Descentralização das Políticas e Ações em Saúde: impactos e desafios
para o enfrentamento da epidemia de HIV/Aids
Descentralização: impactos e desafios na assistência e no
financiamento de políticas e ações
Renato Barboza
Pesquisador Científico - Instituto de Saúde SP
[email protected]
ABIA
Fortaleza - 2010
“A gestão é uma prática configurada pela proposição, direção
e condução ética, política, técnica e administrativa de um
processo social; no âmbito da saúde, a gestão inclui a
formulação, o planejamento, a programação, o orçamento, o
gerenciamento, a execução e avaliação de planos, programas
e projetos”.
(CONASS, 2005:54)
Draibe (1997) alerta para a importância dos
processos de descentralização e sua relação com as
mudanças operadas no aparato estatal na área da saúde
desde os anos 70 na América Latina.
Nesse setor, a descentralização configura-se como
uma alternativa de racionalização, capaz de promover
maior eficácia nos aparelhos do Estado, responsáveis
pela implementação das políticas públicas.
Esse processo depende da transferência de poder
decisório para o nível local. (Junqueira, 1998)
Logo, a descentralização deve ser capilarizada, não
apenas transferindo responsabilidades executivas, mas
também as decisões quanto a definição, a formulação e o
estabelecimento de prioridades das políticas públicas,
atribuindo-lhes maior transparência. (Junqueira, 1997)
Cabe ao Estado a assunção de um papel coordenador,
fiscalizador e regulador da gestão das políticas públicas.
Nessa perspectiva, a gestão descentralizada deve
aperfeiçoar seus mecanismos e estratégias, dada a maior
complexidade dos processos.
Rondinelli et al. (1983), indica que na literatura há várias
tipologias sobre a descentralização, destacando quatro tipos
distintos:
- desconcentração
- devolução
- delegação
- privatização

Planejamento integrado e articulado;

Mudanças nos valores e na cultura das instituições;

Produção de saberes, práticas e inovações;

Construção de mecanismos e estratégias de integração
ampliando a co-gestão dos processos e das decisões;



Integração dos processos de planejamento, monitoramento e
avaliação para fortalecer a pactuação e as parcerias entre as
instituições;
Atuação em rede estabelecendo acordos de cooperação, de
alianças e de reciprocidade gerando novas possibilidades de de
intervenção (Junqueira, 2004).
Geral:
Descrever e analisar o processo de implementação e
desenvolvimento do Programa Estadual DST/Aids de São Paulo,
no período de 1994 a 2003, quanto à descentralização e gestão
das ações programáticas.
Específicos:
 Analisar o processo de descentralização das ações programáticas
em DST/Aids no Estado de São Paulo em termos políticos,
técnicos e administrativos.

Analisar os mecanismos e estratégias utilizadas na gestão em
termos do planejamento, gerenciamento, financiamento e
avaliação do Programa Estadual DST/Aids.
Delineamento do Estudo
-
Estudo de caso em 37 municípios conveniados no
estado SP (Good & Hatt, 1977; Gil, 1991)
-
Pesquisa documental (acordos de empréstimo e política de
-
Entrevistas semi-estruturadas e em profundidade com
atores-chave (Minayo, 2004)
incentivo 2003)
Sujeitos
- 8 informantes-chave:
1 coordenador PNDST/Aids
1 coordenador PEDST/Aids-SP
4 coordenadores PMDST/Aids
2 presidentes Fórum Estadual ONG/Aids
- Critérios:
experiência acumulada na gestão; no controle social; e
regularidade na função;
-
Seleção intencional: Guarulhos, Campinas, São José dos
Campos e Ribeirão Preto;
-
Aplicação do TCLE – Resolução N.196/96
Análise
As entrevistas foram gravadas, transcritas e submetidas à
técnica de análise de conteúdo (Bardin, 1979).
Principais categorias emergentes:






