Cia de Cigarros Souza Cruz: Senhora, Vítima ou Algoz de seu Declinante Destino?
Autoria: Paulo Roberto Esteves Grigorovski, Denise L. Fleck
O estudo histórico sobre a centenária Souza Cruz buscou identificar de que maneira a
empresa respondeu aos desafios surgidos ao longo dos anos, verificando se a mesma
desenvolveu propensão à autoperpetuação. A empresa apresentou mostras de ter sido
Senhora, Vítima e Algoz de seu destino. Durante as 7 primeiras décadas, competentemente
neutralizou e dominou a concorrência, tendo sido Senhora de seu destino de estrela em
ascensão. A seguir, tornou-se Vítima do crescente processo de deslegitimação do hábito de
fumar no mundo contemporâneo. Na tentativa de tomar as rédeas de seu destino tornou-se
Algoz de seu destino, tendo empreendido um desastrado programa de diversificação e
respondido de maneira contraproducente à liberação de preços, estimulando o mercado
ilegal, que se tornou importante competidor de seus produtos. A história da Souza Cruz
sugere que a gestão competente dos desafios que enfrenta uma empresa em crescimento
constituiria uma condição necessária para alcançar a longevidade saudável. No entanto,
questões de legitimidade das operações da empresa constituem condições suficientes para
provocar seu ocaso, que pode ser até certo ponto revertido via diversificação relacionada
que tenha por base capacitações desenvolvidas pela empresa ao longo de sua história.
2003
2001
1999
1997
1995
1993
1991
1989
1987
1985
1983
1981
1979
1977
1975
1973
1971
Em 2004, a Souza Cruz completou 101 anos de atividades no Brasil, passando a
integrar um seleto grupo de empresas que conseguiram sobreviver por mais de um centenário
a intensas mudanças ocorridas no ambiente. Ao longo de sua existência, a empresa cresceu
aceleradamente, tornando-se a líder de mercado e assumindo a posição de firma dominante na
indústria de cigarros. Foi a pioneira na implantação do cultivo de fumos claros e no
desenvolvimento do sistema integrado de produção, ocupou a primeira posição no ranking das
maiores empresas privadas da Revista Exame Melhores e Maiores (M&M) e foi classificada
como a maior exportadora de fumo em folhas do mundo. Seus empregados ultrapassaram
18.000 e chegou a vender mais de 140 bilhões de cigarros em um ano. Em resumo, sua
história confunde-se com o desenvolvimento da indústria de fumo no País.
Contudo, tais conquistas não refletem plenamente a situação presente da empresa e de
seus negócios. Em 2003 a Souza Cruz ocupou a 24ª posição no ranking das 500 maiores
empresas privadas brasileiras da Revista Exame M&M (vide figura 1). Seus funcionários
reduziram-se para pouco mais de 4.200. O volume de vendas de cigarros decresceu a cada
ano, passando de 140 bilhões em 1986 a 74,3 bilhões em 2004 – uma queda expressiva de
47%. Com relação às exportações de fumo, a Souza Cruz passou a ocupar a terceira posição
mundial. Embora continue líder e dominante, sua participação de mercado em 2004 – 75,2% –
é a menor dos últimos 30 anos.
1
3
5
7
9
11
13
15
17
19
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23
25
1
Figura 1 – Posição da Souza Cruz entre as 500 maiores empresas privadas
Fonte: Edições da Revista Maiores e Melhores
A partir dos anos 70, a participação de suas vendas no Produto Interno Bruto (PIB)
decresceu progressivamente, queda esta acelerada nos anos 90 até 2003 (vide figura 2). No
ano de seu centenário, a Souza Cruz possuía uma representatividade no PIB inferior à de
1957, a despeito do crescimento da economia e da população brasileiras. Enquanto isso, as
vendas da Souza Cruz não têm conseguido acompanhar na mesma proporção o aumento da
população e do PIB brasileiros. Pelo contrário, o volume de vendas de cigarros, por exemplo,
assumiu uma trajetória decrescente desde 1987.
1,60
Receita da Souza Cruz / PIB
1,40
1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
2002
1999
1996
1993
1990
1987
1984
1981
1978
1975
1972
1969
1966
1963
1960
1957
0,00
Figura 2 – Trajetória de crescimento da Souza Cruz no período 1957-2003
Fonte: Relatórios de Administraçao da Souza Cruz e IBGE
Na década de 90, o ambiente que cerca a empresa tornou-se extremamente inóspito,
com pressões de vários stakeholders. O governo, que ao longo das décadas sempre elevou a
carga de impostos, passou ainda a assumir um forte papel regulador sobre a indústria de fumo,
sancionando pesadas leis restritivas sobre a venda, consumo e propaganda de cigarros. Ainda
em janeiro de 2004, a Justiça brasileira concedeu a inversão do ônus da prova no caso da ação
civil promovida pela Associação de Defesa da Saúde do Fumante, cabendo agora aos
fabricantes provar quais são os efeitos do cigarro. Em fevereiro, a Souza Cruz e a Philip
Morris foram condenadas – em primeira instância - a pagar indenizações aos fumantes, cujo
total foi estimado em R$ 37,5 bilhões. (Lafis, 2004; p.15).
O ambiente restritivo que se configurou nos anos 90 somado à perda de dinamismo do
negócio de cigarros ao longo das décadas, levanta sérias dúvidas sobre o futuro – e quem sabe
até a sobrevivência – da Souza Cruz. Tal situação de ameaça à continuidade da existência de
uma empresa, que por muitas décadas brilhou no cenário brasileiro de negócios, e hoje
apresenta sinais de viver seu ocaso, inspirou a investigação da seguinte questão: Em que
medida a Souza Cruz é Senhora, tão somente Vítima do inóspito ambiente ou, ao contrário,
Algoz de seu declinante destino?
REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo Barnard (1971), a capacidade de sobrevivência de uma empresa é a mais
verdadeira medida de seu sucesso. O estudo do sucesso das organizações tem sido realizado
segundo complementares perspectivas: de um lado, a ação do ambiente é vista como
determinante do destino da organização (Hannan & Freeman, 1977; Pfeffer & Salancik, 1978;
2
Porter, 1980); de outro, as ações da empresa são majoritariamente vistas como edificadoras de
seu destino (Penrose, 1980; Chandler, 1977; Barney, 1991; Teece et al., 1997). Enquanto a
perspectiva centrada no ambiente sugere que a sobrevivência da empresa está condicionada a
sua capacidade de adaptação às regras impostas pelo ambiente, o que a torna de certa maneira
vítima das circunstâncias, a segunda enfatiza a atitude pro-ativa da empresa na construção de
seu destino. Nesta perspectiva, em caso de infortúnio, a empresa seria em grande parte algoz
de seu triste destino.
