrevistador:
Indicação do novo contato.
169
APÊNDICE III – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA (PARTO)
Linha de Cuidado Obstetrícia
Parto: Realizada com mulheres que tiveram filho a menos de 1 ano e meio.
Local:_____________________________ Data:_____/_____/_______
Iniciais da/o Entrevistada/o:_____________________ Número da Entrevista:_________
B)
•
•
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Idade/data de nascimento:_______. ______/______/_______
Raça/cor
( ) Branca
( ) Amarela
( ) Negra
( ) Indígena
•
Plano de saúde – Qual? (Detalhar o nome e tipo de plano – copiar da carteirinha e checar na
lista):
•
Tipo de cobertura (copiar da carteirinha):
•
Tempo que possui o plano (carência):
•
Escolaridade:
( ) Analfabeto
( ) fundamental ou 1o grau incompleto
( ) fundamental ou 1o grau completo
( ) médio ou 2o grau incompleto
( ) médio ou 2o grau completo
( ) superior incompleto
( ) superior completo
( ) pós-graduação.
•
•
•
Profissão : _______________________ Ocupação:_______________________
Número de gestações:
Número de partos:
B) AGORA VAMOS FALAR DO SEU PARTO.
1) O que você sentiu quando soube que estava grávida e quais eram as suas expectativas em
relação ao parto?
§ Como você esperava que fosse seu parto?
§ Parto vaginal (“normal”) ou cesáreo?
§ A gravidez e o parto foram planejados?
§ No final do pré-natal, a sua expectativa em relação ao parto era a mesma do início da
gravidez? Sim? Não? Porque?
170
§
2) Descreva o seu parto.
§ O seu parto correspondeu à sua expectativa? Sim? Não ? Por quê?
3) Quais recursos/ serviços ou opiniões/ orientações você procurou e/ou recebeu em relação à
gestação, especialmente no que diz respeito ao parto?
a) Serviços profissionais públicos (SUS) ou privados – ambulatórios, consultórios, clínicas ou
hospitais procurados, incluir os diversos profissionais de saúde.
b) Além do médico e profissionais de saúde que outro tipo de atendimento você procurou para o
seu parto? Outros serviços ou alternativas procuradas – parteiras, religiosos, práticas
alternativas, benzedeiras ou outros, pessoas amigas ou familiares, outras gestantes ou
mulheres com experiência de parto.
3) Descreva o que aconteceu nestes serviços, especialmente em relação ao parto:
§ Que orientações você recebeu em relação ao parto, nos diversos serviços?
§ O/s tratamento/os / orientação/ões que você recebeu nos diversos serviços ajudaram você a
se preparar melhor para o parto e a maternidade? Ajudou para que seu parto fosse sem
riscos para você e para o bebê? Sim? Não? Porque?
§ Você seguiu o tratamento recomendado em cada um dos locais/serviços procurados? Sim?
Não? Por quê?
4) Você ficou satisfeito com o atendimento recebido?
carinhas
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Insatisfeito
Muito
Insatisfeito
Por quê?
§ Como você acha que deveria ter sido tratada/cuidada em relação ao seu parto?
§ O que você desejaria que estivesse disponível para seu parto nos serviços de saúde que
você procurou?
5) Como você se sente com relação ao seu plano de saúde?
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Insatisfeito
Muito
Insatisfeito
Por quê?
COMPLEMENTAÇÃO DA IDENTIFICAÇÃO:
Renda
renda):
(
(
(
(
(
(
(
familiar/ mês (total de rendimentos de todos os membros da família que dependem desta
) sem rendimento
) até R$ 700,00
) R$ 700,01 - 2 000,000
) R$ 2 000,01 – 4 000,00
) R$ 4 000,01 – 6 000,00
) R$ 6 000,01 – 8 000,00
) acima de R$ 8 000,01
171
Quantas pessoas dependem desta renda?
Renda familiar per capita média (total das contribuições dividido pelo número de membros):
Impressões do entrevistador:
Indicação do novo contato.
