Luce IRIGARAY e a diferença dos universos linguísticos 3 de Junho de 2008 Luce IRIGARAY diferenças e heterodoxias Filósofa Linguista Psicanalista Feminista Estudos Culturais 1932-Bélgica OBRA Speculum. De l’autre femme, 1974 Ce sexe qui n’est pas un, 1977 […] L’éthique de la différence sexuelle, 1984 Parler n’ait jamais neutre, 1985 Sexes et parentés, 1987 Je, tu, nous. Pour une culture de la différence, 1990 […] Entre deux, 1997 Entre Orient et Occident, 1999 […] PROBLEMA Comme je vous aimerais si, de vous parler, j’avais la possibilité Amante Marine, 1980 A relação entre M e H, de facto, permanece por construir a partir do reconhecimento do nada de comum entre eles, de um nada de mesmidade, de um nada de semelhante, de um nada de igual. Le partage de la parole, 41. HH e MM: duas realidades diferentes A espécie humana está dividida em dois géneros que asseguram a sua produção e reprodução. Querer suprimir a diferença sexual é provocar um genocídio mais radical que tudo o que pôde existir como destruição na História. Je, Tu, Nous, 10. A exploração das MM foi fundada na diferença sexual, ela não se pode resolver a não ser pela diferença sexual. Idem, Ibidem. A igualdade entre HH e MM não se pode realizar sem um pensamento do género como sexuado e uma reescrita dos direitos e deveres de cada sexo, enquanto diferente, nos direitos e deveres sociais. Ibidem, 11. HH e MM: 2 subjectividades, 2 universos linguísticos Para que a comunicação funcione como troca entre sujeitos que falam e não apenas como transferência de informações, o locutor e o receptor devem ser permutáveis. No caso da diferença entre os sexos ou géneros, isso suporia que o sujeito masculino e o feminino fossem, alternadamente, eu e tu. Le partage…, 4. HH e MM: 2 subjectividades, 2 universos linguísticos Para além do facto de que o H toma muito mais a palavra e se apropria muito mais do discurso, eu acrescentaria: ao nível do sentido e das regras da linguagem, nota-se que, nos enunciados, ele utiliza como sujeitos: eu, ele, animados abstractos, enquanto a M utiliza mais vezes como sujeitos: tu, ele, seres animados, pertencendo à natureza ou ao mundo animal, inanimados concretos. Le partage… 4. HH e MM: 2 subjectividades, 2 universos linguísticos Os HH evocam principalmente uma relação a um objecto fabricado ou a fabricar, material ou mental e as relações entre as pessoas, quando é questão disso, são organizadas em torno de um objecto, segundo modalidades onde se misturam competitividade, hierarquia, estereotipo ou formalismo Le partage…, 6 As MM falam, sobretudo, de relações a um outro sujeito, a maioria das vezes de sexo diferente, num contexto de vida quotidiano onde intervêm a natureza, pessoas ou objectos familiares. Le partage…, 6 HH e MM: 2 subjectividades, 2 universos linguísticos Exemplos ELE (com possessivos) Ele conduz o seu carro Ele compõe a sua gravata Ele lê o seu jornal ------------------------------- (eu, tu, eu-tu, eu-ele/ela) Eu gosto de baseball Tu odeias as MM Eu odeio-te Eu e ele jogamos um game Eu e ela odiamo-nos ELA (com possessivos) Ela devolveu-lhe o seu livro Ela presta atenção ao seu sotaque ------------------------------- (eu, tu, eu-tu, eu-ele/ela) Eu amo Dilan Tu gostas do Gian Michele Eu e tu temos os mesmos gostos Eu e ele amamo-nos Eu e ela amamos o mesmo rapaz HH e MM: 2 subjectividades, 2 universos linguísticos Exemplos Frases integrando a palavra tu ELA Tu és a única pessoa que consegue fazer-me compreender o que significa experimentar sentimentos por outra pessoa que se ama Tu és um universo no qual eu posso refugiar-me Tu és como o ar para mim, mas lembra-te : sem ar, impossível viver ELE Tu és muito simpático