1
RUI PEDRO PINA CABRAL DA SILVA
A VEDAÇÃO DO RECURSO ADESIVO NOS JUIZADOS ESPECIAIS:
Uma limitação do acesso à justiça por enunciação do FONAJE
Monografia apresentada à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito
parcial a obtenção do grau em Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof.
Gonçalves da Silva.
São José
2010
MSc.
Geyson
José
2
RUI PEDRO PINA CABRAL DA SILVA
A VEDAÇÃO DO RECURSO ADESIVO NOS JUIZADOS ESPECIAIS:
Uma limitação do acesso à justiça por enunciação do FONAJE
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Processo Civil
São José, 24 de novembro de 2010.
Prof. Msc. Geyson José Gonçalves da Silva
UNIVALI – Campus de
Orientador
Prof. Leonardo Vieira de Ávila
Instituição
Membro
Profª. Adriana Conterato Bulsing
Instituição
Membro
3
Dedico este trabalho a todos os meus
familiares, inclusive, aos que moram em
Portugal, marcando a expressiva distância
que nos separam, sem, contudo, afastar o
carinho, dedicação, amor e incentivo nesta
trajetória da minha vida.
4
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Augusto Pereira da Silva e Maria Henriqueta Vaz de Pina
Cabral Silva, pela dedicação, carinho e amor.
Aos meus irmãos Teresa Sofia Pina Cabral da Silva e Rodrigo Vaz Pina
Cabral da Silva, que sempre me apoiaram em todos os momentos da minha vida.
Ao meu professor, Cláudio Andrei Cathcart, pelo tema e presteza em ajudar.
Ao meu orientador, professor Geyson Gonçalves da Silva, pelo apoio e
compreensão.
Aos meus amigos, em especial Felipe Zanatta Michelon, Danflauer Antunes
Pereira Júnior e Thiago Yukio Guenka Campos, que me apoiaram e me auxiliaram
em todas as etapas deste trabalho.
5
“Os juizados especiais exsurgiram com a missão
de realizar o sonho de justiça, que segundo Kelsen,
é o sonho mais formoso da humanidade.
Sonhemos, enfim, porque sonhar é a própria vida,
concebida como momentos de lucidez entre vários
infinitos de mistérios”
Luiz Fux
6
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, novembro de 2010.
Rui Pedro Pina Cabral da Silva
7
RESUMO
O presente trabalho tem por objeto demonstrar a possibilidade de interposição do
recurso adesivo em sede de Juizados Especiais Cíveis. Para entender o assunto, é
importante ter uma visão geral sobre o período histórico em que foram criados os
Juizados Especiais, além de se ter em mente quais são os princípios e o
procedimento que os regem. Esses foram os temas tratados no primeiro capítulo,
que serviu de suporte para o tema principal. Ato contínuo, tratou-se da teoria geral
dos recursos, que demonstra grande importância na questão, pois enquadra os
princípios, conceitos e definições das formas de impugnação, e ainda, foram
analisados os principais recursos previstos no Código de Processo Civil brasileiro e
nas Leis que instituíram os Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. Por fim,
analisou-se as posições doutrinárias e jurisprudenciais, dando-se destaque àquelas
que apontam pelo cabimento da interposição adesiva. Ainda no terceiro capítulo,
foram confrontados os princípios que regem os Juizados Especiais Cíveis e o
regramento do recurso adesivo, de modo a verificar a harmoniosidade entre os dois
institutos.
Palavra-chave: direito processual civil. juizados especiais. recursos. cabimento
recurso adesivo.
8
ABSTRACT
The purpose of this study is to demonstrate the interposition possibility of the
adhesive resource at the Special Civil Courts. To understand the matter, it is
important to have an overview of the historical period that created the Special Courts,
it is also important to keep in mind what are the principles and procedures that
govern them. These were the topics covered in the first chapter, which served as
support for the main theme. Immediately thereafter, this was the general theory of
resources, which demonstrates great importance on the issue, as fits the principles,
concepts and definitions of legal remedy, and also analyzes the main features of the
Code of Civil Procedure and the Brazilian Laws which established the State and
Federal Special Civil Courts. Finally, the jurisprudential and doctrinal positions were
analyzed, emphasizing those that link the appropriateness of adhesive interposition.
Also in the third chapter, the principles governing the Special Civil Courts and the
rules resource adhesive were confronted, in order to verify the accordance between
the two institutes.
Keyword: civil procedural law, special courts, resources, resource adhesive
suitability.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................11
1. DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS E FEDERAIS...................................14
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS..............................................................15
1.2 PRINCÍPIOS INFORMADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS....................22
1.2.1 Princípio da Oralidade..........................................................................................24
1.2.2 Princípio da Simplicidade.....................................................................................26
1.2.3 Princípio da Informalidade....................................................................................28
1.2.4 Princípio da Economia Processual.......................................................................29
1.2.5 Princípio da Celeridade.......................................................................................32
1.2.6 Princípio do Acesso à Justiça...............................................................................34
1.3 PROCEDIMENTO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS...........................................36
1.3.1 Do pedido inicial ..................................................................................................38
1.3.2 Da citação, intimação e revelia.............................................................................38
1.3.3 Da audiência de Conciliação e Julgamento..........................................................39
1.3.4 Da sentença.........................................................................................................40
2. DO SISTEMA RECURSAL CÍVEL BRASILEIRO ............................................................42
2.1 TEORIA GERAL DOS RECURSOS CÍVEIS...............................................................44
2.1.1 Princípios fundamentais dos recursos.................................................................45
2.1.1.1 Princípio do duplo grau de jurisdição..........................................................45
2.1.1.2 Princípio da taxatividade.............................................................................47
2.1.1.3 Princípio da singularidade ou unirrecorribilidade recursal...........................48
2.1.1.4 Princípio da fungibilidade............................................................................49
2.1.1.5 Princípio da proibição da reformatio in pejus..............................................51
2.1.2 Do juízo de admissibilidade e do juízo de mérito..................................................51
2.1.3 Dos efeitos dos recursos......................................................................................53
2.1.3.1 Efeito devolutivo.........................................................................................54
2.1.3.2 Efeito suspensivo........................................................................................56
2.1.3.3 Efeito translativo.........................................................................................57
2.1.3.4 Efeito regressivo ou de retratação..............................................................58
10
2.1.3.5 Efeito expansivo.........................................................................................58
2.2 DOS RECURSOS EM ESPÉCIE DE ACORDO COM O CPC....................................59
2.3 DOS RECURSOS EM ESPÉCIE DE ACORDO COM AS LEIS N. 9.099/95 E
10.259/01...........................................................................................................................64
2.3.1 Lei n. 9.099/95.....................................................................................................64
2.3.2 Lei n. 10.259/01...................................................................................................66
3. DO CABIMENTO DO RECURSO ADESIVO PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS
CÍVEIS .................................................................................................................................68
3.1 DO RECURSO ADESIVO E A OMISSÃO NAS LEIS N. 9.099/95 E 10.259/01..........70
3.2 DOS APONTAMENTOS DOUTRINÁRIOS ACERCA DO CABIMENTO DO RECURSO
ADESIVO PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS............................................................74
3.3 DOS APONTAMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO CABIMENTO DO
RECURSO ADESIVO PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS..........................................78
3.4 DO RECURSO ADESIVO FRENTE AOS PRINCÍPIOS INFORMADORES DOS
JUIZADOS ESPECIAIS.....................................................................................................85
CONCLUSÃO.......................................................................................................................89
REFERÊNCIAS......................................................................................................................93
11
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto de estudo o cabimento do recurso
adesivo no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais.
O assunto provoca visões dissidentes tanto na doutrina quanto nos
entendimentos jurisprudenciais das Turmas de Recursos de todo o país, razão pela
qual ao longo da pesquisa será traçado um recorte teórico das Leis 9.099/1995 e
10.259/2001, específicas aos Juizados Especiais, bem como o Código de Processo
Civil.
Dessarte, são difundidas duas vertentes para argumentar a discussão aqui
alastrada. A primeira, manifestamente majoritária, aplica a impossibilidade do
recurso adesivo como forma de manifestar a irresignação de uma sentença nos
Juizados Especiais Cíveis, com base na ausência de previsão legal e na
incompatibilidade do procedimento dos Juizados Especiais com o da interposição
adesiva.
Por sua vez, existem os que pregam entendimento adverso, na medida em
que mesmo não tendo presença positivada na Lei de Juizados Especiais, ainda
assim, o diploma processual tem a sua aplicabilidade subsidiária. Ademais,
sustentam não haver razão na alegada incompatibilidade de procedimentos, haja
vista que o recurso adesivo não abala a celeridade que requer o processo nos
Juizados Especiais.
É nesse momento que surge a controvérsia, ponto de exame da presente
pesquisa, tendo por objetivo avaliar a possibilidade de interposição do recurso
adesivo nos processos de competência dos Juizados Especiais Cíveis, mesmo que
ausente qualquer previsão legal albergando o ato.
Não obstante, a necessidade de trilhar o caminho mais justo na discussão
empregada faz levantar algumas hipóteses de resolução. De início, questões
pontuais devem ser provocadas no intuito de traçar um rumo à resposta definitiva.
São elas: a origem e os princípios norteadores dos Juizados Especiais; a natureza
jurídica e os princípios informadores do recurso adesivo.
12
Delimitados os conceitos, faz-se necessário confrontar os respectivos
preceitos no escopo de averiguar uma possível harmonização entre eles. Por fim,
resta aplicar os conhecimentos absorvidos nas razões das decisões judiciais e na
fundamentação doutrinária específica, a fim de desenvolver um senso crítico e
equilibrado do assunto versado.
Sendo assim, o vertido estudo será dividido em três partes distintas, nas
quais, se desenvolverá todo o arcabouço teórico pertinente.
O primeiro capítulo contemplará o momento histórico, as manifestações
embrionárias e a consequente criação dos Juizados Especiais. Após as respectivas
noções introdutórias, serão pormenorizados os seus princípios informadores e a
aplicação na legislação específica. Por derradeiro, discorrer-se-á sobre o peculiar
procedimento nos Juizados, desde o pedido inicial até o momento da prolação da
sentença.
O segundo capítulo tratará do ordenamento recursal brasileiro, com espeque
principal na teoria geral dos recursos, de modo a discorrer sobre o seu conceito,
natureza jurídica, princípios e efeitos. Após, serão analisados os recursos em
espécie previstos no Código de Processo Civil de 1973 e nas Leis 9.099/95 e
10.259/01, que instituem os Juizados Especiais Estaduais e Federais.
No terceiro capítulo, examinar-se-á, mais detalhadamente, o recurso adesivo
e a sua omissão na legislação tratada, bem como os posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais acerca do seu cabimento no microssistema dos Juizados Especiais,
sobrelevando os argumentos nos dois sentidos. Por fim, serão confrontados os
princípios dos dois institutos – recurso adesivo e juizados especiais –, objetivando,
portanto, incitar a reflexão a respeito da temática adotada.
Quanto à metodologia empregada, registra-se a utilização do método
dedutivo, que consiste em premissas, partindo da geral para a específica, fechando
com a conclusão. Assim sendo, o ponto inicial é a delimitação dos conceitos de
juizado especial e recurso, até chegar ao momento de avaliar a possibilidade do
Recurso Adesivo nos Juizados Especiais Cíveis.
Com efeito, a pesquisa será pautada na técnica de documentação indireta, a
qual utilizar-se-á de pesquisa bibliográfica, através das leituras de doutrinas e
artigos, e pesquisa documental direta, por meio do estudo da legislação vigente, em
13
especial, a Constituição Federal de 1988, a Lei n. 9.099/95, a Lei n. 10.259/01 e o
Código de Processo Civil de 1973, bem como a análise dos entendimentos
jurisprudenciais referentes ao assunto.
Enfim, pretende-se com o presente estudo, contribuir para o esclarecimento de
alguns pontos controvertidos sobre o tema, porquanto nítida a dissonância existente
no meio forense nacional, e, por consectário, estimular a reflexão em seus variados
aspectos.
14
1 DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS E FEDERAIS
As sobejadas formalidades processuais, o alto custo das demandas, a
morosidade do judiciário, bem como o congestionamento e a desinformação nos
serviços da justiça, perfazem uma problemática que, ainda defrontada pelos juristas
hodiernos, já causava dissabores em épocas pretéritas.
Na segunda metade do século passado já se falava na falta de acesso às
vias jurisdicionais que atingia a população em geral e, em especial, os pequenos
litigantes1. Aliás, a seu turno, a doutrina aponta como principal motivo destas
dificuldades, acompanhado do excesso de formalismo da via jurisdicional, o
exponencial desenvolvimento nos grandes centros urbanos, alvos de incessantes
movimentos migratórios.
Em decorrência de tais circunstâncias, surgiu o fenômeno que Kazuo
Watanabe denominou “litigiosidade contida”2, fazendo referência aos conflitos de
interesses que pernoitam sem solução, aos que sequer chegam ao conhecimento do
Judiciário ou, por último, aqueles solucionados de maneira inadequada ou ilegítima.
Por consectário, fez-se necessário o despertar ou ressurgimento de
mecanismos institucionalizados, paralelos à maquina judiciária, como meios
alternativos na solução de litígios que, mesmo destituídos da função jurisdicional atinente somente ao monopólio estatal -, exercem a posição destacada na
pacificação das contendas3.
A propósito, sobre esta vertente extrajurisdicional, Silvana Campos Moraes
faz importante levantamento jurídico-social protagonizado pela sociedade àquela
época, vejamos:
A segunda metade deste século tem sido caracterizada por elevado
índice de violência e insatisfação agregado à preocupante
intensificação dos litígios. A litigiosidade, frequentemente,
consubstancia-se em conflitos sociais os quais, rapidamente, se
multiplicam e perturbam a tranquilidade da comunidade. O
crescimento acentuado dos conflitos sociais atinge todas as
MORAES, Silvana Campos. Juizado de Pequenas Causas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991. p. 37.
2
WATANABE, Kazuo. Juizado Especial de Pequenas Causas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1985. p. 2.
3
MORAES, Silvana Campos. Juizado de Pequenas Causas, p. 43.
1
15
sociedades não apenas do mundo ocidental, pois trata-se de um
fenômeno universal.
Em consequência da exacerbação dos conflitos sociais verifica-se,
em quase todos os países, uma proliferação das vias alternativas,
institucionalizadas ou não, atuando na pacificação das situações
conflituosas. Vários mecanismos são postos em atividade, ora
pacificando as partes conflitantes, ora evitando a própria instalação
da controvérsia, de modo a enfrentar o referido fenômeno, que é
reflexo da complexidade sócio-cultural, sócio-econômica e das
tensões da própria vida em sociedade4.
Assim, é possível constatar que a evolução no emprego das vias
conciliatórias arraiga-se na crença de que o direito e os procedimentos contenciosos
não estão aptos a solver todos os conflitos sociais, sobrelevando a qualificada
“deformalização das controvérsias”5, ou seja, a busca por meios informais ou não
convencionais para dirimir os conflitos.
Por sua vez, diante do proliferado descrédito com a “Justiça”, mostrou-se
imprescindível a reação do Poder Judiciário, que o fez por meio da criação de um
procedimento especial jurisdicional. O próprio Supremo Tribunal Federal, segundo o
jurista Piquet Carneiro, chegou à conclusão da impossibilidade prática de acesso a
ele, Judiciário, nos conflitos de interesses, quando diminuta a importância ou o valor
econômico da lide6.
É nesse contexto que o Ministério da Desburocratização7, sob a
coordenação dos Ministros Hélio Beltrão e Paulo Lustosa, em coaduno com a
manifestação popular, que o fazia por via postal, decidiu atender às inúmeras
reclamações e incluiu o Judiciário como órgão do Estado a ser modernizado8.
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
MORAES, Silvana Campos. Juizado de Pequenas Causas, p. 68.
Ibidem, p. 69.
6
CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Juizado de Pequenas Causas. Porto Alegre: Ajuris,
1982, p. 70.
7
Repartição do Poder Executivo Federal responsável pelo Programa Nacional de
Desburocratização e que tinha como escopo aperfeiçoar a prestação estatal, diminuindo o
impacto da sua estrutura inflexível no meio social brasileiro.
8
CUNHA, Luciana Gross. Juizado Especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização no acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 16.
4
5
16
De início, insta gizar que a criação dos Juizados Especiais Cíveis não foi o
primeiro trilho percorrido pela vertente jurisdicional que buscava efetivar o acesso à
justiça frente aos inúmeros problemas já elencados.
Destaca-se, por oportuno, que tempos antes - mais precisamente em julho
de 1982 - foi hasteado no estado do Rio Grande do Sul o primeiro Conselho de
Conciliação e Arbitramento, na comarca de Rio Grande, “no qual se pretendia
resolver, extrajudicialmente, os conflitos de interesse mais simples, objetivando,
assim, reduzir a quantidade de processos judiciais e, ao mesmo tempo, permitir a
ampliação do acesso à justiça”9.
Configurou, em verdade, um movimento local liderado pelo Juiz Antônio
Guilherme Tanger Jardim que, apoiado pela Ajuris - Associação de Juízes do Rio
Grande do Sul -, iniciou as suas atividades nas dependências do Foro local.
Ademais, como já observado, o Conselho visava solver os pequenos conflitos na
seara extrajudicial, ainda que por iniciativa de órgãos do Poder Judiciário, e sua
competência era limitada às causas com valor não superior a 40 ORTN10. Por
derradeiro, os procedimentos eram orais e presididos por um árbitro, escolhido pela
Associação de Juízes do Estado.
No mesmo contexto histórico, a par do movimento que nascia no estado
gaúcho, o Ministério da Desburocratização, através do Programa Nacional de
Desburocratização, na pessoa do Secretário Executivo João Piquet Carneiro,
engendrou um estudo sobre o juizado de pequenas causas de Nova York 11, no
escopo de sintetizar conhecimento e experiências no trato de conflitos de pequeno
valor econômico.
Como resultado desse estudo, observou-se que “os juizados de pequenas
causas de Nova York, criados para descongestionar o Poder Judiciário, chamaram a
atenção pelo fato de julgar um número expressivo de processos de forma rápida,
barata e informal”12.
SOUSA, Álvaro Couri Antunes. Juizados Especiais Federais Cíveis: Aspectos relevantes
e o sistema recursal da Lei n. 10.259/01. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.63.
10
Na época da instalação do Conselho, 40 ORTN correspondiam a 4,76 salários mínimos.
11
Small Claim Court.
12
CUNHA, Luciana Gross. Juizado Especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização no acesso à justiça, p. 17.
9
17
Aliás, o próprio Piquet Carneiro, na obra organizada pelo insigne jurista
Kazuo Watanabe, destaca as suas impressões pessoais do estudo por ele
ministrado:
O rito processual é simples, informal e essencialmente oral (…). Não
se formam autos, nem se transcrevem depoimentos das partes e
testemunhas. Todas as anotações relevantes são feitas pelo juiz ou
pelo árbitro em simples fichas de registro. (…) A solução amigável da
demanda é permanentemente estimulada pelo árbitro e uma parte
significativa dos casos é resolvida por conciliação, sem a intervenção
do juiz13.
Assim, após o minucioso estudo do sistema judiciário americano, fez-se
indispensável uma série de debates com vistas a uma conclusão sobre a possível
implementação de sistema análogo no Brasil. Para tanto, em 1981, o Ministério da
Desburocratização
compôs
uma
comissão,
presidida
por
Piquet
Carneiro,
constituída por célebres juristas, tais como, Kazuo Watanabe, Cândido Rangel
Dinamarco, Caetano Lagrasta Neto, Ada Pellegrini Grinover e Paulo Salvador
Frontini14.
Coube, portanto, ao insigne grupo, formado por integrantes do Poder
Judiciário, Ministério Público e Advocacia Pública, ordenar e confeccionar o
anteprojeto de lei dos juizados de pequenas causas, espelhados na prática
novaiorquina15. Contudo, mais do que uma simples cópia do arquétipo americano, o
sistema dos juizados especiais de pequenas causas representou um conjunto de
inovações, que desabrochavam em novas filosofias e técnicas na tratativa dos
conflitos de interesses.
Sob esse prisma, na Exposição de Motivos da lei encaminhada para a
sanção presidencial, fica clarividente a importância do novo instrumento no embate
aos problemas que prejudicavam a atuação do Judiciário. Vejamos:
Os problemas mais prementes, que prejudicavam o desempenho do
Poder Judiciário, no campo civil, podem ser analisados sob, pelo
menos, três enfoques distintos, a saber: a) inadequação da atual
estrutura do Judiciário para a solução dos litígios que a ela já afluem,
na sua concepção clássica de litígios individuais; b) tratamento
legislativo insuficiente, tanto no plano material como no processual,
dos conflitos coletivos ou difusos que, por enquanto, não dispõem de
tutela jurisdicional específica; c) tratamento processual inadequado
WATANABE, Kazuo. Juizado Especial de Pequenas Causas, p. 26.
CUNHA, Luciana Gross. Juizado Especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização no acesso à justiça, p. 18.
15
Ibidem, p. 19.
13
14
18
das causas de reduzido valor econômico e consequente inaptidão do
Judiciário atual para a solução barata e rápida desta controvérsia16.
Para tanto, denota-se que a ideia basilar dos Juizados Especiais de
Pequenas Causas em garantir a efetividade da prestação jurisdicional no caminho
de simplificar os procedimentos exauridos pela primazia do rito, representa um ícone
nos movimentos17 em prol da repaginação de velhos conceitos enraizados na
consciência dos operadores do direito e incompatíveis com a hodierna visão de uma
jurisdição democrática18.
Em meio a esse alvoroço no universo jurídico, o Anteprojeto de lei, com a
devida Exposição de Motivos, foi encaminhado ao Congresso Nacional, e sem
qualquer veto ou restrição presidencial, transformou-se, finalmente, na Lei n. 7.244,
de 7 de novembro de 1984, dispondo sobre a criação e o funcionamento do Juizado
Especial de Pequenas Causas.