172
APÊNDICE IV – CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA POR LINHA DE CUIDADO E POR CIDADE
CÂNCER DE MAMA
Curitiba
ID
Idade
Sexo
Raça
Plano
1
48
Feminino
Branca
2
65
Feminino
3
61
4
Tipo do plano
Escolaridade
UNIMED
Tempo do
plano
10 anos
Enfermaria
Pós-graduação
Branca
ICS
17 anos
Apartamento
Médio completo
Feminino
Branca
UNIMED
11 anos
Não informado
54
Feminino
Branca
UNIMED
8 anos
Enfermaria
Superior
completo
Pós-graduação
5
52
Feminino
Branca
55
Feminino
Branca
Mais de
20 anos
12 anos
Total
6
Fundação
Copel
UNIMED
7
58
Feminino
Branca
Saúde Ideal
12 anos
8
44
Feminino
Branca
Clinihauer
9
56
Feminino
Branca
10
43
Feminino
11
44
13
14
Profissão/
Ocupação
Assistente de
administração
Auxiliar de
enfermagem
Professora
aposentada
Advogada
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Renda (R$)
Dependentes
4
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Vendedora de
automóveis
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
2.000,01 a
4.000,00
5
Do lar
(pensionista)
Aposentada
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
4
Funcionária
pública (área
administrativa)
Administradora
Totalmente
satisfeita
Muito
insatisfeita
4.000,01 a
6.000,00
2.000,01 a
4.000,00
Até 700,00
Totalmente
Insatisfeita
6.000,01 a
3
Do lar
Total
8 anos
Apartamento
Pós-graduação
Enfermeira
4 anos
Total
12 anos
Apartamento
Superior
incompleto
Pós-graduação
Secretária
Branca
Nossa
Saúde
PASS
Feminino
Branca
ICS
19 anos
Total
Pós-graduação
54
Feminino
Branca
35 anos
Total
Superior
incompleto
Do lar
51
Feminino
Branca
Caixa
Econômica
Federal
UNIMED
6 anos
Ambulatorial/
enfermaria
Superior
incompleto
Florianópolis
1
68
Feminino
Branca
UNIMED
15 anos
Total
Médio completo
2
59
Feminino
Branca
GEAP
10 anos
Total
3
48
Feminino
Branca
UNIMED
13 anos
Básico (coparticipação)
Superior
completo
Médio completo
4
54
Feminino
Branca
UNISANTA
20 anos
Ambulatorial /
Superior
Satisfação
(plano)
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
2.000,01 a
4.000,00
700,01 a
2.000,000
2.000,01 a
4.000,00
2.000,01 a
4.000,00
6.000,01 a
8.000,00
6.000,01 a
8.000,00
2.000,01 a
4.000,00
700,01 a
2.000,000
4.000,01 a
6.000,00
2.000,01 a
4.000,00
700,01 a
2.000,000
6.000,01 a
8.000,00
Superior
completo
Superior
completo
Médio completo
Enfermaria
Satisfação
(atendimento)
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Pedagoga
Autônoma
Administradora
de empresas
Professora
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Insatisfeita
Insatisfeita
2
2
1
5
2
1
4
3
2
2
4
3
2
173
5
45
Feminino
Branca
UNIMED
3 anos
Hospitalar
(quarto coletivo)
Total
6
50
Feminino
Branca
UNISANTA
9 anos
Básico
7
53
Feminino
Branca
UNIMED
12 anos
Básico
8
46
Feminino
Branca
Saúde-Caixa
22 anos
9
43
Feminino
Branca
UNIMED
13 anos
Total (odonto +
psicólogo)
Total
10
51
Feminino
Branca
UNIMED
15 anos
Total
11
60
Feminino
Branca
UNIMED
10 anos
Total
Porto Alegre
1
85
Feminino
Branca
IPÊ
30 anos
Pós-graduação
2
48
Feminino
Branca
UNIMED
8 meses
3
68
Feminino
Branca
IPÊ
