UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO UNIVERSIDADE DO MINHO – UMINHO ESCOLA DE DIREITO PÓS-GRADUAÇÕES MESTRADO EM DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA A EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E O TRATAMENTO ADEQUADO DAS AÇÕES REPETITIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: perspectiva brasileira e europeia ANTONIO AUGUSTO BAGGIO E UBALDO Itajaí-SC/Braga-PT Junho/2015 A EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E O TRATAMENTO ADEQUADO DAS AÇÕES REPETITIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: perspectiva brasileira e europeia Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI e à Universidade do Minho - UMINHO, para o Curso de Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica e em Direito da União Europeia. Trabalho realizado sob a orientação do Professor Doutor Serafim Pedro Madeira Froufe, da UMINHO, e sob a orientação do Professor Doutor Zenildo Bodnar, da UNIVALI. Itajaí-SC/Braga-PT Junho/2015 DECLARAÇÃO Nome: Antonio Augusto Baggio e Ubaldo Endereço electrónico: [email protected] Telefone: + 55 (48) 9600 1000 Número do Bilhete de Identidade: 1.708.505-5 Título dissertação: A efetividade da jurisdição e o tratamento adequado das ações repetitivas nos juizados especiais cíveis: perspectiva brasileira e europeia Orientador UNIVALI: Professor Doutor Zenildo Bodnar Orientador UMINHO: Professor Doutor Serafim Pedro Madeira Froufe Ano de conclusão: 2015. Designação do Mestrado: Ciência Jurídica (Univali) e Direito da União Europeia (Uminho) Nos exemplares das teses de doutoramento ou de mestrado ou de outros trabalhos entregues para prestação de provas públicas nas universidades ou outros estabelecimentos de ensino, e dos quais é obrigatoriamente enviado um exemplar para depósito legal na Biblioteca Nacional e, pelo menos outro para a biblioteca da universidade respectiva, deve constar uma das seguintes declarações: 1. É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE; 2. É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA TESE/TRABALHO, APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE; 3. DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA TESE/TRABALHO Universidade do Minho, junho de 2015. Assinatura:_______________________________________________ 4 DECLARAÇÃO Nome: Antonio Augusto Baggio e Ubaldo Endereço electrónico: [email protected] Telefone: + 55 (48) 9600 1000 Número do Bilhete de Identidade: 1.708.505-5 Título dissertação: A efetividade da jurisdição e o tratamento adequado das ações repetitivas de pequeno montante. Perspectiva brasileira e europeia Orientador UNIVALI: Professor Doutor Zenildo Bodnar Orientador UMINHO: Professor Doutor Serafim Pedro Madeira Froufe Ano de conclusão: 2015. Designação do Mestrado: Ciência Jurídica (Univali) e Direito da União Europeia (Uminho) Declaro que concedo à Universidade do Minho e aos seus agentes uma licença nãoexclusiva para arquivar e tornar acessível, nomeadamente através do seu repositório institucional, nas condições abaixo indicadas, a minha tese ou dissertação, no todo ou em parte, em suporte digital. Declaro que autorizo a Universidade do Minho a arquivar mais de uma cópia da tese ou dissertação e a, sem alterar o seu conteúdo, converter a tese ou dissertação entregue, para qualquer formato de ficheiro, meio ou suporte, para efeitos de preservação e acesso. Retenho todos os direitos de autor relativos à tese ou dissertação, e o direito de a usar em trabalhos futuros (como artigos ou livros). Concordo que a minha tese ou dissertação seja colocada no repositório da Universidade do Minho com o seguinte estatuto (assinale um): 1. Disponibilização imediata do conjunto do trabalho para acesso mundial; 2. Disponibilização do conjunto do trabalho para acesso exclusivo na Universidade do Minho durante o período de 1 (um) ano, sendo que após o tempo assinalado autorizo o acesso mundial. 3. Disponibilização do conjunto do trabalho para acesso exclusivo na Universidade do Minho. Universidade do Minho, junho de 2015. Assinatura:_______________________________________________ 5 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí e a Universidade do Minho a Coordenação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica e a Coordenação do Curso de Mestrado em Direito da União Europeia, a Banca Examinadora e os Orientadores de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí/Braga, junho de 2015. ANTONIO AUGUSTO BAGGIO E UBALDO Mestrando 6 DEDICATÓRIA A Helena, Andrea, Edson e Vâni. 7 A EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E O TRATAMENTO ADEQUADO DAS AÇÕES REPETITIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: perspectiva brasileira e europeia RESUMO As ações repetitivas fundadas em interesses individuais homogêneos se avolumam nos juizados especiais cíveis estaduais brasileiros, afetando a sua efetividade e o direito fundamental de amplo acesso à justiça que ensejaram sua criação. O modelo processual da Lei nº 9.099/95 é inadequado ao processamento de ações de massa. O direito pressuposto correspondente ao direito posto, no tocante aos juizados especiais cíveis estaduais, continua existindo, porém o desvirtuamento da norma, com a recepção e o processamento das ações de massa no sistema especial, gera risco à sua efetividade e, portanto, à sua própria legitimidade. É possível evitar o risco de perda de legitimidade dos juizados especiais cíveis, pelo desvirtuamento da sua lei de regência, com alterações no direito posto, excluindo-se expressamente de sua competência as demandas baseadas em interesses individuais homogêneos. A efetividade das agências reguladoras é fator preponderante para a efetividade dos juizados especiais cíveis. O processo europeu para ações de pequena monta, sobretudo no seu desapego à oralidade, contém elementos que serviriam ao tratamento das ações repetitivas nos juizados especiais cíveis estaduais brasileiros. Palavras-chave: Ações repetitivas. Ações de massa. Juizados Especiais Cíveis. Acesso à Justiça. Efetividade. 8 THE EFFECTIVENESS OF JURISDICTION AND THE PROPER TREATMENT OF REPETITIVE ACTIONS IN CIVIL SMALL CLAIMS COURTS: Brazilian and European perspective ABSTRACT The repetitive actions based on homogeneous individual interests have been accumulating over small claims courts, affecting their effectiveness and the fundamental right of access to justice that gave rise to its creation. The procedural model of Law No. 9.099/95 is inappropriate to process mass actions. The presupposed right corresponding to the law, as regards the small claims courts, continues to exist, but the distortion of the law, with the reception and processing of mass actions in the special system generates risk to its effectiveness and therefore to its own legitimacy. You can avoid the risk of loss of legitimacy of the small claims courts, by distortion of its corresponding law, with little change in it, expressly excluding its jurisdiction to demands based on homogeneous individual interests. The effectiveness of government agencies is a major factor in the effectiveness of the Small Claims Courts . The European process for small claims, especially in his detachment to orality, contains elements that serve the handling of repetitive actions in Brazilian states civil Small Claims Courts. Keywords: Repetitive actions. Mass Actions. Civil Small Claims Courts. Access to Justice. Effectiveness. 9 A vida do direito não tem sido a lógica; tem sido a experiência. As necessidades sentidas em cada época, a moral e as teorias políticas dominantes, as intuições da política pública expressas ou inconscientes, mesmo os preconceitos que os juízes partilham com os seus concidadãos têm contado mais do que o silogismo na determinação das leis pelas quais os homens devem ser regidos. O direito incorpora a história do desenvolvimento de uma nação ao longo de muitos séculos e não pode ser tratado como se contivesse apenas os axiomas e as regras de um livro de matemática. Para sabermos o que ele é temos de saber o que ele foi e o que ele tem tendência a ser no futuro. (Oliver Wendell Holmes Jr., in”The Common Law”) 10 ROL DE CATEGORIAS Categorias estratégicas à compreensão do presente trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais nele empregados: Ações repetitivas: conjunto numeroso de ações individuais com a mesma parte demandada ou, se mais de uma, com similaridade de atividade econômica, e versando sobre o mesmo objeto, cuja natureza e conteúdo permitissem, em tese, seu julgamento conjunto em uma única ação coletiva. Acesso à justiça: direito fundamental a uma ordem jurídica justa, a qual deve garantir o acesso materialmente igualitário de todos ao sistema jurídico e à obtenção de soluções adequadas, efetivas e em prazo razoável aos conflitos. Agências reguladoras: órgãos fiscalizadores da prestação de serviços públicos praticada pela iniciativa privada. Conselho Nacional de Justiça (CNJ): instituição pública que visa aperfeiçoar o sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativas e processuais. Efetividade: concretização, no plano real, dos efeitos desejados ou finalidades de algo. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): instrumento a ser utilizado para solucionar demandas que versando sobre questões jurídicas comuns, de maneira que essas questões sejam decididas de modo uniforme.1 Juizados especiais cíveis: órgãos da Justiça Ordinária brasileira competentes para a conciliação, processo, julgamento e execução das causas cíveis de menor complexidade. 1 RIBEIRO, Rodrigo Pereira Martins. O futuro do Processo Civil no Brasil: Uma análise crítica ao projeto do novo CPC. 11 Processo europeu para ações de pequeno montante: processo e procedimentos previstos no Regulamento (CE) nº 861/2007. Questões unicamente de direito: questões em que a controvérsia é apenas de natureza jurídica, sem controvérsia fática. Razoável duração do processo: lapso temporal suficiente para adequada resolução da controvérsia, sem prejuízo do próprio direito objeto do litígio e evitando a perda superveniente da utilidade do provimento final para os envolvidos, observados os trâmites inerentes ao devido processo legal (due process of law) e considerando as peculiaridades específicas de cada relação jurídico-processual2. 2 ZANON JR, Orlando Luiz. Razoável duração do processo: a celeridade como fator de qualidade na prestação da tutela jurisdicional. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12483/razoavelduracao-do-processo/1>. Acesso em: 27 jun. 2015. 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Números do 1º Juizado Especial Cível da Capital-SC em 2013 ............................................... 48 Tabela 2: Números do 1º Juizado Especial Cível da Capital-SC em 2014 ............................................... 48 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 15 CAPÍTULO 1 ........................................................................................................................................... 18 1 ACESSO À JUSTIÇA E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO ........................................................ 18 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................................... 18 1.2 O DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA ................................................................ 19 1.3 A NECESSÁRIA DISTINÇÃO ENTRE ACESSO À JUSTIÇA E ACESSO AO JUDICIÁRIO ................. 25 1.4 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO ................................................................................. 31 1.5 A INDISSOCIABILIDADE ENTRE O ACESSO À JUSTIÇA E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: EFETIVIDADE .................................................................................................................. 37 1.6 SÍNTESE DO EXPOSTO ............................................................................................................ 38 CAPÍTULO 2 ........................................................................................................................................... 40 2 AS AÇÕES REPETITIVAS E O RISCO DE PERDA DA LEGITIMIDADE DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS.....................................................................................................................................................40 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................................... 40 2.2 OS PRINCÍPIOS ORIENTADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ........................................ 41 2.3 OS JUIZADOS ESPECIAIS E O ACESSO À JUSTIÇA .................................................................... 47 2.4 AS AÇÕES REPETITIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ..................................................... 50 2.5 A INADEQUAÇÃO DA LEI Nº 9.099/95 ÀS AÇÕES REPETITIVAS: O RISCO DE PERDA DE SUA LEGITIMIDADE ................................................................................................................................... 56 2.6 O JULGAMENTO LIMINAR NAS AÇÕES REPETITIVAS ............................................................. 62 2.7 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 70 2.8 A IMPORTÂNCIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NA PRESERVAÇÃO DA EFETIVIDADE DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ............................................................................................................... 73 2.9 SÍNTESE DO EXPOSTO ............................................................................................................ 78 CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................................... 80 3 O PROCESSO EUROPEU PARA AÇÕES DE PEQUENO MONTANTE............................................... 80 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................................... 80 14 3.2 O REGULAMENTO (CE) Nº 861/2007 ..................................................................................... 82 3.3 PERSPECTIVAS DE APROVEITAMENTO DE ELEMENTOS DO PROCESSO EUROPEU PARA AÇÕES DE PEQUENA MONTA NO TRATAMENTO DAS AÇÕES REPETITIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS BRASILEIROS ........................................................................................................................... 97 3.4 SÍNTESE DO EXPOSTO .......................................................................................................... 102 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................. 103 4 REFERÊNCIAS............................................................................................................................. 106 15 INTRODUÇÃO As ações repetitivas fundadas em interesses individuais homogêneos têm-se avolumado nos juizados especiais cíveis de todo o Brasil, gerando dificuldades ao funcionamento adequado dessas unidades judiciárias e comprometendo o amplo acesso à justiça pretendido quando da criação do sistema de juizados especiais. O volume de processos é tanto que os juizados especiais, embora ainda constituam o ramo do Judiciário em que o brasileiro mais confia, correm o risco de perder sua legitimidade e cair em descrédito semelhante ao que ensejou seu nascimento. Nos quase vinte anos de existência dos juizados especiais tem-se visto esse fato repetir-se com inquietante frequência. Assim ocorreu, por exemplo, com as questões envolvendo assinatura básica de telefonia e planos econômicos. Recentemente, mais especificamente no ano de 2013, houve o ajuizamento repentino de milhares de ações questionando o sistema de scoring de crédito. Apenas nos dois juizados especiais cíveis centrais do foro central de Florianópolis, Santa Catarina, a explosão de litigiosidade foi de tal monta que em pouquíssimos meses o acervo de cada uma dessas unidades judiciárias subiu de aproximados 4.500 (quatro mil e quinhentos) processos para cerca de 50.000 (cinquenta mil) processos. Esse expressivo aumento ocorreu somente em razão da discussão dessa única questão, que poderia ter sido posta em apenas um processo de natureza coletiva, em vez de mais de 100.000 (cem mil) processos individuais3. Não existe na Lei nº 9.099/95, nem em outros diplomas legais brasileiros vigentes na data de conclusão da pesquisa, nada que possa impedir o manejo individual dessas ações. Também nada há que permita ao juiz de primeiro grau reuni-las para tratá-las como apenas um processo coletivo. Tampouco para suspender o andamento de todas menos uma até que houvesse nessa uma decisão judicial definitiva e irrecorrível. Resta, logo, aos magistrados, aos servidores do Judiciário e à estrutura deste, a princípio, apenas enfrentar o acervo todo, tratando cada processo desses como se versasse sobre um direito individual típico. 3 Os números exatos do 1º Juizados Especial Cível de Florianópolis-SC (foro central) foram verificados e se encontram em tabela constante do Capítulo 2. 16 Com isso, ocupando desnecessariamente toda uma força e estrutura de trabalho que poderiam estar dedicadas à finalidade para a qual os juizados especiais cíveis estaduais foram criados, que é solucionar de modo simples e rápido as causas de menor complexidade, assim classificadas, em tese, em razão do seu valor (pequenas causas ou causas de pequeno montante) ou, por exceção legal, de sua natureza (v.g., danos decorrentes de acidentes de trânsito), nas quais não haja necessidade de produção de prova complexa e versando sobre direitos individuais típicos. O aumento desproporcional no número de processos ocasionado pelas ações repetitivas sobre direitos individuais homogêneos está comprometendo seriamente a celeridade e, portanto, a razoável duração do processo nos juizados especiais cíveis. Assim, afeta substancialmente a efetividade da prestação jurisdicional. Pela pesquisa que culminou na presente dissertação pretendeu-se estudar tal fenômeno e algumas de suas nuances, na tentativa de encontrar não exatamente soluções, as quais são complexas como a natureza do problema e envolvem fatores outros que não apenas o jurídico, como por exemplo o econômico, o cultural, o político. Buscou-se singelamente encontrar ideias na seara jurídica que fossem hábeis a, de alguma maneira, auxiliar no tratamento das ações repetitivas nos juizados especiais cíveis. Para tal fim, foram revisitados os direitos fundamentais afetados diretamente pelo fenômeno citado, quais sejam, o acesso à justiça e a razoável duração do processo, os quais convergem na efetividade da prestação jurisdicional. Foram abordados os juizados especiais cíveis e a razão de sua implantação. Também o advento das ações repetitivas nesses juizados e se o modelo de prestação jurisdicional previsto na Lei nº 9.099/95 seria ou não adequado ao enfrentamento desse tipo de processo. Examinou-se se a efetividade das agências reguladoras afetaria a efetividade dos juizados especiais de algum modo. A pesquisa, realizada visando a titulação em mestrado tanto pela Universidade do Vale do Itajaí, de Itajaí-SC, Brasil, como pela Universidade do Minho, de Braga, Portugal, acabou conduzindo à busca de conhecimento sobre a União Europeia e o tratamento por esta dispensado às pequenas causas no âmbito 17 da integração europeia. Com isso, estudou-se o Regulamento (CE) nº 861/2007, que estabelece o processo europeu para ações de pequeno montante, procurando-se cotejá-lo à Lei nº 9.099/95. O tema central deste trabalho, portanto, embora constitua um problema recorrente no Brasil e tenha surgido dessa preocupação com os juizados especiais cíveis brasileiros, é abordado também sob uma perspectiva europeia, procurando-se estabelecer elementos de conexão e aproveitando-se, no que se mostra possível, o que o direito de integração europeu tem a contribuir. A presente dissertação, deste modo, está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo cuida-se do direito fundamental de acesso à justiça, da razoável duração do processo e da indissociabilidade entre ambos, que converge na efetividade da prestação jurisdicional. Em seguida, no segundo capítulo, são abordadas as ações repetitivas e o risco de perda de legitimidade dos juizados especiais cíveis, perquirindo-se sobre a possível inadequação da Lei nº 9.099/95 ao trato das ações repetitivas. Também se aborda a importância da efetividade das agências reguladoras para a efetividade dos juizados especiais cíveis. O processo europeu para ações de pequeno montante é o objeto do terceiro capítulo. Nele é primeiramente examinado, na parte pertinente à pesquisa proposta, o Regulamento (CE) 861/2007, que estabelece e disciplina o referido processo. Em seguida, procura-se estabelecer algumas perspectivas de aproveitamento de elementos do processo europeu para ações de pequena monta no tratamento das ações repetitivas nos juizados especiais cíveis brasileiros. Por derradeiro, este trabalho não tem por finalidade, repete-se, esgotar os temas de que trata nem formular soluções, menos ainda milagrosas, para a preocupação que lhe deu origem. 