A agregação dessas duas perspectivas sugere que experimentar uma longevidade
organizacional saudável requer um conjunto variado de habilidades por parte da empresa, as
quais contemplam tanto seu funcionamento interno, como seu relacionamento com o
ambiente. Uma abordagem que integra essas duas perspectivas foi desenvolvida no estudo
indutivo de Fleck (2001; 2004a). Nele a autora identificou um conjunto de habilidades
organizacionais que alimentam a propensão a autoperpetuação da empresa em qualquer
ambiente, favorável ou inóspito. Tal condição no entender de Chandler (1977) consiste em
experimentar crescimento contínuo e a existência continuada. Além disso, Fleck identificou
um conjunto de comportamentos organizacionais que favoreceriam o desenvolvimento de
uma propensão à autodestruição organizacional, definindo autodestruição como o declínio
organizacional provocado pela inabilidade da empresa de responder aos desafios do
crescimento, e não pelo ambiente pura e simplesmente. Sugere Fleck (2001) que o estado de
autodestruição pode permanecer latente na organização enquanto as condições ambientais são
benignas, vindo a se manifestar somente a partir de alterações que tornam adverso o ambiente.
Aplicada ao estudo da história da Souza Cruz, a abordagem integradora de Fleck
permite investigar a questão em estudo, qual seja em que medida a Souza Cruz é Senhora,
Vítima do inóspito ambiente ou Algoz de seu declinante destino.
Autoperpetuação e autodestruição da firma
Segundo Fleck, uma organização desenvolve uma propensão à autoperpetuação
quando suas ações ajudam-na a nutrir uma propensão a sobreviver a seus membros. Já o
desenvolvimento de uma propensão à autodestruição ocorre quando suas ações enfraquecemna tornando-a não só vulnerável à implosão pela desagregação de suas partes, como incapaz
de antecipar-se a e neutralizar as pressões ambientais.
A autora identificou 7 tipos de desafios que enfrentam as empresas no decorrer do
processo de desenvolvimento:
• Empreendedorismo – refere-se à capacidade da empresa vislumbrar e perseguir novas
oportunidades, buscando minimizar os riscos envolvidos (Penrose, 1980);
• Motivações para expansão – diz respeito aos motivos que inspiram e fundamentam os
movimentos de expansão (Chandler, 1977). Em sendo produtivos, a expansão favorece o
crescimento contínuo, o que não ocorre se forem meramente defensivos ou simplesmente
visando a expansão de império;
• Gestão da mudança – concerne as respostas estratégicas da empresa ao ambiente podendo
variar de simples aquiescência a manipulação (Oliver, 1991), nelas incluindo a gestão de
dependência de recursos (Pfeffer & Salancik, 1978), a utilização de recursos VRIO
(Barney, 1991) e a gestão das forças atuantes na indústria (Porter, 1980);
• Diversidade – corresponde a fomentar relações de integração das tão diversificadas partes
(Stickland, 1998): compartilhamento de recursos para aspectos homogêneos, e
combinação ou intercâmbio de recursos para os aspectos heterogêneos da firma;
• Complexidade – compreende a resolução de problemas administrativos de complexidade
crescente de forma a não comprometer a organização como um todo com base em
avaliações parciais das questões envolvidas (Selznick, 1957);
3
•
Alocação de recursos – consiste em prover uma adequada coordenação dos recursos
disponíveis para uma organização sujeita a crescentes conflitos de interesses (Cyert &
March, 1963; Selznick, 1957);
• Necessidades de talentos gerenciais – em virtude do crescimento, aumentam as demandas
por talentos gerenciais, que se não atendidas podem estancar o processo de crescimento
(Penrose, 1980), e que podem contribuir para o esfacelamento da organização no caso de
contratação de elevado número de pessoas externas (Selznick, 1957).
Os desafios acima descritos afetam as duas condições apontadas por Chandler (1977)
como necessárias ao desenvolvimento da propensão à autoperpetuação. A figura 3 ilustra a
cadeia de relacionamento entre desafios e autoperpetuação.
DESAFIOS
EMPREENDEDORISMO
MOTIVAÇÃO PARA
EXPANSÃO
GESTÃO DA
MUDANÇA
Oportunidades
(internas)
CRESCIMENTO
CONTÍNUO
Oportunidades
(externas)
CN
PROPENSÃO
À AUTOPERPETUAÇÃO
PERPETUA
ÇÃO
DIVERSIDADE
Ameaças externas
CN
COMPLEXIDADE
EXISTÊNCIA
CONTINUADA
+
CONFLITOS DE
PRIORIDADES
Ameaças internas
NECESSIDADE DE
SKILL GERENCIAL
Figura 3 – Desafios do crescimento e impacto na propensão à autoperpetuação
Fonte: Fleck (2004b)
As respostas aos desafios que estimulam o crescimento contínuo e a existência
continuada alimentam a propensão da empresa à autoperpetuação. Já as respostas da empresa
que carecem de estimular o crescimento contínuo e a existência continuada, alimentam a
propensão da empresa à autodestruição. Na medida em que a empresa exibe um
comportamento consistente em suas respostas a um desafio do ambiente, diz-se que ela
desenvolveu um traço organizacional, o qual resulta das regras, rotinas, procedimentos
burocráticos, políticas organizacionais e sistemas de controle intitucionalizados. Estudos
longitudinais permitem a identificação da dinâmica dos traços, conforme se mantenham
estáveis ou se alterem ao longo do tempo. A estabilidade de um determinado traço indicativo
de autoperpetuação/ (autodestruição) indicaria uma propensão da empresa à autoperpetuação/
4
(autodestruição) no período de tempo analisado. Já a identificação de respostas sinalizando
alternadamente a autoperpetuação e a autodestruição indicaria uma situação de indefinição. A
tabela 1 detalha os tipos de resposta aos desafios e suas implicações para a empresa.