Processo de planejamento das ações;
Monitoramento e avaliação das ações;
Centralização e descentralização das ações, quanto aos
seus avanços, dificuldades e desafios;
Processos de pactuação nas instâncias do SUS;
Gestão dos programas e a verticalização das ações;
Relação entre as diferentes esferas de gestão da
política de DST/Aids.
Resultados
Relação entre as diferentes esferas de gestão da política
de DST/Aids
No período dos convênios, os Estados, os Municípios e as
ONGs eram os executores das ações e o Ministério da
Saúde o financiador.
“Quando ele [MS] assume o papel do financiamento,
ele assume numa perspectiva centralizada, bem
centralizada, tanto que na realidade os Estados,
municípios e ONGs eram vistos como executores,
denominadamente os executores. Só passa de fato a
incorporar os princípios da descentralização de
fortalecimento de Estados e municípios, no finalzinho
de 90.”
(coordenação do Programa Nacional DST/Aids)
Gestão Verticalizada
Na vigência do Aids I, as políticas implementadas pelo
Ministério da Saúde foram marcadas por um posicionamento
verticalizado na relação com os Estados e os Municípios
conveniados, com alterações substantivas no AIDS II.
“Em 1993, a instância estadual estava desestruturada, ela não dava
uma resposta a contento naquele ano. Para que os municípios
pudessem elaborar os seus Planos Operativos o Ministério entrou
em contato. Lógico que isso depois foi um desafio nosso recuperar
o espaço da instância estadual e a gente se consolidar. Mas, a
ausência de uma resposta estadual mais estruturada em 1993
levou o Ministério a ter uma articulação maior com os municípios.
A partir de 1994 a gente consegue ir recuperando esse espaço.”
(coordenação do Programa Estadual DST/Aids-SP)
A gestão verticalizada está relacionada a inserção do
programa e suas interfaces na estrutura e no sistema de
saúde. A transparência é um ponto chave dos processos
institucionais e elemento central da governança.
“Tem programas que falam que o recurso da Aids é
deles, não dá transparência, não tem processo de
articulação dentro da própria Secretaria, não há
prestação de contas aos níveis hierárquicos e aos
colegas (...) porque falta visão estratégica”.
(coordenação do Programa Nacional)
Planejamento
A lógica do financiamento dos convênios dificultou o
planejamento das ações municipais, refletida também no
monitoramento e na avaliação. A execução financeira e a
prestação de contas eram as grandes preocupações dos
coordenadores.
“A grande dificuldade era executar o recurso dentro das estruturas
administrativas de aquisição pública ou burocrática da própria
secretaria de saúde. Era muito difícil você tanto executar o recurso
em tempo hábil para prestação de contas, quanto mantê-lo no plano
aprovado para o Aids I. O risco de pulverização desses recursos ou
de nó em pingo d’água foi muito grande e aconteceu”.
(coordenação do Programa Municipal C)
Com a política de incentivo, o sentido atribuído ao
planejamento foi modificado nos municípios, incorporando
o planejamento estratégico na gestão.
“A partir do primeiro PAM, a gente começa a ter mais autonomia, a
gente fica livre do Banco Mundial, daquelas coisas muitos rígidas
e pode trabalhar mais tranquilamente dentro do planejamento
estratégico situacional”
(coordenação do Programa Municipal D)
“O instrumento do PAM é muito legal (...) faz a gente pensar no dia
a dia, ele direciona nossas ações, antes eu deixaria para ver no
final do ano se alcançou ou não, agora se na metade do ano eu
não alcancei, tenho que fazer o possível para alcançar minha
meta.”
(coordenação do Programa Municipal C)
Monitoramento e avaliação das ações
Ao contrário do período dos convênios, com a política de
incentivo, o PAM foi destacado como um meio capaz de
induzir o monitoramento e a avaliação das ações. Mas, ainda
é necessário um investimento permanente nessa questão.
“Dizer que nosso processo de avaliação é um processo mais formal,
um processo mais organizado, não, nós temos muito que avançar
nisso ainda, nessa questão de monitoramento, de avaliação, eu
acho mesmo.”
(coordenação do Programa Estadual DST/Aids-SP)
“Muitas vezes a gente tentava achar o que avaliar. Esse abstrato da
avaliação não é mais abstrato, ele é mais concreto (...) está sendo
muito interessante para nós, um avanço muito grande.”
(coordenação do Programa Municipal C)
Pactuação nas instâncias colegiadas
A gestão da política em DST/Aids no Estado e nos
Municípios, durante os convênios foi desarticulada das
instâncias colegiadas do SUS, sendo modificada com o
processo de planejamento e a introdução da política de
incentivo. Contudo, monitorar e avaliar o cumprimento das
pactuações ainda é um desafio.
Para o gestor federal, a pactuação no contexto do incentivo:
“Criou uma pactuação de outras coisas, que não é só repasse.
Pactuar é o mais fácil, criar acordos de intenção é o mais fácil e
via de regra a política nacional faz isso, ela se dá por satisfeita
na pactuação do acordo e não cria instrumentos para
implantação e viabilização do acompanhamento do acordo.
Então fica capenga e depois fica lá o Ministério brigando, isso é
responsabilidade do Estado ou do Município?”
(coordenação do Programa Nacional)
Descentralização
A transição dos convênios para o incentivo, fortaleceu a
descentralização e o financiamento das ações,
aperfeiçoando o papel dos gestores na condução da política
de DST/Aids nas diferentes esferas, especialmente no
âmbito local.
“A tomada de decisão foi se legitimando, não tenho dúvidas sobre
isso. Hoje eu me sinto muito mais segura de ter uma equipe
coordenando e uma Secretaria que entende o que está
acontecendo.”
(coordenação do Programa Municipal C)
A descentralização ampliou o número de municípios no
Estado e no país com ações financiadas, porém a maioria
ainda apresenta uma capacidade de gestão limitada da
política de DST/Aids. Assim, é fundamental investir em
processos de formação e supervisão, especialmente para
os ‘novos municípios’.
“Não basta descentralizar, tem que acompanhar tudo que está
acontecendo no nível local. É importante para os dois lados,
para quem descentralizou e para quem está executando lá na
ponta da linha. É um ganho político, sem dúvida nenhuma,
muito grande”.
(coordenação do Programa Municipal A)
1- Estudar os convênios com o Banco Mundial e a transição
para a política de incentivo, forneceram elementos
importantes para apreendermos a gestão descentralizada
em DST/Aids no período de 1994 a 2003.
2- O processo de descentralização apresentou diferentes
graus e distintas formas de operacionalização nas três
esferas de gestão.
3- Nos convênios, especialmente no AIDS I, houve uma forte
desconcentração administrativa, com pouca autonomia dos
coordenadores estaduais e municipais na gestão das
ações.
4- Observamos a modalidade da devolução, principalmente
no AIDS II, quando houve redistribuição de poder
decisório e uma maior autonomia política e administrativa
no Estado e nos Municípios.
5- A descentralização no período do incentivo,
proporcionou maior eficiência na alocação dos recursos,
pois o programa de DST/Aids na estrutura das
Secretarias de Saúde estudadas é um dos poucos que
possui informações sobre a aplicação dos recursos
financeiros.
6- Com o incentivo, a pactuação nos órgãos colegiados do
SUS foi incorporada pelas coordenações de DST/Aids no
âmbito estadual e municipal, ampliando a transparência das
ações.
7- É necessário investir na qualificação permanente das
práticas de gestão e gerência, sobretudo na produção,
sistematização e aplicação de informações estratégicas para
a sustentabilidade das políticas públicas em DST/Aids.
Não basta transferir recursos se não houver transferência de
conhecimento técnico-científico e de poder decisório para os
níveis regionais/locais do sistema de saúde.
8- As ações de prevenção foram pouco priorizadas na
agenda das coordenações de DST/Aids, sobretudo nas
esferas estaduais e municipais. No nível local houve
delegação dessas ações para as ONGs, com redução
crescente da atuação municipal nas etapas de
proposição e implementação das atividades.