18 CAPÍTULO 1 1 1.1 ACESSO À JUSTIÇA E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO CONSIDERAÇÕES INICIAIS Serão examinados neste capítulo o acesso à justiça e a razoável duração do processo. Ainda, a distinção necessária entre acesso à justiça e ao Judiciário. Por fim, a indissociabilidade entre o acesso à justiça e a razoável duração do processo. É certo que os assuntos tratados neste capítulo já foram largamente examinados pela doutrina nacional e estrangeira. Sob os contornos atuais, muito particularmente após o advento da Constituição Federal de 1988 e a obra de Mauro Cappelletti e Garth Bryant, Acesso à Justiça, traduzida por Ellen Gracie Northfleet e publicada também em 19884. Mesmo, contudo, que o tema “acesso à justiça” tenha sido praticamente esgotado em seu aspecto teórico, o que se percebe na prática, decorridos mais de 25 anos, é até certo ponto um paradoxo. Por um lado, ainda se está longe de obter o amplo acesso à justiça que se deseja para o cidadão, pois o volume de demandas se agiganta em escala geométrica, afetando a capacidade do Estado de prestar a jurisdição. De outro, justamente pela facilidade de acesso ao Judiciário, em especial ao Sistema dos Juizados Especiais, já se fala no que até o momento se convencionou chamar de “excesso de acesso à justiça”. Conforme já constataram Adriana Goulart de Sena Orsini e Luiza Berlini Dornas Ribeiro: A expressão “Excesso de Acesso à Justiça” tem sido utilizada por doutrinadores contemporâneos para indicar a litigância habitual perante o Poder Judiciário, que ocupa o sistema judicial com processos similares em 5 larga escala e repercute em um congestionamento da via jurisdicional . Fenômeno relativamente recente, para sua melhor compreensão é necessário revisitar o que a seguir se verá, ainda que sem a amplitude e as minúcias já alcançadas pela doutrina, tendo em vista que o foco do presente produto acadêmico não é o acesso à justiça nem a razoável duração do processo em si 4 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. ORSINI, Adriana Goulart de Sena; RIBEIRO, Luiza Berlini Dornas. A litigância habitual nos juizados especiais em telecomunicações: a questão do “excesso de acesso”. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, v. 55, n. 85, p. 21-46. Belo Horizonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, 2012, p. 22. 5 19 considerados. 1.2 O DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA Conceitos de acesso à justiça há muitos e variados. Existe, contudo, um consenso nos dias de hoje, ou pelo menos uma ideia visivelmente majoritária, de que o acesso à justiça é um direito fundamental e vai muito além da singela facilidade de ajuizar demandas e, deste modo, provocar o Estado a solucionar conflitos através de sua máquina judiciária. Vê-se-o, mais, como a própria obtenção dessa solução, negativa, positiva ou parcialmente positiva para o autor (vice-versa para o réu, pois). E, ainda além, entende-se-o pleno e garantido apenas quando a solução é proferida em prazo razoável, de modo adequado, e é concretizada no plano real (efetiva). Mauro Vasni Paroski atesta em tal sentido: O acesso à justiça há algum tempo tem figurado nos catálogos de direitos fundamentais, assim reconhecidos pelas constituições e por declarações de direitos nacionais e internacionais, em sentido bastante amplo, e não como mero direito de acesso ao Poder Judiciário. O acesso à justiça pode ser visto de mais de um ângulo (e muitas concepções sobre ele se pode ter) e seu significado certamente sofrerá variação conforme o ordenamento jurídico constitucional concreto em que for situado. Na doutrina nacional predomina nos últimos quinze ou vinte anos , pelo menos, o entendimento de que o acesso à justiça não significa somente mero acesso aos tribunais, mas, sim, obter concretamente a tutela jurisdicional quando se tem razão, que tanto pode ser prestada ao autor (procedência da demanda) como ao réu (improcedência da demanda). Mas não basta, ainda assim, em grande parte dos casos, a obtenção de solução jurisdicional para os conflitos de 6 interesses, pois, esta nem sempre é adequada, tempestiva e efetiva . O referido consenso se verifica a partir de muitos conceitos operacionais já formulados sobre a categoria acesso à justiça. Mauro Cappelletti e Bryant Garth assim se posicionam: De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que 7 pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos . 6 PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à justiça na constituição. São Paulo: LTr, 2008, p. 138. 7 CAPPELLETTI, Mauro, e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002, p.12. 20 Fernando Pagani Mattos segue a mesma linha: A expressão ‘acesso à justiça’ pode ser reconhecida hoje como condição fundamental de eficiência e validade de um sistema jurídico que vise a garantir direitos. Assim, calcado em modalidades igualitárias de direito e justiça, tal instituto deve ser considerado o básico dos direitos fundamentais do ser humano. Não é por outra razão que a incapacidade do Estado em promover a integração efetiva de parcelas marginalizadas da população tem-se mostrado como um dos grandes obstáculos à efetivação das promessas da democracia. Outro aspecto relevante é a exclusão econômica da qual decorre a exclusão jurídica resultante da incapacidade do Estado de garantir ao cidadão o acesso e a efetivação dos direitos humanos 8 constitucionalmente garantidos . Pedro Manoel Abreu traça uma completa e alentada análise das visões conceituais de acesso à justiça e, ao final de sua obra, conclui: 1. O acesso à justiça insere-se dentro das grandes preocupações da sociedade contemporânea. A par do enfoque jurídico, notadamente do processo civil como instrumentos de resolução de conflitos, avulta a repercussão política e social do tema, essencial no esquema mais amplo da democracia e do Estado Social de Direito. 2. O acesso efetivo à justiça tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, A titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. Neste tocante, pode ser entendido como o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos. 3. A jurisdição, o acesso à justiça e o processo devem ser focados na perspectiva do Estado Democrático de Direito: a jurisdição visando à realização dos fins do Estado; o acesso à justiça objetivando a superação das desigualdades; o processo, com uma participação paritária de armas, possibilitando a participação do cidadão na gestão do bem comum – um dos escopos da jurisdição. 4. O acesso à justiça revela-se não apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido, mas também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo é pressuposto de uma ampliação e aprofundamento dos objetivos e métodos da ciência jurídica coetânea. 5. O acesso à ordem jurídica justa é uma questão de cidadania. A participação na gestão do bem comum por meio do processo cria o paradigma da cidadania responsável: responsável pela sua história, a do 9 país e a da coletividade . Parece possível questionar se de fato o acesso à justiça deve ser qualificado como o mais básico dos direitos fundamentais. Aqui, contudo, basta a constatação de que se trata de um direito fundamental de primeira grandeza, a ser contemplado de forma concreta pelos ordenamentos jurídicos e sistemas judiciais. 8 MATTOS, Fernando Pagani. Acesso à justiça: um princípio em busca de efetivação. Curitiba: Juruá, 2011, p. 70. 9 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 251-2. 21 Com efeito, sem o acesso à justiça, não há como garantir todos os demais direitos fundamentais. Igualmente, não é do propósito deste trabalho a discussão avançada sobre o enquadramento do acesso à justiça no rol dos direitos fundamentais e/ou dos direitos humanos, menos ainda a diferenciação entre uma e outra categoria. Com efeito, interessam mais a sua efetivação e os meios para tanto do que a sua classificação. É certo, contudo, que no âmbito territorial em que a pesquisa foi realizada, trata-se inequivocamente de uma garantia constitucional positivada. José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira o tratam como “direito geral à proteção jurídica” 10 e o primeiro o inclui entre os que chama de direitos fundamentais formalmente constitucionais11. O mesmo J. J. Gomes Canotilho em outra passagem de seus fartos e importantes ensinamentos, assim se manifesta sobre o acesso à justiça: Em termos gerais – e como vem reiteradamente afirmando o Tribunal Constitucional na senda do ensinamento de Manuel de Andrade -, o direito de acesso aos tribunais reconduz-se fundamentalmente ao direito a uma solução jurídica de actos e relações jurídicas controvertidas, a que se deve chegar em prazo razoável a com garantias de imparcialidade e independência possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e 12 resultado de causas e outra . No Brasil, o acesso à justiça se encontra positivado constitucionalmente no inciso XXXV do art. 5° da Constituição da República, o qual estabelece que “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O direito de ação refletido no Texto Constitucional pode ser exercido independente da qualificação jurídica do direito material a ser por ele protegido. Com isso, “tanto o titular do direito individual, quanto o do direito meta-individual (difuso, coletivo ou individual homogêneo) têm o direito constitucional de pleitear ao Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada”.13 10 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. V. I. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 409. 11 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. revista. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 528. 12 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 433. 13 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 133. 22 Se a lei não pode subtrair da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, daí se segue que o direito de ação está consagrado como direito fundamental do indivíduo no Direito Constitucional brasileiro. 14 Desde que alguém alegue ter sofrido dano que afete direito subjetivo, não se lhe pode negar direito de pedir a tutela jurisdicional para a defesa desse direito. E nisso consiste o direito de ação, ou direito ao processo, o qual a lei não pode suprimir porque defeso na Constituição.15 Neste contexto, tendo ou não razão o indivíduo, sempre haverá de ser propiciada a discussão judicial sobre qualquer tema.16 Afinal, não se pode aprioristicamente vedar o acesso jurisdicional. Claro que a jurisdição é imaginada para quem tenha razão; mas não se pode saber de antemão quem seja efetivo merecedor da intervenção judicial. Então, defere-se livre e incondicionalmente o debate em juízo, impondo-se ao 17 Estado o dever de a todos ouvir, dando em cada caso solução. Contudo, não basta garantir o acesso à justiça para a proteção ao direito violado ou simplesmente ameaçado. É imprescindível “a adoção de providências necessárias para afastar o risco de prejuízo irreparável ou da inutilidade da prestação jurisdicional a posteriori”.18 Neste prisma, a essência do princípio reside no fato de o jurisdicionado ter o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada.19 Nery Júnior observa: O fato de as partes constituírem convenção de arbitragem não significa ofensa ao princípio constitucional do direito de ação. Isto porque somente os direitos disponíveis podem ser objeto de convenção de arbitragem, razão porque as partes, quando o celebram, estão abrindo mão da faculdade de fazerem uso da jurisdição estatal, optando pela jurisdição arbitral. Terão, portanto, sua lide decidida pelo árbitro, não lhes sendo negada a aplicação 20 da atividade jurisdicional. 14 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, p. 125-126. 15 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, p. 125-126. 16 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil: roteiros de aula – processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 51. 17 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil: roteiros de aula – processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 51. 18 MEDEIROS, Luiz Cezar. O formalismo processual e a instrumentalidade, p. 172. 19 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 133. 20 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 133. 23 Em Portugal, igualmente, a Constituição da República, em seu artigo 20º, prevê formalmente o acesso à justiça: Artigo 20.º Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. Note-se que a Constituição da República Portuguesa, diferentemente da brasileira - que embora também o abrigue, assim não declara de modo expresso adota explicitamente o conceito de acesso à justiça que se viu antes, incluindo a efetiva tutela jurisdicional, e não apenas o fácil acesso às cortes. Estão ambas, portanto, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que consagra o acesso à justiça em seu Artigo VIII, completado pelos Artigos X e XI, n. 1. Confira-se: Artigo VIII Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. [...] Artigo X Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Artigo XI 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido 21 asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa . Igualmente positivado se encontra o acesso à justiça na Convenção Europeia de Direitos Humanos, nos moldes em que bem observa Danielle Annoni: O art. 6º é complementado pelo art. 13 que concede direito de petição ao 21 Disponível em: <http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf>. Acessado em: 26/06/15. 24 indivíduo. Segundo esse dispositivo, o indivíduo tem o direito a um recurso efetivo ante uma instância nacional imparcial e dentro de um tempo razoável. O conceito de processo eqüitativo se completa com o art. 7º, que garante o direito ao duplo grau de jurisdição na esfera penal, o direito à indenização pelo erro judiciário, o direito a não ser julgado ou penalizado duas vezes pela mesma infração. [...] Com efeito, a originalidade e importância da Convenção Européia reside justamente no mecanismo coletivo de proteção aos direitos humanos, que se baseia na existência de um órgão de investigação e conciliação (Comissão Europeia de Direitos Humanos, existente até novembro de 1998), além de um órgão político de aferimento da responsabilidade (Conselho de Ministros do Conselho da Europa) e de um órgão judicial de 22 responsabilização dos Estados (o Tribunal Europeu de Direitos Humanos) . A Convenção Americana de Direitos Humanos, proposta pela Organização dos Estados Americanos em San José, Costa Rica (e, por isso, correntemente chamada de Pacto de San José da Costa Rica), também contempla o acesso à justiça em seu texto. A respeito, prossegue Danielle Annoni: A Convenção Americana de Direitos Humanos também é resultado da influência exercida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU. Assinada em 22.11.1969, foi proposta pela OEA em uma Conferência Intergovernamental em San José, Costa Rica, mas somente entrou em vigor em 18.07.1978, quase dez anos depois, quando o 11º instrumento de ratificação foi depositado. Devido às particularidades dos países da América Latina, os direitos assegurados na Convenção Americana são essencialmente os direitos de primeira geração, àqueles relativos à garantia de liberdade, à vida, o direito à privacidade, o direito à liberdade de consciência e religião, o direito de participar do governo, o direito à igualdade e o direito à proteção judicial, dentre outros. [...] Além desse preceito, a Convenção traz disposições a respeito do princípio da inocência, e garantias para que todas as pessoas tenham acesso ao duplo grau de jurisdição. A Convenção Americana, ainda, assegura aos acusados o direito à prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável (art. 8º, §1º) e de não serem obrigados a depor contra si e, nem de se declararem culpados (art. 8º, alínea g). Cabe ao Estado, onde a pessoa está sendo processada, proporcionar-lhe um defensor. Se a pessoa não compreender ou não falar o idioma do juízo ou Tribunal, o Estado deverá providenciar, de forma gratuita, um tradutor ou intérprete (art. 8º, §2º). [...] [...] No Capítulo IV, a Convenção trata da suspensão de garantias, 23 interpretação e aplicação de procedimentos judiciais . Há que se ressaltar a especial proteção judicial internacional existente em relação à Convenção Europeia de Direitos Humanos, cujo órgão judicial de garantia, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, é acessível mediante direito de petição 22 ANNONI, Danielle. Direitos humanos e acesso à justiça no direito internacional: responsabilidade internacional do estado. Curitiba: Juruá, 2003, p. 76-77. 23 ANNONI, Danielle. Direitos humanos e acesso à justiça no direito internacional: responsabilidade internacional do estado. Curitiba: Juruá, 2003, p. 88 e 90-1. 25 direto do cidadão. Essa é uma característica juridicamente essencial quando se trata de acesso à justiça, por empoderar o cidadão, e decorre nitidamente do caráter comunitário, muito mais do que de direito internacional tradicional, que a referida corte possui, ante o avanço da União Europeia e o atual estágio de desenvolvimento do direito comunitário europeu. Já não é o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos, que muito claramente não tem a mesma força e efetividade de sua simétrica europeia. A uma, porque o direito comunitário ainda encontra dificuldades no continente para avançar além do pouco que até hoje existe. A duas, porque o direito internacional público tradicional não comporta os instrumentos hábeis que o direito comunitário possui para, além das soberanias dos Estados, instituir meios de acesso direto do cidadão às garantias do pacto e impor diretamente a efetividade das decisões tomadas em seu âmbito. Por fim, basta a constatação direta da ausência de adesão concreta de dois dos mais importantes países americanos, os Estados Unidos, que assinaram, mas não ratificaram o pacto, e o Canadá, que nunca o assinou24. De todo modo, observa-se que o acesso à justiça encontra-se abrigado, como direito fundamental, nas normas internacionais, comunitárias e constitucionais a que tanto Brasil como Portugal e os demais países da União Europeia estão vinculados. 1.3 A NECESSÁRIA DISTINÇÃO ENTRE ACESSO À JUSTIÇA E ACESSO AO JUDICIÁRIO A preocupação com o acesso à justiça é tão antiga quanto a própria existência da História e do Direito. Como é fácil concluir, as razões para isso nunca colimaram necessariamente garantias individuais ou direitos inerentes ao ser humano. Ao contrário, historicamente sempre visaram, e em parte ainda visam, a necessidade de manutenção da ordem social e política. No momento em que o homem se organizou social e politicamente, transferiu a um soberano, em maior ou menor grau e em benefício da coletividade, o poder-dever de equacionar conflitos. 24 Disponível em: <http://www.oas.org/dil/esp/tratados_B32_Convencion_Americana_sobre_Derechos_Humanos_firmas.htm>. Acessado em: 26/06/15. 