Desafios associados a
aspectos internos
Naturaza do
desafio
Natureza da tensão
associada
Ênfase nas semelhanças
Organização
Aumenta o grau
de diversidade
Aumentam os
Alocação de recursos conflitos de
prioridade
Resolução de
problemas
Desenvolvimento de
hierarquia gerencial
Desafios associados a
aspectos externos
Aumenta a
complexidade
(torna-se mais
difícil entender
as questões)
Aumenta a
demanda por
talentos
gerenciais
Naturaza do
desafio
Ênfase nas diferenças
Processo deliberado de
alocação de recursos
Processo emergente de
alocação de recursos
Identificação minuciosa de
evidências, buscando
descrever com precisão os
problemas
Busca de soluções
imediatas à medida que
surgem os problemas
Investimento de recursos
(tempo e dinheiro) na
formação interna de
gestores
Recrutamento rápido de
gestores no mercado na
medida da necessidades
Natureza da tensão
associada
Otimização de retornos e
riscos
Empreendedorismo
Motivações para
crescimento
Gerenciamento de
mudanças
Fomento de
iniciativas
empreendedoras
Subotimização de retornos
na empresa
e/ou riscos
Fundamentação
do movimento
de expansão
Identificação e
atuação nas
fontes de
mudança que
podem
beneficiar ou
prejudicar os
negócios da
empresa
Desenvolv. de domínios
com produtividade
crescente e eventual defesa
dos mesmos
Defesa de domínios
existentes ou conquista de
novos domínios que não
aumentam a produtividade
global da empresa
Identificação geralmente
custosa e demorada de
possíveis fontes de
mudança, buscando poder
moldar o ambiente
Identificação de mudanças
ocorridas, buscando o
melhor e mais rápido ajuste
da empresa ao ambiente
Pólos da tensão
(modos de resposta
ao desafio)
Integração via
busca de sinergias
Fragmentação via
busca de autonomia
das partes
Forte coordenação
da alta direção
Fraca coordenação
da alta direção
Implicação dos
pólos no longo
prazo
Autoperpetuação
Autodestruição
Autoperpetuação
Autodestruição
Modo sistemático
de resolver
problemas
Autoperpetuação
Modo ad hoc
(casuístico) de
resolver problemas
Autodestruição
Desenvolvimento
de gestores: cedo e Autoperpetuação
de forma deliberada
Desenvolvimento
de gestores: pobre e
de forma emergente
Pólos da tensão
(modos de resposta
ao desafio)
Metas audaciosas
com níveis de risco
compatíveis
Metas apenas
satisfatórias ou
metas audaciosas
com níveis de risco
exagerados
Autodestruição
Implicação dos
pólos no longo
prazo
Autoperpetuação
Autodestruição
Híbrido ou
produtivo
Autoperpetuação
Defensivo ou nulo
Autodestruição
Manuseio das
fontes de mudança
a favor da empresa
Autoperpetuação
Adaptação às
Autodestruição
mudanças ocorridas
Tabela 1 – Desafios gerenciais, modos de resposta e implicações organizacionais
5
Fonte: Fleck (2001)
À luz da perspectiva de Fleck, a determinação da condição de senhora, vítima ou algoz
de seu destino será obtida da seguinte forma: em condições de crescimento, o
desenvolvimento de uma consistente propensão à autoperpetuação ao longo do tempo, seria
indicativo da condição de senhora de seu glorioso destino. Em condições de declínio da
trajetória de crescimento, uma consistente propensão à autoperpetuação sugeriria ser a
empresa durante vítima do ambiente. Finalmente, o declínio na ausência de uma consistente
propensão à autoperpetuação, indicariaa condição de algoz de seu destino.
MÉTODO DE PESQUISA
O estudo realizado é de natureza histórica (Yin, 1989), tendo buscado descrever e
explicar (Snow & Thomas, 1994) a trajetória de crescimento da Souza Cruz ao longo de seus
101 anos de existência. Para descrever a trajetória de crescimento, utilizou-se um indicador de
crescimento relativo à economia do país (Fleck, 2002). Este é obtido calculando-se o
porcentual que o faturamento anual representa do PIB do respectivo ano. Para explicar a
trajetória, buscou-se nas histórias da Souza Cruz e do setor de fumo e cigarros evidências de
constituição de desafios e das respectivas respostas fornecidas pela empresa.
A coleta de dados foi iniciada em outubro de 2003 e encerrada em outubro de 2004.
Foram visitadas instituições de pesquisa e bibliotecas no Rio de Janeiro, além de se conseguir
dados através do Departamento de Assuntos Corporativos da Souza Cruz, e de pesquisa na
internet. Por fim, também foram realizadas duas entrevistas. As principais fontes consultadas
estão organizadas na tabela 2.
Unidade de análise
Albino de Souza Cruz
Principais fontes de dados coletadas
Livros históricos comemorativos dos 80 e 100 anos da empresa.
Registros de patentes da empresa no Arquivo Nacional.
Registro de fundação e contrato social da empresa no Arquivo Nacional.
Relatórios de Administração para os exercícios de 1957 a 2003.
Livros históricos comemorativos dos 80 e 100 anos da empresa.
Souza Cruz
Empresas coligadas e
controladas pela Souza Cruz.
Indústria de Fumo/Cigarros
Indústrias de empresas
coligadas e controladas
Artigos da Revista Exame e Melhores e Maiores em 296 edições,
compreendendo 35 anos (1969-2003).
Documentos internos da Souza Cruz no site da University of California-UCSF.
Registros de patentes da empresa no Arquivo Nacional.
Registro de fundação e contrato social da empresa no Arquivo Nacional.
Marcas registradas pela empresa no INPI.
Artigos da Revista Exame e Melhores e Maiores em 296 edições,
compreendendo 35 anos (1969-2003).
Documentos internos da Souza Cruz no site da UCSF.
Relatórios da ABIFUMO sobre o perfil da indústria.
Artigos sobre o setor, elaborados por pesquisadores e Consultorias.
Edições de ¨O Auxiliador da Indústria Nacional¨ sobre o surgimento da
indústria de fumo no País.
Patentes registradas pela indústria na coleção Privilégios Industriais do
Arquivo Nacional.
Artigos e indicadores de edições da Revista Exame Melhores e Maiores.
Artigos e indicadores de edições da Revista Exame Melhores e Maiores.
Tabela 2 - Principais fontes de dados coletadas segundo as unidades de análise
As etapas de análise compreendem os seguintes passos:
6
•
•
•
•
Organização dos dados coletados – criou-se uma planilha com 1.300 eventos descritiva
da história da empresa;
Periodização – após várias leituras em busca de marcos delimitativos, identificou-se
quatro principais períodos na existência da empresa (Langley, 1999). Tal procedimento
tomou como base eventos e estratégias adotadas pela empresa ao longo de sua história;
Análise dos investimentos – analisou-se os principais processos de investimento ocorridos
em cada período: em produção, em distribuição, em pesquisa e desenvolvimento, em
recursos humanos e diversificação.