Assim, insculpida nos princípios da oralidade, simplicidade, celeridade,
economia processual e informalidade, foi criada uma nova processualística brasileira
que conjuga mecanismos extrajudiciais de composição com a prestação
jurisdicional, propriamente dita. Portanto, observados os princípios basilares, foi
adotado um esquema procedimental bastante simples, composto na sua maioria por
atos orais e tentativas conciliatórias, em causas de reduzido valor econômico19.
Em funcionamento, inicialmente, nos estados do Rio Grande do Sul e
Paraná, constatou-se que o novo sistema processual dividiu as atenções entre
críticos e defensores. Sobre as censuras lançadas após a vigência da
Lei n. 7.244/84, o jurista Rogério Lauria Tucci tem a sua opinião destacada entre os
mais veementes combatentes do Juizado.
Exposição de Motivos da Lei n. 7.244/84, Juizados Especiais de Pequenas Causas, n.3 in
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. O Juizado Especial de Pequenas Causas ao alcance de
todos. São Paulo: LEUD, 1985. p.2.
17
Na mesma época, sob a influência dos estudos de Mauro Cappelletti sobre o acesso à
justiça, foram elaborados outros importantes anteprojetos de lei, encabeçados por ilustres
juristas, em prol da defesa dos interesses difusos e coletivos. O resultado desta iniciativa é a
instituição da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, bem como a lei que institui, em
1985, a Ação Civil Pública.
18
ABREU, Pedro Manoel. Acesso à Justiça e Juizados Especiais: o desafio histórico da
consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 187.
19
O art. 3º da Lei n. 7.244, que institui os Juizados Especiais de Pequenas Causas,
considerava causas de reduzido valor econômico as que versassem sobre direitos
patrimoniais não excedentes a 20 (vinte) vezes o salário mínimo vigente.
16
19
Para tanto, defendia que o problema mais tormentoso da Justiça encontrase na sua deficiente estrutura, o que não é corrigido apenas pela edição de uma lei
nova. Ademais, afirma ser muito mais prático a reformulação e posterior apoio ao
procedimento
sumaríssimo,
modificando
a
sua
estrutura
procedimental
e
adequando-o à realidade20.
No
mesmo
norte,
assegurando
a
inconstitucionalidade
de
vários
dispositivos da lei susomencionada, o jurista Edgard Silveira Bueno Filho, conclui
que o Juizado Especial de Pequenas Causas ao contar com juízes temporários,
nunca terá uma prestação jurisdicional idêntica à da justiça comum, eis que nesta os
juízes estão dotados de todas as prerrogativas e, naquela, castrados na garantia da
vitaliciedade21.
Como se tanto não bastasse, faz-se mister colacionar a insurgente
conclusão apresentada pela Comissão nomeada pelo Conselho Seccional de São
Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil que, após extensas considerações sobre
o Juizado, causou certa polêmica no universo jurídico, in verbis:
107. Não é mudando ritos que se dará melhor solução aos conflitos.
Não é afastando os advogados e o Ministério Público que melhorará
a prestação jurisdicional. Não é cumprindo diligências com a polícia,
tornando insegura a citação, obrigando o comparecimento pessoal
das partes, forçando a conciliação, produzindo revelia em série,
punindo devedores e penhorando salários dos menos aquinhoados
pela sorte, não é assim que se melhora e se presta Justiça.
108. O Anteprojeto dos Juizados Especiais é sinal vivo da
decadência do direito e da abolição da Justiça. Repete-se o que já foi
dito. Não se está resolvendo o problema das partes, ou do acesso ao
Judiciário, agora amplamente dificultado pelo comparecimento
pessoal. O que se está procurando resolver é a carga de trabalho
dos Juízes e Tribunais, delegando a terceiros, conciliadores, árbitros
e serventuários, as funções e os misteres do Juiz. Ao invés de um
Judiciário para atender às partes, suprime-se a segurança da Justiça,
para desafogar o Judiciário.
109. Justiça para os pobres e Justiça para os ricos. Para os grandes
e para os pequenos. Contraditório assegurado a uns e negado a
outros. Em nome de uma aparente rapidez, suprime-se a segurança
e institui-se o arbítrio e a injustiça. (…)22.
TUCCI, Rogério Lauria. Manual do Juizado Especial de Pequenas Causas: Anotações à
Lei n. 7.244, de 7-11-1984. São Paulo: Saraiva, 1985. p.4.
21
BUENO FILHO, Edgard Silveira. Juizado Especial de Pequenas Causas. O Estado de
São Paulo, São Paulo, 24 de outubro, 1982, p. 69 apud TUCCI, Rogério Lauria. Manual do
Juizado Especial de Pequenas Causas: Anotações à Lei n. 7.244, de 7-11-1984, p. 12.
22
Conselho da Associação dos Advogados de São Paulo, Juizado de Pequenas Causas,
Boletim da AASP, São Paulo, 25 de outubro de 1982, n. 1.245, p. 7-9 apud TUCCI, Rogério
Lauria. Manual do Juizado Especial de Pequenas Causas: Anotações à Lei n. 7.244, de
20
20
Vê-se, portanto, que a oposição - comum a qualquer grande inovação
implementada na sociedade -, foi protagonizada por importantes camadas do seio
forense, o que, inclusive, ainda perdura após vinte e cinco anos da criação.
No entanto, há que sobrelevar os posicionamentos favoráveis acerca da
originária obra legislativa.
Sob esse prisma, o Desembargador paulista Francisco César Pinheiro
Rodrigues defende que o maldotado só tem a ganhar com o Juizado. Isto porque a
informalidade dará ao magistrado a liberdade de buscar a verdade dos fatos
alegados pelas partes. Quanto à dispensa de procurador nas causas de diminuto
valor econômico, assevera, ainda, que o Juiz, hábil conhecedor do Direito, não
necessitaria dos conhecimentos jurídicos de um advogado, mas sim dos fatos
apresentados apenas pelas partes. Logo, “o juiz saberá neutralizar a diferença de
capacidade na exposição”23.
Da mesma forma, importante a lição do Professor e Magistrado paulista
Kazuo Watanabe:
O Juizado Especial de Pequenas Causas atende, em suma, ao justo
anseio de todo cidadão em ser ouvido em seus problemas jurídicos.
É a justiça do cidadão comum, que é lesado nas compras que faz,
nos serviços que contrata, nos acidentes que sofre, enfim do cidadão
que se vê envolvido em conflitos de pequena expressão econômica,
que ocorrem diariamente aos milhares, sem que saiba a quem
recorrer para solucioná-los de forma pronta, eficaz e sem muito
gasto24.
Destacam-se, também, neste seleto grupo, os juristas José Raimundo
Gomes da Cruz, Luiz Antônio Corte Real, Breno Moreira Mussi, Apody dos Reis,
Milton dos Santos Martins, Athos Gusmão Carneiro, Galeno Lacerda, entre outros,
que visualizam a nova sistemática, como uma forma de atender aos suplícios de
uma Justiça cidadã.
Com efeito, o desejo de uma prestação mais ágil e eficaz, começou a lograr
cunho constitucional com o advento da Carta Magna de 1988 que positivou a
7-11-1984, p.14.
23
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Quem tem medo dos Juizados Especiais de
Pequenas Causas?, O Estado de São Paulo, 24 de outubro de 1982, p. 68 apud TUCCI,
Rogério Lauria. Manual do Juizado Especial de Pequenas Causas: Anotações à Lei n.
7.244, de 7-11-1984, p. 14.
24
WATANABE, Kazuo. Juizado Especial de Pequenas Causas, p. 7.
21
obrigatoriedade da criação dos chamados “juizados especiais” - o que antes era
apenas uma faculdade dos Estados -, conforme dispõe o art. 98 da Constituição:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados
criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e
leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução
de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de
menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e
sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação
e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau25.
Aliás, a Carta Política de 1988, conhecida como a Constituição cidadã,
destacou-se na implementação de princípios explícitos e implícitos no escopo de
albergar o Acesso à Justiça. Neste sentido, relevantes os ensinamentos de Álvaro
Couri Antunes, ao destacar o Juizado Especial como um dos principais
mandamentos constitucionais na aplicação do Acesso à Justiça, in verbis:
Outro mandamento constitucional que viabiliza o acesso à justiça
concerne à criação dos Juizados Especiais, aproximando o indivíduo
do Poder Judiciário, tanto no âmbito estadual como federal, fixando
princípios que permitem a todos exercitar suas pretensões com
celeridade, simplicidade e sem ônus para o postulante que, em
princípio, só pode ser pessoa física, ex vi do disposto no art. 98,I, da
Constituição da República [...]26.
Como consequência da diretriz constitucional, destaca-se o surgimento da
Lei n. 9099 de 26 de setembro de 1995, que revogou os termos da Lei n. 7.244/84 e
implementou a criação dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais. Na
verdade, a grande novidade que o Juizado Especial trouxe ao mundo jurídico, foi
uma ampliação da Competência já prevista na revogada Lei dos Juizados Especiais
de Pequenas Causas, conforme dispõe o ilustre Desembargador Pedro Manoel
Abreu:
O preceito constitucional em apreço foi regulamentado pela Lei n.
9.099, de 26 de setembro de 1995, que, em seu art. 3º, definiu como
causas de menor complexidade as de valor não superior a quarenta
salários mínimos; as enumeradas no art. 275, II do Código de
Processo Civil, qualquer que seja o seu valor; a ação de despejo
para uso próprio e das possessórias cujo valor não exceda o limite
fixado pela lei27.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: Vade Mecum. 5. Ed.
Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.
26
SOUSA, Álvaro Couri Antunes. Juizados Especiais Federais Cíveis: Aspectos relevantes
e o sistema recursal da Lei n. 10.259/01, p.54.
27
ABREU, Pedro Manoel. Acesso à Justiça e Juizados Especiais: o desafio histórico da
consolidação de uma justiça cidadã no Brasil, p. 113.
25
22
No entanto, ainda que comemorado mais este novo avanço na
processualística brasileira, insta ressaltar a visão cautelosa de alguns juristas
brasileiros, como a do ilustre Paulo Lúcio Nogueira28, que demonstrava temor com a
ampliação da competência dos Juizados Especiais, uma vez que haveria o risco de
emperrar o sistema primado pela celeridade.
Contudo, a par do receio apresentado, atualmente o Juizado Especial é
uma realidade que busca o seu espaço na disseminação dos anseios populares,
conforme o testemunho de Álvaro Couri Antunes Souza:
Hodiernamente, pode-se afirmar que o sucesso da implantação dos
Juizados Especiais nos Estados-membros colhe seus frutos, em
virtude da simplicidade e concentração do rito, abandonando o
formalismo do processo civil clássico, reduzindo as espécies
recursais e estimulando a conciliação, além de inúmeros outros
fatores que permitiram ao público aproximar-se do Poder Judiciário29.
Mais tarde, diante da necessidade de regular, também, as demandas de
menor complexidade envolvendo a União Federal, Autarquias, Empresas Públicas e
Fundações Públicas, editou-se a Lei n. 10.259, de 16 de julho de 2001, que entrou
em vigor 6 (seis) meses após a data de sua publicação, dispondo sobre a instituição
dos Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais.
1.2 PRINCÍPIOS INFORMADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
Antes de pontuar os preceitos que orientam os Juizados Especiais, faz-se
necessário delinear a etimologia da palavra Princípio e suas acepções mais usuais.
Para tanto, o ilustre jurista José Afonso da Silva, explica que a palavra
princípio apresenta a significação de começo ou “um mandamento nuclear de um
sistema”30.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. São Paulo: Saraiva,
1996. p. XI.
29
SOUSA, Álvaro Couri Antunes. Juizados Especiais Federais Cíveis: Aspectos relevantes
e o sistema recursal da Lei n. 10.259/01, p.65.
30
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.15ª ed., São Paulo:
Malheiros, 1998. p.95
28
23
Importante acrescentar, também, a ideia de Paulo Bonavides ao citar LuizDiez Picazo e F. de Castro, ressaltando que princípio
deriva da linguagem da geometria, 'onde designa as verdades
primeiras'. Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso
são “princípios”, ou seja, 'porque estão ao princípio', sendo 'as
premissas de todo um sistema que se desenvolve more geometrico'.
Declara, a seguir, invocando o pensamento do jurista espanhol F. De
Castro, que os princípios são verdades objetivas, nem sempre
pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de
normas jurídicas dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade31.
Constata-se, por óbvio, que os princípios são ferramentas basilares para os
legisladores criarem determinadas normas jurídicas e, mais do que isso, para
juristas como Ruy Samuel Espíndola,
hoje, no pensamento contemporâneo, existe unanimidade em se
reconhecer aos princípios jurídicos o status conceitual e positivo de
norma de direito, de norma jurídica. Para este núcleo de
pensamento, os princípios tem positividade, vinculatividade, são
normas, obrigam, tem eficácia positiva e negativa sobre
comportamentos públicos ou privados bem como sobre a
interpretação e a aplicação de outras normas, como as regras e
outros princípios derivados de princípios de generalizações mais
abstratas. E esse caráter normativo não é predicado somente dos
“princípios positivos de Direito”, mas também, como já acentuado,
dos “princípios gerais de Direito”. Reconhece-se, destarte,
normatividade não só aos princípios que são, expressa e
implicitamente, contemplados no âmago da ordem jurídica, mas
também aos que, defluentes de seu sistema, são anunciados pela
doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito32.
Conclui-se, portanto, a notória relevância refletida pelos princípios enquanto
determinante ao ordenamento jurídico que o reveste. Para tanto, ao tratar mais
especificamente no âmbito do processo dos juizados especiais, merecem exame
destacado os preceitos informativos insculpidos no artigo 2º da Lei n. 9.099/199533,
quais sejam, oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e
celeridade, bem como o princípio do acesso à justiça que, embora não tenha
previsão expressa, é de grande proeminência na expansão da capacidade do
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ªEdição. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 255-256.
32
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ª Edição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 60
33
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 2º: O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que
possível, a conciliação ou a transação.
31
24
Judiciário por meio da constitucionalização dos juizados especiais de pequenas
causas.
1.2.1. Princípio da Oralidade
A concepção do princípio da oralidade, segundo o Magistrado Joel Dias
Figueira Júnior, não traduz um “sinônimo de processo verbal” 34. Isto porque, não é
excluída a utilização da escrita nos processos envolvendo os juizados especiais,
mas, tão-somente, a fixação de procedimento oral no tratamento da causa.
Aliás, sobre o tema, o insigne jurista defende que a adoção deste princípio
não é exclusividade dos Juizados Especiais, eis que demonstra-se onipresente com maior ou menor intensidade -, em todos os procedimentos do processo civil,
quer sejam, o comum ou os especiais35.
No entanto, mais precisamente nos procedimentos da Lei n. 9099/95, é
possível constatar a presença deste preceito em diversos momentos, dentre os
quais, merecem destaque: procuração verbal ao advogado (art. 9, §3º)36; formulação
oral do petitório inicial (art. 14, §3º)37; decisão de plano de todos os incidentes que
obstem o prosseguimento do feito, bem como a prolação da sentença (arts. 28 38 e
2939); possibilidade de ofertar a contestação de forma oral (art. 30)40; embargos de
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos
Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
p. 35.
35
Ibidem, p. 35.
36
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 9º,§3º: O mandato ao advogado poderá ser verbal, salvo
quanto aos poderes especiais.
37
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 14, §3º: O pedido oral será reduzido a escrito pela Secretaria
do Juizado, podendo ser utilizado o sistema de fichas ou formulários impressos.
38
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 28: Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as
partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença.
39
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 29:Serão decididos de plano todos os incidentes que
possam interferir no regular prosseguimento da audiência. As demais questões serão
decididas na sentença.
34
25
declaração orais (art. 49)41; solicitação verbal para início da execução de sentença
(art. 52, IV)42.
Denota-se, por oportuno, que nos Juizados Especiais o processo pode ser
oral já na fase postulatória, uma vez que tanto a pretensão do autor como a resposta
do réu podem ser oferecidas oralmente, contrariando o procedimento comum
moderno, em que a oralidade manifesta-se apenas na fase instrutória, com a oitiva
das testemunhas, por exemplo43.
Por derradeiro, resta consignar que o processo oral não é apenas uma
diretriz que prima pela prevalência da palavra falada. É, mais do que isso, um
preceito que engloba certos postulados, inclusive, manifestos no sistema processual
dos Juizados Especiais, motivo pelo qual merecem reprodução. São eles: a
concentração dos atos processuais, a identidade física do juiz, a irrecorribilidade das
decisões interlocutórias e a imediação44.
Nessa vereda, no intuito de não protelar demais o estudo em pauta,
colaciona-se a conclusiva lição de Felipe Borring Rocha, ao tratar com propriedade
os postulados susomencionados, in verbis:
a) concentração dos atos processuais: os atos processuais precisam
ser concentrados em um único momento ou, pelo menos, em poucos
momentos, próximos uns dos outros, para que a palavra oral possa
prevalecer. Se o processo for muito longo, sem a documentação
tradicional, quando for o momento de se proferir a sentença,
elementos importantes poderão ter-se perdido. A Lei n. 9.099/95, em
seus artigos, faz cumprir este preceito, estabelecendo apenas duas
audiências, uma de conciliação e outra de instrução e julgamento,
que deverão ocorrer em sequência e reunir quase todos os atos do
processo (conciliação, defesa, instrução e julgamento).
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 30: A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda
matéria de defesa, exceto argüição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se
processará na forma da legislação em vigor.
41
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 49: Os embargos de declaração serão interpostos por escrito
ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão.
42
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 52, IV: não cumprida voluntariamente a sentença transitada
em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á
desde logo à execução, dispensada nova citação.
43
CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: Uma
Abordagem Crítica. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p.12.
44
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 8.
40
26
b) identidade física do juiz: significa dizer que o juiz que diretamente
colheu as provas no processo, identificando-se fisicamente com elas,
fica vinculando para julgar a causa. Apesar de ser identificado com
característica essencial do princípio da oralidade, é preciso
reconhecer que o direito brasileiro não possui tradição em observar
com rigor a identidade física. A Lei dos Juizados Especiais, apesar
de não falar em momento algum na identidade física do juiz,
estabelece que o juiz deve sentenciar ao final da audiência de
instrução e julgamento (art. 28). Assim, se essa determinação for
cumprida, não tendo ocorrido o adiamento da audiência (por
exemplo, na hipótese do art. 31, parágrafo único), a identidade física
será assegurada.
c) irrecorribilidade das decisões interlocutórias: como bem resume
Arruda Alvim Netto, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias
'representa a impossibilidade de usar, para as decisões proferidas no
curso do processo (precisamente durante a instrução oral), de um
recurso que paralise o mesmo'. Apesar de sempre ter sido colocada
como uma característica do princípio da oralidade, a irrecorribilidade
das decisões interlocutórias não era utilizada no direito processual
civil brasileiro. Nos Juizados Especiais, entretanto, por causa da
concentração dos atos, a maioria das decisões interlocutórias é
tomada na audiência de instrução e julgamento onde, de acordo com
a Lei, deve ser proferida a sentença (art. 28). Assim, as decisões
interlocutórias proferidas, por não precluirem, podem ser impugnadas
junto com a sentença, através de um recurso próprio (chamado de
'recurso inominado). Por isso, na maioria das vezes é possível
prescindir do recurso em face das decisões interlocutórias.
d) imediatismo: o imediatismo é o dever que tem o juiz de coletar
diretamente as provas, em contato com as partes, seus
representantes, testemunhas e peritos. Apesar da estrutura da Lei
facilitar o imediatismo, determinando que o debate, a produção da
prova e o julgamento sejam feitos perante o juiz (art.28), tem-se que
essa garantia é seriamente comprometida pela possibilidade de
condução da audiência de instrução e julgamento por juiz leigo (art.
37)45.
1.2.2. Princípio da Simplicidade
De início, cabe destacar que, para alguns doutrinadores, os princípios da
simplicidade e da informalidade, a rigor, retratam o mesmo conceito. Isto porque,
não há precedentes de aplicação deste preceito, salvo no projeto da Lei dos
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995, p. 8-10.
45
27
Juizados de Pequenas Causas, sendo, portanto, considerado pela maioria da
doutrina como um mero desdobramento do princípio da informalidade46
Contudo, por não compartilharem do mesmo entendimento, os legisladores
adotam os conceitos em separado e, portanto, este será o critério utilizado no estudo
em apreço.
Pois bem. Ao analisar a presente disparidade, o jurista carioca Felipe
Borring Rocha, toma o caminho da literalidade para conceituar e individualizar o
princípio da simplicidade, in verbis:
Partindo-se do ponto de vista literal, temos que simplicidade,
conforme ensinam os bons dicionários, é a qualidade daquilo que é
simples. Portanto, parece-nos que o legislador pretendeu enfatizar
que toda a atividade desenvolvida nos Juizados Especiais deve ser
externada de modo a ser bem compreendida pelas partes,
especialmente aquelas desacompanhadas de advogado. Seria,
assim, a simplicidade uma espécie de princípio linguístico, a afastar a
utilização de termos rebuscados ou técnicos, em favor de uma
melhor compreensão e participação daqueles que não tem
conhecimento jurídico47.
De outra banda, vê-se a presença do princípio, também, em decorrência do
texto constitucional (artigo 98, inciso I), ao calcar a influência do procedimento
sumariíssimo nos Juizados Especiais. Nessa perspectiva, dispõe a Lei dos Juizados:
o pedido elaborado de forma simples e linguagem acessível (artigo 14, §1º)48;
sentença sucinta (artigo 38)49, entre outros.
Assim, o que se observa deste preceito é a simplicidade nos atos
processuais, de modo a auxiliar a efetividade e o acesso à justiça, desfazendo-se do
excessivo esmero na linguagem escrita e falada que tanto prejudica o entendimento
de classes juridicamente leigas ou menos favorecidas.
Nesse sentido, é o que preceitua Felipe Borring Rocha:
Nunca é demais lembrar que linguagem é poder e quem domina uma
linguagem pode subjugar os outros. O Juizado, apesar de todas as
Ibidem, p. 10.
Ibidem, p. 11.
48
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 14, §1º: “Do pedido constarão, de forma simples e em
linguagem acessível: I - o nome, a qualificação e o endereço das partes; II - os fatos e os
fundamentos, de forma sucinta; III - o objeto e seu valor”.