26 Nesse exato momento, embora isso talvez não fosse então claro como hoje, surgiu a necessidade de se garantir o acesso à justiça, agora entendida como o meio oficial de regular conflitos, ainda que este fosse apenas a vontade e a palavra do soberano. Tanto é assim que o mais antigo documento jurídico de que se tem notícia, o Código de Hamurabi, já o contemplava de algum modo. A propósito, veja-se o que diz Pedro Manoel Abreu: Entretanto, para efeito de mero relato histórico, registra-se que desde os primórdios do direito escrito, de inspiração divina, fundado na religião, havia a preocupação do legislador em oferecer garantias especiais ao hipossuficiente, ou, ao menos, para evitar a opressão do mais forte, assegurando a proteção às viúvas e aos órfãos. O Código de Hamurabi incentivava o oprimido a procurar o soberano para que este solucionasse a questão. O acesso à justiça, por isso mesmo, dependia do acesso à 25 religião. . É, porém, apenas quando se consolida o Estado contemporâneo, ou Estado Democrático de Direito, nos primórdios do século XX, que surge a preocupação com a igualdade real, não mais meramente formal. E com ela o interesse pelo acesso à justiça, que evoluiu até seu estágio e contornos atuais. Mauro Vasni Paroski elucida tal ponto: Nos primeiros anos de consolidação do Estado contemporâneo, mais propriamente nas primeiras décadas do século XX, passa a ser necessária a intervenção do Estado para assegurar direitos, caracterizando-se uma importante fase na história dos países desenvolvidos, particularmente na Europa, que primeiro viveram as experiências do Estado liberal e seu princípio de não-intervenção, de abstenção quanto aos negócios privados, identificando as deficiências dessa concepção política e levando as reflexões visando à implantação de modificações. A partir dessa tomada de consciência, ao contrário do que pregava o Estado liberal, a intervenção estatal torna-se indispensável não mais para garantir a igualdade meramente formal imaginada pelas revoluções que deram origem ao modelo de Estado liberal. Desconsiderando as diferenças que há entre pessoas e classes sociais, mas sim a igualdade material, real, concreta, como forma que se apresentava fundamental para o acesso dos menos favorecidos economicamente, ou que tinham algum tipo de particularidade que os tornavam merecedores de tratamento jurídico conforme suas especiais necessidades, aos meios de satisfação dessas e, até mesmo, a alguns direitos fundamentais, como a educação, a cultura, a saúde, a 26 participação política etc . Pedro Manoel Abreu confirma: 25 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 46. 26 PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à justiça na constituição. São Paulo: LTr, 2008, p. 163-4 . 27 No início do século XX, a questão do acesso passou a ter maior interesse, na onda dos novos direitos sociais e o surgimento das constituições dirigentes, havendo reiteradas denúncias do funcionamento insatisfatório da justiça na Alemanha e na Áustria, pela incapacidade de atendimento da demanda judicial, sendo várias as tentativas de minimizar o problema, protagonizadas tanto pelo Estado como por setores organizados das 27 classes sociais mais débeis . Ainda conforme Pedro Manoel Abreu28, desde a década de 1960 já há consciência, em nível internacional, dos obstáculos do sistema formal de justiça às pequenas causas, sobretudo em relação aos autores individuais pobres. Na mesma década instala-se a crise de administração da justiça e as lutas sociais aceleram a transformação do Estado liberal em Estado-providência. A partir de então, aumentam o número e a complexidade dos direitos e os sistemas jurídicos democratizam-se. É, pois, com o advento dessa democratização dos sistemas jurídicos, do aumento dos direitos e de sua consciência, agregados a outros diversos fatores de ordem, v.g., econômica e demográfica, que se inicia o fenômeno que mais tarde se reconhecerá como explosão de litigiosidade. A preocupação maior, entretanto, naquele momento, era diminuir os entraves para que os titulares dos novos direitos pudessem individualmente estar em juízo, com paridade de armas processuais, ou seja, garantir o acesso à proteção estatal, judicial, e concreta, dos seus direitos. Tem-se aí situado historicamente o acesso à justiça em sua acepção hoje mais simples, ou seja, como sinônimo de acesso ao sistema judicial, de acesso ao judiciário. No Brasil, a explosão de litigiosidade vai se verificar principalmente após o advento da Constituição da República de 1988, que reinaugura o Estado democrático, juntamente com a posse de um civil na Presidência da República em 1985. A nova Constituição aumenta significativamente o rol de direitos, dando azo a novas legislações sobre inúmeras matérias, sendo de especial menção para o tema deste trabalho o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 1990. A par disso, é geométrico o progresso tecnológico desde então verificado e, consequentemente, também nas relações de consumo. Nas três últimas décadas 27 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 47. 28 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 48-9. 28 passou-se do tempo em que se aguardava anos para obter uma linha telefônica fixa e caríssima para o tempo em que cada indivíduo da população possui, em média, mais de uma “linha” de telefone celular em que, muitas vezes, o aparelho não é sequer cobrado em moeda corrente, mas oferecido em troca de um período de fidelidade à empresa. E se cada indivíduo possui pelo menos um telefone celular em funcionamento, isso significa no mínimo que cada um deles mantém um contrato com uma operadora de telefonia, o qual gera direitos e obrigações a ambas as partes. O número de linhas aéreas, por exemplo, e o acesso a elas pela população em geral, também aumentou significativamente. E a cada passageiro que adquire um bilhete aéreo – há meras três décadas coisa de poucos abastados –, tem-se um contrato de transporte que inclui a pessoa e sua bagagem, sujeitos a todos os tipos de transtornos que poderão exigir a intervenção do Estado, por sua face judiciária. O crescimento da estrutura judiciária, por sua vez, não acompanhou o mesmo ritmo. A evolução processual tampouco. O Código de Processo Civil brasileiro de 1973, por exemplo, continua em vigência no momento em que a presente dissertação é redigida, apesar das reformas pontuais que sofreu e de já sancionado o novo CPC, que entrará em vigor em breve. A Lei nº 9.099/95, que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais, está completando 20 anos sem que até hoje a estrutura necessária ao seu bom funcionamento tenha sido implantada em muitas unidades da federação brasileira. Ora, é do senso comum que o maior desejo de quem ingressa no sistema judicial é dele sair o quanto antes. A solução tardia, sobretudo quando se trata de pequenas causas, não interessa à dinâmica da vida de ninguém, tem o condão, muitas vezes, apenas de fazer com que a pessoa recorde o dissabor vivido, não lhe interessando mais, àquela altura, a reposição do bem da vida buscado ou sua compensação. E é a partir disso que o conceito de acesso à justiça evolui para o sentido amplo que impera hoje, ou seja, mais do que acesso amplo aos tribunais, ao cidadão deve ser garantido o direito ao que Kazuo Watanabe chama de ordem jurídica justa. Confira-se: A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites dos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar 29 o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de mais nada, uma nova postura mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas respectivas instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja, do destinatário das normas jurídicas, que é o povo, de sorte que o acesso à Justiça traz à tona não apenas um programa de reforma como também um 29 método de pensamento, como com acerto acentua Mauro Cappelletti . Em seguida, afirma os elementos constitutivos do acesso à justiça: São seus elementos constitutivos: a) o direito de acesso à Justiça é, fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa; b) são dados elementares desse direito: (1) o direito à informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e ostentada à aferição constante da adequação entre a ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do país; (2) direito de acesso à justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; (3) direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; (4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso 30 efetivo à Justiça com tais características . Ada Pellegrini Grinover31 segue a mesma linha de Kazuo Watanabe. Mauro Vasni Paroski traça de modo bastante elucidativo o atual alcance conceitual do acesso à justiça: Quando se fala em acesso à justiça, com toda razão, pensa-se em primeiro lugar na possibilidade de ingresso em juízo, através de uma demanda, que ensejará o nascimento de uma relação processual, ou, simplesmente, do processo, meio técnico pelo qual, observando um procedimento previamente estabelecido em lei, deságua na solução de desavenças e controvérsias, traduzidas em litígios da mais variada ordem. O acesso à justiça, todavia, tem conceito e significação mais amplos, envolvendo também a prevenção de litígios, além da própria realização do direito material, mesmo que não haja controvérsia de natureza jurídica alguma a ser resolvida. É altamente recomendável que a ordem jurídica propicie resultados justos (individual e socialmente), não apenas quando o órgão estatal encarregado de dizer o direito no caso concreto o faz na consecução de sua atividade, mas também quando ainda não há litígio, e muitas vezes sequer haverá, mas que se fazem necessárias certas providências para que o direito seja exercido, como se sucede, em alguns casos, ainda, com a partilha de bens causa mortis, na conversão da separação judicial em divórcio ou em diversas situações em que hoje tem lugar o que se denomina de jurisdição voluntária. Sob esse enfoque, facilitar o acesso da população em geral, em particular as camadas mais pobres, à justiça não é apenas colocar à sua disposição os instrumentos indispensáveis para que submeta determinada demanda à apreciação judicial, mas alcança também a eliminação das causas que provocam a controvérsia, quando isso é possível; a simplificação de procedimentos; a diminuição de despesas 29 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128. 30 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128. 31 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 115. 30 processuais ou mesmo a criação de formas mais céleres de exercício de diretos [sic], muitas vezes sem a intervenção judicial, ou, ainda que haja 32 esta intervenção, através de meios mais simples, informais e econômicos . Pedro Manoel Abreu diferencia os sentidos da expressão “acesso à justiça”: Ante a vagueza do termo, normalmente a doutrina tem atribuído duplo sentido à expressão ‘acesso à justiça’. No primeiro, conferindo ao significante ‘justiça’ o mesmo sentido e conteúdo de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões ‘acesso à justiça e ‘acesso ao Judiciário’. No segundo, a partir de uma visão axiológica da expressão ‘justiça’, interpreta o acesso a ela como o ingresso a uma ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. Esse último, de conteúdo mais amplo, 33 estaria a englobar, no seu significado, o primeiro . Depreende-se, portanto, que o conceito de acesso à justiça, no atual momento histórico de sua evolução, difere muito do mero acesso ao Judiciário. Este é apenas parte do conteúdo daquele. A justiça, valor que é, pode e deve ser obtida principal e inicialmente pelas condutas voluntárias dos indivíduos e das coletividades. O raciocínio é simplório, mas nem por isso menos verdadeiro: se cada indivíduo e cada coletividade agisse sempre de modo justo, a existência de tribunais seria desnecessária, pela inexistência mesma de conflitos. Por óbvio esse é um quadro ideal e irreal. Os conflitos, e as próprias avaliações sempre mais ou menos subjetivas, e por isso muitas vezes incoincidentes, do que é ou não justo, existem. Com eles, a necessidade de solucioná-los em nome da pacificação social. Entretanto, disso parte-se para outras constatações. A primeira delas é a de que a autocomposição pacífica e privada é sempre a melhor, pois pressupõe partes antagônicas do conflito que, de modo pacífico, desenvolvido e civilizado, sem a necessidade de intervenção um terceiro, seja ou não o Estado, encontram consensualmente a própria solução. Ou seja, acabam por exercer uma espécie boa de “justiça com as próprias mãos”, que não se confunde com exercício arbitrário das próprias razões. A segunda é a de que, se idealmente é melhor que as partes encontrem autocomposição pacífica do que a imposição de uma solução estatal, a atuação 32 PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à justiça na constituição. São Paulo: LTr, 2008, p. 183-4 . 33 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 40. 31 oficial deve privilegiar de modo incisivo os meios não-adversariais de solução de conflitos e resguardar a intervenção impositiva como exceção. Claro que isso dependeria de uma gama de outros fatores, inclusive de ordem pedagógica, de mudança de uma cultura jurídica eminentemente voltada ao litígio e ao paternalismo estatal para uma que se concentre na consciência plena de direitos e deveres em igual escala e que amadureça a ponto de se ter em mente, antes de mais nada, as próprias responsabilidades em vez de se as transferir a um estado-pai. Disso decorre que, se a melhor forma de justiça é outra, que não a impositiva estatal, o mero acesso ao Judiciário não só não deve se confundir com o acesso à justiça, como muito provavelmente não é sua face mais importante. E, se a melhor forma de justiça é aquela em que as partes cumprem a tempo e modo suas obrigações, ou seja, o exercício livre e voluntário do justo, toda e qualquer intervenção estatal impositiva deve antes de mais nada buscar e se aproximar o máximo possível disso. E é nesse ponto em que o acesso à justiça encontra sua face de razoável duração do processo e, pois, de efetividade da prestação jurisdicional, que em seguida serão vistas. De qualquer maneira, resta esclarecido que o acesso ao Judiciário e o acesso à justiça não se confundem. Aquele é apenas um dos enfoques deste. O acesso à justiça, porém, vai muito mais além e contempla, como antes mencionado, a própria obtenção de uma solução, negativa, positiva ou parcialmente positiva para uma das partes (vice-versa para seu antagonista, pois). E, ainda, entende-se-o pleno e garantido apenas quando a solução é proferida em prazo razoável, de modo adequado, e é concretizada no plano real (efetiva). Por fim, ainda contempla uma terceira face, que é a de acesso a meios alternativos de solução de conflitos, designadamente não-adversariais e pré-processuais. Em termos algo distintos, é o que conclui Antônio Herman Benjamin34. 1.4 34 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO BENJAMIN, Antônio Herman. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do ambiente e do consumidor, Textos. Ambiente e Consumo, Centro de Estudos Judiciários, I volume, 1996, p. 74-5. 32 O acesso à justiça encontra alguns obstáculos à sua consecução. O tema tem sido objeto de estudo pelos doutrinadores, como Mauro Cappelletti e Garth Bryant35, Pedro Manoel Abreu36 e Luiz Guilherme Marinoni37, entre outros. As classificações são diferenciadas. Opta-se aqui pela de Luiz Guilherme Marinoni, segundo o qual o acesso a uma ordem jurídica justa encontra como obstáculos: a duração do processo; seu custo; o problema cultural de reconhecimento dos direitos; questão psicológica; litigantes eventuais ante os habituais; necessidade de reestruturação do processo civil individual para a efetividade dos conflitos de massa38. Para este tópico, interessa-nos a duração do processo. Como já afirmado anteriormente, é do senso comum que o maior desejo de quem ingressa no sistema judicial é dele sair o quanto antes. As soluções tardias, em especial no âmbito das pequenas causas, não interessam a ninguém. Essas, se não resolvidas logo, acabam tendo alguma relevância apenas para a estatística judicial. Não são raros os casos em que a parte simplesmente abandona o processo ao impulso oficial, muitas vezes até se esquecendo de seu ajuizamento. E quando isso ocorre, significa que o Estado falhou. Significa que a parte que tinha razão simplesmente desinteressou-se da efetivação do seu direito, em razão da demora. Que aquele prejuízo, material ou imaterial, foi absorvido em algum momento como percalço da vida e arquivado em sua mente no “escaninho” das injustiças sofridas. Tal sentimento é irrecuperável, por mais que se intime o indivíduo de uma decisão que lhe é completamente favorável, porém tardia. No mais das vezes, aquilo que em algum momento foi importante e ensejou a busca do Judiciário já perdeu a importância na dinâmica da vida. O bem da vida, material ou imaterial, perdeu a relevância, mas permanecerá a sensação adquirida de injustiça pela falta de solução tempestiva. Paulo Henrique dos Santos Lucon sobre o tema afirma: 35 CAPPELLETTI, Mauro, e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002. 36 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. 37 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 38 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 25-37. 33 É papel do direito processual fazer atuar as normas substanciais do modo mais efetivo possível e no menor espaço de tempo É senso comum que a efetividade do processo está estreitamente relacionada com o seu tempo de duração. Mais ainda: a efetividade do próprio direito material também depende da efetividade do processo. O processo, como método de solução dos conflitos, é dinâmico e, como consequência, encontra no fator tempo um de seus elementos característicos e naturais. Por isso, quando se pensa em efetividade, tem-se em mente um processo que cumpra o papel que lhe é destinado, qual seja, conceder a tutela a quem tiver razão, no menor tempo possível. Portanto, há uma estreita relação entre a efetividade da tutela jurisdicional e a duração temporal do processo, que afeta diretamente os interesses em jogo. A prestação jurisdicional intempestiva de nada ou pouco adianta para a parte que tem razão, constituindo verdadeira denegação de justiça; como efeito secundário e reflexo, a demora do processo desprestigia o Poder Judiciário e desvaloriza todos os envolvidos na realização do direito (juízes, promotores de justiça, procuradores e advogados). O processo com duração excessiva, além de ser fonte de angústia, tem efeitos sociais graves, já que as pessoas se veem desestimuladas a cumprir a lei, quando sabem que outras as descumprem reiteradamente e obtêm manifestas vantagens, das mais diversas 39 naturezas . Conforme já se viu mais cedo, a Constituição da República Portuguesa erige à categoria de garantia constitucional a duração razoável do processo, mais especificamente em seu art. 20º, n. 4. Igualmente, a Constituição da República Federativa do Brasil passou a fazê-lo a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual incluiu o inciso LXXVIII no art. 5º, com o seguinte texto: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Tanto a Convenção Europeia quanto a Convenção Americana de Direitos Humanos, segundo já visto em transcrições acima, preveem em seus textos a duração razoável do processo. Orlando Luiz Zanon Jr. adverte sobre a dificuldade de conceituar a duração razoável do processo, haja vista sua dependência ao caso concreto: Com efeito, cada processo, além do procedimento legal respectivo, envolve diversas peculiaridades e características, de modo a inviabilizar a adoção de um critério geral para cada tipo de ação, como aquele estipulado na legislação pátria. Como situações que alteram a duração do processo, cabe citar o número de partes, eventuais dificuldades de citação, greves dos serviços judiciários ou correios, férias do juiz titular com cumulação de unidades jurisdicionais pelo respectivo substituto, necessidade de produção de provas, dificuldade para convocação da testemunha, ausência de perito especialista na área necessária, intempéries que impeça eventual inspeção 39 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Duração razoável e informatização do processo judicial. In: Panóptica, ano 1, n. 8. Vitória, p. 368-9. Disponível em: <http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/download/224/236>, acesso em 27 de junho de 2015. 