Análise dos desafios - criou-se uma nova ferramenta de análise, através da qual foram
identificadas ações que evidenciassem desafios gerenciais ao crescimento e os modos de
resposta da Souza Cruz aos respectivos desafios. Foram desenvolvidas sete planilhas, de
mesmo formato, uma para cada tipo de desafio, e cada uma delas distinguindo os 4
períodos. Nelas foram registrados eventos que evidenciavam os desafios propriamente
ditos (por exemplo, entrada de novo concorente), assim como como os modos de resposta
da Souza Cruz (por exemplo, lançamento de nova marca de cigarro para combater novo
entrante).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise histórica da Souza Cruz indicou que durante as seis primeiras décadas de sua
existência, as respostas da companhia aos desafios que se apresentaram alimentaram a
propensão à autoperpetuação. Já durante o período de diversificação não relacionada (19681989), notou-se a existência de modos de resposta que alimentavam tanto a autoperpetuação
como a autodestruição. Configurou-se, portanto, uma situação de indefinição em relação aos
traços organizacionais, que conforme sugere Andrade Filho (2003), pode ser característica de
uma fase de transição. No período mais recente (1990-2004), a empresa voltou a apresentar
modos de resposta aos desafios gerenciais que, à exceção da gestão de mudança, fomentavam
a propensão à autoperpetuação. A tabela 3 sintetiza os resultados obtidos.
Desafios
1903-1913
Organização
Alocação de
Recursos
Resolução de
Problemas
Formação de
Hierarquia
Gerencial
Empreendedorismo
Motivação para a
Expansão
Gestão da
Mudança
1914-1967
Integração
Forte coordenação
de topo
Forte coordenação de
topo
Sistemática
Sistemática
Desenvolvida cedo Desenvolvida cedo
Metas audaciosas e Metas audaciosas e
riscos compatíveis riscos compatíveis
Híbrida
Híbrida
Moldagem
Moldagem
1968-1989
Integração
Fragmentação
Forte coord. de topo
Fraca coord. de topo
Sistemática
Caso a caso
Desenvolvida cedo
Desenvolvida pobre
Metas audaciosas
riscos compatíveis
Metas satisfatórias
Híbrida
Nula
Moldagem
Adaptação
1990-2004
Integração
Forte coordenação de
topo
Sistemática
Desenvolvida cedo
Metas audaciosas e
riscos compatíveis
Híbrida
Moldagem
Adaptação
Tabela 3 – Configuração dos traços organizacionais da Souza Cruz –1903/2004
Período 1903-1913: O surgimento e o crescimento no Rio de Janeiro
Organização: as poucas evidências encontradas no período sobre o traço organização
indicaram que a Souza Cruz respondeu ao aumento de diversidade, enfatizando semelhanças.
7
A quantidade pequena de colaboradores permitiu que o próprio fundador, Albino de Souza
Cruz, fornecesse os treinamentos necessários para a fabricação dos produtos. Como Albino
era o sócio gestor e cuidava tanto dos assuntos operacionais como estratégicos, sua forte
coordenação, associada à sua presença entre os funcionários, possivelmente contribuiu para
disseminar uma visão única entre os mesmos, construindo uma firma integrada. Por fim,
quando importou novas máquinas, ele adquiriu uma nova instalação industrial, transferindo
todas as atividades da empresa para essa nova instalação. A presença de todos os funcionários
em um único local possivelmente facilitou o controle e a manutenção da unidade da empresa.
Alocação de recursos: a maioria das evidências encontradas durante o período indicou para
uma situação de forte coordenação da alta direção da empresa, através da figura de seu
fundador. O contrato social de fundação da Souza Cruz já evidenciava que a gerência da
empresa era competência do sócio chefe, Albino de Souza Cruz. E as informações coletadas
indicaram que Albino atuou nas diversas áreas da companhia, tendo sido o responsável pelas
decisões mais importantes tomadas durante o período. Foi o próprio fundador que treinou as
funcionárias da empresa. Além disso, ele cuidava também das máquinas, aperfeiçoando as
mesmas para aumentarem a produtividade. Foi Albino ainda quem registrou a marca da
empresa, visando protegê-la de possíveis plágios, além de ter registrado privilégios industriais
(patentes) relativos a embalagens e a novos métodos de produção que, por sua vez,
proporcionaram vantagens à Souza Cruz perante seus concorrentes.
Resolução de problemas: Albino contratou professores para que lhe ensinassem ortografia,
sintaxe, composição literária, ciências naturais e economia. Como a firma dependia das
decisões por ele tomadas, o seu desenvolvimento intelectual o preparava para melhor avaliar
as situações de negócio, de forma a evitar que decisões ruins viessem a comprometer toda a
organização. Antes de fundar a empresa, Albino registrou a marca da companhia na Junta
Comercial. Além disso, os sucessivos registros de privilégios industriais demonstram que a
empresa identificou duas formas de competição, desde cedo, na indústria de fumo: por custo
(eficiência produtiva) e por diferenciação (marca, embalagens). O registro de embalagens
desenvolvidas, bem como de novos métodos de produção, são exemplos disso. Por fim, vale
ressaltar, que só foram encontrados registros de privilégios industriais de duas das cinco
maiores firmas produtoras de cigarros do Rio de Janeiro e a Souza Cruz foi uma delas. Esse
fato indica que a firma, além de preocupada com as maneiras de deter vantagens sobre os
rivais, estava preocupada também em manter essa vantagem ao longo dos anos.
Formação de hierarquia gerencial: poucas foram as evidências com relação a esse traço.
Identificou-se somente que Albino treinou suas funcionárias iniciais e que o mesmo investiu
fortemente em seu próprio desenvolvimento, através da contratação dos melhores mestres da
época para o ensino da língua portuguesa e ciências.
Empreendedorismo: desde o início de sua carreira, Albino não se contentou com a posição de
trabalhador. Juntou dinheiro e tornou-se sócio minoritário da fábrica de fumos onde
trabalhava. Mais tarde, almejou uma meta bastante audaciosa: abrir uma firma da qual fosse
dono – a Souza Cruz. O fundador minimizou os riscos dessa nova empreitada de várias
formas. Primeiro, através dos seus conhecimentos sobre o negócio de fumo e em segundo
lugar, por fazer uso dos instrumentos de proteção à propriedade industrial existentes na época.
