História, Ciências, Saúde - Manguinhos
ISSN: 0104-5970
[email protected]
Fundação Oswaldo Cruz
Brasil
Castelo, Cláudia
Investigação científica e política colonial portuguesa: evolução e articulações, 1936-1974
História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 19, núm. 2, abril-junio, 2012, pp. 391-408
Fundação Oswaldo Cruz
Rio de Janeiro, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=386138063003
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Investigação científica e política colonial portuguesa
CASTELO, Cláudia. Investigação
científica e política colonial portuguesa:
evolução e articulações, 1936-1974.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v.19, n.2, abr.-jun.2012.
p.391-408.
Resumo
Investigação científica e
política colonial
portuguesa: evolução e
articulações, 1936-1974*
Scientific research and
Portuguese colonial policy:
developments and
articulations, 1936-1974
Aborda-se a evolução da política
científica colonial desenvolvida pelo
Estado português no século XX através
do estudo de caso da Junta das Missões
Geográficas e de Investigações
Coloniais/do Ultramar. Órgão
diretamente dependente do Ministério
das Colônias/do Ultramar, sediado na
metrópole, tinha como principal
competência orientar os estudos
científicos a realizar nos territórios
coloniais sob soberania portuguesa.
Apuram-se gênese e os desígnios da
instituição, compreende-se a interação
entre sua atividade e a política colonial,
detectam-se os impactos da conjuntura
internacional na trajetória e opções
estratégicas da Junta. Dá-se particular
atenção à fase iniciada no pós-Segunda
Guerra Mundial, alinhada com a
miragem do desenvolvimento e reativa
ao avanço do movimento anticolonial.
Palavras-chave: missões científicas;
colonialismo; império português; Junta
de Investigações do Ultramar; Portugal.
Abstract
Cláudia Castelo
Pesquisadora auxiliar do Instituto de Investigação
Científica Tropical (IICT).
Rua da Junqueira, 86/1o
1300-344 – Lisboa – Portugal
[email protected]
Recebido para publicação em dezembro de 2010.
Aprovado para publicação em agosto de 2011.
v.19, n.2, abr.-jun. 2012, p.391-408
The development of a colonial scientific
policy by the Portuguese state in the
twentieth century is investigated by
studying the Junta de Investigações do
Ultramar. Directly subordinated to the
Ministério das Colônias/do Ultramar and
based in Lisbon, this entity’s main attribute
was to coordinate the scientific studies to be
undertaken in colonial territories under
Portuguese rule. The aim is to identify the
institution’s origins and objectives, to
understand how its activities tied in with
colonial policies, to detect what impacts the
international scenario had on its trajectory
and its strategic options. Special attention is
given to the period that started after the
Second World War, which was aligned with
the mirage of development and reacted
against the progress of the anti-colonial
movement.
Keywords: scientific missions; colonialism;
Portuguese empire; Junta de Investigações
do Ultramar; Portugal.
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Cláudia Castelo
A
‘ciência colonial’1 produzida sobre e nos territórios colonizados por Portugal desde o
último quartel do século XIX até as descolonizações (1975) é tema ausente da historiografia portuguesa.2 Por seu turno, os estudos de ciência e tecnologia referentes ao chamado
terceiro império colonial português3 são ainda escassos. Têm-se focado na antropologia,
na engenharia e na medicina (nomeadamente, Roque, 2001; Carneiro et al., 2000; Diogo,
2009; Varanda, 2004; Bastos, 2007 e Amaral, 2008) e têm privilegiado o século XIX. Não
dispomos de nenhum estudo de conjunto, no cruzamento entre a história colonial e a
história política e institucional da ciência, atento à evolução da política de investigação
científica para as colônias e às articulações entre os objetivos político-ideológicos do Estado
colonial, os modelos de desenvolvimento a impor no terreno colonial e a conjuntura
internacional.
Para pensar as relações dinâmicas entre poder político, ideologia e ciência no contexto
do colonialismo português novecentista, convocamos o caso da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais/do Ultramar (JIC/JIU), organismo diretamente
dependente do Ministério das Colônias/do Ultramar (1936-1973)4, destinado à coordenação
e promoção de trabalho científico nos territórios de além-mar sob soberania portuguesa.
Julgamos que tanto a historiografia do colonialismo português no século XX como os
estudos da ciência colonial no Portugal novecentista e seus legados contemporâneos ainda
não se debruçaram sobre a ação da JIC/JIU. Trata-se de um objeto de estudo fundamental,
nomeadamente para perceber a relação dialética entre saber, discurso e poder colonial;
para conhecer os agentes, as redes e os modos de produção do conhecimento científico
nas e sobre as colônias e a sua comunicação e circulação; para averiguar o grau de inserção
da ciência colonial portuguesa nos sistemas científicos nacional e internacional; para
desvendar os impactos da ciência colonial na vida das gentes e dos territórios colonizados.
No entanto, o percurso e papel históricos dessa instituição continuam largamente por
explorar. Dispomos apenas de uma ‘memória histórica’, elaborada no âmbito das comemorações do centenário do Instituto de Investigação Científica Tropical (A. Lobato, 1983,
atualizada por M. Lobato, 2008), que depois da instauração da democracia e do fim do
império sucedeu à Junta. E de contributos parcelares sobre missões da Junta nos domínios
da antropologia – Rui Mateus Pereira é autor de vasta produção sobre o tema, que culmina
com sua tese de doutoramento – da cartografia e geodesia (Costa, 2006; Santos, Lobato,
2006). Um estudo crítico de fôlego não é tarefa simples, dadas a heterogeneidade, versatilidade e longevidade da instituição, assim como o volume e dispersão dos seus arquivos
(em grande medida ainda por localizar, inventariar e disponibilizar), produção bibliográfica
e coleções científicas.
Neste artigo procuramos abordar a evolução da política científica colonial de Portugal
e a trajetória institucional da JIC/JIU, enquadradas na evolução da política colonial
portuguesa e da conjuntura internacional. Recorremos ao método histórico no levantamento e análise de um corpus documental composto essencialmente pelos diplomas legais
de criação dos organismos de investigação da JIC/JIU, pelos respectivos planos e relatórios
de atividade (tanto os publicados nos Anais como os que permaneceram inéditos), e pelo
arquivo da Comissão Executiva da Junta (processos individuais de investigadores e processos
referentes aos organismos de investigação).
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Investigação científica e política colonial portuguesa
Gênese e primeiras missões: inventário e prospecção
Nos anos 1930, o Estado Novo português5 inaugura uma nova etapa na administração
colonial portuguesa, de cariz imperial, nacionalista e centralizadora. Aposta na criação de
uma ‘mística imperial’, capaz de mobilizar os espíritos no sentido do orgulho e da defesa
das colônias. Essa “ofensiva ideológica” traduz-se nomeadamente na realização de exposições
e congressos coloniais, na publicação de revistas e coleções de temática imperial e na
reformulação dos programas escolares postos ao serviço da causa colonial (Alexandre,
2000, p.188-189).