34 judicial, alteração brusca no número de entradas de processos decorrentes de ondas esporádicas de litigiosidade (casos em que há aumento da demanda em razão do surgimento de nova tese jurídica), controvérsia quanto à eventual decisão judicial a ser resolvida após contraditório entre as partes, apresentação extemporânea de documentos relevantes, diligências posteriores, recursos de interlocutórias, alternância dos juízes e servidores encarregados de dar andamento aos feitos, eventual falecimento das partes, suspensão dos prazos a pedido das partes ou no aguardo de definição quanto à constitucionalidade de preceito prejudicial, inexistência de precedentes jurisprudenciais para orientar os postulantes e o magistrado, dentre muitas outras circunstâncias imprevisíveis. Outrossim, não há como superar, no atual estágio evolutivo do sistema jurisdicional, a indefinição semântica do conceito de "razoável duração do processo", haja vista que a interpretação de tal expressão só pode alcançar ares de objetividade em cada caso concreto, exatamente por consubstanciar preceito de baixa densidade (princípio constitucional). Ou seja, caberá analisar cada caso para verificar se ocorreu atraso injustificado no andamento processual, com relação a um ou mais atos do procedimento. E, acaso constatado o atraso, aferir se ocorreu algum prejuízo relevante para as partes em razão de tal 40 morosidade . Justamente pela percepção de tal relevante circunstância é que se opta pelo seu conceito operacional no presente trabalho. Segundo Orlando Luiz Zanon Jr., Incorporando tal entendimento, é possível conceituar a razoável duração do processo como o lapso temporal suficiente para adequada resolução da controvérsia, sem prejuízo do próprio direito objeto do litígio e evitando a perda superveniente da utilidade do provimento final para os envolvidos, observados os trâmites inerentes ao devido processo legal (due process of law) e considerando as peculiaridades específicas de cada relação jurídico41 processual . E como saber qual o tempo suficiente para a solução adequada da controvérsia? A resposta mais óbvia e direta parece ser o tempo da soma dos prazos do procedimento previsto para o caso em questão. Seria correto responder desse modo à indagação se o Judiciário fosse como um laboratório, em que criadas artificialmente as condições ideais. Quem dera fosse tão simples o problema. A realidade, contudo, sempre ela, acaba por interporse aos ideais. João Paulo dos Santos Melo tratou do assunto especificamente, afirmando: 40 ZANON JR, Orlando Luiz. Razoável duração do processo: a celeridade como fator de qualidade na prestação da tutela jurisdicional. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12483/razoavelduracao-do-processo/1>. Acessado em: 27/06/2015. 41 ZANON JR, Orlando Luiz. Razoável duração do processo: a celeridade como fator de qualidade na prestação da tutela jurisdicional. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12483/razoavelduracao-do-processo/1>. Acessado em: 27/06/2015. 35 Em contrapartida, a falta de densidade normativa e a grande liberdade de conformação são pontos que geram problemas no desenvolvimento e na efetivação judicial das normas constitucionais, especialmente quando estas normas estão enunciadas em princípios, como no caso da duração razoável. No entanto, a falta de densidade normativa só pode ser considerada obstáculo instransponível quando há a necessidade de se recorrer a elementos não-textuais, como, por exemplo, políticas públicas. [...] No caso específico do preceito da duração razoável do processo, há, com efeito, elementos textuais transponíveis pelo juiz e elementos nãotextuais intransponíveis pelo Judiciário. [...] Dentro dos elementos não textuais, intransponíveis pelo Judiciário, encontra-se um dos pontos esquecidos mais nos debates acadêmicos: o custo dos direitos. No caso específico da duração razoável do processo, o fator é de extrema importância, porquanto, tal preceito exige uma atuação positiva do Estado, com dispêndio de recursos financeiros [...] Tendo em mira que todos os direitos custam, o orçamento passa a ser o instrumento utilizado como fator decisivo para pacificação social. É ele o responsável pela destinação e organização das políticas públicas com objetivos relevantes e politicamente 42 determinados . O problema não é só brasileiro. O próprio João Paulo dos Santos Melo cita Jorge Miranda: A efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais não depende apenas da aplicação das normas constitucionais concernentes à organização económica. Depende, também, e sobretudo, dos próprios factores económicos, assim como – o que nem sempre é suficientemente tido em conta – dos condicionalismos institucionais, do modo de organização e funcionamento da Administração Pública e dos recursos 43 financeiros . Em suma, existe a reserva do possível a incidir diretamente na razoável duração do processo, como de modo amplo também no acesso à justiça. Não obstante, Pedro Manoel Abreu ressalta: A lentidão do processo, diga-se, não é fenômeno brasileiro, mas admite tratamento apropriado, a partir da consciência do juiz. A despeito da falta de estrutura material e da multiplicação de demandas, o magistrado pode conferir celeridade aos processos, desde que se sirva adequadamente dos fundamentos constitucionais e confira ao feito sua destinação instrumental. Especialmente a lentidão da justiça civil, ao contrário do que se possa imaginar, é manejada no interesse de alguns. Pondera Marinoni que uma evolução adequada do sistema de distribuição de justiça equivaleria à predisposição de procedimentos adequados à tutela dos novos direitos. Nessa esteira, o direito de acesso à justiça teria como corolário o direito à 44 preordenação de procedimentos adequados à tutela dos direitos . Por derradeiro, é prudente trazer a lição de Mauro Vasni Paroski, no sentido de que razoável duração do processo não é necessariamente sinônimo de 42 MELO, João Paulo dos Santos. Duração razoável do processo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2010, p. 201-3. 43 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo II, 5. ed. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 438. 44 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 66. 36 processo rápido: A razoável duração do processo, a despeito de ser garantia constitucional, não é necessariamente sinônimo de processo rápido, até pela diversidade de opinião que pode suscitar quanto ao tempo que deve ser considerado para a conceituação dessa celeridade processual. Não é desarrazoado, certamente, admitir restrições a algumas garantias processuais em benefício de um bem maior, mas jamais será legítima sua supressão ou mesmo limitação de modo a torná-las inócuas, gerando decisões injustas e 45 o descrédito do próprio Judiciário . O que se almeja é que o processo atinja seu “ideal com o menor desgaste possível. Por isso, não se quer um procedimento que seja necessariamente alongado (o que não traz garantia alguma de um processo justo).” 46 A razoável duração do processo, sob a perspectiva do presente estudo, não pode ser analisada isolada, posto que se vincula diretamente com o princípio da economia processual e com a garantia do devido processo legal. O desvirtuamento da atividade processual com a realização de atos onerosos, prescindíveis e desnecessários entrava a rápida solução do litígio, o que, sem dúvidas, delonga a prestação jurisdicional. Ademais, “os protagonistas do embate devem qualificar o processo como meio, não como fim, evitando a prática de atos exageradamente burocratizados e procrastinatórios, exigindo-se originalidade do operador do direito”.47 Com prioridade anota o saudoso mestre Rui Barbosa: “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.” 48 Justiça tardia, repita-se, é justiça denegada. Em suma, talvez não seja possível encontrar nenhuma boa resposta à indagação formulada. É certo, contudo, que a ideia de razoável duração do processo exclui qualquer dilação injustificada, inclui a superação, pelo juiz, dos elementos textuais e não textuais transponíveis e, em caso de atraso por insuficiência de recursos adequados ao enfrentamento das demandas, sejam materiais ou humanos, exige, 45 PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à justiça na constituição. São Paulo: LTr, 2008, p. 273 . 46 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil, p. 54. 47 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, p. 42. 48 BARBOSA, Rui. Oração aos moços / Rui Barbosa; edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. 5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997, p. 52. 37 respeitada a reserva do possível, sua implementação pela Administração. Igualmente, exige o aperfeiçoamento normativo, quando necessário, pelas casas legislativas competentes. 1.5 A INDISSOCIABILIDADE ENTRE O ACESSO À JUSTIÇA E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: EFETIVIDADE O acesso à justiça pressupõe, de acordo com o que já se viu, quando se trata de seu enfoque jurisdicional, a prestação da tutela em prazo razoável. São, portanto, garantias constitucionais e direitos fundamentais que interagem e se completam, tendendo-se a considerar a razoável duração do processo como integrante ou derivada do amplo acesso à justiça. Do ponto de vista das normas constitucionais positivas, já se constatou que o art. 20º da Constituição da República Portuguesa, o qual trata do “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” inclui a razoável duração do processo em seu n. 4, o que denota tal tendência. Na Constituição da República Federativa do Brasil as garantias encontram-se em dois incisos distintos do mesmo artigo 5º, sem sequência ou ordem de subordinação aparente. Contudo, sua interdependência também é evidente. De acordo com João Paulo dos Santos Melo, “...a duração razoável do processo toca de forma clara e profunda no princípio do amplo acesso à justiça, porquanto, amplia a tutela jurisdicional, tornando o processo mais rápido, portanto, mais efetivo49.” E é aí, precisamente, onde reside o ponto de convergência entre os dois direitos: na efetividade da prestação jurisdicional. Segundo Humberto Theodoro Jr., “por efetividade entende-se a aptidão de um meio ou instrumento para realizar os fins ou produzir os efeitos para que se constitui”50. O processo é instrumental, serve a um fim maior, que é a consecução do direito material. Assim, sua efetividade se verifica quando a solução que por ele se 49 MELO, João Paulo dos Santos. Duração razoável do processo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2010, p. 40. 50 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito e processo. Rio de Janeiro: Aide, 1997, p. 34. 38 obtém é a mais próxima, sob todas as circunstâncias, da situação correspondente à prestação voluntária de tal direito, no modo e tempo previstos, por quem devia prestá-lo. Para que a prestação jurisdicional se revista de efetividade, portanto, é necessário que, em prazo razoável (quanto mais próximo do tempo em que o direito devia ter sido satisfeito voluntariamente, melhor), a parte com razão obtenha a íntegra do bem da vida, material ou imaterial (ou, na impossibilidade, a compensação correspondente) a que tinha direito. É igualmente necessário que tenha facilidade de demandar ao Estado que imponha à contraparte a satisfação desse direito. Logo, a efetividade da prestação jurisdicional é o valor jurídico ao qual as garantias do acesso à justiça e da razoável duração do processo servem. 1.6 SÍNTESE DO EXPOSTO Neste capítulo foram revisitados os direitos fundamentais de acesso à justiça e de razoável duração do processo, bem como a indissociabilidade de ambos entre si. Viu-se que há um consenso nos dias de hoje, ou pelo menos uma ideia visivelmente majoritária, de que o acesso à justiça é um direito fundamental e vai muito além da singela facilidade de ajuizar demandas, significando o direito a uma ordem jurídica justa, com a prestação jurisdicional entregue em prazo razoável, de modo adequado, e concretizada no plano real (efetiva). Constatou-se em que normas se encontra positivado o direito, no âmbito territorial da pesquisa. Observou-se a morosidade da justiça como um obstáculo ao acesso e a dificuldade de conceituar a razoável duração do processo sem que haja uma conexão ao caso concreto. Ficou claro, contudo, que a ideia de razoável duração do processo exclui qualquer dilação injustificada, inclui a superação, pelo juiz, dos elementos textuais e não textuais transponíveis e, em caso de atraso por insuficiência de recursos adequados ao enfrentamento das demandas, sejam materiais ou humanos, exige, 39 respeitada a reserva do possível, sua implementação pela Administração. Igualmente, exige o aperfeiçoamento normativo, quando necessário, pelas casas legislativas competentes Por fim, foi visto como o acesso à justiça e a razoável duração do processo são direitos que interagem e se complementam e que a tendência doutrinária, com reflexo normativo na Constituição da República Portuguesa, é de se considerar o segundo como integrante ou derivado do primeiro, eis que componentes e voltados à consecução do mesmo valor jurídico, o da efetividade da prestação jurisdicional. 40 CAPÍTULO 2 2 AS AÇÕES REPETITIVAS E O RISCO DE PERDA DA LEGITIMIDADE DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS As ações repetitivas fundadas em interesses difusos homogêneos têm-se avolumado nos juizados especiais cíveis de todo o Brasil, gerando dificuldades ao funcionamento adequado dessas unidades judiciárias e comprometendo o amplo acesso à justiça pretendido quando da criação do sistema de juizados especiais. Este capítulo se ocupará da inadequação dos juizados especiais cíveis ao trato dessas ações repetitivas, de como estas afetam o acesso à justiça e a razoável duração do processo e criam risco de perda de legitimidade das normas de regência. De início, aborda-se a garantia constitucional de acesso à justiça como finalidade da criação dos juizados especiais, constatando-se que não a vêm atendendo plenamente. Em seguida, mencionando-se exemplo relativamente recente de Florianópolis-SC, valendo-se o autor das fontes primárias a que tem acesso direto, destaca-se que os juizados especiais cíveis não têm condições de suportar o volume de ações individuais repetitivas versando sobre direitos individuais homogêneos, evidenciando-se a inadequação do modelo processual previsto na Lei nº 9.099/95 para o processamento de tais demandas. Prossegue-se com a constatação da pouca adaptabilidade do modelo processual da Lei nº 9.099/95 à necessidade de solução de milhares de controvérsias envolvendo interesses individuais homogêneos, abordando-se o desvirtuamento do direito posto em relação ao direito pressuposto correspondente, com o risco de perda de legitimidade da norma e, pois, dos próprios juizados especiais cíveis. Após abordam-se os institutos previstos no art. 285-A do Código de Processo Civil vigente, bem como o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no novo Código como instrumentos de efetivação da razoável duração do processo. 41 Ao final, conclui-se pela possibilidade de se evitar o risco de perda de legitimidade dos juizados especiais cíveis, mantendo-se o direito posto que o contempla de acordo com o direito pressuposto correspondente. 2.2 OS PRINCÍPIOS ORIENTADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS A ciência processual moderna fixou preceitos fundamentais que orientam toda a ordem jurídica. Alguns desses vetores aplicam-se a todos os sistemas, enquanto outros vigem apenas em determinados ordenamentos. A Lei n. 9.099/95, no artigo 2º, dispõe: “Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.” Sobre a redação do dispositivo, Amaral e Silva questiona: critérios ou princípios? E em seguida anota: Filosoficamente, temos critérios como uma “regra para decidir o que é verdadeiro ou falso, o que se deve fazer ou não, etc.” […] Outrossim, “está claro que toda filosofia, ainda quando não elabora uma doutrina específica a respeito, tende sempre a apresentar ao homem um critério para dirigir sua opções, especialmente as que têm importância decisiva em sua vida. Kant usou em vez de C., a palavra cânon (v)”. […] de seu turno, explica o dicionarista referido que princípio é “ponto de partida e fundamento de um processo qualquer” […] Acrescenta o autor que “talvez caiba outro significado: como ponto de partida e causa, o P. às vezes é assumido como o elemento constitutivo das coisas ou dos conhecimentos”. Fixadas as premissas filosóficas, nos parece que estamos diante de princípios, pois que diversas regras legais, tanto na Lei 10.259/01 quanto na Lei 9.099/95, traduzem concretamente o princípio elencado nas normas, ou seja, “o elemento constitutivo das coisas ou dos conhecimentos” […]. Isto significa que os princípios assumiram aspecto palpável nas normas, não cabendo mais qualquer opção para o intérprete, a qual seria papel dos 51 critérios indicar. Assim, os princípios antecedem aos critérios . Como anotado, embora o legislador tenha utilizado a expressão critérios orientadores dos Juizados Especiais, estamos diante de verdadeiros princípios gerais. Princípios processuais são um complexo de todos os preceitos que originam, fundamentam e orientam o processo. Esses princípios podem ser doutrinariamente divididos em duas espécies: informativos e gerais. Os informativos representam o caráter ideológico do processo, como objeto principal de pacificação social, influenciando jurídica, econômica e socialmente, e transcendem a norma propriamente dita, à medida que 51 SILVA, Antônio Fernando Schenkel do Amaral e. Juizados Especiais Federais Cíveis: competência e conciliação. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 42-43. 42 52 procuram nortear o processo pelo seu fim maior e ideal precípuo . Nessa toada, o disposto no artigo 2º da Lei 9.099/95, porque aponta princípios norteadores, deve ser obedecido, não apenas observado. Ressalte-se que todos os demais princípios dirigentes da ordem processual que estejam em harmonia com o espírito dos Juizados Especiais, porém não arrolados no art. 2º, devem ser aplicados ao sistema. Atinente à oralidade, verifica-se que é tendência em manifesto crescimento. Não significa que os atos processuais não serão documentados ou registrados, mas sim que haverá atenuação da forma escrita, como a hipótese de mandato verbal, a formulação oral do pedido inaugural, a contestação e pedido contraposto orais e a viabilidade de instauração da execução mediante pedido verbal, hipóteses previstas expressamente na Lei n. 9.099/9553. Ronaldo Frigini anota que o princípio da oralidade é um conjunto de ideias que é transmitida pela parte ao funcionário da justiça, onde se encontra toda a causa da pretensão reclamada. Não se perde tempo com longas dissertações, mas se concentra o necessário, com o mínimo de elementos tendentes a garantir a ampla defesa e o conhecimento do litígio pelo juiz, como também para aproximação das partes pelos conciliadores54. Acrescenta Figueira Júnior: No que tange ao princípio da oralidade, também chamado de viga mestra da técnica processual, preconizado com ênfase absoluta neste dispositivo e refletido com intensidade em todo o texto legislativo, podemos aplicar os mesmos ensinamentos do processo comum, porquanto o princípio enfocado nada mais significa do que a exigência precípua da forma oral no tratamento da causa, sem que com isso se exclua por completo a utilização da escrita, o que, aliás, é praticamente impossível, tendo em vista a imprescindibilidade na documentação de todo o processado e a conversão em termos no mínimo, de suas fases e atos principais, sempre ao estritamente indispensável. Ademais, processo roal não é sinônimo de processo verbal. […] A verdade é que “a experiência resultante da história nos permite afirmar que o processo oral é, sem sombra de dúvida, o melhor e o mais de acordo com a natureza e as exigências da vida moderna, visto que sem ponto comprometedor; mas, em vez disso, melhor garante a boa índole intrínseca da decisão, a qual é fornecida mais economicamente, com mais 52 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais: comentários à Lei n. 9.099/1995. 7. ed. rev., atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.75. 53 SODRÉ, Eduardo. Juizados Especiais Cíveis: processo de conhecimento. Rio de Janeiro: outubro, 2005, p. 5. 54 FRIGINI, Ronaldo. Comentários a Lei dos Juizados Especiais Cíveis. 