O crescimento inicial da Souza Cruz foi marcado por metas audaciosas com níveis de risco
compatíveis. A firma procurava atender à demanda, lançando novos produtos e investindo em
produtividade e ao mesmo tempo se protegia de possíveis plágios de concorrentes, registrando
as marcas e patentes que lhe proporcionavam vantagens competitivas.
8
Motivações para a expansão: a Souza Cruz realizou investimentos que aumentaram a
produtividade da empresa, visando a atender ao crescimento da demanda. A importação de
máquinas, a modernização do maquinário existente, bem como o treinamento das operárias,
ilustram estratégias produtivas realizadas pela empresa no período. Além disso, a empresa
buscou se proteger de possíveis ações de concorrentes. Para tanto, foram feitos registros de
marcas e patentes, o que configura estratégias defensivas e, em alguns casos específicos,
estratégias híbridas. Os registros de patentes das embalagens, além de restringirem o acesso à
concorrência, introduziram um novo método que diminuía o emprego de recursos (tempo,
matéria-prima, etc.) na fabricação das mesmas. A firma desde cedo compreendeu o ¨jogo
competitivo¨ a passou a direcionar seus investimentos visando à redução do custo de seu
produto e ao aumento da diferenciação dos mesmos. Ao fazer isso, desenvolveu a lealdade
dos consumidores, o que proporcionou o seu acelerado crescimento.
Gestão da mudança: as evidências encontradas indicam situações de moldagem do ambiente.
A firma desenvolveu e patenteou inovações, protegendo seu mercado dos concorrentes. Ao
executar essas ações, a empresa estava justamente identificando e atuando sobre as fontes de
mudança e se beneficiando das mesmas.
Período 1914-1967: O domínio do mercado de cigarros brasileiro
Organização: durante o período, a Souza Cruz realizou o seu primeiro movimento de
diversificação, através da integração vertical tanto para trás como para frente da sua posição
na cadeia produtiva. Percebeu-se que a empresa passou a buscar ganhos de produtividade e a
minimizar os riscos de fornecimento, através do controle de outras etapas da cadeia produtiva
de cigarros. Assim, a empresa cresceu em um mesmo negócio fim, a produção de cigarros,
mantendo seu foco. Isso, por sua vez, facilitou a ênfase em semelhanças, o controle das
operações, e consequentemente o crescimento de maneira integrada. Com a multiplicação das
unidades da empresa, a Souza Cruz modificou sua estrutura, criando novos departamentos,
para facilitar o controle e a integração entre as suas diversas partes e negócios.
Alocação de recursos: nesse período notou-se um crescente controle da diretoria eleita pela
BAT e menor centralização do poder nas mãos de Albino. Ao longo dos anos, foi montada
uma diretoria composta por ingleses vindos de diversas empresas do Grupo BAT no mundo,
que passaram a tomar as principais decisões. No início do período, Albino foi o principal
responsável pelo lançamento de várias marcas encarteiradas com figuras de mulheres.
Contudo, as decisões mais importantes foram tomadas pela diretoria da empresa, como por
exemplo, a substituição do sistema de distribuição via tração animal por automóveis e o
desenvolvimento do sistema integrado de produção. Notou-se forte coordenação da BAT,
principalmente em relação a este último fato, através do envio de mão-de-obra especializada.
Resolução de problemas: verificou-se que a complexidade aumentou bastante, mas ao mesmo
tempo, a empresa soube responder a esse desafio, identificando os principais problemas que
poderiam frear o seu crescimento e executando ações, de maneira deliberada, para conseguir a
expansão almejada. Primeiro, criou as bases para o fornecimento regular de insumos para a
fabricação de cigarro. Nesse sentido, desenvolveu o sistema integrado de produção no Sul do
País, instalou unidades de processamento do fumo produzido e adquiriu uma litografia, que
produzia embalagens e material de propaganda para os cigarros. A partir de então, começou a
inaugurar fábricas em diversas regiões e fortalecer a sua rede de distribuição. Outras ações
importantes foram desenvolvidas com relação ao setor de pesquisa e desenvolvimento. A
Souza Cruz realizou investimentos contínuos para possuir os melhores insumos e o melhor
9
produto final, o que garantia à empresa boas possibilidades de crescimento, via lealdade do
consumidor, e protegia a mesma de ações de concorrentes.
Formação de hierarquia gerencial: a empresa enfrentou desafios no período que
aumentaram significativamente a demanda por talentos gerenciais. A maioria das evidências
localizadas indicou que a Souza Cruz respondeu a esses desafios, investindo recursos na
formação interna de seus funcionários, de maneira deliberada, o que criou as condições para o
desenvolvimento de gestores cedo na empresa. A principal delas foi a criação de um programa
de aprendizes para cargos administrativos. Através do mesmo, a empresa captava recursos
valiosos, geralmente profissionais entre 18 e 26 anos, recém-saídos da universidade, que
depois de treinados, prestavam importantes serviços produtivos na empresa, podendo se tornar
gestores em início ou meio de carreira. Em resumo, verificou-se que a empresa realizou
investimentos necessários para capacitar seus profissionais de vários escalões. Além disso,
com o desenvolvimento de um programa de aprendizes, a Souza Cruz criou as bases para a
sua renovação.
Empreendedorismo: a venda do controle da Souza Cruz para a BAT representou metas
audaciosas como também foi uma forma de minimizar os riscos. A BAT era uma das maiores
empresas de cigarros internacionais, possuidora de know-how e recursos extremamente úteis
para os planos de crescimento da Souza Cruz: alcançar o domínio do mercado de cigarros no
Brasil. No período em questão, a Souza Cruz criou uma rede de produção e distribuição
inexistente no País e imensamente superior à de qualquer concorrente nacional. A forma de
crescimento da empresa, ao mesmo tempo em que, buscava a maximização dos retornos,
também minimizava os riscos intrínsecos à respectiva empreitada. A empresa crescia de
maneira integrada, passando a produzir os insumos intermediários necessários para a
fabricação do cigarro e a realizar atividades posteriores à sua posição na cadeia, como a
distribuição direta e a fabricação de material de propaganda.
Motivações para a expansão: notou-se que o processo de expansão da Souza Cruz no período
em questão foi fundamentado pelo desenvolvimento de domínios com produtividade
crescente e pela defesa dos mesmos. A empresa fez uso de estratégias híbridas, produtivas e
defensivas, que permitiram o seu crescimento e protegeram os domínios existentes. A Souza
Cruz auferiu vantagens de custos com a realização das atividades relativas ao sistema
integrado de produção e à integração vertical da etapa de processamento do fumo e ao mesmo
tempo, criou barreiras à entrada de novos concorrentes, pois os mesmos teriam que realizar
investimentos similares para usufruírem de uma estrutura de custos compatível.