Esse clima de arrebatamento imperial não se vive só em Portugal. No período entre
guerras, a mitificação do império, através de argumentos de cariz universalista, baseados
na religião ou no iluminismo, é comum a outros países (Grã-Bretanha, França, Holanda,
Bélgica): “por todo o lado a colonização faz-se em nome, quer da necessidade de explorar
as riquezas do continente africano, quer do dever de ‘elevar’ as raças atrasadas ou inferiores,
espalhando os benefícios da civilização ocidental” (Alexandre, 2000, p.229). No entanto,
no caso português estabelece-se ligação estreita entre a questão colonial, o regime e a
identidade nacional, o que facilita o processo de sacralização do império e retira espaço às
correntes anticolonialistas, que só terão significado nos últimos anos do Estado Novo.
Assim, enquanto em outras potências coloniais o nacionalismo se divide em correntes
favoráveis e desfavoráveis ao projeto de expansão colonial, o nacionalismo português, seja
ele monárquico, republicano ou salazarista, é, regra geral, imperialista (cf. Alexandre, 2000).
No meio acadêmico, fazem-se ouvir vozes que denunciam o atraso na ocupação científica
das colônias portuguesas e pugnam por um efetivo investimento do Estado na ciência
colonial realizada in loco, por equipes de pesquisadores metropolitanos. A ciência é apresentada como meio de garantir o sucesso da colonização e assegurar uma exploração
racional dos recursos coloniais, com óbvios dividendos econômicos para a metrópole. É o
caso, por exemplo, de Luiz Carrisso, professor de botânica da Universidade de Coimbra e
chefe da primeira missão botânica a Angola financiada pela JIC, em 1937 (Varanda, 2007,
p.33); e de Mendes Correia, professor de antropologia física da Universidade do Porto, que
viria a presidir à JIC em 1946 (Pereira, jul. 2004-jun. 2005, p.213-214).
Em 1936, a Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais (JIC) foi criada
no Ministério das Colônias, para orientar e promover a investigação científica nas diversas
parcelas do império.6 Vinha substituir a antiga Comissão de Cartografia, fundada em 1883
para organizar e elaborar cartas geográficas e hidrográficas das possessões portuguesas.
Apesar da propaganda em torno do projeto imperial desenvolvido pelo Estado Novo na
década de 1930, só em meados de 1940, a JIC ficou regularmente constituída, de forma a
poder desenvolver os trabalhos de investigação que a lei lhe atribuía. Além do reconhecimento geográfico, previa-se que a ‘ocupação científica’ se devia alargar a novas áreas do
conhecimento, como a geologia, a botânica, a zoologia, a antropologia física e a etnografia.
Com fracos recursos financeiros e estrutura orgânica muito limitada, a Junta não conseguiu
pôr inteiramente em prática seu plano quinquenal de atividades (Portugal, 1945, p.188).
Realizaram-se campanhas no âmbito das Missões Geográficas (leia-se geodésicas) de Angola,
Moçambique, Guiné e Timor; das Missões Hidrográficas de Angola e Moçambique; da
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Missão Botânica de Moçambique; da Missão Zoológica da Guiné; e da Missão Antropológica
de Moçambique. Não obstante sua valia como instrumento de fomento, a atividade
geodésica continuava a ter primazia como atividade técnico-científica essencial para atestar
direitos efetivos de posse (‘velha’ imposição da Conferência de Berlim de 1884-1885). Até
meados dos anos 1940, a Junta continuaria a ser instituição vocacionada sobretudo para
a cartografia terrestre e marítima das colônias.
Atendendo a fatores externos, o governo português sentiu necessidade de repensar o
modelo de ocupação científica a seguir em seus territórios de além-mar. Importa lembrar as
orientações da Sociedade das Nações no sentido de uma nova concepção da política colonial
como responsabilidade das potências coloniais, a quem incumbia desenvolver os territórios
e civilizar os povos colonizados; ”la mise en valeur rationelle” (a valorização racional) do
império, projeto tão propagandeado pela França, por exemplo, no imediato pós-Primeira
Guerra Mundial (Bonneuil, 1990); as iniciativas públicas e privadas de outras potências
coloniais europeias em prol da ocupação científica de suas colônias, nomeadamente o
African Research Survey dirigido por Lord Hailey7; a existência de organismos de investigação
centrais em outras capitais coloniais (por exemplo o Institut Royal Colonial Belge, em
Bruxelas ou a Royal African Society londrina); finalmente, o ainda presente sentimento de
vulne-rabilidade do império português em face da alegada cobiça estrangeira.8
Depois de longo processo de estudo e discussão, em que participam políticos e cientistas,
a Junta foi finalmente reorganizada pelo decreto-lei n.35.395, de 26 de dezembro de 1945
(Portugal, 1945, p.187-207), como “organismo aberto, de número ilimitado de membros,
destinado ao estudo e discussão acadêmicos dos problemas científicos coloniais”. Os vogais
da Junta eram nomeados pelo ministro das Colônias e representavam os vários ramos do
conhecimento, as universidades de Lisboa, Coimbra e Porto, e o Ministério da Marinha.
O presidente da comissão executiva despachava diretamente com o ministro da tutela, a
quem incumbia orientar e fiscalizar as atividades da Junta, em cuja dependência funcionariam as missões que realizariam trabalho de campo nas colônias e o trabalho laboratorial
e de gabinete na metrópole, gozando de autonomia administrativa e financeira; assim
como os centros especializados localizados na metrópole. A escolha dos chefes das missões
e seus adjuntos, bem como dos diretores dos centros podia recair nos membros da Junta,
mas também em funcionários reconhecidos como técnicos ou cientistas de reputado mérito.
Na prática, a JIC/JIU alimentou-se do sistema universitário nacional e facilitou-lhe o acesso
ao terreno colonial.
À JIC competiria “a orientação dos estudos visando o conhecimento puro do homem
e da natureza”; as pesquisas dirigidas a aplicações imediatas seriam confiadas a outros
organismos, nomeadamente de investigação médica, agronômica ou zootécnica (Portugal,
1945, p.189-190). Apesar desse articulado legal, pretendia-se que o conhecimento produzido
no âmbito da JIC se orientasse para objetivos práticos, tanto na vertente econômica como
das relações raciais.
Previa-se que a ação da Junta se fizesse sentir na área das “ciências geográficas, geológicas,
antropológicas e etnológicas, da zoologia e da botânica” (Portugal, 1945, p.191).9 Mantinhase o foco nas “sciences naturelles d’inventaire et de prospection” (ciências naturais de inventário
e prospecção)10, estando a botânica e a zoologia também ligadas à rendibilização da produção
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agrícola, por exemplo através de estudos de entomofauna. Por seu turno, a antropologia
que se tinha em vista estava sobretudo preocupada com a classificação antropológica dos
chamados indígenas11, em função das “características somáticas e das possibilidades psicofísicas dos diferentes povos e tribos coloniais” (p.25) – leia-se de sua aptidão para o trabalho.
O exercício classificatório, a partir de exaustivos levantamentos antropométricos, deveria
fornecer elementos orientadores à política e à administração das populações indígenas
(não há, no entanto, notícia de sua aplicação prática). O estudo das dimensões cultural e
social não era contemplado, “contribuindo assim para a cristalização da imagem dos
povos colonizados como ‘raças’ mental e civilizacionalmente atrasadas” (Pereira, jul. 2004jun. 2005, p.230).