49
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 38: “A sentença mencionará os elementos de convicção do
Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o
relatório”.
46
47
28
suas peculiaridades, é um lugar intimidador e complexo para a
maioria das pessoas que não tem formação jurídica, assim como é
um hospital, para quem não é médico, ou um canteiro de obras, para
quem não é engenheiro. Se a pessoa, além de tudo, não entender o
que é dito, ficará tolhida para exercer a plenitude de seus direitos.
Assim, conclui-se que, utilizar-se de uma linguagem 'complicada' (em
contraposição à linguagem 'simples' apregoada pelo princípio) tem
como consequência alijar as partes leigas de uma efetiva
participação no processo, o que é o oposto do que pretende a Lei. O
princípio da simplicidade seria, nesta ótica, um corolário do princípio
democrático, buscando aproximar a população da atividade judicial50.
1.2.3. Princípio da Informalidade
Consabido que uma das prioridades na processualística moderna é a
deformalização dos processos ou das controvérsias - termo já utilizado neste estudo
-, vê-se cada vez mais o abandono ao formalismo e a adoção de preceitos
contrários, como o da instrumentalidade das formas51 expresso na segunda parte do
artigo 154 do Código de Processo Civil.
Da mesma forma que os demais princípios norteadores, este é um reflexo
do princípio do Acesso à Justiça e “é essencial para que os Juizados atinjam um de
seus principais escopos: aproximar o jurisdicionado dos órgãos estatais incumbidos
de prestar jurisdição”52. Por consectário, intitula-se que o formalismo distancia o
jurisdicionado de buscar a prestação jurisdicional, motivo pelo qual é tão combatido
pelo Juizado.
Dessarte, a Lei n. 9.099/95, em diversos momentos traz a lume as práticas
dotadas desta máxima, como por exemplo, a intimação das partes, que pode
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995, p.11.
51
Necessário ressaltar, inclusive, a presença do princípio da instrumentalidade das formas no
artigo 13 da Lei n. 9099/95, ao determinar que os atos processuais serão válidos sempre
que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios
indicados no art. 2º desta Lei.
52
CÂMARA. Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: Uma
Abordagem Crítica, p.21.
50
29
realizar-se por qualquer meio idôneo de comunicação, inclusive o fac-símile e o meio
eletrônico (artigo 19)53.
Ademais, ainda é merecedor de exame destacado: a citação pelo oficial de
justiça, ainda que em comarca diversa, dispensada a expedição de precatória (artigo
18, inciso III)54; provas produzidas em audiência, mesmo que não requeridas
previamente, comparecendo as testemunhas independente de intimação (artigo
34)55; início da execução da sentença condenatória postulado de forma oral e sem
citação (artigo 52, inciso IV)56;
Por fim, registra-se a presença de críticas por partes de alguns
doutrinadores quanto à parcial aplicação deste preceito nos Juizados Especiais. É
que, conforme Alexandre Freitas Câmara, certos costumes forenses - in casu, o uso
da toga ou termos de tratamento formal, como por exemplo, 'Excelência' -, causam
certo distanciamento com o jurisdicionado. Logo, estas práticas iriam em sentido
contrário ao princípio da informalidade, bem como ao próprio processo nos Juizados
Especiais, “em que não se pode exigir qualquer formalidade desmedida,
exacerbada, considerando-se válido o ato processual sempre que atingir sua
finalidade originariamente prevista”57.
1.2.4.
Princípio da Economia Processual
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 19: As intimações serão feitas na forma prevista para
citação, ou por qualquer outro meio idôneo de comunicação”.
54
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 18: A citação far-se-á: (…); III - sendo necessário, por oficial
de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória”.
55
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 34: As testemunhas, até o máximo de três para cada parte,
comparecerão à audiência de instrução e julgamento levadas pela parte que as tenha
arrolado, independentemente de intimação, ou mediante esta, se assim for requerido”.
56
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 52, inciso IV: não cumprida voluntariamente a sentença
transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal,
proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação”.
57
CÂMARA. Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: Uma
Abordagem Crítica, p.21.
53
30
Quando se fala em economia processual, visa-se compreender como extrair
do processo o máximo de proveito com o mínimo de tempo e energia (atos
processuais) gastos58.
Nessa toada, conclui-se que desfrutar o máximo de um processo, nada
mais é do que torná-lo efetivo, pois consoante Luiz Guilherme Marinoni,
para que seja assegurada a tutela jurisdicional de uma determinada
situação de vantagem, não é suficiente que seja previamente
disposto um procedimento qualquer, mas é necessário que o titular
da situação de vantagem violada, ou ameaça de violação, tenha a
seu dispor um procedimento estruturado de modo a lhe poder
fornecer uma tutela efetiva, e não meramente formal ou abstrata, do
seu direito59.
Assim, é imprescindível que se busque conferir a todo e qualquer ato
processual o maior peso de efetividade possível, antevendo a busca pela
“racionalidade das atividades processuais”60.
Pois bem. Quanto à aplicação prática deste princípio nos Juizados
Especiais, a Lei n. 9.099/95 consagra a economia processual ao prescrever nos
seguintes casos: cumulação de pedidos conexos (artigo 15) 61; possibilidade da
realização imediata da audiência (artigo 17)62; apreciação conjunta dos pedidos
contrapostos, na mesma sentença (artigo 17, parágrafo único)63; dispensa de
reconvenção nas ações dúplices (artigo 31)64; a possibilidade de realização da
Ibidem, p.22.
MARINONI, Luiz Guilherme. A reforma do CPC e a efetividade do processo: tutela
antecipatória, tutela monitória e tutela das obrigações de fazer e de não fazer. Genesis Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, não determinada. v.1, jan. 1996, p.89-90.
60
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995, p.13.
61
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 15: “Os pedidos mencionados no art. 3º desta Lei poderão
ser alternativos ou cumulados; nesta última hipótese, desde que conexos e a soma não
ultrapasse o limite fixado naquele dispositivo”.
62
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 17: “Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurarse-á, desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a
citação”.
63
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 17, § único: “Havendo pedidos contrapostos, poderá ser
dispensada a contestação formal e ambos serão apreciados na mesma sentença”.
64
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 31: “Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na
contestação, formular pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que
fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia”.
58
59
31
inspeção judicial durante a audiência de instrução e julgamento (artigo 35, parágrafo
único)65; dispensa de relatório na sentença (artigo 38)66; intimação da sentença
condenatória no momento da própria sessão de julgamento (artigo 52, inciso III)67;
imediata extinção do processo de execução na ausência de bens do devedor (artigo
53, §4º)68.
Por outro lado, fica a crítica doutrinária no tocante a uma gama de institutos
processuais influenciados pelo princípio da economia processual, mas que em sede
de Juizados Especiais, não encontram albergue legal. É o que ocorre, por exemplo,
com a vedação do recurso adesivo - objeto central do presente estudo.
Por derradeiro, mister sobrelevar, também, a intervenção de terceiros,
categoricamente sobrestada nos Juizados Especiais. Nessa toada, Alexandre
Freitas Câmara é incisivo ao defender que
há modalidades de intervenção de terceiro cuja vedação não se
justifica, pois não trariam qualquer complicação ao andamento do
processo, além das inúmeras vantagens que com sua utilização
poderiam acarretar. É o caso, por exemplo, do recurso de terceiro e
da nomeação à autoria e o chamamento ao processo (este último,
em especial, nos casos previstos no art. 101, II, do Código de Defesa
do Consumidor). Não se pode, porém, deixar de reconhecer que a
permissão de utilização de denunciação da lide nos processos que
tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis causaria mais
inconvenientes do que vantagens69.
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 35, § único: “No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício
ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o
faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado”.
66
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 38: “A sentença mencionará os elementos de convicção do
Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o
relatório”.
67
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 52, inciso III: “a intimação da sentença será feita, sempre
que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será
instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos
do seu descumprimento (inciso V)”.
68
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 53, §4º: “Não encontrado o devedor ou inexistindo bens
penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao
autor”.
69
CÂMARA. Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: Uma
Abordagem Crítica, p.22-23.
65
32
1.2.5. Princípio da Celeridade
O tema dominante nas cogitações da doutrina e dos que lidam com o
processo civil na experiência judiciária tem sido, indubitavelmente, a preocupação
com sua efetividade frente à morosidade processual.
A possibilidade de obter-se a tutela jurisdicional em tempo razoável
confunde-se, não raras as vezes, com a efetividade do processo. Entretanto,
destaca-se que o grande equilíbrio do processo ocorre com a harmonização de dois
valores relevantes, quais sejam, a celeridade e a justiça. Pois, como dito, um
processo demorado pode não ensejar em resultados justos; entretanto, um processo
demasiadamente rápido, também não é garantia de alcançar a justiça na decisão.
Nesse particular, para ilustrar a preocupação com a tênue simetria
destacada, fica a advertência de Alexandre Freitas Câmara, in verbis:
É preciso, porém, que se diga que a falta de estrutura de alguns
Juizados tem feito com que os processos neles instaurados
demorem tanto quanto demoram os processos que tramitam perante
os juízos comuns. Isto tem feito com que alguns Juizados Especiais
Cíveis funcionem, na prática, como 'varas cíveis' em que se adota
um procedimento mais simples do que o ordinário ou qualquer outro
nestas aplicável. Por outro lado, alguns magistrados tem exagerado
na celeridade, impedindo a prática de atos processuais que podem
ser extremamente relevantes, provocando com isso um cerceamento
de defesa que - em alguns casos -, chega a ser inconstitucional70.
No entanto, vê-se que esses tem sido casos extremos e, via de regra, a
propagação destes conceitos - celeridade e justiça -, é cada vez mais desenvolvida
em novos mecanismos e procedimentos de “aceleração da entrega da prestação
jurisdicional, como a execução provisória e as tutelas jurisdicionais sumárias
(cautelares ou não-cautelares)”71.
No Brasil, por meio da Emenda n. 45, de 8 de dezembro de 2004, o princípio
foi elevado à garantia Constitucional expressa no inciso LXXVIII do artigo 5º,
segundo o qual, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
CÂMARA. Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: Uma
Abordagem Crítica, p.24.
71
Ibidem, p.23-24.
70
33
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”72.
Já em sede de Juizados Especiais, fora o próprio artigo 2º que cita
expressamente o princípio em questão, é possível encontrar o seu predomínio nos
procedimentos a seguir: instauração imediata da conciliação, desde que ambos as
partes compareçam ao juizado (artigo 17)73; impossibilidade da realização da citação
por edital (artigo 18, §2º)74; prolação imediata de sentença, quando ausente o
requerido (artigo 23)75; aglomeração dos atos processuais em audiência única (artigo
28)76; condução de testemunha ausente (artigo 34, §2º)77; a possibilidade de
realização da inspeção judicial durante a audiência de instrução e julgamento (artigo
35, parágrafo único)78; solução do litígio pelo meio mais rápido e eficaz, de
preferência com a dispensa de alienação judicial (artigo 53, §2º)79.
Por fim, atendendo a disposição expressa do artigo 31 da Lei n. 9.099/95,
não é admitido reconvenção no peculiar procedimento do Juizado, “todavia, a
72
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: Vade Mecum. 5. Ed.
Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008: Art. 5º, inciso LXXVIII.
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 17: “Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurarse-á, desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a
citação”.
74
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 18, §2º: “Não se fará citação por edital”.
75
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 23: “Não comparecendo o demandado, o Juiz togado
proferirá sentença”.
76
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 28: “Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas
as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença”.
77
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 34, §2º: “Não comparecendo a testemunha intimada, o Juiz
poderá determinar sua imediata condução, valendo-se, se necessário, do concurso da força
pública”.
78
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008: “Art. 35, § único: No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício
ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o
faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado”.
79
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008: “Art. 53, §2º: Na audiência, será buscado o meio mais rápido e
eficaz para a solução do litígio, se possível com dispensa da alienação judicial, devendo o
conciliador propor, entre outras medidas cabíveis, o pagamento do débito a prazo ou a
prestação, a dação em pagamento ou a imediata adjudicação do bem penhorado”.
73
34
mesma lei permite que o réu, na contestação, formule pedido em seu favor, o que é
conhecido como pedido contraposto”80.
1.2.6. Princípio do Acesso à Justiça
A máxima do acesso à justiça passou por algumas alterações com o
decorrer do tempo, principalmente, em consequência da moderna processualística81.
Isto porque,
nos estados liberais burgueses, ao longo dos séculos XVIII e XIX,
podemos afirmar que vigorava uma concepção meramente formal de
acesso à justiça. Tendo em vista o individualismo dominante à
época, resultado das revoluções burguesas, a garantia do acesso à
justiça se limitava à possibilidade de o indivíduo poder propor uma
ação judicial82.
Em outras palavras, consoante os ensinamentos do escol Cappelletti e
Garth83, o “direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito
formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação”.
Acreditava-se, portanto, que este postulado, retratava um direito natural, não
necessitando de qualquer intervenção estatal para a sua consecução. “O Estado,
portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma
pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática”84.
Contudo, essa ideia clássica foi vencida em virtude de uma nova
compreensão dos direitos humanos e, sobretudo, uma nova concepção de Estado,
conhecido como Estado do Bem-Estar Social ou Welfare State, caracterizado pela
garantia dos serviços públicos e proteção à população.
HONÓRIO, Maria do Carmo. Os critérios do processo no juizado especial cível: teoria e
prática. São Paulo: Editora Fiuza, 2007, p. 77.
81
RAMOS, Carlos Henrique. Acesso à justiça e efetividade do processo: novos caminhos.
Revista Dialética de Direito Processual – Rddp, São Paulo: Oliveira Rocha – Comércio e
Serviços Ltda. v.21, dez. 2004, p.11.
82
Ibidem, p.11.
83
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9.
84
Ibidem, p. 9.
80
35
Nesse panorama, surgiu a noção de acesso efetivo à justiça, o qual
“tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os
novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é
destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação”85.
Conclui-se, portanto, que o preceito em apreço pressupõe dois fundamentais
aspectos, quais sejam, o extrínseco e o intrínseco. Enquanto o primeiro retrata a
própria acessibilidade nas instâncias judiciais, o segundo aspecto (intrínseco)
compreende um momento posterior, inclusive, ao processo 'de per si', reproduzindo
a impreterível necessidade de efetividade do mesmo86.
No ordenamento jurídico brasileiro, o acesso à justiça, além de garantia
constitucional (art. 5º, inciso XXXV, da CRFB/88)87, está presente em todo o direito
processual brasileiro, eis que o seu “estudo é pressuposto de uma ampliação e
aprofundamento dos objetivos e métodos da ciência jurídica coetânea”88.
Enraizado nesse conceito, é possível sobrelevar os Juizados Especiais
como um dos instrumentos de maior influência do acesso à justiça, numa
perspectiva de democratização e cidadania. Nesse norte, o ilustre Magistrado
catarinense, Pedro Manoel Abreu89, ponderou:
8. O sistema de juizados insere o Brasil na chamada terceira onda do
universo cappellettiano, pois representa uma resposta aos anseios
da população a uma justiça rápida, sem custas e sem formalismo,
como freio ao fenômeno da litigiosidade contida e à violência,
capazes de induzir à justiça de mão própria e à barbárie, nesse
quadro sombrio de pobreza e de exclusão social dos países em
desenvolvimento.
9. A desigualdade social é um dos obstáculos mais sérios a ser
transposto na questão do acesso à justiça. Os juizados especiais, por
isso mesmo, são concebidos dentro de uma perspectiva ontológica e
política de democratização do processo e de dignificação do homem,
como um canal aberto para o exercício da cidadania.
(…)
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, p. 11-12.
RAMOS, Carlos Henrique. Acesso à justiça e efetividade do processo: novos caminhos,
p.13.
87
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: Vade Mecum. 5. Ed.
Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.”Art. 5º, inciso XXXV: a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
85
86
ABREU, Pedro Manoel. Acesso à Justiça e Juizados Especiais: o desafio histórico da
consolidação de uma justiça cidadã no Brasil, p. 252.
89
Ibidem, p. 252 e 257.
88
36
20. A criação do Juizado de Pequenas Causas foi um dos raros
esforços no país, para tornar acessível a justiça aos carentes. A
disseminação desses juizados pelas periferias das grandes cidades e
pelo campo poderia ter um efeito revolucionário, porque pela primeira
vez na nossa história os pobres teriam acesso à justiça.
(…)
27. Os juizados transformaram-se na porta principal de acesso à
justiça dos brasileiros, uma vez que provocaram, especialmente após
a edição do Código de Defesa do Consumidor, um aumento
substancial na demanda de resolução de conflitos, justamente por
ser nas relações de consumo que se situam grande parte das
violações de direitos dos cidadãos.
Por consectário, denota-se que ao tratar de acesso à justiça, não deve-se
apenas atentar ao seu aspecto formal de garantir a propositura de uma ação, mas
primordialmente a sua abordagem social, da qual emergiu a criação dos juizados de
pequenas causas, democratizando os direitos às grandes massas e incorporando
uma gama de novidades na seara jurídica nacional, de molde a certificar a efetiva
acessibilidade.
1.3. PROCEDIMENTO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
Sob a égide dos princípios expressos no art. 2º da lei geradora, o
procedimento dos juizados especiais apresenta-se de forma peculiar, o que o faz
ser, por muitas vezes, inconciliável com os termos dos demais órgãos judiciais de
natureza “comum” ou residual. Sobre esta distinção, louváveis as palavras de Felipe
Borring Rocha90:
em termos de organização judiciária, os órgãos judiciais podem ser
divididos em dois grupos: os especializados e os comuns (ou
residuais). Comuns, são aqueles que abraçam uma generalidade de
ações, ao passo que, especializados, são aqueles que têm atribuição
funcional para determinadas ações, seja em razão do procedimento,
seja em razão da matéria, ou simplesmente por razões de política
administrativa. Assim, os juizados especiais, por terem competência
para processar e julgar somente as ações submetidas aos
procedimentos estabelecidos pela Lei nº. 9.099/95, são
caracterizados como órgãos judiciais especializados.
ROCHA, Felippe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei nº.
9.099, de 26/9/1995, p. 3
90
37
Os critérios de fixação da competência, adotados pelo legislador ao editar a
Lei n. 9.099/95, são de natureza objetiva, pois restringem-se em razão do valor e da
matéria. Nessa perspectiva, o artigo 3º da respectiva Lei estabelece as hipóteses de
cabimento, senão vejamos:
Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação,
processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade,
assim consideradas:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário
mínimo;
II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III - a ação de despejo para uso próprio;
IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não
excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:
I - dos seus julgados;
II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta
vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta
Lei.
§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas
de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda
Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e
ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho
patrimonial.
§ 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em
renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo,
excetuada a hipótese de conciliação91.
Constata-se, portanto, que nos Juizados Especiais Estaduais Cíveis a
fixação da competência em razão do valor não deve ultrapassar o valor de 40
(quarenta) salários mínimos92. No entanto, nada impede que outras causas sejam
ajuizadas, ainda que o seu valor supere o montante legal. Nesse caso, tem-se que o
valor excedente traduz em renúncia do demandante.
Ademais, a ressalva fica por conta da Lei n. 10.259/01 que, ao instituir os
Juizados Especiais Federais, delimitou a competência às causas com valor até 60
(sessenta) salários mínimos, contrariando o limite estadual.
Por fim, quanto ao critério de competência em razão da matéria, observa-se
que o legislador fixou-as no inciso II do artigo 275 do Código de Processo Civil 93,
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008.
92
A exceção a esta regra fica por conta do instituto da conciliação, pois na audiência é
admitida a realização de acordo acima do teto legal.
93
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008. “Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário: (…) II - nas causas,
qualquer que seja o valor : a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; b) de cobrança
91
38
porquanto figuram na tutela do procedimento sumário. No mais, faz referência às
causas possessórias cujo valor não exceda o teto de 40 (quarenta) salários
mínimos.
1.3.1. Do pedido inicial
Preambularmente,
cumpre
sublinhar
o
jus
postulandi
das
partes,
atinente aos Juizados Especiais, pois nas causas cujo valor não exceda 20 (vinte)
salários mínimos, as partes poderão peticionar sem assistência de um advogado
(artigo 9º da Lei n. 9.099/95). Conquanto às causas de valor superior a 20 salários
mínimos, estabeleceu-se a obrigatoriedade da assistência do advogado.
Desta feita, temos que o pedido poderá ser admitido digitado, manuscrito ou
na forma oral, sendo, neste último caso, resumido a termo nas Secretarias do
Juizado. Ademais, consoante o artigo 14 da Lei dos Juizados Estaduais, deverá
ater-se a uma linguagem clara, simples e acessível, constando o nome, a
qualificação, endereço das partes, os fatos e fundamentos de forma concisa, o
objeto e o valor da causa.
1.3.2. Da citação, intimação e revelia
Da dicção do artigo 18 da Lei n. 9.099/95, vê-se que, via de regra, a citação
do demandado é feita por correspondência com AR (Aviso de Recebimento)
assinado pelo interessado. Porém, excepcionalmente, diante da impossibilidade da
citação postal, o ato será feito por oficial de justiça, independente de mandado ou
ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c) de ressarcimento por danos
em prédio urbano ou rústico; d) de ressarcimento por danos causados em acidente de
veículo de via terrestre; e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em
acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; f) de cobrança de
honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; g) que
versem sobre revogação de doação; h) nos demais casos previstos em lei”.
39
carta precatória. Outra exceção, fica por conta das pessoas jurídicas, cuja citação
poderá ser feita na pessoa do encarregado da recepção, que será obrigatoriamente
identificado.
Ademais, em sede de Juizados Especiais Cíveis não é admitida a citação
ficta ou por edital, por disposição expressa do artigo 18, §2º da Lei n. 9.099/95; logo,
havendo necessidade desta medida, os autos deverão ser remetidos para uma Vara
Cível da justiça comum.
No tocante às intimações, o artigo 19 da referida lei é cristalino ao pontuar a
semelhança com os atos da citação, motivo pelo qual dispensa maiores
comentários. Fica a ressalva, porém, da possibilidade de intimação das partes em
audiência pelos atos nela ocorridos.