e gentil, mas as raparigas detestam-te porque tu és grosseiro Tu agradas-me muito Tu imaginas-te ser não sei o quê HH e MM: 2 subjectividades, 2 universos linguísticos Exemplos Frases a partir da palavra desejar ELA ELE Eu desejo o teu amor, mas não o quero se tu não me puderes amar Eu desejo conhecer-me melhor a mim próprio e ser feliz Eu desejo uma amizade e uma afeição sinceras entre raparigas e rapazes. Desejoo muito Eu desejo divertir-me sempre e de todas as formas É natural desejar o outro sexo HH e MM: 2 subjectividades, 2 universos linguísticos Mesmo quando parecem dialogar, os sujeitos masculino e feminino não o estão a fazer. Eles trocam, quanto muito, informações dizendo respeito às suas necessidades, por exemplo, não tendo, contudo, os de um e de outra o mesmo direito de cidade. Le partage…4 Le Mundo do rapaz e da rapariga apresentam-se, assim, como mundos relacionais muito diferentes e a comunicação entre os sexos será impossível se não houver tomada de consciência dessa diferença e respeito por ela na interacção. Le partage…11 HH e MM: identidades relacionais diferentes A identidade não é nem estritamente biológica, nem estritamente social, mas relacional Nascendo ambos de M, rpzes e rpgas organizam a sua identidade de modo diferente: intra-genérica e inter-genérica A identidade das rpgas faz-se por identificação e a dos rpzes por recusa. Elas aprofundam o relacional. Eles abandonam-na e securizam-se pela objectivivação do mundo HH e MM: identidades relacionais diferentes A identidade não é nem estritamente biológica, nem estritamente social, mas relacional As rpgas só têm condições para dialogar com um tu/ela na pequena infância, antes de possuir um eu consistente e capaz de um diálogo efectivo. Quando chegam à Escola e o poderiam desenvolver, a cultura só lhes oferece um modelo em ele As rpgas interiorizam o seu desejo de relação intersubjectiva Os rpzes encontram na Escola os elementos para consolidarem a sua identidade e a fortalecerem no mesmo sentido em que a definiram inicialmente Os rpzes não desenvolvem o desejo de de uma relação intersubjectiva A assimetria simbólica do universo linguístico/cultural A língua, como lugar da cultura, é do domínio do ELE A própria estruturalidade das línguas é excludente do feminino A assimetria simbólica do universo linguístico/cultural Há um devir patriarcal da cultura que se manifesta nas relações entre os sexos Esse devir/transformação manifesta-se também na estrutura profunda da língua Essa estrutura reflecte, por assim dizer a maneira como as relações entre os sexos se efectivam A assimetria simbólica do universo linguístico/cultural A diferença sexual determina o sistema dos pronomes, dos adjectivos possessivos, mas também o género das palavras e a sua organização em classes gramaticais: animado/não animado, concreto/abstracto, masculino/feminino, por ex. ela situa-se no cruzamento da natureza e da cultura. Mas as civilizações patriarcais reduziram a tal ponto o valor do feminino que a realidade e as suas descrições do mundo são inexactas. Assim, em lugar de ficar um género diferente, o feminino tornou-se, nas nossas línguas, o não-masculino, isto é, uma realidade abstracta não existente. Se a M se encontra muitas vezes confinada ao domínio sexual, em sentido estrito, o género gramatical feminino apaga-se, como expressão subjectiva e o léxico dizendo respeito às MM compõe-se de termos pouco valorizadores, mesmo injuriosos, que a definem como objecto em relação ao sujeito masculino. Isto tem a ver com o facto de as MM terem tanta dificuldade em falar e a ser escutadas como MM. Elas são excluídas e negadas pela ordem patriarcal. Je, tu, nous, pp. 18-19