Gestão da mudança: notou-se que a Souza Cruz identificou as fontes de mudança e fez uso
das mesmas de maneira a beneficiar seus negócios e evitar prejuízos. Contudo, houve algumas
evidências de adaptação. Dentre as ações que representam moldagem do ambiente, pode-se
citar a criação do sistema integrado de produção e de um sistema de distribuição nacional.
Além disso, o pioneirismo associado aos investimentos em distribuição, marketing e P&D
garantiram as condições para a moldagem do ambiente e a conquista e manutenção da
lealdade do consumidor. Já, para enfrentar os efeitos da pesada carga tributária, a Souza Cruz
buscou aumentar sua eficiência. Em relação às evidências de adaptação passiva ao ambiente,
podem ser citadas a substituição tardia do sistema de distribuição de tração animal por
automóveis e o lançamento de seu primeiro cigarro com filtro dois anos após a firma pioneira.
Tais reações tardias, no entanto não se concretizaram em enfraquecimento dos negócios, pois
a empresa soube reverter a situação em seu benefício.
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Período 1968-1989: O aumento da competição e a estratégia de diversificação
Organização: houve evidências de modos de resposta que fortaleceram tanto a fragmentação
como a integração da empresa. Dentre os exemplos de integração, destacam-se a criação do
Departamento de Serviços Gerenciais, do Departamento de Administração por Objetivos,
além da reestruturação do Departamento de P&D, centralizando-se as atividades em um único
centro de pesquisas, no RJ. A construção da fábrica de cigarros de Uberlândia, também revela
integração, pois para coordenar tais esforços, foi criado um grupo de trabalho, composto por
funcionários de diferentes áreas. Além disso, foram criadas empresas para prestar apoio e
serviços a todo o Grupo. Contudo, houve também evidências de que a empresa não soube
lidar com o aumento brusco da diversidade em seus negócios. Com a diversificação, foram
adquiridas firmas simplesmente pelas perspectivas de crescimento de vendas e de
lucratividade, o que enfatizava diferenças. A Souza Cruz foi dona de fazendas de piscicultura,
lavouras de abacaxi, laboratórios de biotecnologia, fábricas de sucos, etc não havendo
evidências de aproveitamento da diversidade para a obtenção de economias de escopo.
Alocação de recursos: foram encontradas evidências tanto de forte como de fraca
coordenação de atividades. Ao ampliar a quantidade de negócios e enfatizar diferenças, a
empresa enfrentou problemas na coordenação das atividades. O grande número de negócios
aumentou a diversidade e a complexidade na tomada de decisões, realizada pela direção da
Souza Cruz. Sem experiência em vários dos negócios adquiridos, a diretoria passou a delegar
a gestão aos sócios ou a outros grupos empresariais e, em alguns casos, a colocar funcionários
de carreira ou aposentados para tentar gerir as suas diversas atividades. Em vários casos, os
resultados não foram positivos e as empresas apresentaram problemas de gestão. Todavia,
existiram também evidências de forte coordenação. A BAT continuou exercendo intensa
influência na Souza Cruz, através da indicação de sua diretoria e da elaboração de guidelines
e ações a serem implementadas por sua subsidiária no Brasil. Outra evidência de forte
coordenação refere-se ao projeto de construção da fábrica de Uberlândia. Além disso,
identificou-se a aprovação pela diretoria de vários projetos de investimento na área fabril.
Resolução de problemas: a empresa passou a apresentar evidências de resolução casuística
(ad hoc), além das evidências de resolução sistemática. A Souza Cruz soube responder a
alguns dos problemas enfrentados de uma maneira precisa, identificando minuciosamente os
passos necessários à eliminação dos entraves. Por exemplo, a empresa criou as bases para a
exportação de fumo em folha, tornando-se a maior exportadora mundial desse produto. Além
disso, criou as condições para o atendimento da demanda crescente por seus produtos no
mercado doméstico. No final dos anos 70, por exemplo, a maior e mais moderna fábrica da
América Latina foi implantada pela empresa. Contudo, à medida que a Souza Cruz
diversificou para campos de atuação completamente diferentes, ficou mais difícil entender o
jogo competitivo intrínseco a esses negócios e a enfrentar os desafios e problemas surgidos ao
longo do tempo. A Souza Cruz supergeneralizou seu objetivo e superestimou sua capacidade.
Essa utopia gerou conseqüências negativas nos negócios e no desempenho da empresa.
Formação de hierarquia gerencial: a firma cresceu e seus domínios foram expandidos para
além dos negócios de fumo e cigarros. Os negócios que a empresa adquiriu ou desenvolveu
diferiam do setor cigarreiro em várias dimensões: a demanda não era tão estável, a
elasticidade-preço não era baixa, os competidores e stakeholders não eram os mesmos.
Consequentemente, a necessidade de talentos gerenciais aumentou. A empresa precisava de
gestores que compreendessem jogos competitivos diferentes daqueles que contumavam jogar.
Percebeu-se que a Souza Cruz intensificou suas atividades de treinamento no período,
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contudo, com foco na renovação dos gestores e demais funcionários relativos ao negócio de
cigarros. Não foram encontradas evidências sobre treinamentos específicos sobre os outros
setores para os quais a empresa tinha direcionado sua diversificação. Essa conclusão indicou
que a empresa gerava as bases para a renovação de seu negócio central, contudo, não garantia
a sustentabilidade em relação à gestão dos novos negócios adquiridos ou criados.
Empreendedorismo: verificou-se que a Souza Cruz fomentou iniciativas empreendedoras ao
longo do período, possuindo uma ampla carteira de negócios em sua maioria, composta por
empresas não relacionadas com sua atividade fim. Contudo, notou-se também que a Souza
Cruz desenvolveu atividades relacionadas ao seu negócio principal e ainda outras atividades
de suporte às empresas do Grupo. Em resumo, pode-se dizer que foram encontradas
evidências de otimização e sub-otimização de riscos e retornos das iniciativas
empreendedoras desenvolvidas pela empresa ao longo do período.