Por fim, não comparecendo o requerido - devidamente citado ou intimado -,
à Audiência de Conciliação e Julgamento e deixando de apresentar defesa, ser-lhe-á
aplicada a pena de revelia, presumindo-se verdadeiros os fatos sustentados no
pedido exordial (artigo 20 da Lei dos Juizados).
1.3.3. Da audiência de Conciliação e Julgamento
Como visto, a conciliação é um dos primados dos Juizados Especias.
Representa grande parte das resoluções dos conflitos iniciados e, sem sombra de
dúvida, traduz na perfeita imagem dos postulados norteadores, em especial, a
efetividade, a celeridade e a economia processual. Não é à toa, portanto, que o
primeiro momento da audiência é reservado à tratativa da conciliação, podendo ser
conduzida pelo Juiz Togado ou leigo ou por conciliador sob a orientação daqueles
(artigo 22 da Lei n. 9.099/95).
Ato contínuo, existindo êxito no acordo, este deverá ser reduzido a termo e
homologado pelo Juiz togado, por meio de sentença com eficácia de título executivo
(artigo 22, § único). Por sua vez, não havendo conciliação, as partes optam pela
instituição ou não do juízo arbitral para solver a contenda.
40
Dessarte, decidindo pela negativa, proceder-se-á à audiência de instrução e
julgamento que, se possível, será realizada imediatamente. Neste momento, será
oportunizado ao Demandado apresentação da sua defesa, a qual poderá ser oral ou
escrita, salvo os casos de suspeição e impedimento que correrão em autos
apartados (artigo 30).
Por derradeiro, serão ouvidas as testemunhas - no máximo 3 (três) para
cada parte -, colhidas as demais provas e decididos de plano os incidentes que
possam interferir no regular prosseguimento do feito. As demais questões serão
decididas na sentença (artigo 29).
1.3.4. Da sentença
Definida a fase instrutória, tem-se o início da fase de julgamento e
publicação da sentença. Deste modo, seguindo os preceitos da economia
processual e da celeridade, é dispensado o relatório, devendo a sentença mencionar
apenas um breve resumo dos fatos ocorridos na audiência, além, é claro, dos
fundamentos de motivação do Juiz sentenciante (artigo 38).
No entanto, tem-se que quando a sentença é proferida fora da audiência, o
Magistrado não poderá abster-se do relatório, pois “o que legitima a dispensa do
relatório é a oralidade do procedimento, assim, se o juiz sentencia fora da audiência,
deverá observar as regras ordinárias relativas àquele ato94”.
Gize-se, por oportuno, que a Lei dos Juizados Estaduais permite ao Juiz
leigo, que dirigir a fase instrutória, a prolação da sentença, a qual será submetida à
ponderação do Juiz togado, podendo homologá-la ou proferir outra em seu lugar
(artigo 40).
Por fim, um aspecto merecedor de comentário é a dicção do artigo 39 da Lei
n. 9.099/95, ao postular que “é ineficaz a sentença condenatória na parte que
exceder a alçada estabelecida nesta Lei”95. Assim, o limite de 40 (quarenta) salários
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995, p.136.
95
BRASIL. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008.
94
41
mínimos “não pode ser ultrapassado pelo juiz, seja em pedidos simples, cumulados
(art.17, § único), ou contrapostos (art. 31), sob pena de ineficácia parcial da decisão
judicial em relação ao excesso”96. Porém, insta recordar que estão fora desta
limitação o acordo extrajudicial e a sentença homologatória.
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995, p.139.
96
42
2 DO SISTEMA RECURSAL CÍVEL BRASILEIRO
Este capítulo tratará do ordenamento recursal brasileiro, com espeque
principal nos recursos previstos no Código de Processo Civil de 1973 e nas Leis ns.
9.099/95 e 10.259/01 que instituem os Juizados Especiais Cíveis Estaduais e
Federais, respectivamente.
Para tanto, inicia-se o estudo convocando a progênie da concepção que
hoje tem-se de recurso, nas profícuas lições do famigerado José Carlos Barbosa
Moreira:
Desde os tempos remotos tem-se preocupado as legislações em
criar expedientes para a correção dos possíveis erros contidos nas
decisões judiciais. À conveniência da rápida composição dos litígios,
para o pronto restabelecimento da ordem social, contrapõe-se o
anseio de garantir, na medida do possível, a conformidade da
solução ao direito. Entre essas duas solicitações, até certo ponto
antagônicas, procuram os ordenamentos uma via média que não
sacrifique, além do limite razoável, a segurança à justiça, ou esta
àquela. Fazer inimpugnáveis quaisquer decisões, desde que
proferidas, atenderia ao primeiro interesse, mas com insuportável
detrimento do segundo; multiplicar ad infinitum os meios de
impugnação produziria efeito diametralmente oposto e igualmente
danoso. Ante a inafastável possibilidade do erro judicial, adotam as
leis posição intermediária: propiciam remédios, mas limitam-lhes os
casos e as oportunidades de uso97.
É, pois, de fácil constatação que essa instituição teve influência contínua na
judicatura de praticamente todas as sociedades cultas antigas e contemporâneas,
ante a necessidade em corresponder à natureza do homem, que rebela-se contra
qualquer decisão adversa a si98.
Nesse panorama, os recursos cíveis previstos no ordenamento jurídico
brasileiro, ascendem da denominada apellatio romana, cuja decisão recaía ao
próprio imperador romano ou a magistrados por ele designados.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11 ed., Rio
de Janeiro: Forense, 2003, v. V, n. 134, p. 229.
98
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 2.
97
43
Não obstante, hodiernamente, o conceito de recurso alcança novas e
numerosas formas. Em sua etimologia, o termo “recurso” provem do latim recursus,
e significa voltar atrás, retroagir, retroceder, recuar.
Por sua vez, do ponto de vista técnico-processual, retrata, nas palavras do
citado Barbosa Moreira, o “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo
processo, a reforma, invalidação, os esclarecimento ou a integração de decisão
judicial que se impugna”99.
Nesse sentir, conclui-se que o recurso é um instituto distinto e por conjugar
características como ser “um remédio voluntário” e percorrer “dentro do mesmo
processo”, as demais formas de impugnação que não se inserem na definição
acima, são comumente denominadas de “sucedâneos recursais” (como é o caso das
ações impugnativas autônomas, e.g., mandado de segurança e ação rescisória)100.
Seguindo essa linha de entendimento, se o interessado valer-se da
ação rescisória, do mandado de segurança, dos embargos do
devedor, da ação cautelar inominada, com a finalidade de impugnar
determinado pronunciamento judicial, não há cogitar-se de
interposição de recurso, pois esses institutos dão azo à formação de
novo processo. Mesmo quando o writ é utilizado como meio de
impugnar decisão judicial, exercendo o papel de recurso, ele dará
ensejo à formação de nova relação jurídica processual diversa
daquela em curso101.
Por consectário, adotado esse critério de diferenciação dos recursos a
outros meios impugnativos, não à toa o legislador taxou as formas de insurgência,
cada qual representada por um recurso que possui características e finalidades
próprias, no verbete do artigo 496 do Código de Processo Civil, do qual podemos
citar: a) apelação; b) agravo; c) embargos infringentes; d) embargos de declaração;
e) recurso ordinário; f) recurso especial; g) recurso extraordinário; h) embargos de
divergência em recurso especial e em recurso extraordinário102.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civi, p. 207.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento. 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v.2,
p.507.
101
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p. 5.
102
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008.
99
100
44
2.1 TEORIA GERAL DOS RECURSOS CÍVEIS
Assentar a natureza jurídica dos recursos é tema de fortes debates no
universo jurídico, eis que duas correntes se formaram a respeito. Isto porque, por um
lado, é nítido verificar os que defendem ser o recurso uma ação autônoma quanto
àquela que lhe deu origem, logo, não representaria uma simples continuação do
processo principal. De outra banda, há quem diga que o recurso retrata, sim, a
continuação do direito de ação, já em fase posterior ao procedimento103.
Pois bem, quanto à primeira corrente, que teve como vexilários do
respectivo entendimento os juristas Gilles, Betti, Provincialli, Mortara, Guasp e Del
Pozzo, vê-se que estes ditam ao recurso “a natureza jurídica de ação autônoma de
impugnação de conteúdo constitutivo negativo, já que o recurso visa a
desconstituição da decisão judicial104”. Em outras palavras, referem-se à existência
de um objeto litigioso próprio, eis que retrata o início de um novo procedimento interposição do recurso -, visando determinado fim.
Entretanto, como já visto, a doutrina brasileira faz a distinção das ações
impugnativas autônomas e os recursos, sobrelevando os que defendem a segunda
corrente doutrinária. Esta, encabeçada por Ugo Rocco, Enrico Tullio Liebman,
Francesco Carnelutti, José Frederico Marques, Nelson Nery Júnior, Antonio Carlos
Marcato, Barbosa Moreira, Humberto Theodoro Junior, entre outros105, sustenta que
“o recurso é continuação do procedimento, funcionando como uma modalidade do
direito de ação exercido no segundo grau de jurisdição”106.
Aliás, nessa toada, contempla Nelson Nery Júnior107 sobre a doutrina de
Rocco: “o recurso como atividade compreendida no direito de ação, guardando,
portanto, essa natureza jurídica, não vacila em afirmar, entretanto, ser o recurso
uma renovação do procedimento”.
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p. 8-9.
104
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais Ltda, 2004, p. 213.
105
MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil: Recursos. São
Paulo: Atlas, 2000, p. 19.
106
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos, p. 218.
107
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos, p. 219.
103
45
É, pois, a doutrina adotada pelos autores e ordenamento pátrios,
facilmente explicável tendo em vista o direito positivo nacional,
segundo o qual a interposição de recurso não rende ensejo à
instauração de processo distinto daquele em que se proferiu a
decisão impugnada, mas apenas dá prosseguimento a um caminho
já utilizado pelo autor, com a propositura da ação. Segundo o direito
brasileiro, apenas as ações autônomas de impugnação rendem azo à
instauração de processo distinto daquele em que proferida a decisão
desfavorável108.
2.1.1 Princípios fundamentais dos recursos
Ombreando as palavras de José Afonso da Silva 109, o qual adota a acepção
da palavra princípio como sendo o mandamento nuclear de um sistema, vê-se que
no âmbito dos recursos são adotados inúmeros princípios gerais e, às vezes,
específicos a certos mecanismos de impugnação.
Assim, para fins didáticos serão analisados os princípios fundamentais dos
recursos que possuem relação com a temática central. São eles: princípio do duplo
grau de jurisdição, princípio da taxatividade, princípio da singularidade ou
unirrecorribilidade recursal, princípio da fungibilidade e princípio da proibição do
reformatio in pejus.
2.1.1.1 Princípio do duplo grau de jurisdição
O princípio do duplo grau de jurisdição representa a primeira diretriz a
merecer
exame
destacado
no
presente
estudo,
na
medida
em
que
“a consagração de recursos no sistema processual implica dizer que a causa, em
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p. 10.
109
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.95
108
46
tese, será reapreciada por órgão de jurisdição hierarquicamente superior à daquele
que proferiu a decisão”110.
A respeito, tem-se que o presente preceito não resta consignado de forma
expressa na Constituição Federal, porém, decorre da concepção do devido processo
legal (artigo 5º, inciso LIV, da CF)111, albergando ao recorrente uma proteção contra
a falibilidade do ser humano, eis que outra não é a progênie do Julgador. “Nessa
linha de raciocínio, o princípio do duplo grau é, por assim dizer, garantia fundamental
de boa justiça”112.
Não obstante, há quem pugna pelo perfil constitucional desse princípio, com
fulcro na previsão do art. 5º, inciso LV, da CF113, pois, embora não faça constar
expressamente, este dispositivo reflete no direito dos litigantes usarem dos
“recursos” inerentes à ampla defesa.
Por sua vez, o processualista Nelson Nery Júnior, pondera que há previsão,
ainda que não expressa, na Constituição Federal para o princípio em análise,
quando se estabelece que os tribunais do país terão competência
para julgar causas originariamente e em grau de recurso. Na CF 102
II, dizendo que o STF conhecerá, em grau de recurso ordinário,
outras determinadas e, também, pelo n. III do mesmo dispositivo
constitucional,
tomará
conhecimento,
mediante
recurso
extraordinário, das hipóteses que enumera, evidentemente criou o
duplo grau de jurisdição114.
A par da discussão delineada, convém ressaltar que parte da doutrina
aponta certos pontos negativos a respeito da aplicação do princípio do duplo grau de
jurisdição. São eles: “a dificuldade de acesso à justiça, o desprestígio da primeira
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p. 137.
111
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: Vade Mecum. 5.
Ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.”Art. 5º, inciso LIV: ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”
110
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos, p. 39.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: Vade Mecum. 5.
Ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.”Art. 5º, inciso LV: aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
112
113
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos, p. 41.
114
47
instância, a quebra de unidade do poder jurisdicional, a dificuldade na descoberta da
verdade mais próxima possível da real e a inutilidade do procedimento oral”115.
Contudo, mesmo sabendo dos problemas enfrentados pelo Judiciário
- alguns, sem dúvida, impulsionados pela vasta utilização de recursos protelatórios -,
entende-se inconcebível a supressão da utilização do duplo grau de jurisdição, pois,
mais do que um direito do postulante, é uma garantia da justiça trilhar o seu
caminho116.
2.1.1.2 Princípio da taxatividade
De acordo com o princípio da taxatividade, os recursos tem como
pressuposto de validade a previsão e regência em lei federal. Assim, na forma do
direito processual civil brasileiro (art. 496 do CPC) são recursos: apelação, agravo,
embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial,
recurso extraordinário e embargos de divergência em recurso especial e em recurso
extraordinário.
Contudo, impende observar que “a taxatividade é do sistema legal federal, e
não do Código de Processo Civil”117. Dessarte, seguindo a regra explanada, recursos
positivados em outros momentos também correspondem ao princípio da
taxatividade, eis que atendida a previsão em lei federal. É o caso dos embargos
infringentes, disciplinados pelo artigo 34 da Lei 6.830/80 e incluídos, a seu turno, na
Lei Adjetiva Civil.
No tocante à matéria de fundo, objeto da presente pesquisa, é necessário
averiguar se, na dicção deste princípio, o recurso adesivo é ou não taxado como um
recurso propriamente dito, uma vez que não consta no rol do artigo 496 do Código
de Ritos. Para tanto, sobre o tema, Luiz Orione Neto é conclusivo, senão vejamos:
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 5ª
Ed. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 25.
116
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 496.
117
PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000,
p.82.
115
48
De outra banda, não são considerados recursos per se, diversos
daqueles do art. 496, o 'recurso adesivo' (art. 500), o 'agravo retido'
(art. 523), nem os recursos especial e extraordinário retidos (art. 542,
§3º).
No tocante aos recursos que admitem a modalidade adesiva –
apelação, embargos infringentes, recurso especial e recurso
extraordinário (art. 500, II, do CPC) –, é fácil constatar que eles não
diferem do recurso-tipo enunciado no art. 496 do CPC, na medida em
que o recurso adesivo não passa de um modus operandi daqueles
quatro recursos. Dessa maneira, o recorrente pode valer-se dos
recursos de apelação, embargos infringentes, recurso especial e
recurso extraordinário de duas formas: pela via denominada principal
e pela adesiva. Daí afirmar-se que a apelação adesiva nada mais é
que uma forma de interposição do recurso de apelação, e assim por
diante118.
Por consectário, denota-se que, pelo princípio da taxatividade, o recurso
adesivo pode ser considerado como um instrumento recursal, na medida que
previsto no artigo 500 do Código Processual Civil, entretanto, apresenta-se
subordinado à appellatio principal.
2.1.1.3 Princípio da singularidade ou unirrecorribilidade recursal
O princípio da unirrecorribilidade, como o próprio nome bem indica, traduz
na premissa de que para cada ato judicial cabe, apenas, um recurso específico. Isto
porque, “ao estipular a lei processual quais são os recursos cabíveis, evidentemente
há de indicar, para cada um dos recursos, uma função determinada e uma hipótese
específica de cabimento”119.
Oportuno ressaltar que a doutrina aponta algumas exceções a esse preceito,
como por exemplo, a interposição de embargos de declaração e de outro recurso,
contra uma única decisão. Nesse particular, esclarecedora a lição de Luiz Guilherme
Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, in verbis:
É verdade que tais casos permitem a interposição, contra uma
mesma decisão judicial, de mais de uma espécie recursal. Todavia,
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p. 143-144.
119
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 510.
118
49
não se deve esquecer que cada um dos recursos cabíveis contra tais
decisões tem função específica, que não se confunde com a
finalidade prevista para a outra espécie recursal. Assim, contra
determinado ato judicial e para certa finalidade específica – não
abrangida pela finalidade de outro meio recursal – deve ser cabível
um único recurso120.
No mais, fora as exceções previstas, tem-se que interposto mais de um
recurso contra a mesma decisão, deve ser decretada a inadmissibilidade do último
recurso, por força do instituto da preclusão consumativa, eis que o direito de recorrer
é exercido no oferecimento do primeiro apelo121.
2.1.1.4 Princípio da fungibilidade
Sob o prisma do princípio da singularidade, o qual preconiza o cabimento de
apenas um recurso para cada situação específica, a fungibilidade é uma das
maneiras de adequar esse apelo àquela situação. Em outras palavras, o princípio da
fungibilidade “autoriza, em determinadas hipóteses, o recebimento de um recurso
por outro”122.
Muito se discutiu após a edição do CPC/73 acerca da adoção ou não
do referido princípio. Isso porque o novel diploma deixou de
reproduzir a regra expressa existente no art. 810 do CP/39. E por
quê? Ao que parece, o autor do anteprojeto, Professor Alfredo
Buzaid, deixara de inserir artigo similar ao art. 810 do CPC/39,
exatamente para retirar do sistema a possibilidade de se receber o
recurso inadequado. O motivo, pelo que consta, é evidente: o nosso
CPC/73 introduziu um sistema recursal flagrantemente simples,
afastando a possibilidade de erro no momento da interposição do
recurso. […]
A simplicidade aparente do sistema recursal acabou não
encontrando eco na praxe forense. Em inúmeros casos práticos, os
julgadores e doutrinadores começaram a divergir quanto à natureza
jurídica do provimento jurisdicional objeto do recurso. Essas dúvidas
impuseram a alteração da interpretação que de início foi dada ao no
Ibidem, p. 511.
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p. 175.
122
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p. 176.
120
121
50
CPC: o princípio, a par de não ter sido reproduzido expressamente,
estava e está implicitamente acolhido123.
Ademais, impende complementar que é admitida a referida adequação nos
casos em que o erro provem tão-somente da escolha do recurso ou da sua forma,
porém, desde que alcance a finalidade original, sob pena de nulidade do ato (artigo
244 do Código de Processo Civil)124.
Nessa linha de raciocínio, a doutrina125 aponta determinadas hipóteses de
difícil aferimento do recurso cabível, tendo em tela o pronunciamento judicial
atacado, e que ensejam a aplicação do princípio da fungibilidade. No entanto, diante
desta situação, devem ser respeitados os pressupostos a merecer exame
destacado: a) presença de dúvida objetiva a respeito do recurso cabível; b)
inexistência de erro grosseiro na interposição do recurso; e, c) respeito ao prazo
adequado para o recurso correto.
Contudo, na prática dos tribunais, vê-se que mesmo adotando esses
critérios, a aplicação do princípio da fungibilidade suscita alguns problemas
pertinentes ao procedimento. Cite-se como exemplo, a exigência do prazo adequado
ao recurso correto. Ora, se pode ser aceitável o erro do interessado ao manejar o
recurso, em face da dificuldade de interpretação do caso concreto, da mesma forma
não poderia lhe ser exigido a observância do prazo correto.
Não obstante, por mais desconexo que pareça, seguindo-se o entendimento
dos tribunais, estar-se-ia diante da impossibilidade de aplicação do princípio da
fungibilidade. Malgrado a jurisprudência apresente essa inflexibilidade, algumas
decisões alinham em sentido oposto, considerando justificável a interposição do
recurso a destempo, consubstanciadas na protuberância do preceito maior do duplo
grau de jurisdição126.
MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil: Recursos, p. 24.
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008: “Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação
de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, Ihe alcançar a
finalidade.”
123
124
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos, p. 144.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 12.610-MT, Relator Ministro
Athos Carneiro, Quarta Turma. DJ 24-2-1992. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em
22/10/2010.
125
126
51
2.1.1.5 Princípio da proibição da reformatio in pejus
Ocorre a reformatio in pejus quando o órgão julgador, motivado pelo recurso
de quem viu o seu direito inacolhido, profere decisão ainda mais desfavorável ao
recorrente. Assim, nos termos da proibição do reformatio in pejus, o reparo da
decisão singular não deverá prejudicar o suplicante, se outro recurso não for
interposto.
Ainda que não encontrado de forma expressa no ordenamento jurídico, este
princípio recursal é amplamente aceito na doutrina e jurisprudência pátrias, posto
que reflete no dever do tribunal não conceder ao recorrido mais do que este
suscitou.
No entanto, ressalta-se a existência de situações que podem ser vistas
como exceções ao non reformatio in pejus. Isto porque, é patente a possibilidade do
tribunal “revisar aquilo que ex vi legis se sujeita ao duplo grau de jurisdição, como
por exemplo, as questões de ordem pública que, se acolhida em detrimento do
interesse do recorrente, poderão, de certo modo, levar a uma reforma para pior”127.
2.1.2 Do juízo de admissibilidade e do juízo de mérito
O julgamento do recurso pressupõe duas fases distintas denominadas de
juízo de admissibilidade e juízo de mérito.
De início, tem-se o juízo de admissibilidade estribado na análise de
requisitos de ordem processual que a lei fixa como indispensáveis para o
conhecimento do recurso. Dessarte, o respectivo exame é desempenhado tanto pelo
órgão a quo – ante o qual o recurso é interposto –, como pelo órgão ad quem,
incumbido da apreciação das razões recursais128.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, p.
76
128
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2006,
p. 268.