20 anos
4
56
Feminino
Branca
11 anos
5
46
Feminino
Negra
Centro
Clínico
UNIMED
Ambulatorial/
Hospitlar
Ambulatorial/
Hospitlar
Ambulatorial/
Hospitlar
Ambulatorial/
Hospitlar
Ambulatorial/
Hospitlar
6
54
Feminino
Branca
BRADESCO
14 anos
Médio completo
7
53
Feminino
Branca
UNIMED
7 meses
8
44
Feminino
Branca
3 anos
9
67
Feminino
Branca
Caixa
Econômica
Federal
BACEN
Ambulatorial/
Hospitlar
Ambulatorial/
Hospitlar
Ambulatorial/
Hospitlar
Ambulatorial/
Hospitlar /
Odontológico
3 anos
30 anos
completo
(aposentada)
satisfeita
Superior
completo
Pós-graduação
Pedagoga
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
Insatisfeita
Satisfeita
Insatisfeita
Muito insatisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Superior
completo
Superior
completo
Superior
completo
Superior
completo
Fundamental
incompleto
Fundamental
completo
Superior
completo
Superior
completo
Médio completo
Funcionária
pública
Policial Federal
(aposentada)
Bancária
Advogada
Médica
Do lar
Farmacêutica
(aposentada)
Comerciante
Professora
(aposentada)
Publicitária
Funcionária
pública
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
8.000,00
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Insatisfeita
Satisfeita
Do lar
Insatifeita (Santa
Casa); Satisfeita
(Moinhos)
Satisfeita
Superior
completo
Pós-graduação
Geóloga
Satisfeita
Satisfeita
Professora
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Médio completo
Do lar
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Satisfeita
6.000,01 a
8.000,00
2.000,01 a
4.000,00
Acima de
8.000,01
4.000,01 a
6.000,00
4.000,01 a
6.000,00
Acima de
8.000,01
700,01 a
2.000,000
1
6.000-01 a
8.000,00
2.000,01 a
4.000,00
700,01 a
2.000,00
2.000,01 a
4.000,00
700,01 a
2.000,00
4
Acima de
8.000,01
4.000,01 a
6.000,00
2.000,01 a
4.000,00
2
4.000,01 a
6.000,00
2
4
3
3
2
1
3
3
1
2
1
4
4
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO
174
Curitiba
1
50
Masculino
Branca
AMIL
7 anos
Empresarial
2
52
Masculino
Branca
PASS Itaú
Total
3
53
Masculino
Branca
COPEL
28-30
anos
30 anos
4
56
Masculino
Branca
UNIMED
15 anos
Enfermaria
5
58
Masculino
UNIMED
5 anos
Enfermaria
6
44
Masculino
Branca
UNIMED
14 anos
Enfermaria
7
58
Masculino
Branca
UNIMED
5 anos
Empresarial
8
66
Masculino
Branca
PASS
20 anos
Total
9
48
Masculino
Branca
UNIMED
1 ano
Empresarial
10
49
Masculino
Branca
UNIMED
8 meses
Empresarial
Pós-graduação
Chefe de
transporte (Min.
Agricultura)
Biólogo
11
72
Masculino
Branca
UNIMED
16 anos
Total
Superior
completo
Dentista
(aposentado)
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Florianópolis
1
76
Masculino
Branca
UNIMED
06 meses
Hospitalar
Agricultor
(parou de
trabalhar por
causa da
doença)
Economista
(aposentado)
Doméstica
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Total
2
53
Masculino
Branca
UNIMED
25 anos
Integral
3
82
Feminino
Branca
UNIMED
Total
4
49
Masculino
Brasileiro
UNISANTA
Sem
informação
16 anos
5
54
Masculino
Branca
UNIMED
10 anos
6
66
Masculino
Branca
UNIMED
35 anos
Ambulatorial /
hospitalar.