O desenvolvimento econômico: o novo paradigma na investigação científica colonial
Nas Áfricas francesa e britânica, o processo de “modernização do colonialismo” teve
lugar no imediato pós-Segunda Guerra Mundial (Cooper, 2004). Para o caso francês e
britânico, Frederick Cooper considera que uma teoria implícita da modernização emergiu
inicialmente nas burocracias coloniais e determinou o rumo da política colonial nas
administrações francesa e britânica nos anos 1940. A aposta em programas de
desenvolvimento e a preocupação com o bem-estar social das populações surgem no
contexto dos impérios britânicos e francês na sequência de greves e revoltas. Os planos de
desenvolvimento/fomento para as colônias são levados à prática no imediato pós-Segunda
Guerra Mundial: na Grã-Bretanha, o Colonial Development and Welfare Act, de 1940,
implementado no pós-guerra; em França, os Fonds d’Investissement et de Développement
Économique et Social, de 1946. As comissões de inquérito às greves e os relatórios dos
inspetores do trabalho tiveram papel determinante na articulação dessa teoria implícita
da modernização, antes mesmo de ser sistematizada pelos cientistas sociais. Os acadêmicos
responderam às novas exigências de especialização, particularmente em economia, e ao
novo quadro de problemas sociais que lhes eram apresentados para análise (cf. Cooper,
2004, p.10-24). Os governos coloniais britânico e francês, na década de 1940, pensaram o
desenvolvimento como uma ideia que podia revigorar o colonialismo; porém, revelar-se-ia
central no processo pelo qual as elites coloniais se autoconvenceram de que podiam abdicar
das colônias (Cooper, Packard, 1997, p.64). No caso das colônias portuguesas, não é possível
dizer que a aposta no fomento ultramarino surgiu na sequência de greves ou revoltas12 ou
de reivindicações dos movimentos sociais africanos. As causas devem ser procuradas na
evolução política interna – a abertura do Estado Novo à modernização econômica e à
industrialização do país após 1945 e, em particular, nos anos 196013 – e sobretudo no
contexto internacional.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, que desacreditou o totalitarismo nazista e o
‘racismo científico’, Portugal é confrontado nos meios internacionais com crescentes pressões
a favor da autodeterminação de suas colônias e com o arranque do processo emancipalista,
primeiro na Ásia, logo depois na África. A nova conjuntura externa exige uma reorientação
da política colonial portuguesa que passa por reformulação doutrinária, alterações
legislativas e medidas inéditas de fomento econômico em Angola e Moçambique. O Ato
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Colonial de 1930 é integrado na Constituição da República portuguesa na revisão constitucional de 1951, afirmando-se assim a “unidade da nação pluricontinental portuguesa”.
Naquele texto as expressões ‘colônias’ e ‘império colonial’ são substituídas por ‘províncias
ultramarinas’ e ‘ultramar’. Essa operação ‘cosmética’ fazia-se à revelia da história. A breve
trecho, a Conferência de Bandung (abril de 1955) estabeleceria o movimento dos não
alinhados (relativamente aos dois sistemas rivais: capitalista e comunista) e a solidariedade
dos povos asiáticos e africanos na luta contra o colonialismo e pela conquista das
independências. A adesão de Portugal à Organização das Nações Unidas (ONU), em 1955,
abre caminho ao cerco internacional ao colonialismo português.
No decorrer dos anos 1950, além da consagração do princípio assimilacionista na
Constituição, tem início o processo de adoção de uma “vulgata luso-tropicalista” (Léonard,
1997, p.223) como discurso oficial do Estado português, extremamente útil para efeitos de
política externa, mas também para efeitos de propaganda interna, de coesão e mobilização
em torno do desígnio ultramarino. Recorde-se que o lusotropicalismo foi cunhado por
Gilberto Freyre durante sua visita oficial a Portugal e às colônias portuguesas (1951-1952),
a convite precisamente do ministro do Ultramar. Em traços gerais, Freyre (2010, p.35-124)
afirmava que os portugueses tinham uma capacidade especial de se unir aos trópicos por
uma ligação de amor e não de interesse, e aí constituir sociedades multirraciais marcadas
pela mestiçagem e pela interpenetração de culturas. Essa predisposição resultava de seu
passado étnico e cultural, indefinido entre a Europa e a África, e sujeito a longo contato
com os árabes. Se o Brasil era o exemplo maior do gênio colonizador português, “na África
e na Ásia” o cientista social brasileiro teria surpreendido “outros ‘Brasis’” em gestação,
“fruto do amor fraternal” (Freyre, 2010, p.224). A capacidade de penetração das máximas
do lusotropicalismo tanto no discurso das elites portuguesas como no do senso comum
reside no fato de reelaborar algumas ideias anteriores sobre a especificidade da colonização
portuguesa, dando-lhes credibilidade supostamente científica (Castelo, 1998).
Na nova conjuntura internacional saída da Segunda Guerra Mundial, a Junta conheceu
expansão sem precedentes, no número de organismos criados, no número de colaboradores,
no número de trabalhos publicados, na diversidade de áreas e atividades científicas
desenvolvidas, estendendo-se das ‘ciências naturais de inventário e prospecção’ às ciências
agrárias, às ciências haliêuticas (da pesca), às ciências sociais e políticas, à história, à
ecologia.14 De 1946 a 1971, foram criados mais 61 organismos, sendo dois institutos (o Instituto de Investigação Científica de Angola, em Luanda, e o seu homólogo de Moçambique,
em Lourenço Marques), cinco comissões, 16 centros, 26 missões, 11 brigadas e um museu
(o Museu de Etnologia do Ultramar, com sede em Lisboa). Além daqueles, a Junta integrou
ainda agrupamentos científicos, laboratórios e outros núcleos de investigação, muitos dos
quais estavam fisicamente sediados em instituições de ensino superior e de investigação na
metrópole.
Houve igualmente significativo reforço em termos do investimento público.15 O financiamento da Junta – seus organismos, atividades e investigadores – era feito pela metrópole,
via orçamento geral do Estado e pelas colônias (respectivos orçamentos). No entanto, a
maior comparticipação vinha das colônias, destacando-se claramente Angola, seguida de
Moçambique.
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A nova fase na vida da Junta está intimamente ligada à necessidade de sustentar em
bases científicas as políticas desenvolvimentistas para o ultramar traçadas pelo Estado Novo
nos anos 1950-1960. O velho argumento em torno do “fardo do homem branco”, da
“missão civilizadora” e da educação e elevação dos indígenas pelo trabalho, que encobria,
na prática, uma exploração econômica predatória dos recursos e das populações coloniais,
em benefício dos interesses metropolitanos, cede lugar ao ideal do desenvolvimento
econômico dos territórios e populações africanos, sustentado num reforço dos investimentos
públicos e privados. A nova ideia ganha ascendente para justificar políticas estatais
intervencionistas nas regiões colonizadas e como dispositivo de reforço e (re)legitimação
da soberania portuguesa. Essa situação não é especificamente portuguesa. Portugal persegue
– com atraso e a partir de um patamar de investimento inferior – um movimento que se
verificava em todas as potências coloniais europeias.16 O impulso que os estudos coloniais
tiveram na Grã-Bretanha, na França e na Bélgica a seguir à Primeira Guerra Mundial não
teve paralelo em Portugal. Embora sua importância fosse reconhecida e reafirmada nos
fóruns coloniais (Sociedade de Geografia de Lisboa, congressos coloniais etc.), só na década
de 1950 é que Portugal começa a acompanhar com realizações a chamada segunda ocupação
colonial, conceito inicialmente cunhado para análise do império britânico do pós-Segunda
Guerra Mundial (Low, Lonsdale, 1976).