127
52
Sobre esse particular, elucidativa a lição de Nelson Nery Júnior:
A competência para o juízo de admissibilidade dos recursos é do
órgão ad quem. Ao tribunal destinatário cabe, portanto, o exame
definitivo sobre a admissibilidade do recurso. Ocorre que, para
facilitar os trâmites procedimentais, em atendimento ao princípio da
economia processual, o juízo de admissibilidade é normalmente
diferido ao juízo a quo para, num primeiro momento, decidir
provisoriamente sobre a admissibilidade do recurso. De qualquer
sorte, essa decisão do juízo a quo poderá ser modificada pelo
tribunal, a quem compete, definitivamente, proferir o juízo de
admissibilidade recursal, não se lhe podendo retirar essa
competência129.
Assim, quando o juiz singular deixa de receber o recurso manejado, diz-se
pela pronunciação do juízo negativo de admissibilidade, diante da inobservância de
algum dos pressupostos recursais, e, por consequência, o feito não será remetido à
instância superior.
Entretanto, por óbvio, se o contrário suceder e o recurso preencher todos os
requisitos,
então
estar-se-ia
diante
do
juízo
positivo
de
admissibilidade,
“importando dizer que o juiz mandará processar o recurso, abrindo-se oportunidade
para a parte contrária expor as contra-razões de recurso e, finalmente, remetendose os autos ao tribunal ad quem para o julgamento do mérito”130.
Contudo, para que seja apreciado o mérito da quaestio, como já dito, o
tribunal também proferirá novo juízo de admissibilidade – eis que o mesmo não é
vinculado ao crivo do órgão a quo – e, sendo preenchidos todos os seus
pressupostos, o recurso deverá ser conhecido e concluso para julgamento.
Antes de esquadrinhar o juízo de mérito, reputa-se necessário elencar, sem
maiores detalhes, os ditos requisitos de admissibilidade dos recursos. Para tanto,
observa-se que estes dividem-se, de certa forma – há ressalvas doutrinárias acerca
do tema –, em requisitos intrínsecos e extrínsecos.
Nesse sentido, são requisitos intrínsecos: cabimento; legitimação para
recorrer, interesse em recorrer; e inexistência de fato impeditivo e extintivo do poder
de recorrer. Por sua vez, representam requisitos extrínsecos: tempestividade;
regularidade formal; e preparo131.
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos, p. 255.
Ibidem, p. 259.
131
MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil: Recursos, p. 29.
129
130
53
Uma vez conhecido o recurso, ou seja, preenchidos os respectivos
pressupostos recursais, passa-se ao exame do seu mérito. Aqui cabe sobrelevar a
dissociação do mérito do recurso e o mérito da causa, pois são conceitos distintos,
ainda que em determinadas situações possam tratar do mesmo objeto.
O mérito recursal é o “fato jurídico apto a autorizar a reforma, a invalidação,
a integração e o esclarecimento da decisão recorrida”132. Por sua vez, o mérito da
causa é o fato jurídico representado na pretensão do litigante em ver pronunciado o
direito que almeja.
No caso do estudo aqui realizado, conclui-se que o juízo de mérito terá por
objeto o pedido deduzido no recurso133. Assim, incumbirá ao Tribunal dizer se o
“recorrente tem ou não razão, isto é, se tem fundamento ou não o recurso de
apelação interposto e se procedem as razões elencadas contra a decisão
impugnada”134.
Por fim, enquanto que para o juízo de admissibilidade é dado conhecimento
ou não ao recurso, uma vez ultimado o exame do mérito recursal, tem-se por
consequência, o provimento jurisdicional do órgão ad quem. Neste caso, o mesmo
pode “dar provimento” ou “negar provimento” ao reclamo.
2.1.3 Dos efeitos dos recursos
Consabido que o primeiro grande efeito dos recursos é impedir o trânsito em
julgado da decisão recorrida, a doutrina canarinha ainda aponta, em princípio, dois
efeitos básicos, quais sejam, o devolutivo e o suspensivo. Não obstante, os autores
fazem constar a presença de outros efeitos a merecer destaque, como são os casos
do translativo, regressivo e o expansivo, motivo pelo qual faz-se necessário a
decomposição de cada um.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais,
p.69.
133
Exceção às matérias que podem ser resolvidas ex officio pelo órgão julgador, uma vez que
podem ser apreciadas sem o respectivo pedido da parte que recorre.
134
JORGE, Flávio Cheim. Apelação cível: teoria geral e admissibilidade. 2. ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 57.
132
54
2.1.3.1 Efeito devolutivo
O efeito devolutivo é comum à grande maioria dos recursos e consiste “em
transferir, para órgão diverso daquele que proferiu a decisão recorrida, o
conhecimento da matéria impugnada”135.
O presente efeito está ligado ao brocardo romano tantum devolutum
quantum apellatum e consiste em levar ao órgão ad quem o
conhecimento do que foi objeto de impugnação. O efeito devolutivo é
manifestação do princípio dispositivo, já que permite à parte
estabelecer os limites dentro dos quais o órgão ad quem poderá
apreciar a pretensão manifestada136.
Utilizando-se desses dizeres, explica-se que a caracterização do efeito
devolutivo desdobra-se em extensão e profundidade. A primeira já foi mencionada
alhures, pois a extensão do efeito devolutivo reflete a ideia do que é ou não
impugnado pelo suplicante. Já a profundidade, a seu turno, “diz respeito à matéria
que será possível de reexame pelo órgão ad quem. Disto se ocupa o §2º do
art.515”137.
No intuito de esclarecer qualquer dúvida da diferenciação acima imposta,
instrutiva a explicação de Marinoni e Arenhart, in verbis:
Em razão de regra decorrente da aplicação do princípio da demanda,
perante o direito brasileiro a interposição do recurso somente devolve
(atribui) à apreciação do tribunal a matéria impugnada (tantum
devolutum quantum appellatum). É o que se denomina de efeito
devolutivo em extensão. Assim, se em uma ação de despejo por falta
de pagamento, cumulada com pagamento de aluguéis, recorre a
parte autora apenas em relação ao não acolhimento da pretensão à
cobrança (deixando de lado a pretensão de despejo, também não
acolhida pelo magistrado singular), ainda que o tribunal dê
provimento ao recurso, reconhecendo o direito de receber os
aluguéis não adimplidos, não poderá ser decretado o despejo, já que
essa matéria ficou fora do âmbito de sua cognição, por falta de
devolutividade desse tema. Por tal motivo, deve a parte recorrente
especificar, nas razões do recurso que interpõe, o pedido de nova
decisão que pretende, permitindo assim ao tribunal avaliar a
extensão máxima que poderá dar à sua deliberação.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 14 ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007, v.2, p. 80.
136
Ibidem, p. 80.
137
BUENO, Cássio Scarpinella. Efeitos dos Recursos, apud WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim; NERY JUNIOR, Nelson (Org.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e
assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 80.
135
55
Se, todavia, de um lado, o tribunal fica vinculado ao pedido de nova
decisão formulado pelo recorrente, de outro, quanto aos
fundamentos desse 'pedido', é livre para examinar a todos, ainda que
não hajam sido expressamente referidos nas razões do recurso
interposto (efeito devolutivo em profundidade)138.
Ressalta-se, ainda, que alguns autores consideram o efeito devolutivo em
profundidade como sendo, na verdade, o denominado efeito translativo, porquanto
aquele “supõe um ato de vontade no manejo do recurso, não existindo qualquer
possibilidade de ser caracterizado quando ocorrer omissão, da parte ou interessado,
sobre alguma questão não mencionada nas razões ou contra-razões do apelo”139.
Contudo, para os fins deste trabalho, o efeito translativo será estudado em
separado, de modo a tornar didática a sua definição, não afastando o que até aqui
foi dito, inclusive, quanto à sua limitação imposta pela verticalidade do efeito
devolutivo.
Por fim, vê-se certa dissonância na doutrina quanto à existência do efeito
devolutivo nos recursos que submetem a irresignação ao mesmo órgão que proferiu
a decisão recorrida, como é o caso dos embargos de declaração.
Nessa perspectiva, Alexandre Freitas Câmara assevera haver recursos
“em que a lei atribui competência ao próprio órgão a quo para que os julgue. É o que
se dá, por exemplo nos embargos de declaração. Nestes casos, não se produz o
efeito devolutivo”140. Entretanto, há quem – Fredie Didier Júnior – considera que
“o efeito devolutivo decorre da interposição de qualquer recurso, equivalendo a um
efeito de transferência da matéria ou de renovação do julgamento para outro ou para
o mesmo órgão julgador”141.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 523.
139
BORTOWSKI, Marco Aurélio Moreira. Apelação cível. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1997, p. 120, apud ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral,
princípios fundamentais, dos recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da
ordem dos processos no tribunal, p. 176.
138
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civi, p. 80.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais,
p.80.
140
141
56
2.1.3.2 Efeito suspensivo
O efeito suspensivo diz respeito à eficácia da sentença proferida e não à
formação da coisa julgada. Destarte, diz-se que este efeito provém “da própria
recorribilidade e não do recurso em si mesmo, tendo em vista que a decisão só
passa a produzir efeitos após o trânsito em julgado”142.
Isto ocorre porque, na praxe forense, o efeito suspensivo já é manifestado a
partir da própria publicação da sentença, permanecendo, ao menos, até terminar o
prazo para a parte interessada recorrer. Logo, não estaria adstrito ao recurso, mas
sim à recorribilidade143.
Outrossim, discursam Eduardo Talamini e Flávio Renato Correia de Almeida
ao defenderem que “na verdade, nada se suspende propriamente, porque a
sentença sujeita à apelação com efeito suspensivo, já não produz efeitos quando é
produzida [...]”144.
Aliás, a expressão 'efeito suspensivo' é, de certo modo, equívoca,
porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso
passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse
momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na
realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o
recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda
ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que
cessaria se não se interpusesse o recurso145.
Sob outro enfoque, importante consignar a catequese do jurista Marinoni146,
o qual concebe o efeito suspensivo em dois pólos. O primeiro, segurança, de modo
a evitar que a decisão insurgida produza efeitos na pendência de recurso que pode
reformá-la; e o segundo, tempestividade, na medida em que o tempo do processo
não cause danos à parte que tem o direito.
MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil: Recursos, p. 44.
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos, p. 446.
144
ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo
civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 7. ed., rev. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 591.
142
143
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 257.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 525.
145
146
57
Por consectário, é possível enumerar certas situações em que o recurso é
desprovido do aludido efeito suspensivo, como é o caso das hipóteses do artigo 520
do atual Código de Processo Civil147, entre outras exceções legais.
2.1.3.3 Efeito translativo
Como já assinalado, o efeito translativo assemelha-se ao efeito devolutivo
em profundidade, inclusive até considerando aquele como parte desse. Contudo,
neste estudo será adotado o conceito de Marinoni e Arenhart e outros autores que
diferenciam
os
efeitos
citados,
pois
enquanto
o
efeito
devolutivo
“depende de expressa manifestação da parte, já que somente se devolve ao
conhecimento do tribunal a matéria impugnada, o efeito translativo se opera ainda
que sem expressa manifestação de vontade do recorrente”148.
Assim, entende-se por matéria suscitada a qualquer tempo sem a
necessária manifestação no recurso, as questões de ordem pública como a
prescrição e a decadência, bem como as prescritas no artigo 301 do Código de
Processo Civil, entre outras.
Por derradeiro, “o tribunal é autorizado a conhecer esses temas de ordem
pública, ainda que não tenham sido ventilados, seja no juízo a quo, seja nas razões
do recurso […]. Obviamente, esse efeito é inerente a qualquer espécie recursal”149.
147
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008: “Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e
suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de
sentença que: I – homologar a divisão e demarcação; II – condenar à prestação de
alimentos; III – REVOGADO; IV – decidir o processo cautelar; V – rejeitar liminarmente
embargos à execução ou julgá-los improcedentes; VI – julgar procedente o pedido de
instituição de arbitragem; VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 525-526.
149
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 526.
148
58
2.1.3.4 Efeito regressivo ou de retratação
O efeito regressivo, também conhecido como efeito diferido, “trata-se do
efeito que autoriza o órgão jurisdicional a quo a rever a decisão recorrida”150. A
retratação
acontece,
pois,
no
primeiro
juízo
de
admissibilidade,
que
é
desempenhado pelo Magistrado de primeiro grau.
Os recursos mais comuns que permitem o juízo de retratação são o agravo
de instrumento e a apelação contra sentença que indefere a petição inicial (art. 296,
do CPC). Neste último, é dado ao juiz um prazo de 48 (quarenta e oito) horas para
reformar a sua decisão.
Com efeito, não optando pela retratação – juízo negativo de retratação –, o
Magistrado remeterá a matéria ao órgão ad quem, que fará o segundo juízo de
admissibilidade, conhecendo ou não do recurso e aplicando o efeito devolutivo ao
mesmo.
2.1.3.5 Efeito expansivo
O efeito expansivo apresenta-se apenas em certos casos previstos na
legislação brasileira. Isto porque, “em regra, a interposição do recurso produz efeitos
apenas para o recorrente (princípio da personalidade do recurso)”151.
Contudo, pode ser alcançado um resultado mais amplo do que aquele
geralmente atingido com o julgamento do recurso, nas hipóteses do artigo 509 do
Código de Processo Civil152, pois a decisão proferida pelo órgão ad quem alberga,
também, os litisconsortes que não interpuseram recurso algum.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, p.
84.
151
Ibidem, p.85.
152
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008: “Art. 509: O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos
aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses.
150
59
Por fim, diz-se um caso de expansão subjetiva do efeito do recurso quando,
manejado embargos de declaração, o prazo para entrar com outro recurso é
interrompido para ambas as partes e não apenas a parte recorrente.
2.2 DOS RECURSOS EM ESPÉCIE DE ACORDO COM O CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL DE 1973
Como visto em momento anterior, o Código de Processo Civil elenca no seu
artigo 496 certos recursos cabíveis na esfera cível forense, por meio dos quais o
jurisdicionado tem acesso à instrumentalização do duplo grau de jurisdição.
Ora, diante da manifesta correlação com o tema explicitado no presente
trabalho, faz-se necessário, ao menos, tecer breves considerações acerca dos
recursos
–
apelação,
embargos
infringentes,
recurso
especial
e
recurso
extraordinário –, que comportam a sua interposição na modalidade adesiva, cujo rol
é taxado no inciso II do artigo 500 da Lei Adjetiva Civil.
Pois bem, o atual Código de Processo Civil Brasileiro não traz uma definição
do que seja apelação, mas tão-somente limita-se a asseverar que da sentença
caberá apelação (artigo 513).
Dessarte, bem andou Humberto Theodoro Júnior, ao consignar que
apelação “se interpõe das sentenças dos juízes de primeiro grau de jurisdição para
levar a causa ao reexame dos tribunais de segundo grau, visando a obter uma
reforma total ou parcial da decisão impugnada, ou mesmo sua invalidação”153.
É, portanto,
o recurso por excelência, uma vez que através dela, os órgãos
judiciários de segundo grau exercem, com plenitude, a função de
julgar, revendo as sentenças de primeiro grau, com base tão-só na
sucumbência, para reexame parcial ou completo da prestação
jurisdicional, inclusive quanto à sua admissibilidade154.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do
direito processual civil e processo de conhecimento. 48 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008,
p. 662.
154
MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas:
Millennium, 2000, p. 125.
153
60
Recebida a apelação, consoante a dicção do artigo 520 do Código de
Processo Civil, a mesma terá efeito devolutivo, uma vez que é devolvido ao tribunal
o conhecimento da matéria impugnada, bem como o suspensivo, salvo nas
exceções legais já aduzidas, caso em que se fará presente apenas o primeiro efeito.
Ademais, “a competência funcional para julgar o recurso é da câmara ou
turma do tribunal, mas o voto é tomado apenas de três juízes, que formam a
denominada 'turma julgadora' (art. 555, caput)”155. Todavia, convém ressaltar que o
juiz não deverá receber o recurso quando a sentença estiver manifestamente de
acordo com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou, até mesmo, do Supremo
Tribunal Federal (artigo 518, §1º).
De outra banda, de forma mais peculiar aparecem os embargos infringentes
que representam “o recurso cabível contra acórdão não-unânime que, no julgamento
de apelação, reforma a sentença de mérito ou, em 'ação rescisória', julga procedente
o pedido de rescisão da sentença transitada em julgado”156 (art. 530 do CPC).
Logo, ocorrendo a hipótese de cabimento e manejado o recurso, é dado
prazo para as contrarrazões e, ato contínuo, tem-se a realização do juízo de
admissibilidade, analisando-se os pressupostos extrínsecos e intrínsecos da
invocação (art. 531 do CPC).
No tocante aos efeitos desse recurso, conclui-se pela presença do
devolutivo nos limites da divergência, bem como o suspensivo quando a apelação
ou ação rescisória o tiverem também. E, ao final, patente o efeito translativo, tendo
em tela que “as questões de ordem pública, ainda que não tenham sido objeto da
divergência, são transferidas ao exame do tribunal, por ocasião do julgamento dos
embargos infringentes”157.
Por derradeiro, impende ressaltar que “os acórdãos proferidos no julgamento
de
recurso
especial
e
recurso
extraordinário
não
comportam
embargos
infringentes”158. Da mesma forma, em regra, essa proibição vale, também, para o
agravo de instrumento.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do
direito processual civil e processo de conhecimento, p. 679.
156
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civi, p. 115-116.
157
MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil: Recursos, p. 87.
158
Ibidem, p. 80.
155
61
Pois bem. Uma vez tecidas breves considerações sobre a apelação e os
embargos infringentes, passa-se ao exame dos recursos especial e extraordinário,
também conhecidos como recursos 'excepcionais', pois como o próprio nome sugere
“têm uma finalidade específica, que os particulariza e os difere dos recursos
chamados de 'comuns' ou 'ordinários', qual seja: preservar a unidade e a autoridade
do direito constitucional e infraconstitucional”159.
Para tanto, estão regulados em conjunto nos artigos 541 a 545 do Código de
Processo Civil, bem como as hipóteses de cabimento estão enumeradas nos artigos
102, III e 105, III, ambos da Constituição Federal de 1998.
Assim é que cabe Recurso Especial, cuja competência é do Superior
Tribunal de Justiça, nas causas decididas em única e última instância pelos
Tribunais Regionais Federais ou Tribunais dos Estados, Distrito Federal e
Territórios, quando a decisão objurgada:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei
federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído
outro tribunal160.
Por sua vez, o Recurso Extraordinário é de competência do Supremo
Tribunal Federal e tem o seu cabimento nas causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão profligada:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta
Constituição;
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal161.
É de se notar, portanto, a referência contida nos dispositivos em apreço
sobre as causas decididas “em única ou última instância”. Logo, denota-se que os
recursos especial e extraordinário são cabíveis apenas quando esgotados todos os
recursos ordinários admissíveis.
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribuna, p. 439.
160
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: Vade Mecum. 5.
Ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008: Art. 105, III.
159
161
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: Vade Mecum. 5.
Ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008: Art. 102, III.
62
Quanto aos efeitos, a interposição dos recursos 'excepcionais' produzem
apenas o efeito devolutivo, conforme prevê o §2º do artigo 542 do Código de
Processo Civil, sendo que “tais recursos servem à impugnação de questões de
direito; não se admite a interposição para reexame de prova ou de fatos. São
recursos de estrito direito”162.
Outra particularidade a merecer destaque, é a possibilidade de interposição
de apenas um ou até mesmo dos dois recursos – especial e extraordinário – contra
a mesma decisão. Assim, manejados os dois simultaneamente, os autos serão
remetidos ao Superior Tribunal de Justiça para apreciação do Recurso Especial e,
ato contínuo, o mesmo será feito no Supremo Tribunal Federal para apreciar o
Recurso Extraordinário, salvo se este já não esteja prejudicado (artigo 543 do
CPC)163.
Por fim, não se pode deixar de mencionar dois requisitos de admissibilidade
específicos aos recursos em exame, quais sejam, o prequestionamento e a
repercussão geral.
Dessarte, o primeiro “implica a obrigatoriedade do debate a respeito da
alegação contida no recurso, isto é, torna-se imperioso que a matéria tenha sido
'suficientemente discutida a ponto de se construir tese sobre ela”164. Em outras
palavras, significa a exigência de que a decisão insurgida tenha discutido a temática
que será objeto de apreciação no recurso especial ou extraordinário.
Este requisito de admissibilidade decorre do próprio texto
constitucional, que admite o recurso extraordinário e o recurso
especial apenas contra “causas decididas”. Assim sendo, é preciso
que a matéria objeto do recurso haja sido suscitada e decidida pelo
órgão a quo, para que possa ser apreciada no recurso excepcional.
Omissa a decisão contra a qual se queira opor o recurso
excepcional, faz-se necessária a interposição de embargos de
declaração, com o fim de prequestionar a questão federal ou
constitucional165.
Por sua vez, a repercussão geral passou a ser exigida com a Emenda
Constitucional n. 45/2004, sendo um pressuposto de admissibilidade específico do
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais,
p.250.
163
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, p. 133.
164
MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil: Recursos, p. 101.
165
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, p. 139.
162
63
Recurso Extraordinário, por tratar de questão constitucional. Logo, a dita Emenda
acrescentou o §3º ao artigo 102 da Constituição Federal166, que preconiza:
Art. 102, §3º: No recurso extraordinário o recorrente deverá
demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal
examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela
manifestação de dois terços de seus membros.
Ademais, a Lei n. 11.418/2006, ao incluir o artigo 543-A no Código de
Processo Civil167, tratou de defini-la, ao prescrever que “para efeito da repercussão
geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de
vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos
da causa”.
Para tanto, a interpretação dessas questões que demonstram ser de
repercussão geral aparenta uma certa subjetividade do próprio Supremo Tribunal
Federal, salvo os casos em que a lei já tratou de esclarecer, como por exemplo,
quando o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante
do referido Tribunal (artigo 543-A, §3º, do CPC).