3. ed. Leme: JH Mizuno, 2007, p. 86. 43 simplicidade e prontamente. E no tocante à celeridade do processo oral, ele 55 dura três ou quatro vezes menos tempo do que o processo escrito” . O princípio da oralidade traz em seu bojo quatro vetores complementares. Segundo Chiovenda, a atuação de qualquer um deles é necessária para a efetiva realização do processo oral: a concentração dos atos processuais, a identidade física do juiz, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias e a imediação. Rocha analisa cada um desses itens em separado e a sua incidência nos Juizados Especiais: a) concentração dos atos processuais: os atos processuais precisam ser concentrados em um único momento ou, pelo menos, em poucos momentos, próximos uns dos outros, para que a palavra oral possa prevalecer. Se o processo for muito longo, sem a documentação tradicional, quando for o momento de se proferir a sentença, elementos importantes poderão ter-se perdido. A Lei nº 9.099/95, em seus artigos, faz cumprir esse preceito, estabelecendo apenas duas audiências, uma de conciliação e outra de instrução e julgamento, que deverão ocorrer em sequência e reunir quase todos os atos do processo (conciliação, defesa, instrução e julgamento). b) identidade física do juiz: significa dizer que o juiz que diretamente colheu as provas no processo, identificando-se fisicamente com elas, fica vinculado para julgar a causa. Apesar de ser identificado com característica essencial do princípio da oralidade, é preciso reconhecer que o direito brasileiro não possui tradição de observar com rigor a identidade física. A Lei dos Juizados Especiais, apesar de não falar em momento algum na identidade física do juiz, estabelecer que o juiz deve sentenciar ao final da audiência de instrução e julgamento (art. 28). Assim, se essa determinação for cumprida, não tendo ocorrido o adiamento da audiência (por exemplo, na hipótese do art. 31, parágrafo único), a identidade física estará assegurada. c) irrecorribilidade das decisões interlocutórias: como bem resume Arruda Alvim Netto, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias “representa a impossibilidade de usar, para as decisões proferidas No curso do processo (precisamente durante a instrução oral), de um recurso que paralise o mesmo”. Apesar de sempre ter sido colocada como uma característica do princípio da oralidade, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias proferidas, por não precluírem, podem ser impugnadas junto com a sentença, através de um recurso próprio (chamado de “recurso inominado”). Por isso, na maioria das vezes é possível prescindir do recurso em faze das decisões interlocutórias. d) imediatismo: o imediatismo é o dever que tem o juiz de coletar diretamente as provas, em contato com as partes, seus representantes, 56 testemunhas e peritos . Observa-se que a oralidade revela-se nos Juizados Especiais Cíveis como importante instrumento de efetivação do acesso à justiça, evitando 55 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais: comentários à Lei n. 9.099/1995. 7. ed. rev., atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.76-77. 56 ROCHA, Felipe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.26-27. 44 prolongamento desnecessário do procedimento, assim como facilita a aproximação das partes. A simplicidade pode ser identificada com a objetividade, porquanto ser simples é ser objetivo. Simplicidade quer dizer que os atos processuais devem ser praticados informalmente, sem apego a formas e ritos que comprometam a sua finalidade. Mesmo porque, os atos processuais, respeitado o teto previsto no artigo 9º da Lei 9.099/95, são praticados pela própria parte, podendo sê-lo pela forma oral, e, se o forem por escrito, não dispõe ela de conhecimentos técnicos para peticionar57. Do ponto de vista literal, temos que simplicidade, conforme ensinam os bons dicionários, é a qualidade daquilo que é simples. Portanto, parece-nos que o legislador pretendeu enfatizar que toda atividade desenvolvida nos Juizados Especiais deve ser externada de modo a ser bem compreendida pelas partes, especialmente aquelas desacompanhadas de advogado. Seria, assim, a simplicidade uma espécie de princípios linguístico, a afastar a utilização de termos rebuscados ou técnicos, em favor de uma melhor compreensão e participação daqueles que não têm conhecimento jurídico. Um exemplo dessa concepção é o comando contido no § 1º do art. 14 da Lei, que estabelece que a petição inicial deverá ser feita “de forma simples e 58 em linguagem acessível” . Deve-se afastar do sistema dos Juizados Especiais peças processuais longas e rebuscadas, com citações extensas e irrelevantes à defesa do bem da vida almejado. Os litigantes devem buscar o uso de linguagem acessível, com a exposição concisa dos fatos. De igual forma a sentença deve ser simples, clara e objetiva, inclusive com a dispensa do relatório prevista no artigo 38 da Lei 9.099/95. O princípio da simplicidade ainda encontra amparo no que tange à prova, admitindo-se todos os meios de provas moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, assim como impedindo a realização de prova pericial, permitido apenas exame técnico. Ainda, a lei regente dos Juizados Especiais Cíveis veda qualquer intervenção de terceiros ou assistência, privilegiando-se mais uma vez a simplicidade. Esclareça-se, de início, que o princípio da informalidade não se confunde com o da simplicidade, visto que se refere às formas processuais: 57 ALVIM, J. E. Carreira. Juizados Especiais Cíveis Estaduais: Lei 9.099, de 26.09.1995. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 18. 58 ROCHA, Felipe Borring. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.28. 45 As atividades das partes e dos órgãos jurisdicionais, mediante as quais a lide procede do princípio para a definição, e ao conjunto das quais se aplica a denominação de procedimento, têm-se de submeter-se a determinadas condições lugar, de tempo, de meios de expressão: tais condições se dizem formas processuais em sentido estrito. Em acepção mais ampla e menos própria, entende-se por formas as próprias atividades necessárias no processo, na medida em que, sendo coordenadas à atuação de um direito 59 substancial, apresentem caráter de forma com respeito à substância . Nessa esteira, o princípio dispensa o apego às formas sacramentais do ordenamento, e nisso é que a Lei 9.099/95 avança, garantido a informalidade, que consiste na ausência de formas preestabelecidas. O procedimento da lei dos Juizados Especiais, que é mais flexível do que os desenhados no processo civil tradicional, encontra fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil, que determina textualmente a observância ao princípio da oralidade, do qual decorrem os subprincípios da informalidade e simplicidade. Sobre a informalidade, com propriedade arremata Amaral e Silva: A informalidade, elevada a princípio processual, é uma resposta ao esquizofrênico culto pela forma, à valorização da forma em detrimento da substância, do esquecimento do verdadeiro valor do processo: o homem. À medida que dispensamos, ainda que timidamente, o apego às formalidades, valorizamos o fim último do processo: a pacificação social. Neste sentido, Passos (1999, p. 101) expõe que “Nós, juristas, incidimos em outro erro, talvez até de mais nefastas conseqüências. Esquecemo-nos de que o Direito é medicamento com que procuramos restabelecer a saúde da 60 convivência social” . O trabalho de administrar a justiça, que o Estado se reservou com exclusividade, em termos de monopólio, é um serviço que contém alta densidade de utilidade pública. Por isso é necessária a efetivação da economia processual como um dos princípios informativos do processo. A economia processual consiste “em se obter o máximo resultado processual com um mínimo de dispêndio, para que o processo seja menos oneroso às partes”61. Além disso, o processo civil deve-se inspirar no ideal de proporcionar às partes uma Justiça barata e rápida, do que extrai a regra básica de que “deve tratar- 59 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução J. Guimarães Menegale. São Paulo: Acadêmica/Saraiva, 1998, p. 5-6. 60 SILVA, Antônio Fernando Schenkel do Amaral e. Juizados Especiais Federais Cíveis: competência e conciliação. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 42-43. 61 RIBEIRO, Pedro Barbosa; BARBOSA, Paula Maria Castro. Curso de direito processual civil, p. 434. 46 se de obter o maior resultado com o mínimo de emprego de atividade processual”62. O operador do direito deve tirar o máximo de proveito de um processo e torná-lo efetivo. Nessa linha, a Lei 9.099/95 efetiva o princípio em estudo na possibilidade de realização imediata da audiência, na formulação de pedido contraposto na própria contestação, na análise do pedido contraposto em única sentença, na intimação da sentença na própria sessão de julgamento, na possibilidade de a sentença ser confirmada, em sede de recurso, pelos seus próprios fundamentos, entre outros. O processo deve-se sustentar em dois pilares, a rapidez e a segurança, traduzindo-se no princípio da celeridade. O princípio da celeridade importa em reprimir o fator tempo no processo, ou seja, afastar os efeitos deletérios da demora jurisdicional para o autor. Isso não significa que o réu seja aquinhoado com a delonga, pois, para ele, a solução rápida da lide poderá ser favorável em face dos custos que representam o acompanhamento do processo na justiça. De outro lado, a demora faz aumentar o peso dos juros moratórios e da correção monetária sobre eventual débito. Assim, a rapidez é positiva para os dois polos da 63. demanda Sempre que possível os atos processuais devem ser praticados a permitir uma atividade processual mais rápida e ágil, sem, contudo, afastar a segurança jurídica. Ademais, a celeridade na composição dos litígios permite a cicatrização da ferida que a contenda significa no seio da sociedade o mais rapidamente possível64. Por fim, o artigo 2º da Lei 9.099/95 reafirma o compromisso de buscar alternativas de pacificação dos conflitos fora da sentença, estimulando a conciliação e a transação. A lei busca efetivar tal comando tanto no processo de conhecimento como na execução de título extrajudicial com a designação de audiência exclusivamente de conciliação. Há que se distinguir transação de conciliação, visto que não foram utilizadas as expressões pelo legislador como sinônimas. A transação é o “negócio jurídico bilateral pelo qual as partes interessadas, 62 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, p. 35. SILVA, Antônio Fernando Schenkel do Amaral e. Juizados Especiais Federais Cíveis: competência e conciliação. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 52. 64 SODRÉ, Eduardo. Juizados Especiais Cíveis: processo de conhecimento. Rio de Janeiro: outubro, 2005, p. 3-4. 63 47 fazendo-se concessões mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas”, enquanto a conciliação significa a composição amigável sem que, necessariamente, se verifique alguma concessão por quaisquer das partes a respeito do pretenso direito alegado ou extinção de obrigação civil ou comercial (renúncia ao direito, reconhecimento do pedido, 65 desistência da ação) . A lei busca efetivar tal comando tanto no processo de conhecimento como na execução de título extrajudicial com a designação de audiência exclusivamente de conciliação. Ao arremate, com propriedade Figueira Júnior acrescenta que a verdade é que todo juiz, antes de ser julgador, é um pacificador social cuja missão harmonizadora transcende a composição da lide por meio de uma sentença de procedência ou improcedência do pedido, o que, de qualquer maneira, representa sempre um ato impositivo de violência simbólica praticado pelo Estado no exercício da jurisdição (dizer e, se necessário, fazer exercer o direito do vencedor)66. 2.3 OS JUIZADOS ESPECIAIS E O ACESSO À JUSTIÇA Os juizados especiais foram criados como uma das expressões mais democráticas de toda a história do Judiciário brasileiro. A ideia fundamental, quando de sua criação, foi a de tornar virtualmente absoluto o acesso à justiça, fornecendo ao cidadão uma estrutura e um rito com ênfase na composição e dedicados à célere, fácil, desburocratizada solução dos litígios ditos de menor complexidade. Mas sua grande virtude não foi apenas a redução do rito, senão a quebra dos paradigmas processuais tradicionais, com o surgimento de um sistema novo, regido por princípios (celeridade, informalidade, simplicidade, entre outros) distintos do sistema processual de 1973 e com uma nova filosofia na forma de tratar os conflitos de interesses. A Exposição de Motivos da Lei nº 7.244/84, que tratava dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, os quais evoluíram para os Juizados Especiais Cíveis e Criminais com o advento da Lei nº 9.099/95, é bastante elucidativa sobre o 65 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais: comentários à Lei n. 9.099/1995. 7. ed. rev., atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 83. 66 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais: comentários à Lei n. 9.099/1995. 7. ed. rev., atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 86. 48 tema: Os problemas mais prementes, que prejudicam o desempenho do Poder Judiciário no campo civil, podem ser analisados sob pelo menos três enfoques distintos, a saber: a) a inadequação da atual estrutura do Judiciário para a solução dos litígios que a ele já afluem, na sua concepção clássica de litígios individuais; b) tratamento legislativo insuficiente, tanto no plano material como no processual, dos conflitos de interesses coletivos ou difusos que, por enquanto, não dispõem de tutela jurisdicional específica; c) tratamento processual inadequado das causas de reduzido valor econômico e conseqüente inaptidão do Judiciário atual para a solução barata e rápida desta espécie de controvérsia (item3). A ausência de tratamento judicial adequado para as pequenas causas – o terceiro problema acima enfocado – afeta, em regra, gente humilde, desprovida de capacidade econômica para enfrentar os custos e a demora de uma demanda judicial. A garantia meramente formal de acesso ao Judiciário, sem que se criem as condições básicas para o efetivo exercício do direito de postular em Juízo, não atende a um dos princípios basilares da democracia, que é o da proteção judicial dos direitos individuais (item4). A elevada concentração populacional nas áreas urbanas, aliado ao desenvolvimento acelerado das formas de produção e consumo de bens e serviços, atua como fator de intensificação e multiplicação de conflitos, principalmente no plano das relações econômicas. Tais conflitos, quando não solucionados, constituem fonte geradora de tensão social e podem facilmente transmudar-se em comportamento anti-social. Impõe-se, portanto, facilitar ao cidadão comum o acesso à Justiça, removendo todos os obstáculos que a isso se antepõem. O alto custo da demanda, a lentidão e a quase certeza da inviabilidade ou inutilidade do ingresso em Juízo são fatores restritivos, cuja eliminação constitui a base fundamental da criação de novo procedimento judicial e do próprio órgão encarregado de sua aplicação, qual seja o Juizado Especial 67 de Pequenas Causas (item 6) . O conceito cappellettiano de justiça coexistencial foi incorporado fortemente aos juizados especiais cíveis, que, demais disso, dispensam pagamento de custas em primeiro grau de jurisdição. Assim, além de privilegiarem os meios autocompositivos de conflitos (mediação, conciliação), os juizados especiais cíveis também contemplam meio compositivo não-adversarial (arbitragem) e multiplicam os meios de solução imposta, na medida em que permitem a instrução e proposição de sentenças por juízes leigos. Portanto, o acesso à justiça, nos juizados especiais cíveis, é maximizado não só em seu aspecto econômico, mas sobretudo em sua principal expressão, que é a de proporcionar uma solução rápida e justa aos litígios. A Lei 9.099/95 representou um grande avanço e é, por si, praticamente irretocável do ponto de vista da doutrina que a inspirou e dos valores que procura garantir, em especial o amplo acesso à justiça. Tanto é assim que o Poder Judiciário deve boa parte da credibilidade que ainda conserva ao sistema de juizados especiais. 67 apud ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. 2 ed. Florianópolis: Conceito, 2008, p. 188-189. 49 Por outro lado, os juizados especiais cíveis não têm alcançado plenamente, na prática, o fim de garantir o amplo acesso à justiça, em seu aspecto essencial e prático de solucionar os conflitos rapidamente. Mostram-no especialmente as fontes primárias, mas também a produção acadêmica recente que se vem avolumando em torno da matéria. A respeito, a constatação de Adriana Goulart de Sena Orsini e Luiza Belini Dornas Ribeiro: Atualmente, a procura pelos Juizados Especiais tem se elevado consideravelmente. Conforme análise realizada por Leslie Shérida Ferraz (2010, p. 67) entre os anos de 2003 e 2005, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ‘a taxa de congestionamento dos Juizados é expressiva, em torno de 40% a 50% na média nacional.’ Essa taxa mede a capacidade das Cortes em finalizar os processos, o que nos impele à conclusão de que a ampliação dos Juizados pode chegar a comprometer a qualidade dos serviços prestados, interferindo na credibilidade que a sociedade deposita no Judiciário e, especialmente, no 68 provimento jurisdicional célere e efetivo que essa sociedade tem direito . Igualmente, a constatação de Ricardo Torres Hermann: Os Juizados Especiais Cíveis contam hoje com o reconhecimento do meio jurídico, mas também, e o que é mais difícil, da população. Constituem-se, sem qualquer margem de dúvida, no meio de acesso à Justiça mais prestigiado do país. Recente pesquisa, divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em setembro de 2007, revelou que os juizados especiais se consubstanciam na instituição judicial com maior reconhecimento popular, com índice de confiabilidade de 71,8%. Contudo, é inegável que as principais virtudes que apresentam: de rápida solução de litígios, de simplicidade, informalidade, de valorização das formas de autocomposição – como a conciliação e a mediação – só têm condições de subsistir se não forem, os Juizados Especiais, soterrados por milhares de ações envolvendo demandas de massa, que ingressam atualmente em tais 69 unidades jurisdicionais . Os juizados especiais cíveis trilham atualmente, portanto, o lento e perigoso caminho rumo à perda de sua capacidade de efetivação prática do direito e, pois, da sua essência, inclusive como norma. A respeito, Rudolph von Ihering, já no século XIX, advertia: A essência do direito consiste na sua efetivação prática. A norma jurídica, que ficou pairando e nunca se efetivou, ou que perdeu essa efetivação, perde o caráter de norma, transformando-se em roda emperrada do mecanismo jurídico, e que por essa inércia, em nada contribui para seu funcionamento, podendo, pois, ser suprimida, sem que isso produza 68 ORSINI, Adriana Goulart de Sena e RIBEIRO, Luiza Berlini Dornas. A litigância habitual nos juizados especiais em telecomunicações: a questão do “excesso de acesso”. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, v. 55, n. 85, p. 21-46. Belo Horizonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, 2012, p. 26. 69 HERMANN, Ricardo Torres. O tratamento das demandas de massa nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2010, p.19. 50 70 qualquer prejuízo . Mas onde residiria o descompasso com a realidade, se, em termos normativos, o sistema é reconhecidamente efetivo? 