A ação da JIU alarga-se aos estudos de base para obras públicas (barragens, estradas,
pontes, portos, eletrificação), fomento dos setores agrícola (café, sisal, açúcar, oleaginosas,
algodão etc.) e extrativo (diamantes, petróleo e minério de ferro), voltados para o comércio
externo, e povoamento agrário (colonatos rurais associados ao regadio).17 Nesse contexto,
avultam os trabalhos da Missão Geográfica de Angola (cuja criação remontava a 1941); da
Missão de Hidráulica Agrícola do Sul de Angola (1951) e da Missão de Pedologia de Angola
(1953), que lhe sucedeu; da Comissão de Estudos Acerca da Defesa Fitossanitária dos Produtos
Agrícolas e Florestais de Origem Ultramarina (1951), continuada pela Brigada de Estudos
da Defesa Fitossanitária dos Produtos Ultramarinos (1954); do Centro de Investigação da
Ferrugem do Cafeeiro (1955); e das Brigadas de Estudos Agronómicos de Cabo Verde, da Guiné
e de Macau (1958), que darão origem à Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar (1960).
Há forte conexão entre o alargamento e orientação da ação da JIU e as apostas do
Segundo Plano de Fomento (1959-1964). Encontramos técnicos e cientistas da Junta
plenamente envolvidos nesse processo, cabendo-lhes muitas vezes a iniciativa e a elaboração
de subprogramas de intervenção estatal em suas áreas de conhecimento.
As apostas do Segundo Plano de Fomento para o ultramar distinguiam-se das traçadas
nos planos projetados para territórios ultramarinos estrangeiros em dois aspectos fundamentais: por um lado, “uma particularidade no que respeita aos objetivos, expressa pelo
esforço – único no conjunto dos planos conhecidos – de intensificação do povoamento
branco”; por outro, a “exagerada importância do sector de infraestrutura e, pelo contrário,
relativa limitação dos investimentos sociais e do fomento das estruturas nativas” (Salgueiro,
1959, p.55-56). Nessa fase, Portugal parecia considerar que a modernização das duas principais
colônias passava pelo afluxo crescente de colonos naturais da metrópole e seguia um modelo
de desenvolvimento assente no aumento da capacidade produtiva e de comercialização e
dirigido preferencialmente à população de origem europeia em rápido crescimento.
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Em 1951, mais de 43% das verbas dos Planos de Desenvolvimento para os territórios
coloniais britânicos destinavam-se a desenvolvimento social, isto é, a serviços sociais, em
particular, educação e saúde; no Congo belga os projetos sociais absorviam 31% do
orçamento; nos territórios franceses os gastos com esse tipo de despesa situavam-se entre os
14 e os 29% nos primeiros quatro anos do plano (Hailey, 1957, p.1325-1326).
O Segundo Plano de Fomento português consignava para aplicação no ultramar 9.286.400
contos (1/3 mais do que o previsto no Primeiro Plano de Fomento), sendo a verba mais
alta prevista no Plano consignada a comunicações e transportes, seguindo-se a verba
destinada a povoamento. Esses empreendimentos exigiam estudos prévios já realizados ou
a realizar, nomeadamente por intermédio da JIU. O conhecimento científico do território
era contemplado com 4,4%, e a verba respectiva (406.300 contos) repartida por três rubricas:
cartografia geral, estudos geológicos e estudos pedológicos.
Dentro da mesma lógica, de estreita articulação com o Segundo Plano de Fomento para
o ultramar, foi criada em 1960 a Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar (Meau), que
funcionaria com brigadas de base territorial nas províncias de governo simples (São Tomé
e Príncipe, Guiné, Macau, Timor) e grupos de trabalho de base especializada. Assentando
as economias das colônias portuguesas em atividades agrárias reconhecia-se que a investigação agronômica, baseada num sólido conhecimento científico do meio físico e humano,
se revestia de particular importância para assegurar o fomento e povoamento que se desejava
imprimir no ultramar (Portugal, 23 jan. 1960, p.72). Além de estudos agronômicos de base
necessários ao desenvolvimento da agricultura e atividades correlativas nas províncias
ultramarinas, de harmonia com os programas do Segundo Plano de Fomento18, a Meau
deveria organizar e instalar, em ligação com os governos e serviços provinciais, estabelecimentos de investigação agronômica previstos naquele plano, o que veio dar origem aos
Institutos de Investigação Agronómica de Angola e Moçambique.
A articulação entre o planejamento econômico e a investigação científica para o ultramar
terá continuidade e alargar-se-á a outros setores produtivos. O Plano Intercalar de Fomento
(1965-1967), ao reconhecer o “interesse social e econômico que apresenta o incremento
das atividades piscatórias nas províncias ultramarinas” e contemplando importantes
dotações para aquele efeito, impôs a “necessidade e a urgência de se reestruturarem os
serviços consagrados à investigação em tão vasto sector” (Portugal, 1966, p.369). É dessa
forma que se justifica a criação na JIU do Centro de Biologia Aquática Tropical, para a
investigação de base; e do Centro de Bioceanologia e de Pescas do Ultramar (CBPU), para
a investigação aplicada, ficando responsável pelas novas missões provinciais de bioceanologia e pescas de Angola e Moçambique, que deveriam desenvolver a investigação
tecnológica das pescas para apoio à indústria.19 Uma das atribuições do CBPU era a rápida
difusão dos resultados da investigação aplicada e tecnológica, em especial dos que mais
diretamente pudessem contribuir para a economia e, de modo geral, para o aperfeiçoamento
das atividades piscatórias, mantendo permanentemente informados os organismos oficias
de extensão, fiscalização ou orientação do setor. Os centros ficaram sediados em Lisboa e
as missões em Lobito e em Lourenço Marques.
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Investigação científica e política colonial portuguesa
Reflexos da cooperação científica internacional: uma virada social?
No final dos anos 1940, início dos anos 1950 foram criadas várias agências multilaterais
que contribuem para a internacionalização do desenvolvimento (Cooper, Packard, 1997,
p.9). É também na década de 1950 que se dão o alargamento e o aprofundamento
da cooperação das potências coloniais no sentido de gerar desenvolvimento através de
programas técnico-científicos.20 Portugal participa plenamente nesse movimento, integrando
os novos organismos internacionais – 1949, Conselho Científico da África ao Sul do Saara
(CSA), grupo de aconselhamento composto por peritos; 1950, Comissão de Cooperação
Técnica na África ao Sul do Saara (CCTA) –, continuando a colaborar com organismos
mais antigos (Organização Internacional do Trabalho, Incidi, etc.), participa ativamente
nas conferências realizadas nos vários domínios do conhecimento, e a JIU procura
corresponder às recomendações com linhas de pesquisa consonantes. Portugal depositou
muitas expectativas na cooperação regional, mas com o fortalecimento do movimento
anticolonial e a africanização da CCTA, o país é afastado da organização, na sequência da
17a sessão, realizada em Abidjan, em 1962 (Gruhn, 1971, p.461, 465). Tratou-se de um rude
golpe, sinal da célere transformação da relação de forças em presença.