Motivação para a expansão: durante as duas fases anteriores, a Souza Cruz tinha executado
estratégias híbridas, com a sucessão de ações produtivas e defensivas, nas quais a empresa
buscava ganhos de escala e escopo e ao mesmo tempo defendia os domínios que eram
criados. No período em questão, a empresa continuou realizando tais ações, contudo,
verificou-se também um predomínio de estratégias nulas, através das quais a Souza Cruz
conquistou novos domínios que não aumentaram sua produtividade global. A razão do
aparecimento de estratégias nulas reside na orientação do seu processo de diversificação,
focando em negócios com boas perspectivas de crescimento e rentabilidade,
independentemente da existência de relações com a sua atividade principal. A Souza Cruz
passou a deter características que a assemelhavam mais a um conglomerado do que a uma
empresa de crescimento orgânico, cuja atividade principal era a fabricação de cigarros.
Gestão da mudança: a Souza Cruz soube identificar as fontes de mudança, contudo, existiram
situações em que moldou o ambiente e outras em que apenas se adaptou. As atividades de
pesquisa de mercado foram intensificadas e a empresa lançou várias marcas, renovando as de
sucesso. Contudo, não assumiu um papel de pioneira. Os challengers, como a Philip Morris,
adotaram uma postura de first-to-market, tentando explorar tendências e lançar produtos
novos. A Souza Cruz se adaptou à situação, fazendo uso dos investimentos que realizara em
distribuição, marketing, produção e P&D e lançando produtos que combatiam com eficiência
os lançamentos dos concorrentes. No que diz respeito ao governo, embora tenham feito parte
de seu Conselho políticos importantes e até ministros, a Souza Cruz teve que se adaptar ao
processo de aumento dos impostos e o controle dos preços imposto pelo CIP, tendo
intensificado os investimentos na ciranda financeira e trabalhando para ganhar no fluxo de
caixa entre o período de recebimento das vendas e o de pagamento dos impostos.
Período 1990-2004: A concentração nos negócios de fumo e cigarros em um ambiente
cada vez mais restritivo
Organização: aos poucos a Souza Cruz vendeu ou incorporou as empresas compradas e
criadas ao longo das décadas de 70 e 80. Ao fazer isso, deixou de enfatizar diferenças e
passou novamente a buscar as semelhanças e sinergias das atividades relacionadas aos seus
principais negócios. A empresa sofreu um brusco enxugamento, passando de um total de
quase 16.000 funcionários em 1990 para aproximadamente 4.000 em 2003. Além disso, de
todas as fábricas que possuía em 1990, apenas a de Uberlândia foi mantida. Essas medidas
foram decorrentes da estratégia de concentração das operações no Sul e Sudeste do País. A
Souza Cruz saiu de uma situação de descentralização administrativa e fragmentação, com a
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existência de várias subsidiárias integrais, para outra situação diferente, na qual passou a ser
uma empresa focada em dois negócios complementares com um número bem menor de
unidades administrativas, concentradas em um espaço físico menor.
Alocação de recursos: com a venda dos negócios não relacionados e a incorporação das
demais atividades, a direção da empresa passou a exercer novamente forte coordenação sobre
todas as suas atividades e negócios. Foram encontradas evidências da realização de planos de
revisão da estratégia da empresa e de ações a serem empreendidas pela mesma para entrar em
consonância com a estratégia de concentração das atividades em cigarros e negócios
financeiros, realizada pelo Grupo BAT. Além disso, com a concentração das atividades, a
estrutura administrativa foi alterada e o número de gestores foi reduzido, centralizando as
decisões em um número menor de pessoas pertencentes à diretoria da Souza Cruz. Os
documentos encontrados indicam que a Souza Cruz apresentou uma diminuição dos conflitos
de prioridade com a redução dos seus campos de atuação e que isso acabou facilitando a
coordenação realizada pela alta direção. Além disso, tais relatórios e planos evidenciaram um
processo deliberado na alocação de recursos, planejado e aprovado pela direção.
Resolução de problemas: a Souza Cruz diminuiu de tamanho, deixando de possuir outras
empresas e negócios e passando a vender menos e a diminuir o número de unidades
administrativas e funcionários. Consequentemente, a complexidade, que era elevada, reduziuse bruscamente, e a Souza Cruz pôde concentrar suas atenções novamente nos negócios nos
quais possuía experiência. Foram localizadas evidências que indicaram a existência de uma
maneira sistemática de resolver os problemas. As estratégias de concentração das atividades e
de fabricação de cigarros no Sul e Sudeste do Brasil refletem um modo sistemático de
resolução de problemas, pensando no longo prazo e em uma estratégia sustentável que
permitisse a redução da complexidade da gestão e dos custos da empresa. Outros exemplos de
identificação minuciosa de evidências e resolução sistemática de problemas são o processo
¨Souza Cruz do Futuro¨, a criação do Portal Agrega, do Interaction Center, do Instituto Souza
Cruz, da Universidade Souza Cruz e da fábrica de cigarros de Cachoeirinha.
Formação de hierarquia gerencial: o número funcionários, gestores e diretores foi
drasticamente reduzido no período. Com esse enxugamento, a Souza Cruz continuou
desenvolvendo, qualificando e aprimorando seus funcionários, aumentando a produtividade
dos mesmos e mantendo sua política de formação interna. Em 1992, a companhia inaugurou o
seu Centro de Treinamento, em Piraí (RJ) para a realização de seminários e cursos aos seus
colaboradores. A empresa manteve as suas iniciativas relativas à contratação de estagiários e
trainees. O lançamento da Universidade Corporativa Souza Cruz foi outra iniciativa que
contribuiu para o aumento da qualificação e para o aprimoramento dos funcionários. A Souza
Cruz desenvolveu ainda um programa de coaching e cursos de pós-graduação em
administração, gestão e estratégia, tendo como público-alvo os níveis gerenciais.
Empreendedorismo: com a concentração, a empresa focou suas atividades em negócios que
conhecia e cujos riscos de uma má gestão eram pequenos. Em relação à exportação de fumo
em folha, a empresa dobrou o volume exportado. No que diz respeito à exportação de
cigarros, houve um crescimento explosivo até 1997. Apesar das vendas domésticas de
cigarros terem diminuído e de a empresa ter racionalizado suas operações, a Souza Cruz
realizou investimentos na fábrica de Uberlândia além de construir uma das mais modernas
fábricas do mundo em Cachoeirinha (RS). Mesmo diminuindo sua estrutura, reduzindo o
número de funcionários e fechando várias das suas fábricas, a empresa apresentou metas
ambiciosas. Por fim, realizou investimentos para a construção de uma fábrica em Cuba para a
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produção e exportação de cigarros especiais de alta qualidade. A empresa possui 50% de
participação na joint venture com o governo cubano.