2.4 AS AÇÕES REPETITIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS É certo que o “soterramento” dos juizados especiais, para usar a expressão de Ricardo Torres Hermann71, se deve a causas variadas, que incluem até mesmo fatores locais, como a realidade econômica de cada unidade da federação, a maior ou menor alocação orçamentária, pela administração dos tribunais, ao sistema dos juizados especiais, e a correlação entre a população e o número de unidades judiciárias do sistema especial. A análise minuciosa de todos os fatores, gerais e locais, não caberia nas modestas pretensões do presente trabalho. Entretanto, qualquer rápido correr de olhos nos dados estatísticos de qualquer unidade de juizado especial cível de médias e grandes comarcas do país, chama a atenção para um fenômeno já descrito em trabalhos acadêmicos, entre os quais os dos já citados Ricardo Torres Hermann72, Adriana Goulart de Sena Orsini e Luiza Belini Dornas Ribeiro 73, estas especificamente em relação às telecomunicações. Trata-se da repetição fracionada, individual, de demandas de consumo fundadas em direitos individuais homogêneos, a imensa maioria incluindo pedido de indenização por danos morais, contra grandes empresas, destacando-se, em regra, bancos, empresas de telefonia, companhias aéreas, seguradoras e empresas de tv por assinatura. Recentemente, de início nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, empresas mantenedoras de cadastros ditos de proteção ao crédito, até então 70 IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 7 ed. revista da tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 79. 71 HERMANN, Ricardo Torres. O tratamento das demandas de massa nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2010, p.19. 72 HERMANN, Ricardo Torres. O tratamento das demandas de massa nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2010. 73 ORSINI, Adriana Goulart de Sena; RIBEIRO, Luiza Berlini Dornas. A litigância habitual nos juizados especiais em telecomunicações: a questão do “excesso de acesso”. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, v. 55, n. 85, p. 21-46. Belo Horizonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, 2012. 51 demandadas freqüentes como os antes mencionados, passaram a ocupar posição de ponta entre os demandados. Isso se deve à multiplicidade de ações ajuizadas em pouco tempo sustentando a ilegalidade dos chamados sistemas de scoring de crédito, em que cada indivíduo inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas da Receita Federal (CPF), mesmo que nunca antes tenha figurado em qualquer listagem dita negativa, recebeu uma pontuação de zero a mil. Tal pontuação corresponderia, grosso modo, a maiores ou menores chances de haver pagamento da dívida correspondente a eventual concessão de crédito. O mérito de tais demandas, para o presente trabalho, importa bem menos do que o efeito produzido por seu volume súbito nos juizados especiais cíveis, afetando direta e expressivamente a celeridade e, pois, a razoável duração do processo e o acesso à justiça. Os juizados especiais cíveis têm experimentado freqüentes ondas de litigância semelhantes a essa, embora com volumes menos expressivos, a exemplo, entre outras, das ações em que se discutia a assinatura básica de telefonia fixa. Tome-se o exemplo dos dois juizados especiais cíveis centrais de Florianópolis-SC, Brasil. Antes de 2013, ambos os juizados especiais cíveis do Fórum Desembargador Eduardo Luz (centrais) contavam com acervo de aproximadamente 4.500 feitos em tramitação, recebendo, via distribuição, entre 400 a 500 novos por mês74. A partir da disseminação da notícia das primeiras sentenças, reconhecendo, na imensa maioria dos casos, a ilegalidade do cadastro e o direito a indenização por danos morais (as poucas sentenças de improcedência de modo geral fundaram-se em insuficiência probatória ou alguma circunstância específica do caso), e de sua confirmação pela Primeira Turma de Recursos de Santa Catarina, houve uma verdadeira explosão de demandas de igual teor, tendo sido ajuizadas mais de noventa mil novas ações em poucos meses. Isto significa em média dezoito mil por mês ou pouco menos de novecentos por dia útil. Ou seja, cada um dos dois juizados especiais cíveis centrais de Florianópolis passou a receber, por dia, o número de novos processos que recebia por mês, com um incremento de acervo, em meio ano, de 1.000 %. 74 Os dados, assim como os que se seguem quanto ao exemplo dado, são de conhecimento primário do autor, em razão das funções que exerce como Juiz de Direito titular do 1º Juizado Especial Cível da Comarca da Capital-SC. 52 E os números só não são mais expressivos porque, em outubro de 2013, os cadastros foram suspensos, cessando-se a realização de novas consultas até que o mérito da demanda foi julgado, em recurso repetitivo, pelo Superior Tribunal de Justiça, em 12 de novembro de 2014. Os números exatos de 2013 e 2014, tão somente do 1º Juizado Especial Cível, encontram-se nas seguintes tabelas: 53 Tabela 1: Números do 1º Juizado Especial Cível da Capital-SC em 2013 2013 Inicias Total de Inicias Inicias ajuizadas Inicias processos ajuizadas Total de ajuizadas em face de ajuizadas ajuizados em face processos em face de empresas em face SEM de ajuizados empresa de de de plano Sistema instituição telefonia transporte de saúde Scoring bancária aéreo Total de iniciais envolvendo relação de consumo Janeiro 117 110 19 26 6 1 62 Fevereiro 155 139 32 26 4 1 74 Março 202 147 11 21 11 - 54 Abril 230 219 20 38 11 6 86 Maio 229 159 14 16 4 8 56 Junho 363 212 18 19 16 4 81 Julho 884 168 25 17 10 1 68 Agosto 478 90 11 17 4 4 41 Setembro 512 116 18 14 6 3 52 3.106 140 20 14 5 20 67 Novembro 182 127 16 9 2 4 46 Dezembro 13.573 70 8 9 - 4 28 1.697 212 226 79 56 715 Outubro TOTAL 20.031 Fonte: Do autor (2015). Tabela 2: Números do 1º Juizado Especial Cível da Capital-SC em 2014 2014 Janeiro Inicias Total de Inicias Inicias ajuizadas Inicias processos ajuizadas Total de ajuizadas em face de ajuizadas ajuizados em face processos em face de empresas em face SEM de ajuizados empresa de de de plano Sistema instituição telefonia transporte de saúde Scoring bancária aéreo Total de iniciais envolvendo relação de consumo 34.393 326 50 29 14 14 204 Fevereiro 320 134 15 14 6 1 72 Março 165 122 15 11 7 8 77 Abril 278 141 21 30 10 2 97 Maio 308 165 72 20 9 3 153 Junho 365 177 68 18 12 - 132 Julho 238 217 93 16 17 7 167 3.627 464 122 64 22 9 217 Setembro 989 366 55 28 10 3 152 Outubro 714 206 74 27 6 4 138 Novembro 231 186 50 29 4 2 110 Dezembro 148 145 26 16 14 6 80 2.649 661 302 131 60 1.599 Agosto TOTAL 41.776 Fonte: Do autor (2015). 54 Os números do 2º Juizado Especial Cível são muito próximos, haja vista que ambas as unidades possuem exatamente a mesma competência, realizando-se a distribuição, como regra, via sorteio. É claro que as partes passivas, em tais casos, eram poucas e repetidas, mas, a realizar-se a tradicional conta de pelo menos duas pessoas litigando por processo, uma no polo ativo, outra no passivo, é como se todos os habitantes da área de jurisdição abrangida pelos dois juizados especiais cíveis centrais de Florianópolis estivessem neles litigando, muitos em mais de um processo. Inclusive a Pontifícia Universidade Católica do Paraná realizou pesquisa relevante encomendada pelo CNJ por meio do Edital 01/2009, apresentando documento final denominado “Causas do progressivo aumento de demandas judiciais cíveis repetitivas no Brasil e propostas para a sua solução”. No corpo da pesquisa procedeu-se à coleta de dados para identificar demandas cíveis repetitivas no Brasil e entender suas causas e com os resultados foram apresentadas propostas de solução para as demandas judiciais cíveis relacionadas ao sistema de crédito. A coleta de dados foi realizada nas capitais Manaus, Aracaju, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, além do Distrito Federal e das comarcas de Eldorado do Sul (RS) e Taguatinga (DF). Os dados coletados também apontaram uma concentração de feitos relacionados à concessão e tomada de crédito, e discussões jurídicas decorrentes desta realidade. Na análise dos dados a equipe observou a impossibilidade da obtenção de informações padronizadas e da coleta de dados baseada na Tabela de Classes e Assunto do CNJ. Os dados coletados foram analisados e, ao final, apontaram forte demanda repetitiva em ações que tinham por objeto contratos bancários. Para sua solução foram apontadas demandas extraprocessuais e processuais, propostas de alteração legislativa, medidas de política judiciária e de administração da justiça que integraram o relatório. A equipe estabeleceu as seguintes premissas para a pesquisa: [...] houve um aumento de demanda da justiça cível no Brasil, em especial de demandas repetitivas; as soluções para o aumento da demanda devem ocorrer de forma a não comprometer direitos constitucionalmente garantidos, associando-se à ampliação do acesso a uma justiça eficaz; o 55 acesso à justiça não se confunde e não se resume ao acesso ao Poder Judiciário; soluções para o problema devem contemplar formas de solução de conflito externas ao Judiciário. Pois bem. Alguém poderia dizer que as ações são iguais e, assim, todas podem ser movidas “em bloco” como se fossem uma só, em especial porque tramitam em meio eletrônico. Contudo, a realidade não se mostra tão simples. Primeiramente, a sobrecarga no cartório distribuidor, apesar das medidas emergenciais tomadas pela Direção do Foro, 1º e 2º Juizados Especiais Cíveis e Tribunal de Justiça de Santa Catarina, comprometeu os bons serviços daquele setor em mais de seis meses, afetando não só os juizados especiais cíveis, mas as demais unidades sujeitas ao mesmo distribuidor. É fácil imaginar a incompreensão e a justa insatisfação do jurisdicionado, que, esperando ter a solução do seu caso em 60 ou 90 dias, em seis meses sequer havia tido sua petição inicial distribuída. Não fosse isso, cada novo ato dos processos, mesmo que se tratasse apenas de repetição em bloco – e não se tratava – exigia um tempo enorme para ser cumprido em todos, considerado o volume. Basta imaginar que, apenas para o magistrado simplesmente acionar a assinatura digital em bloco para cada movimentação processual em todos os processos, o sistema digital tem capacidade de processar, no tempo do expediente forense, hardware e software considerados, entre duas a três mil assinaturas digitais por dia75, o que significa cerca um mês útil apenas para processar as assinaturas digitais. Nem se mencione o exame de cada inicial e sua documentação, e o tempo de elaboração dos despachos e sentenças, além da movimentação cartorária, mesmo que em bloco. Pior, contudo, quando se pensa na pauta de audiências, no tempo que se levaria e no número de conciliadores que se ocuparia para realizar audiência de conciliação (prevista como obrigatória no rito, constituindo marco de resposta) individualmente em cada um dos processos, em casos nos quais absolutamente nenhum acordo ocorreu, notadamente pela própria natureza e volume das demandas e o temor dos réus de abrir precedentes. Seria algo para vários anos de comprometimento da pauta de audiência, pondo por terra a razoável duração do processo e, pois, o acesso à justiça. 75 De acordo com simulações e movimentações reais realizadas em bloco pelo autor no equipamento disponível em seu gabinete. Os dados variaram conforme a data e horário do ato, possivelmente de acordo com o maior ou menor tráfego de dados no sistema e a carga em ocupação do servidor de informática no mesmo momento. 56 Esse exemplo é dado para que se tenha a real dimensão do quanto esse tipo de demanda é capaz de comprometer o bom funcionamento de um juizado especial cível, por melhor dimensionados que sejam sua estrutura e seus recursos. Exemplos semelhantes poderiam ser citados, de diferentes partes do Brasil. O fenômeno é de tal importância para a própria existência eficiente dos juizados especiais que o Fórum Nacional dos Juizados Especiais, entidade que congrega magistrados estaduais integrantes do sistema de juizados especiais, emitiu o Enunciado Cível nº 139, com o seguinte teor: A exclusão da competência do Sistema dos Juizados Especiais quanto às demandas sobre direitos ou interesses difusos ou coletivos, dentre eles os individuais homogêneos, aplica-se tanto para as demandas individuais de natureza multitudinária quanto para as ações coletivas. Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil coletiva, remeterão peças ao MP 76 para as providências cabíveis . Nada obstante se entenda que a questão merece aperfeiçoamento normativo no sentido do Enunciado Cível nº 139 do FONAJE, não há, juridicamente, como concordar com o teor do referido enunciado. Com efeito, não se vislumbra nada na redação vigente da Lei nº 9.099/95 que permita excluir da competência dos juizados especiais cíveis ações propostas por pessoas físicas capazes, tão somente pelo fato de estarem fundamentadas em interesses individuais homogêneos. Mais ainda quando se tem em foco a finalidade da lei, de ampliação do acesso à justiça. Constatado que os juizados especiais cíveis, mesmo quando bem estruturados e funcionando nos moldes da lei de regência, não têm condições de suportar o volume de ações individuais repetitivas versando sobre direitos individuais homogêneos, evidencia-se a inadequação do modelo processual previsto na Lei nº 9.099/95 para o processamento de tais demandas. 2.5 A INADEQUAÇÃO DA LEI Nº 9.099/95 ÀS AÇÕES REPETITIVAS: O RISCO DE PERDA DE SUA LEGITIMIDADE A Lei nº 9.099/95, quando criada, sem dúvida correspondia integralmente à realidade que a justificava. Uma das maiores necessidades sociais, à época, com a então ainda infante Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, era a 76 Disponível em: <http://www.fonaje.org.br/site/enunciados/>. Acessado em: 30/01/2014. 57 de colocar em prática meios de efetivar as garantias previstas no texto constitucional, entre elas a do amplo acesso à justiça. A luta de então era pela criação do direito de qualquer um estar em juízo quando necessário, destruindo as barreiras econômicas (com, v. g., a isenção de custas e a dispensa de assistência por advogado em causas de valor igual ou inferior a vinte salários-mínimos), e garantindo, em causas de menor complexidade, um processamento rápido, desburocratizado, alcançando-se uma solução justa, preferencialmente autocomposta, com celeridade. Pouco se cogitava, à época, mesmo porque até então ainda relativamente incipientes no Brasil as normas e o manejo das ações coletivas, da utilização dos juizados especiais como solução para os conflitos versando sobre interesses individuais homogêneos. O modelo então adotado derivava, porém mais completo e ampliado, da Lei nº 7.244/84, que criava e disciplinava os Juizados Especiais de Pequenas Causas, inspirados em grande parte, por sua vez, nas small claims courts norteamericanas, destinadas essencialmente à composição de conflitos individuais típicos de menor complexidade e valor. Sendo um modelo processual voltado aos meios autocompositivos de solução de conflitos, privilegia a oralidade, exigindo a presença pessoal das partes, sem a qual as chances de solução consensual diminuem significativamente. É fácil não só de concluir, como de constatar, que, em milhares de ações semelhantes versando sobre interesses individuais homogêneos e figurando grandes empresas no polo passivo, a relação interpessoal exigida para a conciliação fica prejudicada, seja pela impossibilidade de seu estabelecimento (de hábito quem comparece pela empresa é algum preposto nomeado de última hora, sem qualquer conhecimento dos fatos e sem capacidade ou autorização sequer para conversar sobre termos de eventual acordo), seja porque, para quem figura no pólo passivo, não se trata de resolver um conflito individual típico com um consumidor, mas de ínfima parte de um problema maior, envolvendo milhares de consumidores, sobre o qual a posição jurídica por si adotada deve considerar o volume total das ações. O próprio rito processual, que contempla a realização de audiência em todos os casos e a prevê inclusive como marco da resposta, tentando-se inicialmente a conciliação, denota que a Lei nº 9.099/95 não foi criada para a 58 solução de ações de massa versando sobre interesses individuais homogêneos. Trata-se de modelo processual, portanto, pensado e elaborado com o intuito claro de facilitar o acesso à justiça e solucionar o problema da litigiosidade antes contida em relação a ações tipicamente individuais de menor valor e complexidade. Sua evidente finalidade é a solução de conflitos individuais típicos, inclusive os de consumo, desde que não tratem de interesse individual homogêneo, como nos clássicos exemplos do eletrodoméstico que apresenta algum defeito de funcionamento ou da fatura da conta telefônica que ocasionalmente consignou chamadas não realizadas. Assim, a falta de correlação entre a solução criada para resolver problemas de outra natureza e a dificuldade depois surgida (manejo de ações de massa nos juizados especiais), bem como a decorrente pouca adaptabilidade do modelo processual vigente à necessidade de solução de milhares de controvérsias envolvendo interesses individuais homogêneos, levam à nítida conclusão de que os juizados especiais cíveis não são o nicho adequado para as ações repetitivas ou de massa. A matéria, porém, não é nova. Foi tratada em detalhes por destacados juristas, entre os quais Ricardo Torres Hermann77. Incomoda, contudo, outra faceta dessa inadequação, que é o risco de deslegitimação da norma. Segundo Eros Grau: [...] o direito é um produto cultural, uma invenção do homem, sendo as realidades sociais o elemento desde o qual se processa a sua invenção. E prossegui afirmando que, assim como a sociedade inventa sua cultura, valora situações objetivas e, diante delas, adota determinados princípios e ideias das quais defluem sentidos admitidos e consentidos como convenientes à convivência social. A luta pela criação do direito positivo – prossegui, ainda – é processada sobre a consideração de tais sentidos. Vale dizer: a sociedade inventa sua cultura e, a partir dela, sob a pressão das forças sociais, o legislador cria o direito positivo, que resultará legítimo ou ilegítimo. Logo, concluí: podemos afirmar que a norma jurídica é legítima – dotada de legitimidade – quando existir correspondência entre o comando nela consubstanciado e o sentido admitido e consentido pelo todo social, a partir da realidade coletada como justificadora do preceito normatizado. A legitimidade é um conceito material, ao passo que a legalidade é um conceito formal. 3. Quanto a isso, pouco tenho a alterar, Em verdade, o que posso fazer é 77 HERMANN, Ricardo Torres. O tratamento das demandas de massa nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2010, p. 32-37. 59 simplificar o quanto afirmei, dizendo agora, de outra forma, que dotado de 78 legitimidade é o direito posto que corresponde ao direito pressuposto. [...] . Rudolph von Ihering, anteriormente, referindo-se à relação entre o direito subjetivo e o direito objetivo, lecionava: Creio reproduzir fielmente a ideia corrente, ao dizer que a mencionada relação existe reside no fato de que o direito objetivo é condição ou pressuposto do direito subjetivo. O direito concreto, ou subjetivo, só pode efetivar-se quando estão presentes os pressupostos dos quais o direito abstrato necessita para existir. Conforme a teoria dominante, esse vínculo abrange as relações entre os dois tipos de direito, mas esse modo de ver o mundo jurídico é, sem dúvida, unilateral, pois ressalta apenas a dependência do direito concreto, ou subjetivo, em relação ao direito abstrato, ou objetivo, omitindo, além disso, o fato de que tal relação de dependência se forma com igual intensidade em sentido inverso. O direito concreto recebe não somente vida e força do direito abstrato, como também 79 lhe devolve esses elementos . Conforme acima se afirmou, e ora se repete, a Lei nº 9.099/95, quando criada, e pelos primeiros anos que se seguiram, correspondia integralmente à realidade que a justificava. Sem dúvida era dotada de legitimidade plena e estava visceralmente concorde com a necessidade e o anseio sociais. Apesar do fenômeno das ações de massa nos juizados especiais, estes seguem correspondendo ao admitido, consentido e esperado pelo todo social, tanto que ainda gozam de credibilidade popular. Portanto, a Lei nº 9.099/95 ainda não perdeu sua legitimidade nem, a adotar-se o critério de IHERING acima transcrito, sua efetividade e, pois, seu caráter de norma. Mas até quando, a persistir a geometricamente crescente sobrecarga dos juizados especiais cíveis com ações de massa, estes terão efetividade? Até quando continuará a existir a mútua alimentação de força e vida entre o direito concreto e o direito abstrato? Até quando persistirá a legitimidade – conceito material, conforme já se viu na passagem de Eros Grau acima citada – da Lei nº 9.099/95? Até quando o direito pressuposto corresponderá ao direito posto? A permanecer o agigantamento das ações de massa nos juizados especiais sem que adaptações normativas sejam feitas, sua deslegitimação, ou perda de legitimidade, é certa. Pense-se, por exemplo, numa ação versando sobre um acidente de 78 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 85-86. 