Perante a nova conjuntura política internacional (conferência de Bandung, de abril de
1955, marco histórico do estabelecimento da solidariedade entre os povos asiáticos e
africanos contra o domínio colonial europeu; fortes pressões sobre Portugal, nomeadamente
no quadro da ONU, organização que o país integrou em 1955, a favor da descolonização),
emerge na comunidade acadêmica e científica ligada às questões coloniais a noção de que
os problemas políticos e sociais que o país enfrentava (no imediato e a prazo) em suas
possessões ultramarinas, sobretudo no que respeitava à administração das populações
dominadas, exigiam o recurso à investigação no domínio das ciências sociais, nomeadamente
da sociologia e da antropologia cultural, para uma moderna legitimação da ação colonial
e aconselhamento especializado da administração.21 É nesse contexto que é criado no seio
da JIU, em 1956, o Centro de Estudos Políticos e Sociais (Ceps), por sugestão de Adriano
Moreira, à época professor do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (escola de formação
de quadros para a administração colonial). Note-se que a ideia de criação do Centro foi
formulada na sequência da participação de Adriano Moreira na Primeira Reunião da
Conferência Interafricana das Ciências Humanas da CCTA, realizada em Bukavu (Congo
belga), em setembro de 1955. Mais tarde seriam criados o Centro de Estudos de Antropologia
Cultural (1962) e o Centro de Estudos do Desenvolvimento Comunitário (1963).
No âmbito do Ceps foram criadas: a Missão de Estudo dos Movimentos Associativos
em África (que se devia focar no estudo dos movimentos secretos); a Missão de Estudos das
Minorias Étnicas do Ultramar Português, que privilegiou o estudos dos macondes, do norte
de Moçambique; a Missão para o Estudo da Atração das Grandes Cidades e do Bem-estar
Rural; a Missão para o Estudo da Missionologia Africana; a Missão de Estudo do Rendimento
Nacional do Ultramar; e a Comissão para o Estudo da Produtividade em África. A criação
de algumas daquelas missões prendia-se diretamente à tentativa de descortinar potenciais
ameaças internas (ou vindas de países vizinhos) à soberania portuguesa em África.22
v.19, n.2, abr.-jun. 2012, p.391-408
399
Cláudia Castelo
Oficiosamente eram atribuídas ao Ceps responsabilidades “ao nível da elaboração e da
formulação doutrinárias” na “batalha no campo ideológico”, em defesa dos “fundamentos
da visão portuguesa do Mundo no tocante às relações interculturais e inter-raciais e da
consequente missão do nosso Povo na construção dos destinos da Humanidade pelo
progresso do que temos entendido por verdadeira Civilização” (Abecasis, 5 dez. 1962).
Segundo Adriano Moreira (2009, p.156), o Ceps “não se limitou a multiplicar as missões de
estudo enviadas para o terreno, também não evitou as contradições dolorosas entre valores
assumidos, incluindo os da herança histórica, e exigências inovadoras da conjuntura, não
raro em termos de corrigir a ação e apontar o caminho”.23 Conscientes do alcance político
de seus estudos e de interlocução ao mais alto nível (Carvalho Martins, ministro da Saúde,
pertencia ao Conselho Orientador do Ceps, e encarregar-se-ia de divulgar os trabalhos no
Conselho de Ministros, o mesmo é dizer: ao ditador Salazar), os investigadores do Ceps
julgavam que, se suas conclusões e recomendações fossem aplicadas na governação, seria
possível transformar o colonialismo, expurgá-lo de seus aspectos mais gravosos, e perpetuar
por vias pacíficas a soberania portuguesa na África. Porém, em 1961 teve início a guerra
colonial em Angola, estendendo-se em 1963 à Guiné e em 1964 a Moçambique. Adriano
Moreira integrara o governo em 1960 como subsecretário de Estado da Administração
Ultramarina, antevendo-se sua subida a ministro. As medidas reformistas de seu ministério
(1961-1962) escoravam-se nas pesquisas do Ceps e no ideário lusotropical – abolição do
indigenato (estatuto que diferenciava ‘indígenas’ de ‘civilizados’), do trabalho forçado e
das culturas obrigatórias, nova lei das terras, juntas provinciais de povoamento etc. –, mas
não lograram suster o processo emancipalista. Foram, antes, percepcionadas e temidas
pelo próprio Salazar como fator de aceleração da mudança.
A relação entre as opções da Junta e o quadro político externo também se pode verificar
pelo fato de terem sido criadas missões para responder a situações ou recomendações da
cooperação científica e técnica internacional. Alguns exemplos: a Missão de Geografia
Física e Humana à Guiné (1947), chefiada por Orlando Ribeiro, foi uma tentativa de
compulsar conhecimentos sobre o território em que teria lugar o Congresso de Africanistas
da África Ocidental; a Missão para o Estudo da Atração das Grandes Cidades e do Bemestar Rural (criada no Ceps, em 1957) centrava-se numa temática que fora objeto de inquérito
do Incidi e de recomendação da CCTA; na gênese da Missão do Rendimento Nacional do
Ultramar (criada no Ceps em 1962) estiveram recomendações do CSA e da CCTA; a Comissão
para o Estudo da Produtividade em África foi criada no Ceps (em 1958) para efetuar inquérito
acerca daquele assunto em Angola e Moçambique, em coordenação com inquérito a efetuar
em África sob a égide da CCTA; a Comissão de Planeamento da Investigação Científica e
Tecnológica e a respectiva Missão de Recolha e Processamento de Dados sobre a Investigação
Científica e Tecnológica (criadas em 1967) serviam não só para habilitar o Ministério do
Ultramar a planejar as correspondentes atividades em função dos programas de desenvolvimento econômico-social, mas também para fornecer os elementos solicitados pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).24
A evolução das atividades da Junta a partir de finais dos anos 1950 e na década de 1960
vai no sentido de apoiar o fomento e povoamento rurais, mas também de sustentar o
modelo de modernização e desenvolvimento econômico e social dos territórios, atendendo
400
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro
Investigação científica e política colonial portuguesa
a considerações sobre justiça social e melhoria das condições de vida das populações, que
o discurso oficial proclamava integrados na ‘nação pluricontinental e plurirracial portuguesa’. No horizonte das pesquisas estava também um objetivo expresso no Terceiro
Plano de Fomento (1968-1973): a “progressiva elevação e dignificação da pessoa humana
dentro da comunidade portuguesa” (Portugal, 1968, p.36).