Nacional,
(exames,
ambulatório e
apartamento)
Hospitalar (coparticipação)
Superior
completo
Médio completo
Economista
Fundamental
completo
Superior
incompleto
Superior
completo
Fundamental
completo
Fundamental
completo
Superior
completo
Fundamental
completo
Aposentado
Médio completo
Superior
completo
Fundamental
incompleto
Autônomo
Microempresário
Inspetor de
solda
Metalúrgico
Caminhoneiro
(aposentado)
Aposentado
Bombeiro
Médio completo
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Muito
insatisfeito
Satisfeito
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Fundmental
incompleto
Operador de
Subestação
(aposentado)
2
4.000,01 a
6.000,00
4.000,01 a
6.000,00
5
4
3
3
6
3
9
4
4
2
Satisfeito
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeito
Insatisfeito
Totalmente
satisfeita
Insatisfeito
700,01 a
2.000,00
4.000,01 a
6.000,00
700,1 a
2.000,00
2.000,01 a
4.000,00
Satisfeito
Insatisfeito
4.000,01 a
6.000,00
1
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
2.000,01 a
4.000,00
5
Dentista
(funcionário
público)
Pós graduação
6.000,01 a
8.000,00
2.000,01 a
4.000,00
700,01 a
2.000,000
2.000,01 a
4.000,00
4.000,01 a
6.000,00
700,01 a
2.000,000
6.000,01 a
8.000,00
4.000,01 a
6.000,00
2.000,01 a
4.000,00
2
2
1
2
175
7
66
Feminino
Branca
UNIMED
07 meses
Total
Médio completo
8
82
Feminino
Branca
UNIMED
20 anos
Total
Médio completo
9
73
Masculino
Branca
UNIMED
20 anos
Ambulatorial /
Hospitalar
Médio completo
10
48
Masculino
Branca
UNIMED
18 anos
Sem restrição
11
53
Masculino
Branca
UNIMED
1 ano
Total
(abrangência
nacional ambulatório +
apartamento)
Sem restrição
(ambulatorial e
hospitalar)
Completo
Médio completo
12
66
Masculino
13
59
Masculino
14
59
Feminino
Branca
UNIMED
39 anos
UNIMED
18 anos
UNIMED
1 ano e
meio
Total
Médio completo
Fundamental
incompleto
Pós graduação
Branca
Fundamental
incompleto
15
66
Masculino
Branca
UNIMED
30 anos
16
82
Masculino
Branca
UNIMED
10 anos
Ambulatorial/
Hospitalar
Total
17
68
Masculino
Branca
UNIMED
1 ano
Total
Porto Alegre
1
68
Feminino
Branca
2
82
Masculino
Branca
3
69
Feminino
Branca
4
82
Masculino
Branca
IPÊ (IBGM –
plano 2)
SENERGISUL
(ECO-SALVA
– plano 2)
IPÊ (GEAP plano 2)
47 anos
IPÊ
Pós graduação
Superior
completo
Fundamental
incompleto
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
Médio
incompleto
Fundamental
completo
43 anos
Ambulatorial/
Hospitalar
Médio completo
5-6 anos
Ambulatorial/
Hospitalar
Médio
incompleto
40 anos
Funcionária
pública
(aposentada)
Agricultora
(dona de casa/
pensionista)
Funcionário
público
(aposentado)
Assistente
administrativo
Securitário
(parou para
fazer a cirurgia)
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Não
informado
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
700,1 a
2.000,00
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Insatisfeito
Totalmente
satisfeito
Acima de
8.000,01
2.000,01 a
4.000,00
Satisfeito
Satisfeito
4.000,01 a
6.000,00
Satisfeito
Satisfeito
Satisfeito
Totalmente
satisfeito
2.000,01 a
4.000,00
4.000,01 a
6.000,00
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
6.000,01 a
8.000,00
2.000,01 a
4.000,00
Acima de
8.000,01
2.000,01 a
4.000,00
Totalmente
satisfeita
Insatisfeito
Satisfeita
Até 700,00
1
Satisfeito
700,00 a
2.000,00
4
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
700,00 a
2.000,00
1
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
700,00 a
2.000,00
2
Militar
(aposentado)
Engenheiro
(administrador)
Funcionária