Motivação para a expansão: a empresa apresentou um conjunto de estratégias produtivas e
defensivas, tendo eliminado as expansões nulas de expansão de império que predominaram no
período anterior, através da venda e absorção das empresas que não possuíam ligação com os
negócios principais. A Souza Cruz investiu na modernização da fábrica de Uberlândia e
construiu o maior e mais moderno centro de processamento de fumo do mundo no RS. A
empresa implantou o Sistema de Informações Agrícolas (SIA), um sistema de picking
automático, criou um portal de compras pela internet e criou Centrais Integradas de
Distribuição (CID), o que aumentou sua produtividade. As estratégias defensivas foram
caracterizadas pela política de redução de preços para combater o mercado ilegal, o registro
de marcas no INPI, , além das exportações para América Latina, buscando combater o
crescimento da Philip Morris. Outra estratégia defensiva, diz respeito ao seu ingresso no
Instituto ETCO (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), no intuito de fortalecer o
combate à concorrência desleal.
Gestão da mudança: a Souza Cruz apresentou ações que refletiram tanto moldagem como
adaptação ao ambiente. A empresa conseguiu identificar mudanças ocorridas e manuseou
algumas a seu favor, contudo, novamente conseguiu tão somente adaptar-se às ações do
governo que impactavam seus negócios. Foram encontradas evidências de ações pioneiras no
mercado brasileiro, na América Latina e até mundialmente, como a utilização do picking
automático, a construção da fábrica de Cachoeirinha (RS), do Centro de Processamento de
Fumo de Santa Cruz do Sul (RS), e da Central de Distribuição de SP. A empresa continuou
investindo fortemente em P&D e como resultado recebeu dois prêmios da FINEP na categoria
inovação. Contudo, suas ações contribuíram para o crescimento do seu principal competidor
na atualidade, o mercado ilegal de cigarros. Ao elevar os preços após a liberação do CIP,
abriu espaço para que competidores ilegais colocassem no mercado marcas de menor preço e
conquistassem consumidores. Em concomitância, intensificou suas exportações para países da
América Latina, visando a combater o crescimento da Philip Morris. Tais exportações
possivelmente reingressaram no território brasileiro a preços mais competitivos, na forma de
contrabando, tendo contribuído para o crescimento acelerado do mercado ilegal de cigarros.
Nesse perído, a empresa foi submetida a pressão adicional resultante da rigorosa regulação na
comercialização, produção, propaganda e consumo de seus produtos, da criação da Anvisa e
das conseqüentes leis, decretos e resoluções.
CONCLUSÃO
Através da análise dos modos de resposta da Souza Cruz ao longo dos anos, pôde-se
observar padrões de comportamento e entender ações e estratégias tomadas. Conseguiu-se
verificar que as respostas da empresa à maioria dos desafios gerenciais surgidos ao longo de
seu processo de crescimento contribuíram para o desenvolvomento de uma propensão à
autoperpetuação. Durante as duas primeiras fases de crescimento da empresa que
compreendem o período 1903-1967, foram identificados modos de resposta que indicaram
propensão à autoperpetuação no longo prazo. A fase posterior, 1968-1989, foi uma exceção,
tendo sido identificados modos de resposta que alimentaram tanto a autoperpetuação como a
autodestruição, configurando uma situação de indefinição e de transição para a Souza Cruz. Já
na última fase de crescimento, 1990-2004, a empresa conseguiu reverter essa configuração, à
exceção das respostas aos desafios associados à gestão da mudança. Tal exceção, todavia, traz
sérias implicações, pois diz respeito à capacidade da empresa lidar com o ambiente.
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Em diversos aspectos, a Souza Cruz desenvolveu competências ao longo de sua
história que a colocam na posição de Senhora de seu destino. Dentre elas, destacam-se a
capacidade de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia agrícola para a cultura de fumo,
sua excelente rede logística e o know-how técnico em relação a equipamentos industriais. Se
devidamente exploradas no desenvolvimento de novos negócios, poderiam colocar em marcha
motores de crescimento contínuo (Fleck, 2003).
Já com relação à gestão das pressões ambientais, a empresa apresentou mostras de ter
sido Senhora, Vítima e Algoz de seu destino. A competente maneira pela qual enfrentou e
venceu os desafios ao longo das 7 primeiras décadas, neutralizando e dominando a
concorrência, é um indicativo de que foi Senhora de seu destino de estrela em ascensão. Já o
crescente processo de deslegitimação do hábito de fumar no mundo contemporâneo poderia
sugerir uma situação de Vítima das circunstâncias, já que seu principal – pode-se dizer único
– negócio está sendo atacado em todo o mundo. O hábito de fumar que ao longo das décadas
foi reforçado pela ausência de contra-indicações e por estar associado a um simbolismo social
positivo, passou a ser combatido fortemente pelos governos e sociedades de diversos países
do mundo. Essa cruzada mundial contra o fumo se intensificou ao longo da última década
com a imposição de pesadas leis restritivas sobre seu consumo, produção, propaganda e
comercialização, aumentando o risco de sobrevivência da Souza Cruz. Um movimento que
coloca a empresa em situação de sujeição às forças externas – como Vítima, portanto, de seu
declinante destino .
No entanto, evidências reunidas no estudo indicam que a suposta vítima tentou tomar
as rédeas de seu destino, antecipando-se às ameaças que se esboçavam no horizonte. Tanto
assim, que empreendeu um programa de diversificação durante as décadas de 1970 e 1980.
Não só fracassou na gestão do diversificado conglomerado, como respondeu à liberação de
preços e à intensificação da concorrência nos anos 1990 de maneira contraproducente. Suas
ações acabaram por estimular o mercado ilegal, que se tornou importante competidor de seus
produtos. Ou seja, os desacertos de suas ações colocaram-na na posição de Algoz de seu
destino.
O estudo histórico retratando a ascensão e declínio de uma importante empresa na
economia brasileira permitiu identificar acertos e erros estratégicos nas respostas aos
diferentes desafios do crescimento e gestão de grandes empresas. A história da Souza Cruz
sugere que a gestão competente dos desafios que enfrenta uma empresa em crescimento
constituiria uma condição necessária para que a mesma possa experimentar uma longevidade
saudável. No entanto, questões relativas à legitimidade das operações da empresa constituem
condições suficientes para provocar o ocaso da firma, o qual pode ser até certo ponto
revertido através de diversificação relacionada que tenha por base capacitações desenvolvidas
pela empresa ao longo de sua história.
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Senhora, Vítima ou Algoz de seu Declinante Destino?