Se até a década de 1960, o desenvolvimento econômico foi geralmente encarado como
alternativa à descolonização (MacLeod, 2000, p.12), Portugal prolongou essa ilusão mais
uma década, e as elites coloniais convenceram-se de que os sinais materiais de desenvolvimento
impediam a cessação.
A mudança de paradigma nos estudos coloniais portugueses passou pelo recurso à
investigação no âmbito do desenvolvimento agrário (onde avulta o trabalho da Meau sob
direção de Hélder Lains e Silva, que também incorporava a pesquisa sociológica) e à
investigação social (Ceps e respectivas missões de estudo, mas também alguns estudos da
Missão de Geografia Física e Humana do Ultramar, chefiada por Orlando Ribeiro). Em
termos globais, o setor de pesquisa mais contemplado no ultramar nas duas últimas décadas
do império português foi o setor das ciências agrárias. Segundo o responsável pela Comissão
de Planeamento da Investigação Científica e Tecnológica (CPICT), aquele setor “absorveria
mais de metade dos recursos financeiros e mais de metade das pessoas de formação
universitária engajadas em tarefas de investigação, pois tem sido o sector de maior poder
de convencimento, porque [os engenheiros e técnicos desta área] levaram a administração
a reconhecer a necessidade de intervenção do sector” (CPICT, 3 jun. 1971, fl.212).
Em 1970 o Conselho Ultramarino (órgão consultivo do Ministério do Ultramar) é
chamado a refletir sobre a estruturação da investigação científica nas províncias ultramarinas. Defendeu então a intensificação das atividades científicas e tecnológicas para o
ultramar de feição pragmática e utilitária, com o objetivo de suprir, a curto prazo, as necessidades das populações. As áreas de investigação apontadas como prioritárias foram a
investigação social e a ecologia. Esta última deveria ser chamada a estudar os efeitos
secundários indesejáveis de empreendimentos como o de Cabora Bassa, que profundamente
interferiam com o ecossistema e que podiam causar desequilíbrios irreversíveis (cf. Silva,
1974, p.35).
A reforma da Junta instituída pelo decreto-lei n.583/73, de 6 de novembro de 1973 (que
teria aplicação a partir de janeiro de 1974), além de consignar nova designação para a
instituição – Junta de Investigações Científicas do Ultramar (Jicu) –, apontava para forte
concentração do poder de decisão (em termos científicos, técnicos e administrativos) no
presidente da Junta, nomeado pelo ministro do Ultramar (assim como a restante direção);
estabelecia elos hierárquicos entre os centros (unidades fundamentais da nova orgânica) e
três institutos centrais que passariam a agrupar a investigação e se designariam das ciências
da terra, das ciências biológicas e das ciências humanas; suprimia organismos e atividades,
nomeadamente no domínio das ciências sociais e políticas25; integrava organismos e
atividades sem componente científica (bibliotecas, centros de documentação e arquivos,
em que avulta o Arquivo Histórico Ultramarino do Ministério do Ultramar); e criava quadros
de pessoal. Essa reforma foi alvo de forte contestação interna, mormente pelo fato de a
“proposta para transição do pessoal da JIU para a Jicu” excluir muitos servidores (Silva,
v.19, n.2, abr.-jun. 2012, p.391-408
401
Cláudia Castelo
1974). Após o golpe militar de 25 de abril de 1974, os investigadores aproveitam para levar
mais longe sua discordância com o rumo que aquele diploma queria imprimir à instituição.
A turbulência interna é muito evidente e é agravada com a revolução e a descolonização
subsequente. Depois de 1975, a Junta entra em longo período de indefinição. Embora o
caminho apontado desde logo fosse o da cooperação para o desenvolvimento com as
antigas colônias e, em geral, com os países tropicais, a instituição teve dificuldades em
libertar-se do estigma de seu passado colonial.
Na atualidade, o Instituto de Investigação Científica Tropical assume, entre as suas
prioridades, “Acompanhar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio”
(IICT, s.d.), proclamados pelas Nações Unidas em 2000, o que indica que o conceito de
desenvolvimento, além de permanecer no centro da agenda política internacional, continua
a nortear a instituição que sucedeu à antiga Junta no período pós-colonial.
Considerações finais
A Junta constituiu-se como órgão de cúpula da investigação científica nas e sobre as
colônias. Seu papel de pivô da política científica colonial teve dupla vertente: promoção e
organização da ‘ciência colonial’ (financiamento de organismos e atividades de investigação);
e apoio à prática política colonial através da ciência. A evolução da ação da Junta (desde sua
antecessora, Comissão de Cartografia, de 1883, até a descolonização) articula-se de forma
dinâmica com a evolução do conceito de império, do modelo econômico e de relações
raciais a impor às colônias, e da política internacional.
Até o fim da Segunda Guerra Mundial, grosso modo, as atividades da JIC articulavam-se
com os objetivos do poder colonial e com o modelo vigente de exploração econômica e de
relações raciais, num quadro em que ainda ecoavam as cobiças e ameaças estrangeiras à
integridade do império português. Os dois objetivos fundamentais a atingir eram: a ocupação efetiva dos territórios, por um lado; e a extração dos recursos naturais e o aproveitamento
da mão de obra indígena, por outro. Como vimos, as missões inicialmente criadas dedicavam-se à geodesia (sobretudo), que se articulava com o reconhecimento e ocupação
territorial; à geologia, à botânica, à zoologia e à antropologia física, que se articulavam
com a rendibilização dos recursos naturais e humanos. Uma exploração econômica assente
no trabalho forçado e em culturas obrigatórias permitiu que a empresa colonial prescindisse
de outras áreas do saber.
Na era das descolonizações, a conjuntura internacional impôs uma redefinição da
política colonial portuguesa no sentido da afirmação da unidade nacional e do desenvolvimento harmonioso de todas as parcelas da nação pluricontinental e multirracial,
tendo como âncora, em termos ideológicos, uma leitura instrumental do lusotropicalismo.
A investigação científica e tecnológica realizada pelas missões da JIU é colocada (e colocase) ao serviço da modernização e do desenvolvimento econômico das províncias
ultramarinas e, finalmente, da promoção social de suas populações. Embora as missões
ligadas às disciplinas de prospecção e inventário continuem a ter lugar cativo na Junta, há
espaço para a investigação social aplicada e ganha peso a investigação agronômica,
demonstrando a relação dialética e dinâmica entre ciência e poder político.
402
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro
Investigação científica e política colonial portuguesa
Essa evolução aqui traçada de forma sintética não é absolutamente linear, pois há linhas
de investigação conotadas com a rendibilização da mão de obra nativa que perduram
além de 1945, em contraste com a evolução internacional. É o caso, por exemplo, dos
estudos antropométricos conduzidos pela Missão Antropológica de Moçambique, pela
Missão Antropobiológica de Angola e pela Missão Antropológica de Timor, pelo Centro
de Estudos de Etnologia do Ultramar e pelo Centro de Estudos de Antropobiologia, seu
sucessor, a partir de 1962.