-

-

-

-

-
Pactuações e definição de responsabilidades
ARV, IO, DST
Fórmula infantil
Repasse per capita casas de apoio
Espaços institucionais e processos decisórios
Cresce o número de comites, fóruns, GTs...
Articulação nos colegiados SUS estadual/municipal
Acesso
Ampliação da cobertura e das modalidades assistenciais
Complexidade tecnologias leves e duras
Formação
Educação pontual para continuada para permanente - prof. Saúde e áreas afins
Estudos e Pesquisas
Adesão: indicador de qualidade dos serviços
Quali aids: capacidade de resposta da rede local, regional, estadual
UNGASS: análise do progresso da resposta brasileira



-


-
-
Pactuação
Desigualdades regionais e intraregionais no país
Monitorar e avaliar os pactos
Força de trabalho
Necessidade de uma carreira pública para sustentabilidade
contratação, fixação e fidelização de quadros estaduais/municipais
Formação
Fortalecer gestão e gerência investindo no planejamento, monitoramento e
avaliação orientados para tomada de decisão
Intersetorialidade
casas de apoio e reinserção social: articulação SUS e SUAS
Acesso
Aperfeiçoar processos de trabalho e tecnologias para o aumento do diagnóstico
precoce e vinculação dos novos casos nos SAEs
Referência e contra-referência no SUS (envelhecimento da população)
Populações mais vulneráveis - articulação CTA-SAE-AB
Atenção população prisional e em situação de rua
Ampliação da abordagem sindromica das DST na AB (eixo estruturante no Pacto)
Qualificação dos profissionais da AB em aconselhamento HIV/DST/Hepatites
Controle Social
- Formação de novas lideranças (RNP e outros) que abordem o
SUS, a Aids e as Hepatites nos colegiados
 Estudos
- Fortalecer os temas da adesão e acesso aos serviços para
diferentes populações vulneráveis; toxidade e qualidade da
atenção

 Obrigado
!
 [email protected]