pública
(aposentada)
Advogado
(aposentado)
Advogado
(aposentado)
Comerciante
(aposentado)
Do lar
Mecânico de
caldeira
(aposentado)
Funcionária
pública
(aposentada)
Comerciante
(aposentado)
1
2
3
3
2
3
4
4
2
1
176
PARTO
Curitiba
1
34
Feminino
Branca
UNIMED
3 anos
Particular
Médio completo
2
35
Feminino
Branca
UNIMED
5 anos
Apartamento
3
24
Feminino
Negra
Sulamérica
12 anos
Especial
Superior
completo
Médio completo
4
38
Feminino
Amarela
UNIMED
7 anos
Empresarial
Pós-graduação
5
31
Feminino
Branca
2-3 anos
Apartamento
6
28
Feminino
Branca
Mediservice
- Porto
Seguro
Sulamérica
5 anos
7
32
Feminino
Branca
Bradesco
8
27
Feminino
Branca
9
30
Feminino
10
28
11
Diretora de
escola
Médica
veterinária
Operadora de
vendas
Professora
Satisfeita
Satisfeita
6.000,01 a
8.000,00
6.000,01 a
8.000,00
2.000,01 a
4.000,01
4.000,01 a
6.000,00
6.000,01 a
8.000,00
5
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Satisfeita
Insatisfeita
Superior
completo
Aeronauta
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Empresarial
Médio completo
Do lar
Satisfeita
1,5 anos
Enfermaria
Superior
incompleto
Auxiliar
odontológico
Totalmente
insatisfeita
Totalmente
satisfeita
700,01 a
2.000,000
700,01 a
2.000,001
3
ICS
4 anos
Total
Superior
completo
Bióloga
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
2.000,01 a
4.000,01
4
Branca
Saúde Ideal
1,5 anos
Co-participação
Médio completo
Vigilante
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
700,01 a
2.000,001
3
Feminino
Branca
Bradesco
7 meses
Empresarial
Superior
completo
Supervisora de
call-center
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
2.000,01 a
4.000,00
3
37
Feminino
Branca
Amil
6 meses
Empresarial
12
26
Feminino
Branca
UNIMED
10 meses
Empresarial
Médio
incompleto
Médio completo
Camareira
Insatisfeita
Insatisfeita
Até 700,00
5
Assistente de
Departamento
Pessoal
Vendedora
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
700,01 a
2.000,001
3
13
27
Feminino
Branca
UNIMED
7 meses
Enfermaria
Médio completo
Muito insatisfeita
Totalmente
satisfeita
700,01 a
2.000,00
4
14
26
Feminino
Branca
Bradesco
1,5 anos
Empresarial
Gerente de
compras
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
700,01 a
2.000,000
700,01 a
2.000,000
3
Empresarial
Superior
completo
Médio completo
15
24
Feminino
Branca
Sulamérica
2 anos
Florianópolis
1
45
Feminino
Branca
UNIMED
10 meses
Empresarial
Médio completo
Auxiliar de
enfermagem
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
2.000,01 a
4.000,00
6
Totalmente
satisfeita
3
5
4
4
3
5
177
2
35
Feminino
Branca
UNIMED
6 anos
Empresarial
Superior
completo
Pós-graduação
Administradora
3
35
Feminino
Branca
UNIMED
2 anos
Empresarial
4
32
Feminino
Branca
UNIMED
3 anos
Empresarial
5
33
Feminino
Branca
UNIMED
1,5 anos
6
27
Feminino
Branca
UNIMED
7
26
Feminino
Branca
8
38
Feminino
9
32
10
11
Bancária
Empresarial
Superior
completo
Pós-graduação
1 anos
Empresarial
Médio completo
UNIMED
1,5 anos
Empresarial
Branca
UNIMED
7 anos
Empresarial
Superior
completo
Pós-graduação
Feminino
Branca
UNIMED
2,5 anos
Empresarial
39
Feminino
Branca
UNIMED
2,5 anos
Empresarial
30
Feminino
Branca
UNIMED
1,5 anos
Empresarial
Porto Alegre
1
27
Feminino
Branca
UNIMED
2 anos
2
36
Feminino
Branca
UNIMED
3 anos
3
38
Feminino
Branca
UNIMED
8 anos
4
32
Feminino
Branca
UNIMED
7 anos
5
24
Feminino
Branca
UNIMED
5 meses
6
24
Feminino
Branca
3 anos
7
36
Feminino
Branca
CARLOS
CHAGAS
BRADESCO
8
35
Feminino
Branca
UNIMED
2 anos
9
32