Embora no campo científico que se ocupa da investigação das/nas colônias, sobretudo
no domínio das ciências sociais, surjam análises críticas dos aspectos mais discriminatórios
do sistema colonial, nunca se dá o passo seguinte: a defesa do direito dos povos à
autodeterminação. As limitações impostas pela natureza do Estado Novo (uma ditadura,
conservadora e colonialista); o ponto de vista oficial sobre a defesa intransigente da
integridade da nação dispersa por vários continentes; a censura e a autocensura a que os
investigadores se submetiam; os valores e os mitos sobre a suposta excepcionalidade do
colonialismo português que muitos (provavelmente a maioria) também partilhavam,
ajudam a explicar por quê.
Do ponto de vista do Estado português, os interesses que fundamentaram a ação da
Junta foram numa primeira fase sobretudo de âmbito diplomático e administrativo
(delimitação de fronteiras, reconhecimento do território); numa segunda fase, ganham
preponderância os interesses econômicos stricto sensu (em uma perspectiva de criação de
infraestruturas, aumento da capacidade de produção, orientação das economias coloniais
para o mercado, em favor da metrópole e de uma população branca em rápido crescimento);
finalmente, emergem preocupações de ordem econômico-social, centradas na melhoria
das condições de vida das populações, em sua promoção social e no desenvolvimento
comunitário. Associando a ideia de desenvolvimento ao ideário lusotropical de constituição
no ultramar de comunidades plurirraciais harmoniosamente integradas no todo nacional,
o Estado Novo procurava exorcizar as implicações políticas do desenvolvimento das colônias:
a autodeterminação e a independência.
A Junta de Investigações do Ultramar, enquanto organismo central da política científica
do Estado português para as colônias, foi um dos instrumentos usados pelo regime para,
na era das descolonizações, fazer durar o império.
NOTAS
*
A pesquisa apresentada neste artigo serviu para estabelecer conhecimento de base, a partir de investigação
documental em fontes escritas, para o início do projeto “Património científico: coleções e memórias”,
que a autora desenvolve no Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), desde julho de 2009,
dentro do programa “Compromisso com a Ciência”, financiado pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (Portugal). O projeto visa recolher e analisar histórias de vida científica/profissional de antigos
pesquisadores e técnicos da Junta de Investigações do Ultramar (atual IICT) que participaram em missões
científicas às colônias portuguesas. As entrevistas serão disponibilizadas no repositório Arquivo Científico
Tropical Digital (http://actd.iict.pt) até o final do projeto, em junho de 2014.
1
Referimo-nos a qualquer ciência produzida durante a era colonial que envolvesse europeus trabalhando
em contexto colonial, o que inclui ciência feita na Europa sobre recursos coloniais, além da ciência feita
em áreas integrantes dos impérios comerciais ou territoriais europeus (Schiebinger, 2005, p.52).
v.19, n.2, abr.-jun. 2012, p.391-408
403
Cláudia Castelo
Reconhecemos que a ‘ciência colonial’ deve também ser vista como um tipo de conhecimento especificamente colonial tanto na forma como era constituído como enquanto discurso que conceitualizava
o domínio europeu e moldava a subjetividade dos povos colonizados (Bonneuil, 2000, p.260).
2
Para um balanço sobre a historiografia colonial portuguesa relativa ao século XX, ver Pimenta, 2010,
p.143-166.
3
Convencionou-se chamar terceiro império colonial português ao império africano de Portugal, entre
1825 e 1975, uma vez que sucedia ao segundo império – das plantações e minas do Brasil –, que por sua
vez tinha sucedido ao império comercial do Oriente (ver Clarence-Smith, 1990, p.9-10). Além de colônias
na África (Angola, Cabo Verde, Guiné, Moçambique e São Tomé e Príncipe), compunham esse terceiro
império Goa, Damão e Diu na Índia (até 1961), Macau e Timor.
4
Na sequência da revisão constitucional da República Portuguesa de 1951, que substitui a terminologia
‘Império’ e ‘Colônias’ por ‘Ultramar’ e ‘Províncias ultramarinas’, o Ministério das Colônias adota a nova
designação. Os organismos na sua dependência deviam igualmente fazê-lo, à medida que fossem sendo
revistas as suas leis orgânicas. No caso da Junta, a substituição de ‘Coloniais’ por do ‘Ultramar’ aparece
no decreto n.40.070 (Portugal, 24 fev. 1955, p.145), pela primeira vez. No entanto, começara a usar-se
oficiosamente em janeiro de 1952. Com a reestruturação de 6 de novembro de 1973, que teria efeitos a
partir de janeiro de 1974, surgiria a nova designação de Junta de Investigações Científicas do Ultramar
(Jicu) que durou até 1979 (Portugal, 6 nov. 1973, p.2106-2118).
5
Regime político ditatorial, autoritário, conservador, católico e colonialista que vigorou em Portugal de
1933 a 1974. Surge na sequência do golpe militar de 28 de maio de 1926, que derrubou a Primeira
República. Além da supressão da liberdade política, institui a censura e a polícia política. Até 1968, a sua
figura de proa foi António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho de Ministros, a quem sucedeu
Marcelo Caetano.
6
1936 é também o ano de criação de outros organismos basilares do sistema científico português: a Junta
Nacional de Educação, a Estação Agronómica Nacional e o Laboratório Químico Central.
7
Daquele inquérito resultaram três volumes monumentais publicados em 1938, a criação do Colonial
Research Fund em 1940 e a consolidação de uma rede de institutos de investigação na África Oriental
britânica. Para análise rigorosa e aprofundada da história do African Research Survey, ver Tilley, 2003.
8
O ultimatum britânico de 1890, que frustrara o plano português de estender a soberania lusa da costa
atlântica de Angola à contracosta moçambicana e contribuiu decisivamente para a sacralização do
império; para a entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial, consubstanciada em grande medida
para defender as colônias; para a pretensão da Bélgica sobre Cabinda e a pretensão da União SulAfricana sobre o sul de Moçambique e o porto de Lourenço Marques – pretensões explicitadas durante
a Conferência de Paz. Esses fatos contribuem para o avolumar desse sentimento de vulnerabilidade.
Como mostra Alexandre (2000, p.216), “o principal impulso da ideologia nacionalista de base imperial
vem sobretudo do fantasma da ameaça externa, suscitado pela instabilidade do sistema de nações
modelado pelo Tratado de Versalhes”.
9
Em consonância com o que Bacelar Bebiano preconizara: “o bom senso aconselha que se principie com
cautela, limitando os seus trabalhos aos ramos de história natural, deixando para mais tarde … os
estudos linguísticos, históricos etc. … Por consequência, no “Plano de investigação” adiante apresentado
só se faz referência aos ramos geográfico, geológico, botânico, zoológico, antropológico e etnológico”
(Portugal, 1945, p.27).
10
Na expressão de Bonneuil (1990, p.83).
11
Os indivíduos negros ou seus descendentes nascidos nas colônias, que não partilhavam “a ilustração e
os hábitos” da população dita ‘civilizada’; por oposição aos ‘cidadãos’, brancos ou seus descendentes
(sobre o Estatuto dos Indígenas de 1926, ver Neto, 2010, p.217).
12
Ao invés, a revolta e subsequente massacre de Batepá, em São Tomé, foi causado pela pressão de um
plano de urbanização e modernização levado a cabo pelo governador Gorgulho sobre uma mão de obra
escassa, penalizando os ‘forros’ (Seibert, 1997).