Vale dizer que somente o Supremo Tribunal Federal tem o poder de
analisar o que é ou não é questão de repercussão geral. O exame do
feito pelo Supremo Tribunal Federal poderá até, ulteriormente, ser
utilizado na instância inferior para negar seguimento ao recurso
extraordinário (art. 543-B, §2º), mas apenas aquele tribunal tem a
autorização para interpretar o que se deve entender por questão de
repercussão geral168.
Outrossim, a decisão do Supremo Tribunal Federal que julgar a existência
da repercussão geral da questão constitucional servirá como precedente para
futuros casos idênticos, inclusive, cabendo ao presidente do tribunal de instância
inferior a aplicação daquilo que a Corte Suprema tenha decidido.
Importa sobrelevar que o prazo para a interposição dos recursos citados é
de 15 (quinze) dias, sendo inclusive contado o mesmo lapso para as contrarrazões,
consoante disposto no artigo 508 do Pergaminho Processual Civil.
166
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lex: Vade Mecum. 5.
Ed. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.
167
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 576-577.
168
64
2.3 DOS RECURSOS EM ESPÉCIE DE ACORDO COM AS LEIS N. 9.099/95 E
10.259/01
Uma vez explicitado sobre os recursos previstos no Código de Processo
Civil, reputa-se necessário destacar quais os recursos usados no âmbito dos
Juizados Especiais, de modo a não ensejar quaisquer dúvidas acerca dos dois
sistemas. Por consectário, passa-se à analise as leis n. 9.099/95 e 10.259/01 que
instituíram, respectivamente, os Juizados Especiais Estaduais e Federais.
2.3.1 Lei n. 9.099/95
A Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995 prevê aos juizados especiais
cíveis estaduais apenas dois recursos, quais sejam, os embargos de declaração e o
recurso ou recurso inominado como é comumente chamado na doutrina nacional.
Contudo, esta denominação vem sendo amplamente combatida, pois “chamar de
'recurso' uma modalidade de recurso viola uma das funções do nome, que é
individualizar aquilo que nomeia. Em nosso sentir, o 'recurso' deveria ser chamado
de apelação, como ocorre na parte criminal da Lei (art. 82)”169.
Além dessas duas modalidades de recursos, admiti-se, também, a
interposição de Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Entretanto,
este não encontra a sua previsão na Lei, uma vez que é interposto e julgado fora
dos Juizados Especiais170.
Na mesma toada, reluz na doutrina e jurisprudência pátrias a possibilidade,
ainda que escassa, do manejo de agravo. Isto porque, “surgem algumas situações
de caráter emergencial que não poderão deixar o jurisdicionado desprotegido de
uma rápida revisão da decisão proferida em primeira instância”171.
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995, p. 142.
170
Ibidem, p. 142.
171
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos
Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, p. 290.
169
65
Para ilustrar o que foi dito, e contrariando o Enunciado n. 15 do FONAJE172,
colaciona-se a orientação firmada pela 6ª Turma Recursal-SC, in verbis:
Agravo de instrumento. Possibilidade de interposição em sede de
juizado especial. Tutela antecipada. Seguro. Pagamento de diferença
entre o valor segurado e o preço médio do bem. Possibilidade.
Decisão mantida. Embora não haja previsão legal para a interposição
de recurso de Agravo de Instrumento em sede de Juizado Especial,
merece conhecimento tal procedimento recursal se a decisão
interlocutória objurgada puder causar ao direito de um dos litigantes
lesão grave ou de difícil reparação adotando-se, para tanto, a
Conclusão n. 6 do I Encontro das Turmas de Recursos do Estado de
Santa Catarina (...)173.
De igual forma, ainda que não sejam considerados recursos na sua forma
pura, o mandado de segurança e o habeas corpus “jamais poderão ser excluídos de
qualquer microssistema, desde que se verifique no caso concreto abuso, violação de
norma, ilegalidade, violência ou coação ilegal na liberdade de ir e vir”174.
Deixando as exceções de lado, cumpre ressaltar que os embargos de
declaração representam, do ponto de vista prático, uma forma recursal, na qual são
almejados a declaração e o esclarecimento de qualquer obscuridade, omissão,
contradição ou dúvida existente na decisão profligada.
Além disso, à luz do artigo 49 da Lei que instituiu os Juizados Especiais
Estaduais, são cabíveis no prazo de 5 (cinco) dias, da ciência da decisão e sua
interposição suspende o prazo para oferecimento de outros recursos, ao contrário do
previsto no procedimento comum ordinário, no qual os embargos interrompem o
prazo de interposição dos recursos175.
Quanto ao recurso inominado, tem-se que este deve ser manejado, em
petição escrita que contenha as razões do recurso e o pedido de revisão, no prazo
de 10 (dez) dias, contados da ciência da sentença (artigo 42 da Lei n. 9.099/95). Já
no tocante aos efeitos deste recurso, contata-se que possui, em regra, apenas o
Enunciado n. 15 do FONAJE: “Nos Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo”.
Disponível em: <www.fonaje.org.br>. Acesso em 22/10/2010.
173
BRASIL. Agravo de Instrumento n. 49, Turma de Recursos de Joaçaba/SC, Relator Juiz
Stanley da Silva Braga, DJ. 09/08/2000. Disponível em: <www.tjsc.jus.br>. Acesso em
22/10/2010.
174
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados
Especiais Estaduais Cíveis e Criminais: Comentários à Lei n. 9.099/1995. 5ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 296-297.
175
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 720.
172
66
efeito devolutivo, salvo nos casos em que o Magistrado entenda por bem dar-lhe
efeito suspensivo para evitar lesão irreparável à parte (artigo 43).
2.3.2 Lei n. 10.259/01
No âmbito federal, os Juizados Especiais adotam a maioria das disposições
atinentes à esfera estadual – Lei n. 9.099/95 – no tocante aos recursos. Logo, as
exceções encontradas na Lei 10.259 de 12 de julho de 2001, que instituiu os
Juizados Especiais Federais, são merecedoras de maiores esclarecimentos.
Desde logo, vê-se que a nova legislação adota o recurso de agravo, ainda
que sem denominá-lo expressamente. É que o artigo 5º do referido dispositivo legal,
aponta uma medida de insurgência para os casos de deferimento de medidas
cautelares, diferente do recurso inominado das sentenças definitivas. Assim, em
face da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, é possível assemelhar o
recurso do artigo 5º ao agravo de instrumento, na qualidade de mecanismo de
revisão da decisão interlocutória176.
Por outro lado, alguns Colégios Recursais têm firmado orientação no
sentido de que, diante da ausência de previsão legislativa para o
recurso de agravo de instrumento, a impugnação interposta há de ser
recebida como reclamação contra as decisões interlocutórias, nos
termos preconizados nos Regimentos Internos. Trata-se apenas,
com a devida vênia, de uma questão puramente terminológica e não
ontológica, porquanto, in casu, pouco importa o nomen iuris que se
atribui ao recurso hábil para o fim específico de alteração de
decisões proferidas no curso do processo que tramita sob a égide da
Lei n. 9.099/1995177.
Quanto aos embargos infringentes, tanto a Lei n. 9.099/95 como a Lei n.
10.259/2001 foram omissas a respeito. Neste caso, demonstra-se impossível a
aplicação subsidiária do Código de Processo Civil para albergar o recurso na seara
dos Juizados Especiais, eis que patente a dissonância com os seus princípios
norteadores.
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados
Especiais Federais Cíveis e Criminais: Comentários à Lei n. 10.259, de 10.07.2001. 2ª ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 290.
177
Ibidem, p. 291.
176
67
De outra banda, merece atenção a previsão do pedido de uniformização de
interpretação de lei federal ante a divergência de decisões entre Turmas Recursais,
que será julgado em reunião conjunta pelas Turmas em conflito, se estas forem da
mesma região. Entretanto, se estas forem de regiões distintas, o pedido será julgado
por Turma de Uniformização, composta por juízes de Turmas Recursais, sob a
presidência do Coordenador da Justiça Federal (artigo 14 da Lei n. 10.259/2001).
No mais, em relação aos outros recursos, aproveita-se o que fora explicitado
em virtude dos Juizados Especiais Estaduais, posto que, como dito, os ditames da
Lei n. 9.099/95 possuem aplicação subsidiária no âmbito federal.
68
3
DO
CABIMENTO
DO
RECURSO
ADESIVO
PERANTE
OS
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
Preambularmente, é possível encontrar no ordenamento jurídico vigente,
diversas formas de insurgência, cada qual representada por um recurso que possui
características e finalidades próprias. Estas, em regra, têm a sua previsão no artigo
496 do Código de Processo Civil, por intermédio do qual destaca-se: a) apelação; b)
agravo; c) embargos infringentes; d) embargos de declaração; e) recurso ordinário; f)
recurso especial; g) recurso extraordinário; h) embargos de divergência em recurso
especial e em recurso extraordinário178.
Não obstante, é possível observar formas de impugnação que não se
inserem na especificação acima. É o caso dos comumente denominados
“sucedâneos recursais” ou ações impugnativas autônomas (e.g., mandado de
segurança e ação rescisória).
De outra banda, o recuso adesivo representa uma situação distinta que,
muito embora não esteja previsto no dispositivo em comento, é sem dúvida, também
um instrumento recursal, ou mais precisamente, uma forma de interposição dos
recursos distinta da manejada por via principal179.
Insculpida na necessidade de dar vazão aos recursos protelatórios e
“desnecessários” que invadiam o judiciário, a modalidade adesiva tardou a ser
instituída. Isto porque, em épocas anteriores ao advento do atual Código de
Processo Civil, nas causas de sucumbência recíproca, era comum o manejo
escusado do recurso principal por ambas as partes da lide e, consequentemente, o
entravamento dos Tribunais180.
Dessa forma, foi instituído no Código de Processo Civil brasileiro de 1973,
influenciado, fundamentalmente, pelo direito alemão e o português – neste último,
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008: Art. 496.
179
SILVA, Wesley Ricardo Bento da. O Recurso Adesivo nos Juizados Especiais. Revista
dos Juizados Especiais. Distrito Federal, ano VII, n. XV, jul./dez. 2003. p 59.
180
MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil: Recursos, p. 48.
178
69
conhecido como recurso subordinado181 -, e encontra albergue no artigo art. 500 do
diploma processual182.
Aliás, neste reservado, fica a crítica à terminologia adotada pelo Código de
Processo Civil, inclusive extasiada com certa unanimidade pela doutrina canarinha,
eis que “não há aqui adesão por uma das partes ao recurso da outra. Aquele que
recorre adesivamente não vem buscar os mesmos resultados que aquele que
recorreu pela via principal”183. Em outras palavras, não há adesão – pelos menos no
que se refere à causa de pedir –, pois cada parte demanda nos termos das
respectivas sucumbências.
No mesmo sentido, transcreve-se as palavras de Moacyr Amaral dos
Santos, ipsis verbis:
Adesivo é o que se une, o que se junta. Enquanto isso, o recurso
adesivo se contrapõe ao recurso principal, a este não se juntando.
Quando muito o recurso adesivo se junta ao procedimento recursal
instaurado com a interposição do recurso principal. Melhor fora se
lhe desse a denominação de recurso condicionado, ou subordinado,
porquanto está à existência do recurso principal184.
No tocante à concepção e cabimento do recurso adesivo, José Frederico
Marques afirma que este “é incidente que surge em caso de sucumbência recíproca
no procedimento recursal instaurado por um dos litigantes, em virtude de exercer
também a outra parte, posterior e subordinadamente, o direito de recorrer”185.
Aliás, nesse particular, a corrente doutrinária majoritária não considera o
recurso adesivo uma espécie de recurso, mas apenas
uma forma de interposição de recurso. O recurso pode ser interposto
de forma independente e de forma adesiva. O recurso adesivo é
exatamente o mesmo recurso que poderia ter sido interposto
“O Código de Processo Civil português prevê, em seu art. 682, o recurso (mais
propriamente denominado) subordinado, figura que corresponde ao nosso recurso adesivo”
(COUTO, Mônica Bonetti. Recurso Adesivo: Um Exame à Luz da Teoria Geral dos
Recursos. Curitiba: Juruá Editora, 2008. p. 127).
182
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008: “Art. 500. Cada parte interporá o recurso, independentemente, no
prazo e observadas as exigências legais. Sendo, porém, vencidos autor e réu, ao recurso
interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte. O recurso adesivo fica
subordinado ao recurso principal e se rege pelas disposições seguintes:[...]”.
183
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, p. 88.
184
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 23ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, vol. 3, p. 216.
185
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 1ª ed. Campinas:
Bookseller, 1997, p. 255.
181
70
autonomamente, diferenciando-se
interposição [...]186.
apenas
pela
técnica
de
Em outras palavras, mas comungando da mesma ideia, resta consignada a
opinião de juristas, tais como Moacyr Amaral Santos187, Luiz Orione Neto188, Gilson
Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol189, que o consideram uma forma de
impugnar, visto que aplicado às mesmas regras do recurso independente;
entretanto, a sua interposição dá-se na via adesiva.
3.1 DO RECURSO ADESIVO E A OMISSÃO NAS LEIS N. 9.099/95 E 10.259/01
Os desígnios do recurso adesivo restringem-se tão-somente aos elementos
desfavoráveis ao suplicante. Portanto, nenhuma relação coexiste com o objeto ou as
razões do recurso principal interposto pela parte adversa.
Todavia, mesmo sendo considerado um avanço em prol do acesso à justiça
pelo meio forense, insta gizar que a principal crítica à oposição adesiva entoa na
possível “dilatação” do prazo para deduzir as razões da insurgência. É que,
exaurido o lapso do recurso principal e abrindo-se o das contrarrazões, é apenas
neste último que influi a necessidade de contrapor o recurso adesivo.
Luiz Orione Neto190, no rastro do tema versado, leciona:
A resposta negativa se impõe. Com efeito, é cediço que a função do
recurso adesivo é exatamente permitir que uma das partes manifeste
seu inconformismo diante do outro que rompera com a situação de
aquiescência. Logo, como corretamente assinala Jorge Tosta, 'não
há porque sustentar, como fazem alguns, que a inserção no recurso
adesivo de matéria diversa da que foi objeto na via principal importe
em burla ao instituto da preclusão ou coisa julgada'.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, p.
86.
187
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civi, p. 216.
188
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p 288-289.
189
MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil: Recursos, p. 48.
190
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribuna, p 285.
186
71
Dessarte, uma vez superada a questão, mister ressaltar que nem todos os
recursos podem ser manejados na forma adesiva. O inciso II do artigo 500 do
Código de Processo Civil é taxativo ao permitir este procedimento apenas na
apelação, nos embargos infringentes, no recurso especial e no recurso
extraordinário191. Ademais, a interpretação jurisprudencial vem entendendo que
também pode incidir sobre o recurso ordinário constitucional, tendo em vista a
semelhança com a apelação192.
Outrossim, no âmbito da justiça do trabalho, é possível atestar a
admissibilidade do recurso adesivo em recurso ordinário, de revista, embargos e
agravo de petição, esquivando-se do princípio da legalidade. Inclusive, matéria já
sumulada pelo Tribunal Superior do Trabalho, ipsis litteris:
TST Enunciado n. 283 - O recurso adesivo é compatível com o
processo do trabalho e cabe, no prazo de 8 (oito) dias, nas hipóteses
de interposição de recurso ordinário, de agravo de petição, de revista
e de embargos, sendo desnecessário que a matéria nele veiculada
esteja relacionada com a do recurso interposto pela parte
contrária193.
Guardadas as devidas particularidades, tem-se que uma vez interposto, o
recurso adesivo deve atender a todos os pressupostos de admissibilidade
imprescindíveis para os respectivos recursos (art. 500, parágrafo único, CPC), bem
como fica condicionado ao juízo de admissibilidade positivo do recurso principal.
Sobre o tema, adequada a lição de Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro
da Cunha, senão vejamos:
O recurso adesivo se submete aos mesmo requisitos de
admissibilidade do recurso principal. Assim, se o recurso principal
depende do prequestionamento, o adesivo também dependerá.
Somente se permite a interposição de recurso adesivo, se a parte
poderia interpor recurso principal, ou seja, apenas se pode aderir a
recurso que se poderia interpor194.
Por consectário, são pressupostos e requisitos gerais à correta existência do
recurso adesivo: decisão em que houve sucumbência recíproca; o recurso de uma
CORREA, Orlando de Assis. Os Recursos no Código de Processo Civil. 3ª ed. Porto
Alegra: Síntese, 1981, p. 31.
192
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 593.
193
Todas as súmulas do Tribunal Superior do Trabalho estão acessíveis no sítio eletrônico da
instituição. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em 26-10-2010.
194
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, p.87.
191
72
parte e o silêncio da outra; o conhecimento do recurso principal; e a sujeição aos
requisitos de admissibilidade dos recursos, tais como tempestividade, regularidade
formal, preparo, entre outros.
A propósito, sabendo que o preparo é requisito de admissibilidade do
recurso adesivo, conclui-se que “não aproveita ao recorrente adesivo a circunstância
de o recurso principal estar isento de preparo”195.
No tocante à tempestividade, o prazo de interposição do recurso adesivo é o
mesmo que a parte dispõe para apresentar as contrarrazões ao recurso principal sabendo que a aquela pode contraarrazoar e recorrer ao mesmo tempo, tomar
apenas uma das atitudes ou até nenhuma196.
Por sua vez, quanto ao procedimento do recurso adesivo no judiciário, o
mesmo deve ser deduzido em peça distinta das contrarrazões e interposto perante o
órgão competente pela admissão do recurso principal, ou seja, o juízo a quo no caso
de apelação; o relator do acórdão embargado no caso de embargos infringentes; o
presidente ou vice-presidente do tribunal no caso de recurso especial ou
extraordinário (vide artigos 514, 531, 541 do CPC).
Ato contínuo, será dado o momento da parte adversa contraarrazoar os
termos do recurso adesivo, bem como é feito todo o processamento no juízo a quo e
julgamento no órgão ad quem, consoante as regras próprias do recurso principal.
No entanto, no âmbito dos Juizados Especiais, impulsionados pelo princípio
norteador da celeridade, fica a ressalva de que uma vez recebido o recurso pelo
relator, no Tribunal, “deverá este colocá-lo em pauta para julgamento no prazo de 10
(dez) dias, a contar do seu recebimento”197.
Para finalizar as particularidades do recurso adesivo, cumpre colacionar as
lições de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
Obviamente, se a parte já ofereceu recurso ‘principal’, não terá como
apresentar recurso adesivo. Aliás, nem poderá fazê-lo, em função da
ocorrência de preclusão consumativa. Ou seja, não será possível a
interposição de recurso adesivo, uma vez que a interposição do
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p 289.
196
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 593.
197
SILVA, Luiz Cláudio da. Os Juizados Especiais Cíveis na Doutrina e na Prática
Forense. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 68.
195
73
recurso já se consumou (mediante a interposição de recurso na
forma principal). O mesmo raciocínio se aplica para a hipótese de
alguma parte pretender apresentar recurso adesivo diante de recurso
adesivo já oferecido pelo adversário: como o recurso adesivo
somente tem cabimento após a interposição do recurso principal, o
oferecimento deste gera para a parte preclusão consumativa, não
podendo esta, ulteriormente, ampliar seu recurso por meio de
‘recurso adesivo ao recurso adesivo198.
No que compreende ao microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, tanto
a nível estadual como federal, as Leis ns. 9.099/95 e 10.259/01 apresentam-se
omissas quanto à insurgência adesiva. Por este motivo, foram editados enunciados
vedando-a neste órgão especializado.
No seio dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais faz-se presente o
Enunciado n. 88 do Fórum Nacional de Juizados Especais – FONAJE, que
prescreve: “Não cabe recurso adesivo em sede de Juizado Especial, por falta de
expressa previsão legal”199.
Aliás, o verbete foi aprovado em 28 de maio de 2004 no XV Encontro do
Fórum, que ocorreu em Florianópolis/SC, no qual participavam das mesas diretoras
a presidente do Fórum, juíza Sandra Silvestre, de Rondônia; o vice-presidente do
órgão Joaquim Domingos de Almeida, do Rio de Janeiro; o Secretário da Reforma
do Poder Judiciário, do Ministério da Justiça, Sérgio Renault; o Juiz Joaquim
Almeida e a Juíza Liliana Bittencourt, de Goiás; a Juíza Janete Simões, do Espírito
Santo; a Juíza Sueli Pini, do Amapá; o Juiz Flávio Fonseca, do Distrito Federal; entre
outros200.
A seu turno, nos Juizados Especiais Cíveis Federais existe o Enunciado n.
59 do Fórum Nacional de Juizados Especiais Federais – FONAJEF, de teor
semelhante, anotando que “Não cabe recurso adesivo nos Juizados Especiais
Federais”201.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Direito Processual
Civil: Processo de Conhecimento, p. 593-594.
199
Todos os enunciados do Fórum Nacional dos Juizados Especiais estão acessíveis no sítio
eletrônico da instituição. Disponível em: <www.fonaje.org.br>. Acesso em 26-10-2010.
200
Ata dos trabalhos do XV Encontro do Fórum Nacional dos Juizados Especiais , ocorrido
nos dias 26 a 28 de maio de 2004 na cidade de Florianópolis, Santa Catarina. Disponível
em: <www.fonaje.org.br>. Acesso em 26-10-2010.
201
Todos os enunciados do Fórum Nacional do Juizados Especiais Federais estão acessíveis
no sítio eletrônico da instituição. Disponível em: <www.ajufe.org.br>. Acesso em 26-102010.
198
74
3.2 DOS APONTAMENTOS DOUTRINÁRIOS ACERCA DO CABIMENTO DO
RECURSO ADESIVO PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS
Como se verá, a temática explicitada no presente trabalho é motivo de
efervescentes discussões que deduzem no objeto de comentários dos grandes
processualistas brasileiros, em virtude do possível equívoco que configura a
vedação do recurso adesivo no âmbito dos Juizados Especiais.
Isto porque, tem-se visto na jurisprudência dos Juizados a inadmissibilidade
do recurso adesivo, na medida em que ausente a sua expressa previsão legal.