79 IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 7. ed. revista da tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 79. 60 trânsito de pouca monta que tenha sido aforada imediatamente após o ajuizamento de dezenas de milhares de ações versando sobre os mesmos interesses individuais homogêneos. A seguir-se o critério cronológico, e dependendo da estrutura da unidade judiciária e número de conciliadores de que disponha, a ação tipicamente individual, tratando do acidente de trânsito, caso evidente de adequação ao modelo processual dos juizados especiais, teria sua primeira audiência marcada para anos à frente, prejudicado o seu trâmite por milhares de feitos que, a rigor, deveriam estar condensados em ação coletiva única no juízo ordinário. O amplo acesso à justiça, em seu aspecto de célere e justa solução ao conflito, razão mesma da criação e existência dos juizados especiais, terá sido sepultado. A desburocratização, a rapidez, a simplicidade, a facilitação da autocomposição, em causas cíveis de menor complexidade, todos feridos de morte. E tal quadro fático não será outro que o da deslegitimação completa da Lei nº 9.099/95, ao menos em sua parte cível, que se terá então tornado nada mais, para utilizar novamente a expressão de Rudolf von Ihering, que “[...] uma roda emperrada do mecanismo jurídico, e que, por essa inércia, em nada contribui para seu funcionamento, podendo, pois, ser suprimida sem que isso produza qualquer prejuízo.”80 Há necessidade, entretanto, de se olhar os fatos com alguma atenção. A realidade que justificou a criação dos juizados especiais não se alterou. A base fática legitimadora da norma essencialmente não se modificou. Afinal, ainda, e cada vez mais, é necessário garantir o amplo acesso à justiça e a solução célere e justa às causas cíveis tipicamente individuais de menor complexidade. O que se verifica não é propriamente o esmaecimento gradual dos elementos fáticos legitimadores do sistema, que seguem existindo e com força, mas o surgimento de um novo fato, um novo fenômeno, qual seja, a litigância em massa nos juizados especiais, que não substituiu os fatos e necessidades mais antigos, mas a eles se agrega. Com efeito, este novo fenômeno fático somou-se à realidade até então vigente, sem desconstituir as necessidades e anseios sociais que ensejaram a criação do sistema de juizados especiais. Assim sendo, o risco de deslegitimação dos juizados especiais cíveis não 80 IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 7. ed. revista da tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 79. 61 reside em eventual anacronismo do direito pressuposto e nem sequer exata e totalmente do direito posto. Isto porque o modelo processual previsto na lei de regência dos juizados especiais, assim como antes do fenômeno da litigância em massa, continua adequado, repita-se, à garantia do amplo acesso à justiça em relação às causas cíveis tipicamente individuais de menor complexidade. O descompasso do modelo processual ora tratado, pois, não existe em relação aos fatos que ensejaram a sua criação, ainda atuais, mas ao fenômeno posterior de litigância em massa, que criou novas necessidades e acabou por afetar o bom funcionamento do modelo em relação às necessidades para as quais ele foi criado, ainda vigentes. Pode-se afirmar, sem maior risco de equívoco, que a litigância em massa, estranha ao direito pressuposto dos juizados especiais cíveis, contaminou-os a ponto de comprometer sua efetividade, porque o sistema acabou absorvendo uma demanda que não corresponde àquela para qual nasceu. Em outros termos, o risco de deslegitimação dos juizados especiais cíveis encontra-se na crescente, e por ora inevitável, aceitação geral do desvirtuamento do direito posto para atender a outro direito pressuposto, diferente daquele que lhe corresponde. Dizendo-se o mesmo de forma mais simples, corre-se o risco de ter um direito posto cuja desvirtuamento não corresponda a nenhum dos dois direitos pressupostos em questão. Tal constatação parece ser de fundamental importância na medida em que, se o direito pressuposto correspondente à norma vigente estivesse superado, ou se esta não mais correspondesse àquela, seria simples caso de revogá-la. Não é, contudo, o caso. Invertendo-se a ordem da ideia, imagine-se que, revogada hoje a Lei nº 9.099/95, surgiria a imediata necessidade da criação de outro sistema assemelhado, que garantisse o amplo acesso à justiça, com soluções céleres para as causas de menor complexidade e valor, envolvendo conflitos tipicamente individuais. Afinal, há décadas já se sabe que os juízos ordinários não contemplam adequadamente essa parcela dos litígios. Logo, a necessidade e anseio sociais ainda existem. Visto isso, parece ser possível e até de pouca complexidade evitar esse risco de deslegitimação dos juizados especiais cíveis, realinhando-os às suas finalidades primordiais e conservando-os conectados à realidade, cada vez mais 62 viva, que os inspirou. Modificar legislativamente o direito posto para adequar os juizados especiais cíveis à recepção e processamento das demandas repetitivas não parece ser a melhor solução, pois, conforme exaustivamente já se afirmou, o direito pressuposto ensejador da norma não corresponde minimamente ao novo direito pressuposto surgido. O Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), sempre atento às dificuldades enfrentadas por estes, acabou por emitir o Enunciado Cível nº 139, acima transcrito, fornecendo com isso uma orientação preciosa. Entretanto, o fato é que a Lei nº 9.099/95 não exclui expressamente as demandas individuais repetitivas, fundadas em direitos individuais homogêneos, de sua competência. Não o fazendo, parece difícil estender a interpretação das normas pertinentes ao alcance pretendido pelo referido enunciado. Desse modo, e sem nenhuma pretensão de esgotar o debate, uma alternativa para se evitar a perda de legitimidade dos juizados especiais cíveis que se avizinha, pelo desvirtuamento da sua lei de regência, parece ser pequena alteração no direito posto para que contemple aquilo que já integrava o direito pressuposto que lhe corresponde desde sua criação, excluindo-se expressamente a competência dos juizados especiais cíveis para demandas individuais baseadas em interesses individuais homogêneos. Os anseios do todo social no tocante aos interesses individuais homogêneos e à litigância de massa, assim, seriam contemplados pelo juízo ordinário, até a criação de direito posto que correspondesse a esse direito pressuposto, preservando-se os juizados especiais cíveis do risco de deslegitimação. 2.6 O JULGAMENTO LIMINAR NAS AÇÕES REPETITIVAS Em 2006 foi incorporado ao processo civil brasileiro o art. 285-A no Código de Processo Civil, que prevê: Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1º - Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. 63 § 2º - Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para 81 responder ao recurso. A inovação buscou criar técnicas processuais voltadas a maior celeridade processual, a fim de, especialmente, concretizar a razoável duração do processo, garantia constitucional estudada anteriormente. Um dos notórios objetivos das extensas reformas empreendidas nas leis processuais para debelar o que se costuma designar de ‘crise da justiça’ consiste na celeridade. Apesar de vulgar, a fórmula ‘crise da justiça’ soa excessiva e imprópria. Induz à crença que a justiça em si perdeu-se em algum escaninho burocrático. Na verdade, busca-se nela expressar que a prestação jurisdicional prometida pelo Estado, no Brasil e alhures, tarda 82 mais do que o devido, frustrando as expectativas dos interessados. “A técnica do artigo 285-A do CPC visa abreviar o procedimento quando a questão controvertida é unicamente de direito e o juiz já firmou o convencimento, em casos anteriores.” 83 Tal instituto “deve ser compreendido na busca de maior racionalidade e celeridade na prestação jurisdicional, eficiência, em última análise, nos casos em que há decisão desfavorável a tese levada nova e repetitivamente para solução perante o Estado-juiz.” 84 O dispositivo em comento facilita o julgamento de casos idênticos, sem ociosas repetições, bem como encontra respaldo nos princípios orientadores dos Juizados Especiais Cíveis, revelando-se valiosa ferramenta para a realidade forense, que se depara com processos repetitivos que se alastram vertiginosamente. O julgamento liminar “se preocupa em racionalizar a administração da justiça diante dos processos que repetem teses consolidadas pelo juiz de primeiro 81 Artigo acrescentado pela Lei nº 11.277/2006, de 07 de fevereiro de 2006. Publicada no Diário Oficial da União em 08 de fevereiro de 2006 e em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação. 82 ASSIS, Araken. Duração razoável do processo e reformas da lei processual civil. In Processo e Constituição. Estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. Coord. Luiz Fux, Nelson Nery Jr. E Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2006, p. 196. 83 CAMBI, Eduardo. Julgamento prima facie (imediato) pela técnica do artigo 285-A do CPC. In Direito e Processo. Estudos em homenagem ao desembargador Norberto Ungaretti. Cood. Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 497. 84 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum ordinário e sumário. 2. v. tomo I. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 125. 64 grau ou pelos tribunais”85. Busca-se “racionalizar a prestação jurisdicional no âmbito dos “processos repetitivos”, assim consideradas as relações processuais com sujeitos diversos, mas causas de pedir e pedidos idênticos”. 86 O Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, ao encaminhar o Projeto de Lei ao Presidente da República, argumentou: [...] De há muito surgem propostas e sugestões, nos mais variados âmbitos e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de entidades representativas, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de Processo Civil e da lei de juizados especiais, para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade em questão. 4. A proposta vai nesse sentido ao criar mecanismo que permite ao juiz, nos casos de processos repetitivos, em que a matéria controvertida for unicamente de direito, e no juízo já houver sentença de total improcedência, dispensar a citação e proferir decisão reproduzindo a anteriormente prolatada. 5. A sugestão encontra-se acorde com os preceitos que orientam a política legislativa de reforma infra-constitucional do processo, ressaltando que a proposta resguarda o direito do autor apelar da decisão, possibilitando, ainda, a cassação da mesma pelo juiz, e o prosseguimento da demanda em primeira instância. 6. Estas, Senhor Presidente, as razões que me levam a submeter a anexa proposta ao elevado descortino de Vossa Excelência, acreditando que, se aceita, estará contribuindo para a efetivação das medidas que se fazem necessárias para conferir celeridade ao ritos do processo civil. A finalidade é economizar atividade processual, já que os contornos da demanda conduziriam, considerados os processos anteriores, a inevitável juízo de improcedência. Assim, com o desprovimento anterior á própria citação, pretende-se tornar mais célere a prestação jurisdicional, sendo evitada a 87 realização de atividade processual cognitiva inútil. Porém, a aplicação da técnica analisada é uma faculdade do magistrado, consoante anota Ataíde Júnior: Não há qualquer obrigatoriedade em se utilizar o instituto. O juiz, mesmo sabendo da existência, no juízo, de sentença de total improcedência em casos idênticos, poderá ordenar a citação e processar normalmente a 85 MARINONI, Luiz Guilherme. Ações repetitivas e julgamento liminar. In: Direito e processo. Estudos em homenagem ao desembargador Norberto Ungaretti. Cood. Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira. 1. ed. 2. tir. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 676. 86 SILVA, Ricardo Alexandre da. Anotações sobre o artigo 285-A do código de processo civil. In: Direito e processo. Estudos em homenagem ao desembargador Norberto Ungaretti. Cood. Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira. 1. ed. 2. tir. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 817. 87 SILVA, Ricardo Alexandre da. Anotações sobre o artigo 285-A do código de processo civil. In: Direito e processo. Estudos em homenagem ao desembargador Norberto Ungaretti. Cood. Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira. 1. ed. 2. tir. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 817. 65 causa. Provavelmente, julgará antecipadamente a lide, com base no art. 330, I do CPC. E é provável, até, que decida da mesma forma que a 88 sentença paradigma. Os requisitos indispensáveis para o julgamento liminar são: a) a causa verse sobre questão unicamente de direito, b) existam precedentes do mesmo juízo e c) julgamentos anteriores de improcedência do pedido. Critica-se a terminologia empregada pelo legislador quanto à primeira exigência, porquanto “antes da citação, não haveria matéria controvertida. No entanto, a interpretação do artigo permite encontrar seu sentido: deve ser unicamente de direito a matéria deduzida na petição inicial como causa de pedir.” 89 O dispositivo reclama, para sua incidência, que a questão jurídica, a tese jurídica, predomine sobre eventuais questões de fato. É isto que deve ser entendido como “matéria controvertida unicamente de direito”. São aqueles casos que se caracterizam muito mais pela questão jurídica do que por qualquer peculiaridade fática. É o que se dá, entre outros, com os casos de complemento de aposentadoria, inconstitucionalidade de tributo; abusividade de uma específica cláusula de 90 contrato de adesão ou índices de correção monetária. Sob esse enfoque, as matérias que versam unicamente sobre matéria de direito são as hipóteses que a prática forense levará sempre ao julgamento antecipado da linde, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil, exatamente porque a questão a ser resolvida é predominantemente de direito e os fatos, em si considerados, nada tem de peculiar ou característico. O professor Cassio Scarpinella Bueno anota: Não é desnecessário acentuar que não há, propriamente, uma questão unicamente de direito no sentido que consta da regra aqui comentada. Ela, a questão, é, no máximo, predominantemente de direito porque a mera existência de um autor, de um réu e de um substrato fático que reclama a incidência de uma norma jurídica já é suficiente para que haja questão de fato no caso concreto. Mas, e aqui reside o que releva para compreensão do art. 285-A, esta questão de fato alheia a qualquer questionamento, a qualquer dúvida, ela é padronizada ou, quando menos, padronizável; ela, a situação de fato, traz, em si, maiores questionamentos quanto à sua existência, seus contornos e seus limites. O que predomina, assim, é saber qual o direito aplicável sobre aqueles fatos que não geram dúvidas, que não 88 ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. As novas reformas do processo civil. Curitiba: Juruá, 2006, p. 85. 89 ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. As novas reformas do processo civil. Curitiba: Juruá, 2006, p. 81-82. 90 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum ordinário e sumário. 2. v. tomo I. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 127. 66 geram controvérsia possível ou séria entre as partes perante o juiz. 91 Cambi acrescenta: A questão é exclusivamente de direito quando recai sobre a interpretação das regras e dos princípios jurídicos aplicáveis a fatos incontroversos. Não se pergunta se e como o fato aconteceu, mas quais são as suas repercussões jurídicas. Dado o fato questiona-se, apenas, se e como determinadas regras ou princípios lhe são aplicáveis. Por exemplo, quando de discute se a cobrança de um dado tributo é constitucional, quer-se apenas que o Poder Judiciário se pronuncie sobre a validade de uma 92 determinada regra infraconstitucional em relação à Constituição. A identificação de casos semelhantes, para a correta incidência do art. 285-A do CPC, “relaciona-se com a questão exclusivamente de direito, ou seja, só se justifica a improcedência prima facie, se o julgamento padrão, também de improcedência, teve fundamento básico em matéria de direito.” 93 Afinal, envolvendo questões de fato, “as particularidades do caso concreto poderão importar soluções diferentes, de modo que a conclusão lançada em um processo pode não servir para o outro.” 94 No tocante ao segundo requisito, A lei fala em casos idênticos. Também aqui se critica a redação empregada no artigo: em função da litispendência ou da coisa julgada, não é possível julgar caso idêntico, que é aquele que apresenta identidade de partes, causa de pedir e pedido (CPC, art. 301, § 2º). Obviamente, não é isso que a normas dispõe. Os casos idênticos são aqueles que conservam entre si, apenas, a identidade de teses jurídicas, de modo que, tanto em relação a um caso, como em relação a outro, a matéria de direito é a mesma. Não haverá necessidade de identidade de partes e, nem mesmo, de pedido, pois a solução a dar, em qualquer hipótese, seria a mesma: improcedência em 95 função da tese jurídica defendida. Anote-se que não são casos idênticos aqueles relativos a uma mesma tese jurídica, que, no entanto, pode ser genericamente aplicada a uma variedade de casos. 91 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum ordinário e sumário. 2. v. tomo I. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 127-128. 92 CAMBI, Eduardo. Julgamento prima facie (imediato) pela técnica do artigo 285-A do CPC. In Direito e Processo. Estudos em homenagem ao desembargador Norberto Ungaretti. Cood. Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 499. 93 SANTOS, Ernane Fidélis dos. As reformas de 2005 e 2006 do Código de Processo Civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, 146. 94 MARINONI, Luiz Guilherme. Ações repetitivas e julgamento liminar. In: Direito e processo. Estudos em homenagem ao desembargador Norberto Ungaretti. Cood. Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira. 1. ed. 2. tir. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 678. 95 ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. As novas reformas do processo civil. Curitiba: Juruá, 2006, p. 83-84. 67 Por exemplo, se o juiz rejeitou uma ação de indenização por danos morais decorrente de protesto indevido de duplicata, porque o autor já tinha outros títulos protestados, não poderá valer-se da mesma tese jurídica para rejeitar ação de indenização por danos morais por apresentação de cheque pós-datado antes da data aprazada, em caso que o autor já tinha outros cheques devolvidos por falta de fundos. Assim, em situações como a ora exemplificada, muito embora o mesmo raciocínio jurídico possa ser usado pelo juiz, mutatis mutandis, na sentença na segunda ação, tais causas não serão idênticas, não se autorizando a incidência do art. 285-A. 96 Para configuração de casos idênticos, os fundamentos fáticos e jurídicos que compõem a causa de pedir e o pedido devem ser os mesmos, visto que tais argumentos irão figurar na motivação e no dispositivo da sentença. Portanto, casos idênticos, como preleciona o texto legal, não correspondem a ações idênticas. Anote-se que a aplicação do instituto em análise não se presta para acolher o pedido inicial, apenas para rejeitá-lo. Insta anotar a inexistência de sentença de total improcedência, porque o julgamento de improcedência é sempre total, à medida em que não há julgamento improcedente em parte. Quando o juiz julga procedente, em parte, uma ação é porque ela é também em parte improcedente. Portanto, o que quis dizer o artigo em questão é que apenas na hipótese se improcedência (que é sempre total), procede-se ao julgamento antecipado da lide; não, na hipótese de procedência parcial, caso em que o processo segue o rito comum (sumário ou ordinário).97 Outra exigência da lei é que para seu emprego deverão ter sido julgados outros casos idênticos. Portanto, deve existir pelo menos duas ou mais decisões de improcedência sobre o caso idêntico. Humberto Theodoro Júnior anota: Essa identidade de pedido e causa de pedir deduz-se da exigência do art. 285-A de que o julgamento prima facie de improcedência das demandas seriadas se faça mediante reprodução do “teor da sentença anteriormente prolatada”. Não haverá essa reprodução quando, para rejeitar a nova demanda, o juiz tiver que fazer diferentes colocações fáticas e jurídicas para 96 WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, II: Leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 68. 