13
Em 1945, a Lei do Fomento e Reorganização Industrial estabelecia as linhas orientadoras da nova
política industrializadora do país. Com os planos de fomento, o Estado Novo envereda por uma política
de desenvolvimento econômico nacional. O Primeiro Plano de Fomento (1953-1958) aposta no
desenvolvimento de infraestruturas (eletricidade, transportes e comunicações); o Segundo Plano de
Fomento (1959-1964) elege como setor a privilegiar a indústria transformadora de base; o Plano Intercalar
404
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro
Investigação científica e política colonial portuguesa
de Fomento (1965-1967) dá prioridade à industrialização em face da agricultura e defende a produção
industrial orientada para a exportação. Sobre a política de fomento do salazarismo, ver Rosas, 2000.
14
Apenas a medicina ficou propositadamente fora de seu escopo de intervenção porque havia uma
instituição especificamente vocacionada para o ensino e a investigação no domínio da medicina tropical:
a Escola de Medicina Tropical, criada em 1902 (Instituto de Medicina Tropical, a partir de 1935).
15
Falta-nos ainda apurar a evolução das dotações da Junta. Em 1940 o orçamento das missões terá sido
de 3.700.000 escudos e em 1950, de 20.000.000 escudos (cf. Correia, 1950, p.530-534). “Em 1967 a
Comissão Executiva da Junta recebeu um financiamento de 11.257 contos, dos quais somente 5.093
contos, isto é, 45,2% provieram do Orçamento Geral do Estado. Os organismos dependentes da Junta
receberam um financiamento de 102.067 contos, dos quais somente 8.289 contos, isto é, 8,1% provieram
do Orçamento Geral do Estado. No conjunto, a Comissão Executiva e os organismos da Junta receberam
em 1970 um financiamento global de 113.324 contos, dos quais apenas 13.382 contos, isto é, 11,8%
provieram do orçamento Geral do Estado. A participação das Províncias Ultramarinas proveio
especialmente de Angola (72443 contos e 63,9%) e de Moçambique (22.813 contos e 20,1%), no total de
95.256 contos, isto é, 84%” (Silva, 1974, p.24).
16
Sobre o ascendente da ideia de desenvolvimento em África no período colonial e pós-colonial, ver
nomeadamente Bonneuil, 2000, Cooper, Packard, 1997; Hodge, 2007.
17
Segundo Carlos Krus Abecasis, subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino (1955-1960), “haverá
de procurar que à evolução económica [com a concomitante integração progressiva das economias de
subsistência nas economias de mercado] se justaponha sistematicamente a integração das massas indígenas
na comunidade espiritual da Nação. Donde a importância capital que assume para nós a intensificação
do povoamento branco, mesmo, e talvez sobretudo, nos meios rurais. Sem ele, a comunidade plurirracial
perfeitamente integrada, que é fim supremo da obra portuguesa além-mar, não chegará a existir – e a
grande missão nacional teria falhado” (JIU, 1959, p.XII).
18
Estudos de ecologia agrícola com o fim de traçar cartas de aptidão agrícola, definir a capacidade de uso
da terra e elaborar planos para seu aproveitamento; estudos de biologia com o fim de estabelecer métodos
científicos de cultivo e promover o melhoramento de plantas de interesse econômico e sua defesa sanitária;
estudos de fertilidade e economia da água, com o fim de interpretar e utilizar cartas dos solos e estabelecer
as bases da experimentação agrícola; estudos de métodos de cultivo da terra, criação e gado, utilização
dos recursos biológicos naturais e estruturas agrárias das comunidades humanas primitivas ou evoluídas,
com o fim de investigar as relações entre ecologia e paisagem rural e dele tirar ensinamentos necessários
ao planeamento do uso da terra (Portugal, 23 jan. 1960, p.72-73; ver também Silva, 1965, p.151).
19
Esses organismos sucedem ao Centro de Biologia Piscatória e à Missão de Biologia Marítima (de 1959).
20
Refira-se que a participação de Portugal em organismos internacionais de cooperação técnico-científica
sobre diferentes aspectos do colonialismo teve início meio século antes, por exemplo, no Instituto
Colonial Internacional, criado em 1894 e transformado em 1949 em Instituto Internacional das Civilizações
Diferentes (Incidi).
21
Sobre essa mudança de paradigma da antropologia física para a etnologia e sua valorização como
ciência social e ciência colonial aplicada, ver Pereira, jun.2004-jul.2005, p.326-331.
22
Os movimentos secretos, as minorias étnicas e os movimentos religiosos eram encarados com desconfiança
e apreensão pela influência “subversiva” que podiam vir a ter no conjunto da população autóctone. Era
necessário conhecer e compreender aqueles fenômenos e comunidades para os poder controlar e impedir
que prejudicassem “o bem comum e o interesse nacional” (Rego, 12 out. 1961).
23
Como refere Rui Pereira (2006), foi o caso de Jorge Dias, chefe da Missão de Estudo das Minorias Étnicas
do Ultramar Português (criada em 1957). Fez o diagnóstico da situação e apontou as origens do malestar social, econômico e político. “Mas, ultrapassando os objetivos próprios a uma Antropologia
Aplicada – que relevavam do quadro de ação da MEMEUP –, Jorge Dias viria a propor medidas corretivas
e disposições preventivas, tão gritante era a discriminação, a exploração e o obscurantismo, se acareadas
com os ideais inscritos no modelo colonial português” (p.457; nas páginas seguintes apresenta as propostas
corretivas e preventivas de Jorge Dias).
24
A partir dos anos 1960 e estimulado pela OCDE, tornou-se comum o uso da percentagem do produto
interno bruto dedicado à investigação e desenvolvimento como indicador-chave da força de um país,
assim como do número de cientistas e engenheiros disponíveis para tornar essa investigação produtiva e
compatível com as agendas nacionais e internacionais dos Estados (Krige; Barth, 2006, p.2).
v.19, n.2, abr.-jun. 2012, p.391-408
405
Cláudia Castelo
25
Eram extintos os quatro organismos da Junta que se dedicavam às ciências sociais: o Centro de Estudos
Políticos e Sociais, o Centro de Estudos de Serviço Social e Desenvolvimento Comunitário, a Missão do
Rendimento Nacional do Ultramar e a Comissão de Planeamento da Investigação Científica e Tecnológica.
Contrariando o parecer do Conselho Ultramarino de Outubro de 1970: “Nas províncias ultramarinas, os
sectores mais intensamente visados devem ser os correspondentes aos ramos do saber que se prendem com
a ecologia e, em geral, com as ciências humanas. A preservação do meio ambiente, e do delicado equilíbrio
entre o individual e o social que o choque de culturas e o impacto produzido pela introdução de novas
técnicas a cada instante ameaçam, cobram nelas, de facto, particular importância e singular relevo” (citado
em Silva, 1974, p.86). E Silva (p.97) denuncia: “é claro o propósito da Junta alienar os seus organismos de
investigação do domínio das Ciências Sociais, cuja intensificação é condição básica da articulação das
actividades científicas e tecnológicas com as solicitações do desenvolvimento econômico e social”.
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