Nesse sentido, colaciona-se a ratio decidendi da Sétima Turma de Recursos de
Itajaí/SC, in verbis:
“Não conheço do recurso interposto do réu, visto que, em sede de
Juizados Especiais, não é cabível a interposição de Recurso
Adesivo, por manifesta inexistência de previsão legal. Inclusive tema
já consolidado por meio do Enunciado 88 do FONAJE: ‘Enunciado 88
– Não cabe recurso adesivo em sede de Juizado Especial, por falta
de previsão legal (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC)”202.
E, ainda:
Declara-se, pois, a deserção do recurso interposto pelo réu. O
recurso adesivo interposto pelo autor, além da ausência de expresso
cabimento, contraria o enunciado 88 do Fonaje, pois ‘Não cabe
recurso adesivo em sede de Juizado Especial, por falta de expressa
previsão legal’. Diante disso, não se conhece do recurso adesivo203.
Contudo, o argumento em análise apresenta-se deveras simplista e frágil,
eis que destoado de fundamentos sólidos que o justifica. Conforme o escólio de
Cândido Rangel Dinamarco, a inexistência de previsão na Lei em nenhum momento
acarreta na conclusão de que os dois institutos são incompatíveis; pelo contrário,
tanto são compatíveis que
Os
objetivos
do
recurso
adesivo
coadunam-se
muito
harmoniosamente com os da criação do processo especialíssimo dos
juizados, onde o zelo pela terminação rápida do serviço jurisdicional
se situa entre as preocupações centrais. Faz parte do espírito
BRASIL. Poder Judiciário de Santa Catarina. Sétima Turma de Recursos de Itajaí.
Recurso Inominado n. 2008.700368-1, de Balneário Camboriú. Rel. Juiz José Carlos
Bernades dos Santos. j. 16.2.2009.
203
BRASIL. Poder Judiciário de Santa Catarina. Sexta Turma de Recursos de Lages.
Recurso Inominado n. 2008.600901-5, de Rio do Oeste. Rel. Juiz Leandro Passig Mendes. j.
20.8.2008.
202
75
conciliatório que aqui se alvitra essa atitude do litigante que, atendido
em parte quanto à pretensão sustentada em juízo, prefere não
recorrer e só recorrerá se o fizer o adversário. Por isso, também no
processo dos juizados especiais é admissível o recurso adesivo,
embora não se tenha aqui o recurso de apelação mas o inominado,
uma vez que os objetivos práticos deste coincidem com os
daquela204.
Na mesma toada, exsurge a catequese de Felipe Borring Rocha:
A posição prevalente na jurisprudência atual não admite a utilização
da via adesiva de interposição do “recurso inominado”, por conta da
aplicação dos princípios fundamentais dos recursos, especialmente
da taxatividade. Na visão da ampla maioria dos julgadores, a falta de
autorização expressa no art. 500 do CPC, que trata do tema,
impediria o ajuizamento do “recurso inominado” adesivo.
Apesar da qualidade dos fundamentos apontados, revisamos a
nossa orientação anterior e passamos a admitir o cabimento de tal
modalidade de interposição recursal, por reconhecer que o instituto é
plenamente compatível com o Sistema dos Juizados, em especial os
princípios contidos no art. 2º da Lei. Não obstante, não parece lógico
admitir o pedido contraposto (art. 31), que seria um plus, e não
aceitar o recurso adesivo, que seria um minus. De fato, sendo o
procedimento em primeiro grau dúplice, o correto é que a duplicidade
seja também permitida na fase recursal205.
E, ainda:
Inobstante seja faculdade a cada parte interpor, independentemente,
no prazo legal, será admissível também no Juizado Especial, nos
casos de sucumbência recíproca, a interposição de recurso adesivo,
mediante o recurso interposto pela outra parte, nos termos do art.
500 do Código de Processo Civil, a ser ofertado no prazo de resposta
(CPC, art. 500, I), do recurso aforado no Juizado Especial (parágrafo
2º do art. 42).206
De outra banda, faz-se presente uma nova ótica do enunciado proibitivo,
encabeçada
por
Ricardo
Cunha
Chimenti,
explicando
as
vedações
do
“recurso adesivo e os embargos infringentes contra as decisões proferidas pelas
Turmas Recursais dos Juizados Especiais, já que tais recursos somente são
admissíveis nas hipóteses taxativamente previstas nos arts. 500 e 530 do CPC”207.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual dos Juizados Cíveis. São Paulo: Malheiro, 2001,
p.183 apud DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, p.86.
205
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995, p. 151.
206
Parizatto, João Roberto. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
de acordo com a lei nº 9.099, de 26-09-1995. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1996,
p. 104.
207
CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais
e Federais. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 212.
204
76
Logo, a omissão a ser considerada não seria a das Leis ns. 9.099 ou 12.569,
mas sim a do inciso II do artigo 500 do Código de Processo Civil 208, cujo rol é
taxativo ao definir os recursos que comportam a modalidade adesiva. Por
conseguinte, não estando previsto o recurso inominado entre estes, poder-se-ia
dizer que sobre o mesmo não cabe recurso adesivo.
Todavia, convém ressaltar que na doutrina a tese é minoria. Para tanto, os
que discordam desse argumento, considerando-o desarrazoado, afirmam que
embora a denominação adotada na Lei n. 9.099/95 tenha sido apenas a expressão
“recurso” - recurso inominado -, o mesmo afigura-se semelhante à apelação cível do
Código de Processo Civil.
Aliás, corroborando com o que foi dito, a doutrina e a jurisprudência
intercalam, a seu bel-prazer, a utilização dos termos 'apelação' e 'recurso inominado'
em sede de Juizados Especiais.
Nessa perspectiva, o notável jurista Felipe Borring Rocha preceitua que
“no sistema dos Juizados Especiais, em face da sentença, seja definitiva ou
terminativa, cabe 'recurso inominado'. Trata-se, pois, de recurso análogo à apelação,
que por isso mesmo deve servir de parâmetro para sua aplicação”209.
Logo, impende observar que, mesmo diante da omissão comentada, não há
razão robusta para deixar de aplicar as regras da apelação ao recurso inominado.
Assim, reproduz-se como melhor solução, amparada na doutrina de Mônica Bonetti
Couto, a visão de que
[…] o recurso adesivo não pode deixar de ser admitido, visto que o
recurso inominado possui o mesmo objeto do recurso de apelação,
qual seja, a reapreciação de toda matéria fática e jurídica acerca de
determinado litígio por um órgão colegiado, com o escopo de atender
ao princípio do duplo grau de jurisdição210.
No âmbito federal, igualmente arrebatadoras as palavras de Fernando da
Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior:
Nada justifica essa orientação limitativa, na exata medida em que a
norma atinente ao recurso adesivo insculpida no CPC não conflita
BRASIL. Código de Processo Civil de 1973. Lex: Vade Mecum. 5. Ed. Atual e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2008: “Art. 500. […] II - será admissível na apelação, nos embargos
infringentes, no recurso extraordinário e no recurso especial“.
209
ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n. 9.099,
de 26/9/1995, p. 143.
210
COUTO, Mônica Bonetti. Recurso Adesivo: Um Exame à Luz da Teoria Geral dos
Recursos. Curitiba: Juruá Editora, 2008, p. 193.
208
77
com os princípios ou as regras delineadas na Lei n. 10.259/2001,
que, por sua vez, é omissa neste ponto, sendo evidente que o
aludido Código, na qualidade de macrossistema instrumental, tem
aplicação subsidiária em todos os microssistemas cíveis, desde que
verificada a sua compatibilidade. É o caso da incidência cabal das
regras do recurso adesivo aos juizados especiais (estaduais e
federais)211.
Como se tanto não bastasse, ainda em relação ao argumento vertido, mister
assinalar que o anotado inciso II do artigo 500 do Código de Processo Civil teve a
sua redação dada pela Lei n. 8.038 de 25 de maio de 1990. Por sua vez, as Leis ns.
9.099 e 12.569, foram criadas em 26 de setembro de 1995 e 12 de julho de 2001,
respectivamente. Explicada, portanto, a omissão no dispositivo antecedente à
criação dos Juizados Especiais Estaduais e Federais.
Um terceiro raciocínio veiculado nas Turmas Recursais faz ressoar que o
“recurso adesivo, à mingua de previsão legal na legislação de regência (Leis 9.099,
de 26/09/95, e 10.259, de 12/07/01) e sendo incompatível com o princípio da
celeridade, não é admitido nos Juizados Especiais”212.
No mesmo sentido, leciona Luis Felipe Salomão:
Assim, considerando o sistema próprio de recursos da Lei dos
Juizados Especiais e o princípio da celeridade, não há previsão para:
agravo de instrumento ou retido, recurso adesivo, embargos
infringentes, reclamação (correição parcial) ou qualquer outro recurso
previsto nos regimentos internos dos tribunais estaduais ou leis de
organização judiciária local, isto também porque o recurso da lei
especial é interposto para o próprio juizado (artigo 41), a ser julgado
por turma composta de três juízes em exercício no primeiro grau de
jurisdição, reunidos na sede do Juizado, com isso evitando-se as
'idas e vindas e carimbos burocráticos' que tanta demora acarretam
ao julgamento do recurso (§1º, artigo 41)213.
Sobre o tema, foi confiado um subtítulo específico que analisa os princípios
informadores dos juizados especiais cíveis frente ao instituto do recurso adesivo.
Assim, maiores explicitações serão feitas no momento oportuno; entretanto, de
pronto, já é possível afirmar que a doutrina especializada discorda do argumento,
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados
Especiais Federais Cíveis e Criminais: Comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001, p. 274.
211
Súmula 10 da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Distrito
Federal.
212
SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos Juizados Especiais Cíveis: Anotações à Lei
9.099/95, com modelos formulários, jurisprudência e legislação pertinente referentes aos
Juizados Especiais Cíveis e ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Destaque, 1997, p.
74-75.
213
78
haja vista que um dos objetivos do recurso adesivo é justamente economizar o
tempo de um possível recurso meramente protelatório.
Por consectário, sobrelevando o que foi explanado, é possível observar que
a doutrina mencionada, a despeito do que é visto em grande parte das decisões das
Turmas Recursais pátrias, tende a “defender” o cabimento do recurso adesivo em
sede de Juizados Especias, nos exatos termos de que, mesmo ausente a sua
previsão legal, nada de convincente há pelo contrário.
3.3 DOS APONTAMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO CABIMENTO DO
RECURSO ADESIVO PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS
A jurisprudência das Turmas Recursais brasileiras, tanto a nível estadual
como federal, demonstra-se deveras remansosa quanto à impossibilidade de ser
manejado o “recurso” ou recurso inominado na modalidade adesiva, mesmo diante
da parcimoniosa fundamentação justificativa e da afronta à maioria das opiniões
doutrinárias contemporâneas.
Por esse motivo, resultado da pesquisa elaborada na confecção deste
trabalho, convém colacionar recente julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, o qual evidencia a argumentação proibitiva do recurso adesivo, senão
vejamos:
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ADESIVO.
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. NÃO CABIMENTO. PENSÃO
POR MORTE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO.
PAGAMENTO
DE
MAIS
DE
120
CONTRIBUIÇÕES.
INTERRUPÇÃO. DESEMPREGADO. REGISTRO EM ÓRGÃO
PRÓPRIO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Não cabe recurso adesivo nos Juizados Especiais Federais,
conforme entendimento esposado no Enunciado nº 59 do Fórum
Nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF […]214.
No mesmo norte, na esfera estadual, empresta-se decisão da Turma
Recursal do Poder Judiciário de Santa Catarina, in verbis:
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Recurso n. 2008.43.00.902191-1,
Primeira Turma Recursal do Tocantins, Relator José Godinho Filho, DJ 08/04/2010.
Disponível em: <www.trf1.jus.br>. Acesso em 22-10-2010.
214
79
RECURSO ADESIVO INTERPOSTO PELO AUTOR – NÃO
CABIMENTO EM SEDE DE JUIZADO ESPECIAL.
Reza o Enunciado 88 do XVII Encontro Nacional de Coordenadores
de Juizados Especiais do Brasil – FONAJE que, “não cabe recurso
adesivo em sede de Juizado Especial, por falta de expressa previsão
legal” (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC).
RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS – OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR – MANTER
QUANTUM INDENIZATÓRIO - APLICAÇÃO DE MULTA CIVIL
PREVISTA NOS ARTIGOS 56 E 57 DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR - SANÇÃO ADMINISTRATIVA QUE RECLAMA A
PRESENÇA
DE
AUTORIDADE
E
PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO - MULTA AFASTADA.
A multa prevista nos artigos 56 e 57 do Código de Defesa do
Consumidor é uma sanção administrativa que, como tal, deve ser
imposta “pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição”,
não sendo, portanto, atribuição declinada ao togado215.
Dessa forma, observa-se a proeminente força normativa dos enunciados 88
do Fórum Nacional de Juizados Especais – FONAJE e 59 do Fórum Nacional de
Juizados Especiais Federais – FONAJEF, e a acentuação do princípio da
taxatividade acolhendo a consequente ausência de previsão legal do recurso
adesivo.
Contudo, em sentido adverso, também é possível encontrar decisões que
caminham para o seu cabimento, o que, em tese, afronta a orientação dos Fóruns
dos Juizados. Nessa vereda, calha à fiveleta expressivo aresto da Primeira Turma
Recursal do Distrito Federal e Territórios, in verbis:
DANO
MORAL.
COBRANÇA
INDEVIDA.
INDENIZAÇÃO.
CABIMENTO. RECURSO ADESIVO PRETENDENDO A ELEVAÇÃO
DO VALOR DA CONDENAÇÃO. NÃO PROVIMENTO.
I - Cabe indenização por danos morais em favor da pessoa que foi
importunada por diversos telefonemas e cartas de cobrança,
objetivando compeli-la ao pagamento de uma dívida inexistente, em
decorrência de erro praticado pela contabilidade da empresa.
II - O reconhecimento do erro em Juízo, com a declaração da
inexistência do débito, não exclui a responsabilidade da empresa
pelo pagamento da indenização.
III - A indenização por dano moral serve para compensar em parte o
sofrimento que a cobrança indevida causou ao não devedor.
IV - Conhece-se de recurso adesivo, interposto nos termos do art.
500 do Código de Processo Civil, em sede de Juizado Especial Cível.
Não se lhe dá provimento, entretanto, quando busca apenas
aumentar o valor da indenização, que corretamente levou em
BRASIL. Poder Judiciário de Santa Catarina. Recurso Inominado n. 2009.400695-5,
Quarta Turma de Recursos de Criciúma, Relatora Dra. Gabriela Gorini Martignago Coral, DJ
14/09/2009. Disponível em: <www.tjsc.jus.br>. Acesso em 22-10-2010.
215
80
consideração a repercussão do dano na esfera da vítima e na
situação econômica das partes216.
E, ainda:
CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ADQUIRENTE.
DESISTÊNCIA.
PARCELAS
PAGAS.
DEVOLUÇÃO.
PARCELAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. CLÁUSULA CONTRATUAL.
INTERPRETAÇÃO. COMISSÃO DE CORRETAGEM. CONTRATO
AUTÔNOMO.
MULTA.
REDUÇÃO.
IPTU.
VALOR
DA
CONDENAÇÃO. EQUÍVOCO. REDUÇÃO DE OFÍCIO.
1. É incabível a devolução das parcelas aos adquirentes de forma
parcelada, pois a resolução do ajuste ocorreu, de fato, por iniciativa
dos promitentes compradores. 2. A penalidade imposta aquele que
deu causa à ruptura do negócio não se confunde com multa
moratória. 3. À míngua de ajuste expresso em sentido contrário, é do
vendedor a responsabilidade pelo pagamento da comissão de
corretagem, por ele contratada e que importa em ajuste autônomo da
compra e venda. Já os impostos incidentes sobre o bem, na vigência
do ajuste, são de responsabilidade dos compradores, por expressa
previsão contratual. 4. O valor principal da condenação é reduzido de
ofício, porquanto computados juros moratórios antes do correto
termo inicial desse encargo. Recurso principal não provido.
Recurso adesivo provido em parte. Redução de ofício do valor
da condenação (grifo nosso)217.
Nesse ponto, margeado por dois extremos, convém extrair dos julgados a
verdadeira afronta que os torna dissidentes. Em outras palavras, demonstra-se de
suma importância analisar a fundamentação que levou o julgador a contrariar o
caminho trilhado pela jurisprudência majoritária.
Observa-se de antemão que o Magistrado não está adstrito a qualquer
orientação geral, podendo, portanto, divergir de um julgado em caso análogo.
Porém,
é
completamente
inconcebível
que
o
juiz
julgue
sem
qualquer
fundamentação, pois é esta que permite às partes e aos interessados o
entendimento dos motivos que levaram o Julgador a tomar certa decisão.
Com efeito, partindo do pressuposto acima elencado, passa-se à análise de
dois substanciais julgados, um da Primeira Turma Recursal da Bahia e o outro da
Primeira Turma Recursal do Distrito Federal e Territórios, bem como das respectivas
BRASIL. Poder Judiciário do Distrito Federal e Territóios. Apelação Cível no Juizado
Especial n. 512/98, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,
Relator Dr. Roberval Casemiro Belinati, DJ 05/05/1999. Disponível em: <www.tjdft.jus.br>.
Acesso em 22-10-2010.
217
BRASIL. Poder Judiciário do Paraná. Recurso Inominado n. 2004.0000469-1, Turma
Recursal Única, Relator Dr. Vitor Roberto Silva, DJ 07/06/2004. Disponível em:
<www.tjpr.jus.br>. Acesso em 22-10-2010.
216
81
fundamentações que permitem o cabimento do recurso adesivo nos Juizados
Especiais. Vejamos:
ADMINISTRATIVO, CIVIL, PROCESSO CIVIL. PROCURADOR DA
FAZENDA NACIONAL. CORREÇÃO MONETÁRIA DE PARCELAS
DEVIDAS EM RAZÃO DE PROMOÇÃO FUNCIONAL PAGAS COM
ATRASO. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DO JEF PARA
ANULAR ATO ADMINISTRATIVO E PARA ANALISAR DIRIETO
INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. NÃO APLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO
NÃO VERIFICADA. NULIDADE DO ATO DE PROMOÇÃO.
CIRCUNSTÂNCIA NÃO APURÁVEL EM SEDE DE JEF, NEM
MENCIONADA EM MOMENTO OPORTUNO. RECURSO ADESIVO.
CABIMENTO. JUROS MORATÓRIOS DE 0,5% AO MÊS. LEI
9.494/97. RECURSO DA UNIÃO DESPROVIDO. RECURSO DO
AUTOR DESPROVIDO.
[...]
Inicialmente, cumpre analisar o cabimento do recurso adesivo em
sede de Juizados Especiais Federais.
Nessa matéria, tenho que, em sendo o recurso adesivo forma de
interposição de recurso, e não de espécie recursal própria, é ele
admissível no presente microssistema, vez que, inclusive,
harmoniza-se com os princípios gestores dos Juizados, em especial
a celeridade e a economia.
Isso porque, como sabido, o recurso adesivo permite à parte optar
por recorrer de sentença de parcial procedência apenas se a parte
adversa o fizer, evitando-se, assim, a interposição desnecessária ou
aventureira de recursos, motivada pelo só temor de que o adversário
recorra, vindo a acarretar-lhe eventual prejuízo.
Inocorrendo, portanto, vedação expressa a essa prática na legislação
especial respectiva, entendo de bom alvitre aceitar tal modo de
interposição, por não ferir, em nosso entendimento, o princípio da
taxatividade recursal no JEF.
Nesse sentido, ombreamo-nos às doutas opiniões de Fernando da
Costa Tourinho Neto, Joel Dias Figueira Júnior; e Cândido Rangel
Dinamarco218.
Pois bem, da leitura do acórdão cotejado observa-se alguns aspectos que
merecem exame destacado. Em primeiro lugar, “ombreada” em posições de
famigerados juristas, a Relatora dos autos aponta com clarividência pela corrente
que não considera o recurso adesivo como “uma espécie recursal própria”. Logo, por
não estar tratando de um recurso per se, mas tão-somente de uma modalidade de
interposição de um recurso, não haveria a obrigatoriedade da sua previsão nas Leis
dos Juizados para ser conhecido. Assim, mantida incólume a harmonia com o
princípio da taxatividade.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Recurso n. 2006.33.00.712672-0,
Primeira Turma Recursal da Bahia, Relatora Dr. Rosana Noya Weibel Kaufmann, DJ
04/06/2007. Disponível em: <www.trf1.jus.br>. Acesso em 22-10-2010.
218
82
Em segundo plano, é exteriorizado que os preceitos do recurso adesivo
conciliam-se com os princípios e objetivos norteadores dos Juizados Especiais.
Aqui, é dito, inclusive, que a interposição adesiva realça a celeridade e economia
processuais, na medida em que evita recursos desnecessários, aventureiros e
protelatórios.
Ininterruptamente, observa-se um terceiro e forte argumento. É que, se por
um lado apresenta-se ausente qualquer previsão legal, da mesma forma não há
expressa vedação na Lei. Ou seja, partindo do pressuposto que os enunciados do
Fonaje não possuem força normativa, retratando apenas uma orientação nos
Juizados, não há, por óbvio, impedimento legal que obste a possibilidade do recurso
adesivo.
En passant, na mesma esteira de raciocínio, passa-se ao segundo decisum:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DANO MORAL. OCORRÊNCIA.
RECURSO ADESIVO. CABIMENTO. 1) O recurso adesivo não é
meio de impugnação autônomo, a reclamar previsão legal específica,
podendo e devendo ser admitido em sede de juizados especiais. 2) É
grave a culpa do fornecedor que lança, indevidamente, o nome do
consumidor em cadastros restritivos de crédito quando as prestações
foram pagas antes mesmo do vencimento. 3) O valor das
indenizações nos juizados especiais devem guardar, tanto quanto
puderem, semelhança com aquelas fixadas pelo juízo comum, sob
pena de se desprestigiar quem busca a justiça do povo.
[...]
As Egrégias Turmas Recursais, em diversas decisões, tem resistido
ao conhecimento do recurso adesivo nos procedimentos dos
Juizados Especiais, eis que ele não se compatibilizaria com os
princípios regedores dessa justiça especial, bem como pela
inexistência de previsão legal expressa.