Feminino
Branca
UNIMED
10 anos
10
34
Feminino
Branca
IPÊ
34 anos
11 anos
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Satisfeita
Engenheira civil
Totalmente
satisfeita
Muito insatisfeita
Técnica de
Educação Física
Estudante
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Jornalista
Advogada
Muito
insatisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
2.000,01 a
4.000,00
2.000,01 a
4.000,00
2.000,01 a
4.000,00
4.000,01 a
6.000,00
700,01 a
2.000,00
700,01 a
2.000,00
2.000,01 a
4.000,00
2.000,01 a
4.000,00
2.000,01 a
4.000,00
6.000,01 a
8.000,00
4
2.000,01 a
4.000,00
6.000,01 a
8.000,00
4
5
Não
informou
4
Superior
completo
Superior
completo
Médio completo
Professora
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Professora
Satisfeita
Do lar
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar/
Odontológico
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar/
Odontológico
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
Superior
incompleto
Pós-graduação
Professora
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Superior
completo
Superior
completo
Superior
incompleto
Médica
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
Acima de
8.000,01
2.000,01 a
4.000,00
Acima de
8.000,01
Médio completo
Agente
homologadora
Professora
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Não informou
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
6.000,01 a
8.000,00
2.000,01 a
4.000,00
Acima de
8.000,01
Ambulatorial/
Superior
Satisfeita
Totalmente
Superior
completo
Médio completo
Superior
completo
Professora
Fisioterapeuta
Administradora
Auxiliar
administrativo
Advogada
(servidora
pública)
Relações
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
Satisfeita
2.000,01 a
4
3
3
3
3
3
3
4
3
3
4
6
6
3
4
178
Branca
UNIMED
10 anos
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
incompleto
Pós-graduação
públicas
Advogada
ALCOOLISMO
Curitiba
1
43
Masculino
Branca
UNIMED
20 anos
Apartamento
Pós-graduação
2
59
Masculino
Branca
Clinipam
10 anos
Enfermaria
Médio completo
3
61
Masculino
Branca
Sulamérica
5 anos
Apartamento
4
65
Masculino
Branca
Saúde Caixa
13 anos
Total
5
59
Masculino
Branca
Fundação
Copel
20 anos
Total
Superior
completo
Superior
incompleto
Superior
completo
6
54
Masculino
Branca
UNIMED
Total
7
51
Masculino
Branca
GEAP
Não
informado
20 anos
Não informado
Superior
completo
Médio completo
Delegado de
polícia
Téc. Reabilit.
Dependência
Química
(aposentado)
Administrador
(aposentado)
Auditor fiscal
(aposentado)
Engenheiro
elétrico
(aposentado)
Economista
8
54
Masculino
Branca
AMS
Petrobrás
30 anos
Total
Médio completo
Florianópolis
1
61
Masculino
Branco
UNISANTA
8 anos
59
Masculino
Branco
SISTEL
(UNISANTA)
8 anos
Superior
completo
Médio completo
Advogado
2
3
46
Masculino
Branco
26 anos
4
60
Masculino
Branco
SAÚDE
CAIXA
UNISANTA
Superior
Incompleto
Médio completo
5
61
Masculino
Branco
UNIMED
20 anos
Ambulatorial +
Hospitalar
Internação +
Assistência
Pessoal /
Hospitalar +
Ambulatorial
Ambulatorial +
Hospitalar
Ambulatorial +
Hospitalar
Ambulatorial +
Hospitalar
6
NI
Feminino
Branca
SISTEL
(UNIMED)
5 anos
7
52
Feminino
Branca
UNIMED
10 anos
Ambulatorial +
Hospitalar /
Ambulatorial +
Hospitalar
Ambulatorial +
11
33
Feminino
39 anos
satisfeita
Satisfeita
4.000,00
4.000,01 a
6.000,00
Satisfeito
Satisfeito
4
Não informado
Não
informado
Acima de
8.000
2.000,01 a
4.000,00
Totalmente
satisfeito
Não informado
Insatisfeito
2
Satisfeito
Satisfeito