Não comungo desse entendimento. O recurso adesivo não é espécie
de recurso diverso daqueles existentes, mas fenômeno processual
excepcional em que se admite que a parte também sucumbente,
utilizando-se do prazo para responder, interponha recurso da mesma
natureza daquele interposto pela outra e que acompanhará a sorte
do principal. A adesão não lhe confere caráter de recurso autônomo
e, pois, dispensa previsão legal específica, podendo-se, nitidamente,
neste caso, utilizar-se o Código de Processo Civil subsidiariamente.
Outrossim, a adesão ao recurso em nada se opõe aos princípios da
simplicidade, informalidade e celeridade, ao contrário, vai ao
encontro deles. Afinal, a interpretação sistemática e teleológica das
normas insertas na Lei 9.099/95, exatamente privilegiando a
celeridade na solução da lide, demonstra que a mens legis dirige-se
à criação de obstáculos ao direito recursal, quer pela inexistência de
impugnação imediata às decisões interlocutórias, quer pela exigência
de recolhimentos das custas integrais no momento do recurso, quer
83
ainda pela redução do prazo em relação ao recurso de apelação
previsto no CPC.
Assim, uma vez proferida a sentença, a celeridade dos Juizados
Especiais recomendaria a inércia da parte sucumbente quanto ao
direito recursal. Nos casos em que ambas as partes são
parcialmente sucumbentes, não se me afigura correto que aquela
que se conforma com o decisum¸ colaborando com a celeridade da
Justiça Especial e, posteriormente, surpreende-se com o recurso da
outra, se veja na impossibilidade de aderir a esse recurso, o que,
várias vezes, acarreta a própria desistência do apelo principal.
O recurso adesivo, portanto, corrige dois males a um só tempo:
funciona como mecanismo para incentivar o conformismo das partes
com a decisão e evita penalizar aquela que se resignou com a
sentença, mas viu a outra interpor recurso, solitariamente.
Enfim, não vislumbro, pois, qualquer óbice ao julgamento de recurso
adesivo nos Juizados Especiais219.
De início, meritoso sublinhar a pertinácia do relator quanto à temática que
ele denomina de “resistência das Turmas Recursais“. Na verdade, como foi
contemplado nos extasiados estudos retro, a “cisma” da decisão acima é que
deveria representar “a resistência”. Inclusive, não à toa o tema é considerado pela
enorme maioria como solidificado nos termos dos enunciados do Fonaje; entretanto,
no ponto de vista da sua fundamentação, o relator do acórdão suso crê na justiça
das suas razões e não nas daqueles cuja maioria vem espelhada.
À vista disso, constitui como carro-chefe das razões de decidir a discussão
da natureza jurídica do recurso adesivo, posto que este não representaria “um meio
de impugnação autônomo”, mas um fenômeno excepcional de interposição distinta
da principal. Portanto, não exigiria previsão legal específica para ser admitido nos
Juizados Especiais.
Repisa, também, a compatibilidade do recurso adesivo com os princípios
regedores do Juizado, sobretudo, os da simplicidade, informalidade e celeridade.
Não obstante, afirma que a intenção da Lei n. 9.099/95 é desestimular o acesso ao
sistema recursal, o que pode ser visto pelo ausência de recursos imediatos às
decisões interlocutórias ou pelo recolhimento integral das custas no momento em
que o recurso é manejado.
Sendo assim, a admissão do recurso adesivo representaria um mecanismo
a mais no empenho pela aplicação do princípio da celeridade, nos exatos termos de
219
BRASIL. Poder Judiciário do Distrito Federal e Territóios. Recurso Inominado n.
2002.03.1.010865-5, Primeira Turma Recursal de Brasília/DF, Relator Dr. Gilberto Pereira
de Oliveira, DJ 19/05/2003. Disponível em: <www.tjdft.jus.br>. Acesso em 22-10-2010.
84
que recomendaria a inércia da parte sucumbente, pois esta ainda estaria
resguardada
da
aplicação
adesiva.
Outrossim,
estar-se-ia
incentivando
o
conformismo das partes quanto aos termos da decisão e, ao mesmo tempo,
salvaguardando o direito da parte que deixou de recorrer em consentimento com a
celeridade da justiça.
Como pode-se refletir dos referidos julgados – o primeiro, inclusive,
representando os poucos, senão o único, existentes após as aprovações dos
enunciados nacionais –, vislumbra-se que o argumento mais notável aguça um
segundo caminho aos aplicadores do direito, através do qual é discutido a natureza
jurídica do recurso adesivo.
Sobre a temática explanada, é consabido que o escol doutrinário comunga
da mesma opinião, conforme as lições apresentadas no corpo do presente trabalho.
Nesse particular, assenta-se os famigerados José Frederico Marques220, Fredie
Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha221, Moacyr Amaral Santos222, entre
outros, que não consideram o recurso adesivo um meio de impugnação autônomo.
Logo, tornando coerente a lógica empregada nas razões de decidir dos acórdãos
acima.
Ademais, imperioso aderir ao que foi exposto, desta vez no âmbito dos
Juizados Especiais Federais, a ratio decidendi da Primeira Turma Recursal do Rio
Grande do Norte223, in verbis:
RECURSO ADESIVO. CABIMENTO. RECONHECIMENTO DE
TEMPO DE SERVIÇO. EMPREGADA DOMÉSTICA. INEXISTÊNCIA
DE PROVA DOCUMENTAL. FORÇA MAIOR. DECURSO DO
TEMPO. INADMISSIBILIDADE.
A Turma Recursal, à unanimidade, entendeu ser cabível, em sede de
Juizados Especiais Federais, o recurso adesivo, julgando-o, no
entanto, prejudicado, em razão do provimento do recurso do INSS. O
Juiz Janilson Bezerra de Siqueira, em voto oral, face à inexistência
de regulamentação própria nas Leis 10.259/02 e 9.099/95,
considerou que, sendo uma forma de adesão, tal recurso não precisa
estar elencado na lei específica, bastando a previsão do recurso
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil, p. 255.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, p.86.
222
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civi, p. 216.
223
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Recurso n. 2004.84.13.000123-1,
Turma Recursal do Rio Grande do Norte, Relator Almiro José da Rocha Lemos, DJ
25/03/2004. Disponível em: <www.trf1.jus.br>. Acesso em 22-10-2010.
220
221
85
principal. Levantou ainda que o recurso adesivo atende à agilidade
processual, na medida em que desestimula a interposição de
recursos simultâneos, mesmo quando não presente o inconformismo
[…].
Por fim, apenas para exaurir as manifestações que envolvem a temática,
faz-se constar o item 64 do Provimento CSM n. 806/2003, que regulamenta os
Juizados Especiais em São Paulo, asseverando que compete ao Colégio Recursal
julgar em último ou único grau de jurisdição o recurso adesivo.
3.4 DO RECURSO ADESIVO FRENTE AOS PRINCÍPIOS INFORMADORES DOS
JUIZADOS ESPECIAIS
Consubstanciado nas opiniões doutrinárias, orientações jurisprudenciais e
enunciados dos Fóruns Nacionais dos Juizados Especiais Estaduais e Federais,
nota-se a relevante discussão que subsiste quanto à possibilidade do recurso
adesivo nos Juizados Especiais, até mesmo em respeito à harmonia teleológica e
principiológica dos dois institutos.
Sendo assim, reputa-se imprescindível expor os pormenores dos cinco
princípios
norteadores
dos
Juizados
Especiais
–
oralidade,
simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade – e confrontá-los com possíveis
óbices ao manejo do recurso adesivo.
Pois bem. Em primeiro lugar, a respeito do princípio da oralidade, pouco há
a dizer. Isto porque, ao contrário da maioria dos atos processuais naquele
microssistema especial, o recurso inominado deve ser interposto em petição escrita,
mediante a mais pura dicção do artigo 42 da Lei n. 9.099/95.
Logo, quanto a este aspecto, não há que falar sobre eventual dissonância
entre os institutos, pois o procedimento inerente ao recurso adesivo apresenta-se
comum ao recurso principal previsto na Lei dos Juizados.
Quanto aos princípios da simplicidade e da informalidade, da mesma forma
não é visualizada qualquer incompatibilidade. Aliás, o que seria o recurso adesivo se
86
não uma maneira “informal” de oportunizar o recurso da parte minimamente
sucumbente, refletido no preceito universal do acesso à justiça.
Ademais, infere-se que a simplicidade buscada nos Juizados Especiais não
é defrontada, senão até mesmo enaltecida, pela possível interposição do recurso
adesivo ao invés de dois recursos principais.
Vencidos esses três primeiros preceitos, sobre os quais, inclusive, não há
nenhuma ressalva doutrinária ou jurisprudencial, passa-se à prova do princípio da
economia processual.
Para tanto, relevante o posicionamento do ministro Luiz Fux ao exteriorizar
que “a adesão conspira em favor da economia processual e de uma conciliação por
meio de persuasão, porquanto uma parte pode desistir do recurso exatamente
porque a outra recorreu, atingindo a verdadeira finalidade do recurso adesivo”224.
Não obstante, escorando nas palavras da eminência citada, não foi possível
descobrir alguma oposição a respeito. Todavia, inovando, mister salientar que
especificamente à economia processual, não restam dúvidas sobre o seu alcance
pelo recurso adesivo.
Isto porque, adotando o ponto de vista prático, o simples ato de recorrer
adesivamente afeta o preceito em estima, na medida que constitui um ato
processual acrescentado. Ainda assim, sopesada a carga deste argumento, também
não revela-se justo encetar uma fortuita censura à possível simetria da economia
processual e o respectivo meio de impugnação.
Ora, da mesma forma que acrescenta um ato processual àquele método
primado pela agilidade, o manejo adesivo também impede que seja contraposto o
recurso principal, uma vez que os dois não podem existir ao mesmo tempo. Além
disso, a finalidade do recurso adesivo implica na redução dos recursos meramente
protelatórios ou desnecessários, indo ao encontro, neste ponto, da economia
processual.
Inspirado no que foi narrado, adentra-se ao princípio da celeridade. Acerca
deste, faz-se constar que existem posições jurisprudenciais sólidas trilhando o
caminho da incompatibilidade.
Fux, Luiz. Manual dos Juizados Especiais Cíveis, Rio de Janeiro: Destaque, 1998, p. 64
apud SILVA, Wesley Ricardo Bento da. O Recurso Adesivo nos Juizados Especiais, p
59.
224
87
Assim, antes de maiores esclarecimentos, colaciona-se o verbete da Súmula
n. 10 da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Brasília/DF 225,
in verbis: “O recurso adesivo, à mingua de previsão legal na legislação de regência
(Leis 9.099, de 26/09/95, e 10.259, de 12/07/01) e sendo incompatível com o
princípio da celeridade, não é admitido nos Juizados Especiais”226.
No mesmo sentido, registra-se a decisão da Segunda Turma de Recursos
de Blumenau/SC, na lavra do eminente relator Roberto Lepper:
Não se admite recurso adesivo nem pedido contraposto quando da
apresentação das contra-razões recursais, porquanto o legislador
autorizou apenas a possibilidade de interposição do recurso
inominado (art. 41 da Lei nº 9.099/95) como forma de preservar, aos
que postulam em juízo, o direito ao duplo grau de jurisdição, porém
sem prejuízo da celeridade na prestação jurisdicional, que, aliás, é o
que se espera deste procedimento propositalmente simplificado227.
Vê-se, portanto, robusta manifestação contrariando a aplicação do recurso
adesivo nos Juizados Especiais, patente a incompatibilidade com o princípio da
celeridade. Por sua vez, em sentido contrário, colaciona-se a proeminente doutrina
de Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha, nos termos:
Embora não se concorde com a tese – que parte da falsa premissa
de que o recurso adesivo é instituto que atenta contra a celeridade
processual –, cumpre advertir que não se admite recurso inominado
(Juizados Especiais) adesivo [...]228.
À vista dos posicionamentos divergentes, é possível constatar que a razão
não foge às duas direções. Se, por um lado, resta de fácil constatação o prejuízo à
celeridade do processo, pois, como visto, o recurso adesivo adiciona atos ao
procedimento; por outro, já foi possível constatar que o mesmo pode impedir o uso
procrastinatório em sede de Juizados Especiais.
Súmula n. 10 da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Brasília. DJ
31/10/2003. Disponível em: <www.trf1.jus.br>. Acesso em 22-10-2010.
226
Precedentes: Recurso Inominado n. 2002.34.00.705.931-5/DF, rel. Juíza Mônica Sifuentes,
Sessão de 18/02/02 DJU de 24/01/03; Recurso Inominado n. 2003.34.00.709812-9/DF, rel.
Juiz Marcus Vinícius, Sessão de 24/09/03, DJU de 10/10/03; Recurso Inominado n.
2003.34.00.709566-1/TO, rel. Juiz Rafael Paulo, Sessão de 03/09/03, DJU de 12/09/03.
227
BRASIL. Poder Judiciário de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2007.200725-8, Relator
Dr. Roberto Lepper, Segunda Turma de Recursos de Blumenau. DJ 26/03/2008. Disponível
em: <www.tjsc.jus.br>. Acesso em 22-10-2010.
228
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito
Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais,
p.86.
225
88
Efetivamente, é possível acentuar que a adoção da modalidade adesiva
incumbiria na intimação da parte que interpôs o recurso principal e a consequente
decorrência do prazo de 10 (dez) dias para que esta apresente as suas
contrarrazões. De outra banda, este já é o procedimento adotado quando ambas as
partes manejam recursos principais, o que então é permitido nos Juizados por
respeito ao duplo grau de jurisdição.
Sendo assim, o maior dispêndio temporâneo que o recurso adesivo pode
causar, pouco destoa do lapso gasto pela interposição simultânea dos recursos
inominados, razão pela qual, o prejuízo manifestado mostra-se mínimo perante a
benesse vedada.
Por fim, como se tanto não bastasse,
[...] a parte que estiver inclinada a aceitar o julgado caso o adversário
também o faça, imbuída do animus rebus sic stantibus, pode
aguardar sem sobressalto o decurso do prazo comum: sobrevindo o
termo final sem que a outra parte impugne a decisão, esta passa em
julgado e torna-se imune a qualquer modificação; se, ao contrário, a
outra parte interpuser recurso e o processo houver de subir, por isso,
ao grau superior de jurisdição, abre-se ainda ao litigante que de início
se conservara inerte, e a despeito de já esgotado aquele prazo, a
possibilidade de tentar obter do órgão ad quem pronunciamento que
melhore a sua própria situação. Assim se evita a interposição
precipitada do recurso pelo parcialmente 'vencido', graças à certeza,
que se lhe proporciona, de que terá, caso queira, nova oportunidade
de impugnar a decisão no que lhe interesse”229.
De qualquer forma, sabendo que o recurso adesivo é capaz de inibir tanto a
interposição de recursos que, na verdade, nenhuma das partes queria interpor,
quanto assegurar o direito de recorrer àquela que está suportando um recurso
meramente protelatório ou desnecessário, o aplicador do direito deve contrapesar
esta vertente com os interesses da economia processual e celeridade, de modo a
pendular pelo rumo que melhor atenda às necessidades dos Juizados Especiais,
das garantias fundamentais e, ainda, do efetivo acesso à justiça.
ORIONE NETO, Luiz. Recursos Cíveis: teoria geral, princípios fundamentais, dos
recursos em espécie, tutela de urgência no âmbito recursal, da ordem dos processos no
tribunal, p. 277.
229
89
CONCLUSÃO
Como visto ao longo deste estudo, os Juizados Especiais figuram entre os
temas mais debatidos no meio jurídico brasileiro, na medida em que representam –
nas duas últimas décadas – uma importante manifestação na defesa do efetivo
acesso à justiça.
Não à toa, é possível constatar que à época da implementação dos Juizados
Especiais, o judiciário brasileiro já vinha sofrendo de graves problemas – alto custo
das demandas, morosidade nos procedimentos, congestionamento e desinformação
nos serviços da justiça – que lhe causavam certo descrédito na população.
Em decorrência dessas circunstâncias, tornou-se inevitável a adoção de
meios alternativos na solução dos litígios, empregando nas vias conciliatórias ou em
outros caminhos informais a crença pela resolução dos conflitos.
É nesse contexto que o desacreditado Poder Judiciário precisou reagir, e o
fez por meio da criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, sendo, mais
tarde, conhecido por Juizados Especiais.
Por oportuno, denota-se que os Juizados Especiais não representam apenas
um simples rito a ser cumprido pelos juízes, mas um novo órgão judicante primado
pelo acesso à justiça das classes menos favorecidas em harmonia com uma célere
e segura prestação jurisdicional.
Aliás, outra não é a tendência atual, pois ambos os ideais de efetividade e
celeridade – esta última recentemente elevada à garantia constitucional expressa
pela Emenda Complementar n. 45/2004 –, orientam as mais recentes reformas
processuais no universo forense nacional.
Por outro lado, é certo que a opção por um procedimento simplificado tende
a suprimir certos mecanismos adotados na justiça comum, inclusive, aqueles que
não são responsáveis diretamente pelo entrave do Judiciário.
Nesse particular, constata-se que o legislador, ao promover os Juizados
Especiais, procurou tornar simples e fácil o funcionamento recursal, de modo a
reduzir em apenas duas as impugnações previstas, quais sejam, o recurso
“inominado” e os embargos de declaração.
90
Contudo, a iniciativa proibitiva não foi aprovada por boa gama da doutrina
pátria, eis que, em parte, estaria sendo tolhido o preceito do duplo grau de
jurisdição. Por conseqüência, tem-se visto a admissão de novos recursos no âmbito
dos Juizados Especiais, como por exemplo, o recurso extraordinário e o agravo.
Nessa vereda, encontra-se o problema da temática em apreço. Ou seja,
caberia recurso adesivo nos processos de competência dos Juizados Especiais
Cíveis, mesmo que ausente qualquer previsão legal?
Pois bem. O resultado obtido na pesquisa deflagrada aponta para uma
resposta positiva, ainda que as decisões judiciais, em sua esmagadora maioria,
afirmem o contrário.
Isto porque, o principal argumento usado na jurisprudência – encabeçado
pelos
enunciados
88
do
FONAJE
e
59
do
FONAJEF
–
apresenta-se
demasiadamente frágil e simplista.
Ora, se não há previsão legal quanto ao cabimento do recurso adesivo, da
mesma forma não existe qualquer vedação legal. Destarte, não sendo vedado, mas
apenas ausente a previsão, poderia ser aplicado o atual Código de Processo Civil
para preencher esta lacuna, na mais pura sobreposição de um macrossistema ao
seu microssistema.
Assim, vê-se que não estaria sendo confrontada a essência dos Juizados
Especiais, mas apenas os enunciados emanados por grupos de Magistrados que
compõem as mesas diretoras dos Fóruns dos Juizados Especiais, os quais, diga-se
de passagem, pouca vinculação normativa possuem.
Aliás, neste ponto, é possível observar situações semelhantes administradas
com mais determinação pelos Juizados Especiais. É o caso, por exemplo, da
expressa inadmissibilidade da reconvenção (artigo 31 da Lei n. 9.099/95), que,
todavia, a mesma lei tratou de formular um pedido contraposto que muito se
assemelha àquele mecanismo, com a ressalva de que é feito na peça contestatória.
De outra forma, não poderia deixar de existir a indagação do porquê não foi
aplicada a mesma regra ao recurso adesivo. Ou seja, uma vez constatado que a
insurgência adesiva não confronta o procedimento dos Juizados, qual seria o
impedimento em ser criado um mecanismo semelhante, talvez, até manifestado nas
próprias contrarrazões do recurso principal?
91
É por este motivo que o emprego do recurso adesivo, funcionalidade útil ao
acesso à justiça, não pode ser desmerecido, como está ocorrendo, sob o simples
fundamento da ausência de previsão legal.
Como se tanto não bastasse, vê-se que os dois institutos coadunam-se
harmoniosamente tanto em princípios como finalidades. Isto porque, assim como os
Juizados Especiais, a modalidade adesiva – instituída pelo Código de Processo Civil
de 1973 – foi insculpida na necessidade de dar vazão aos recursos protelatórios e
desnecessários que invadiam o judiciário, em arrimo à celeridade, economia e
efetividade processuais.
Por consectário, a admissão do recurso adesivo representaria um
mecanismo a mais nos objetivos principais dos Juizados Especiais, nos exatos
termos de que recomendaria a inércia da parte sucumbente, pois esta ainda estaria
resguardada
da
aplicação
adesiva.
Outrossim,
estar-se-ia
incentivando
o
conformismo das partes quanto aos termos da decisão e, ao mesmo tempo,
salvaguardando o direito da parte que deixou de recorrer em consentimento com a
celeridade da justiça.
Ora, não sendo possível interpor-se o recurso adesivo, aquele que a
princípio aceitaria a sentença acabará interpondo recurso principal, com receio de
que a outra parte também o faça. Assim, acaba incentivando a litigiosidade, fazendo
com que prossiga um processo que já poderia ter chegado ao seu termo final, mas
que agora poderá ter dois recursos manejados.
Portanto, à vista das hipóteses levantadas no corpo deste trabalho, traçando
a origem e os princípios norteadores dos Juizados Especiais, bem como a natureza
jurídica e os princípios informadores do recurso adesivo. Delimitados e confrontados
os respectivos conceitos, e, por fim, aplicados os conhecimentos absorvidos nas
razões das decisões judiciais e na fundamentação doutrinária específica, não pode
ser outra a conclusão, senão a possibilidade de interposição do recurso adesivo nos
Juizados Especiais Cíveis, tanto a nível estadual como federal.
Por todo o exposto, infere-se que, mais uma vez, na ânsia de tolher direitos
recursais com o fim de agilizar o processo, o legislador não atentou para a própria
concepção de efetividade, bem como para o aspecto essencial do devido processo
92
legal, os quais devem orientá-lo na adequação para a realização do acesso à justiça
que deve ocorrer de maneira plena, efetiva e segura.
93
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RUI PEDRO PINA CABRAL DA SILVA