4.000,01 a
6.000,00
4.000,01 a
6.000,00
Acima de
8.000,01
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
2
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
700,01 a
2.000,000
2.000,01 a
4.000,00
2.000,01 a
4.000,00
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Satisfeito
6.000,01 a
8.000,00
4.000,01 a
6.000,00
2
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Totalmente
Satisfeito
Satisfeito
4.000,01 a
6.000,00
700,00 a
2.000,00
6.000,01 a
8.000,00
2
Superior
completo
Bancário
(aposentado)
Militar
(aposentado)
Veterinário
(funcionário
público)
Professora (do
lar)
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
2.000,01 a
4.000,00
4
Superior
Comerciaria (do
Totalmente
Satisfeita
Acima de
4
Superior
completo
Técnico
eletrônico
Operador de
refinaria
Técnico
Eletrônico
(aposentado)
Totalmente
satisfeita
Insatisfeito
Totalmente
Satisfeito
Satisfeito
3
3
2
5
4
3
2
2
3
179
Hospitalar
Ambulatorial +
Hospitalar
Ambulatorial +
Hospitalar
completo
Superior
incolmpleto
Superior
completo
5 anos
Ambulatorial +
Hospitalar
Médio completo
UNIMED
15 anos
Ambulatorial/
Hospitalar
Fundamental
incompleto
Branco
ULBRA
3 anos
Médio completo
Masculino
Branco
UNIMED
10 anos
75
Masculino
Branco
GEAP
50 anos
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
5
42
Feminino
Branco
IPÊ
10 anos
Médio completo
6
49
Feminino
Branco
FUSEX
20 anos
7
31
Masculino
Branco
IPÊ(UNIMED)
31 anos
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar/
Odontologia
Ambulatorial/
Hospitalar
8
52
Masculino
Branco
10 anos
9
63
Masculino
Branco
UNIMED
(IPÊ)
IPÊ
10
27
Masculino
Branco
SENER
27 anos
11
30
Feminino
Branco
ULBRA
3 anos
8
39
Masculino
Branco
UNIMED
3 anos
9
63
Masculino
Branco
UNIMED
8 anos
10
43
Feminino
Branca
UNIMED
Porto Alegre
1
49
Masculino
Negro
2
50
Masculino
3
58
4
13 anos
lar)
Empresário
Auxiliar
administrativo
(aposentado)
Do Lar
satisfeita
Totalmente
satisfeito
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Satisfeito
8.000,01
2.000,01 a
4.000,00
2.000,01 a
4.000,00
2
2
Totalmente
satisfeita
Satisfeita
2.000,01 a
4.000,00
3
Téc . em
eletromecânica
(auxiliar
administrativo)
Corretor de
imóveis
Designer gráfico
Satisfeito
Totalmente
satisfeito
700,00 a
2.000,00
3
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Satisfeito
1
Agente de
portaria
(aposentado)
Tratadora de
animais
Jornalista (do
lar)
Satisfeito
Satisfeito
2.000,01 a
4.000,00
700,01 a
2.000,00
700,01 a
2.000,00
Satisfeita
Insatisfeita
1
Satisfeita
Satisfeita
700,01 a
2.000,00
6.000,01 a
8.000,00
Superior
completo
Educador físico
Totalmente
satisfeito
6.000,01 a
8.000,00
1
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
Médio completo
Bancário
Ambulatorial/
Hospitalar
Ambulatorial/
Hospitalar
Superior
incompleto
Médio
incompleto
Funcionário
público
(aposentado)
Estudante
2.000,01 a
4.000,00
700,01 a
2.000,00
3
Médio completo
Totalmente
satisfeito
Satisfeito
Satisfeito
(plano 1),
Insatisfeito
(plano 2)
Satisfeito
700,01 a
2.000,00
4.000,01 a
6.000,00
3
Superior
incompleto
Médio
incompleto
Superior
completo
Comerciante
Satisfeito
Satisfeito
Satisfeito
Satisfeito
Satisfeita (Pinel),
Insatisfeita (Mãe
de Deus)
Satisfeita
1
2
7
2
2
180
10ANEXOS
ANEXO I – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA E REGISTRO NO SISNEP
181
ANEXO II – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DE FLORIANÓPOLIS E DAS UNIDADES
DE SAÚDE
182
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