97 ALVIM, José Eduardo Carreira. Alterações do código de processo civil. 2. ed. rev. e atual. até a Lei nº 11.280/06. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 80-81. 68 adaptar-se à conclusão da sentença anterior. 98 Referido conceito, permite extrair o maior proveito possível da nova regra, no sentido de agilidade e de presteza jurisdicionais. Se, na comarca ou na subseção judiciária, qualquer juiz tenha proferido sentença de total improcedência em causa cuja matéria é somente de direito, os demais juízes poderão usar essa sentença paradigma em casos idênticos, caso concordem com seus termos, aplicando a regra do art. 285-A do CPC. Assim, o juiz substituto poderá usar a sentença paradigma proferida pelo juiz titular da vara, como ambos poderão usar as sentenças paradigmas proferidas por juízes substitutos ou titulares de outras varas, desde que pertencentes à mesma 99 comarca ou subseção judiciária. Conquanto prolatada sentença sem a citação do réu, o julgamento de improcedência liminar das causas repetitivas configura, sem dúvida, uma sentença, como inclusive dispõe textualmente o art. 285-A do CPC. Assim, a impugnação à sentença far-se-á através de recurso de apelação, todavia com processamento que escapa dos padrões dessa modalidade recursal. Dispõe o artigo mencionado o juízo de retratação, exercitável pelo juiz prolator da sentença, revelando-se lícito ao juiz manter ou não a sentença prima facie. Contudo, não se trata de um juízo de retratação tal qual o do art. 296 do CPC. “Na regra nova, o juiz não reforma a sentença, mas se limita a não mantê-la, apenas porque se convenceu, pelas razões recursais, de que não seria caso de aplicar o art. 285-A do CPC”. 100 Na hipótese de manutenção da sentença será ordenada a citação do réu para apresentar contrarrazões ao recurso de apelação. Anote-se que: a citação não será para a resposta comum, como para dar prosseguimento à ação, cuja omissão caracterizaria revelia. Será para responder ao recurso de apelação, não para contestar. Se não houver a resposta à apelação, não haverá revelia, muito menos confissão ficta. Não é demais lembrar que a 101 sentença de mérito já foi proferida e o réu foi o “vencedor”. 98 os THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil: Leis n 11.187, de 19.10.2005; 11.232, de 22.12.2005; 11.276 e 11277, de 07.02.2006; e 11.280, de 16.02.2006. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 16. 99 ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. As novas reformas do processo civil. Curitiba: Juruá, 2006, p. 83. 100 ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. As novas reformas do processo civil. Curitiba: Juruá, 2006, p. 86. 101 ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. As novas reformas do processo civil. Curitiba: Juruá, 2006, p. 87. 69 Marinoni aponta os argumentos a serem levantados pelas partes no reclamo: O autor, no recurso de apelação, poderá argumentar que o seu caso concreto não se enquadra na decisão tomara como parâmetro e/ou que a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau no caso idêntico não está de acordo com o ordenamento jurídico – ou não é justa –, devendo, em razão de qualquer um desses argumentos, ser reformada. Após citado, obviamente, o réu, porque tem o direito de rebater a totalidade dos argumentos da apelação, poder dizer, i) no caso em que a decisão de fundar em sentença do juízo singular, ia) que o caso concreto realmente se amolda à decisão tomada como parâmetro, e/ou ib) que essa decisão é justa; e, ii) no caso em que a decisão se funda em súmula, iia) que o caso concreto se enquadra na súmula, e/ou iib) que o recorrente não trouxe novos fundamentos capazes de permitir a análise da súmula, e/ou iic) que a 102 súmula em que a rejeição liminar se baseou não deve ser reformada. Nesse contexto, a fixação e aplicação imediata de tese jurídica padrão contribui para a realização do direito fundamental à razoável duração do processo. Ataide Junior anota: As primeiras vozes críticas sobre o novo instituto argumentam que a regra instituída viola os princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal. Não parece que assim seja. Primeiro, porque mesmo esses sagrados princípios não são absolutos e devem se ajustar a outros, da mesma magnitude constitucional, como o que estabelece a razoabilidade na duração do processo e o que impõe a existência de meios que garantam a celeridade processual. Segundo, porque o contraditório se demonstra irrecusável quando o processo significar qualquer abalo à situação jurídica do réu, coisa que não acontece quando a sentença é de total improcedência. Já se Sade, de antemão, que nenhuma alteração na esfera jurídica do réu acontecerá. E, mesmo assim, o contraditório não é totalmente dispensado na espécie, pois, havendo apelação, o réu será citado para responder, considerando que o tribunal poderá reformar a sentença de primeiro grau. Apresenta-se, aqui, o contraditório diferido, como 103 regra de harmonização dos princípios constitucionais. E mais, no contexto da perspectiva metodológica da instrumentalidade do processo, mostra-se um zelo excessivo pela forma (formalismo) a imperiosidade de compelir o juiz a antes de citar o demandado para, depois, julgar a causa. Se assim fosse, técnicas processuais de abreviação do procedimento, como a contida nos artigos 295 e 296 do CPC, que permitem ao juiz indeferir a petição inicial, por exemplo, em razão da prescrição ou da decadência, também seriam inconstitucionais. O direito de ação não pode mais ser considerado de forma tão abstrata e uniforme que desconsidere o direito material a ser tutelado. O direito de ação está voltado à obtenção da tutela 102 MARINONI, Luiz Guilherme. Ações repetitivas e julgamento liminar. In: Direito e processo. Estudos em homenagem ao desembargador Norberto Ungaretti. Cood. Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira. 1. ed. 2. tir. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 680. 103 ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. As novas reformas do processo civil. Curitiba: Juruá, 2006, p. 80-81. 70 dos direitos materiais. O artigo 5º, inciso XXXV, da CF assegura o direito fundamental à jurisdicional adequada, célere e efetiva, o qual para ser concretizado pode implicar restrições ao direito de ação. A concepção da ação, fundada na teoria dos direitos fundamentais, deve estar preocupada com a tutela adequada dos direitos materiais, podendo ser construída no caso concreto, a partir da pretensão à tutela jurisdicional do direito e da causa de pedir. Destarte, se a pretensão à tutela jurisdicional é inviável, pois a causa de pedir remota revela que a matéria é unicamente de direito e que em outros casos idênticos o órgão julgador já se manifestou contrariamente à pretensão, promover a citação para simplesmente se desincumbir de um requisito formal é descumprir a Constituição, colocando obstáculos não 104 razoáveis ao acesso à justiça. A multiplicação de ações repetitivas desacredita o Poder Judiciário, já combalido pelos problemas estruturais do país, e a aplicação do art. 285-A do CPC encontra amparo em princípios constitucionais e na realidade forense. 2.7 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Mesmo com a existência de mecanismos voltados às tutelas coletivas, observa-se que o regime que as rege não se confunde com o individual, remanescendo as demandas de massa, com fundamento na mesma tese jurídica, a exigir tratamento diferenciado, a fim de garantir maior racionalização nos julgamentos. A atividade econômica moderna, corolário do desenvolvimento do sistema de produção e distribuição em série de bens, conduziu à insuficiência do Judiciário para atender ao crescente número de feitos que, no mais das vezes, repetem situações pessoais idênticas, acarretando a tramitação de significativo número de ações coincidentes em seu objeto e na razão de seu ajuizamento105. Nessa linha, o recém aprovado Código de Processo Civil, observando a realidade forense, traz importantíssima novidade que exige conhecimento a aplicação conforme à Constituição e às normas fundamentais: o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). Prevê o art. 976 do Novo Código de Processo Civil: 104 CAMBI, Eduardo. Julgamento prima facie (imediato) pela técnica do artigo 285-A do CPC. In: Direito e processo. Estudos em homenagem ao desembargador Norberto Ungaretti. Cood. Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira. Florianópolis: Conceito Editoral, 2007, p. 498. 105 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo. São Paulo: RT, jan. 2010, v. 179, p. 139-174. 71 Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. § 1o A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente. o § 2 Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono. § 3o A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado. o § 4 É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. § 5o Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas. Técnica semelhante já é abordada no CPC vigente (art. 285-A do CPC). Ambos regramentos visam dimensionar os litígios repetitivos mediante um procedimento padrão, cabendo ao magistrado aplicar o modelo decisório de acordo com as peculiaridades de cada caso. Acredita-se que o novo instituto auxiliará na qualidade e quantidade dos julgados de ações de massa, especialmente em razão dos objetivos declarados da reforma processual e significativo rompimento com a ordem atual, garantindo-se o contraditório, a isonomia e a segurança jurídica, bem como afastando-se o elemento surpresa dos julgados em casos idênticos. Para tal, não se poderá instaurar o incidente antes da demonstração da efetiva repetição, com a indicação de pendência de recursos ou processos no Tribunal ou a identificação de divergência demonstrada a partir de julgamentos ocorridos em causas envolvendo teses jurídicas similares, permitindo uma abordagem panorâmica do litígio repetitivo. O inciso I do art. 976 do novo CPC exige que os processos contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito. Ainda, a instauração do incidente pressupõe risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, conforme preceitua o inciso II do art. 976. Julgado o incidente, a tese será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de 72 jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região, assim como aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986, conforme preleciona o art. 985 do novo CPC. Embora o texto encaminhado pelo Congresso para a Presidente da República regulasse o uso do instituto apenas pela justiça ordinária, a regra aprovada admitiu o incidente de resolução de demandas repetitivas também nos juizados especiais, garantindo a efetivação da razoável duração do processo, que também encontra supedâneo no art. 2º da Lei 9.099/95. A respeito leciona Bueno: Importa evidenciar que o inciso I do art. 985 estabelece que a aplicação do quanto julgado no Incidente se dará também no âmbito dos Juizados Especiais. A questão merece reflexão mais demorada porque, em rigor, o órgão de segundo grau de jurisdição dos Juizados Especiais não são os Tribunais de Justiça nem os Tribunais Regionais Federais, mas as Turmas ou Colégios Recursais. A solução dada pelo novo CPC é, inquestionavelmente, a mais prática e “lógica”, fazendo eco, até mesmo, À Resolução n. 12/2009 do STJ, que, em última análise, permite que aquele Tribunal controle o conteúdo das decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais de todo o país por intermédio de reclamações. Todavia, não há como deixar de lado a configuração dada aos Juizados Especiais pelo art. 98, I, da CF, a impor, destarte, necessária (e prévia) revisão daquele modelo constitucional e do sistema de competência dele extraível para, depois, viabilizar que a lei (e não ato administrativo de Tribunal, ainda que o STJ) estabeleça técnicas de uniformização de 106 jurisprudência aplicáveis também aos Juizados Especiais. O §2º do art. 985 do novo Código de processo Civil prevê que não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação e se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada. Mencionada conduta possui papel relevante, vejamos. Trata-se de iniciativa importante que, ao estabelecer indispensável cooperação entre o órgão jurisdicional e as pessoas, os entese/ou órgãos administrativos, cria condições de efetividade do quanto decidido no âmbito jurisdicional e, neste sentido, traz à mente o disposto no art. 4º do novo CPC que, pertinentemente, não se contenta tão só com a declaração do direito, mas também com sua concretização. Ademais, se esta fiscalização 106 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 629. 73 for efetiva, como se espera, reduz-se os riscos de nova judicialização do conflito e, com isto, dá-se passo importante em direção a um mecanismo mais racional de distribuição de justiça, inclusive na perspectiva dos meios alternativos/adequados difundidos desde o art. 3º do novo CPC. Que os entes administrativos façam, como devem fazer, a sua parte e que o novo 107 CPC sirva de mola propulsora a tanto. A norma estudada revela o comprometimento da sociedade acadêmica com os valores ínsitos à ordem constitucional, aliados aos direitos fundamentais do Estado Social, reforçando a preocupação com a entrega eficaz da tutela jurisdicional a casos semelhantes. Sem dúvidas, o acesso à Justiça deve ser concebido não como mera admissão ao processo, mas como pacificação com justiça, que não pode ser obtido pelo tratamento equivocado de demandas repetidas como ações individuais108. Na atual ordem jurídica, é preciso que as soluções de casos com a mesma fundamentação jurídica tenham uniformidade e previsibilidade, garantindo maior racionalização no julgamento desses litígios, que deverão ter a mesma conclusão. 2.8 A IMPORTÂNCIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NA PRESERVAÇÃO DA EFETIVIDADE DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS Não é tarefa fácil propor soluções e, bem por isso, como já mencionado anteriormente, não é o escopo deste trabalho. Contudo, o estudo, a observação e a experiência levam inevitavelmente a certas constatações que aparentemente são óbvias, mas, crê-se, merecem ser mencionadas. O que evitaria, antes de mais nada, o ajuizamento de milhares de ações repetitivas nos juizados especiais, sobre temas distintos, mas invariavelmente versando sobre direitos individuais homogêneos em matéria de direito do consumidor? A resposta mais evidente seria o respeito voluntário, pelas grandes empresas fornecedoras de bens e serviços, dos direitos dos consumidores, e, 107 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 629. 108 CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER. Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 35-36. 74 eventualmente, adotarem procedimentos que deixem o mínimo de dúvidas possíveis sobre o respeito a tais direitos. Esta observação se faz necessária porque, como se constatou algumas vezes quando dessas enxurradas de ações, nem sempre a pacificação da matéria pelos tribunais superiores se deu em benefício do consumidor. Assim ocorreu com os processos envolvendo a assinatura básica de telefonia e, mais recentemente, o scoring de crédito. Não obstante, os pedidos nas ações que buscavam o reconhecimento das correções de depósitos bancários não efetuadas em razão de planos econômicos acabaram em boa parte procedentes. Compelir as grandes empresas a atenderem integralmente os direitos do consumidor, no Brasil, nunca foi tarefa fácil. Os exemplos mencionados referem-se a atividades que deveriam ser estritamente controladas pelo poder público, porque se referem à exploração econômica de serviços essenciais como a telefonia e a atividade bancária. No caso, ambas estão sujeitas ao controle estatal direto, por órgãos com capacidade normativa. Não é diferente com outros demandados habituais nos juizados especiais cíveis estaduais, também prestadores de serviços essenciais, como são os planos de saúde, as companhias aéreas, as empresas de água e de energia elétrica, as de televisão por assinatura e outras. Todas elas estão sujeitas ao controle direto do Banco Central do Brasil, no caso dos bancos e outras empresas do mercado financeiro, ou das agências reguladoras. Por regulação se pode entender, segundo Aragon Érico Dasso Júnior, “a imposição de regras que disciplinam a atuação dos agentes econômicos em um dado mercado” 109. A regulação pode ser estatal ou não-estatal, interessando aqui o primeiro tipo. As agências reguladoras foram criadas em momento histórico no qual o Estado brasileiro se viu compelido, inclusive pelo Fundo Monetário Internacional, a abrir mão do controle direto de serviços públicos, passando-o à iniciativa privada e reservando-se o poder-dever de regulação. A respeito, confira-se o que diz Antônio Carlos Efing: 109 DASSO JR, Aragon Érico. Estado regulador, regulação e agências reguladoras: uma contribuição teórica a partir do caso brasileiro. Disponível em: <http://www.derecho.usmp.edu.pe/centro_derecho_economia/revista/febrero_2012/ Estado_regulador_Aragon_Dasso_Junior.pdf>. Acessado em 29/06/2015. 75 No fim dos anos 80 e início dos 90, a situação tornou-se insustentável. O enorme endividamento do Estado comprometeu sobremaneira sua capacidade de continuar investindo em infraestrutura e manutenção de serviços essenciais à população, o que impulsionou a tendência de retorno à maior presença privada no investimento e no desempenho de atividades de interesse público. Paralelamente, o mesmo endividamento provocou a busca por empréstimos junto aos órgãos internacionais como o FMI; os quais, por seu turno, colocavam programas de privatização como condição para a concessão de seu auxílio. Aí estavam presentes os ingredientes que resultaram, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, no hodierno modelo de Estado regulador da economia, com o advento de marcos e 110 agências reguladoras . Diante de tal contexto histórico, as agências reguladoras, a partir do modelo norte-americano, foram implantadas no Brasil, dotadas das características que Leila Cuéllar muito bem destaca: A criação das agências reguladoras traz consigo o objetivo da instituição de uma regulação independente, neutra e imparcial, apolítica e técnica. As agências reguladoras não defendem os interesses do governo, nem os das empresas reguladas, tampouco os dos consumidores. A regulação é objetiva e deve se preocupar com o mais eficiente desenvolvimento da atividade econômica a ela submetida como forma de implementar a política pública definida pelos órgãos administrativos e legislativos competentes. Devem as agências concretizar essa função objetiva de regulação técnica com vistas à concretização das finalidades públicas ínsitas ao papel que determinado setor econômico desempenha no desenvolvimento nacional. Improta dizer que, para que essa regulação se concretize, os entes reguladores devem possuir poderes-deveres que viabilizem o desenvolvimento das funções inerentes à regulação (elaboração de normas, a sua implementação e a aplicação de sanções pelo descumprimento de 111 tais normas) . Nota-se, portanto, que as atribuições e capacidades das agências reguladoras devem ser exercidas a partir de um enfoque apolítico, estritamente técnico e, poder-se-ia dizer, mesmo imparcial. Devem, ademais, quando seu âmbito de atuação é o de serviços essenciais, visar o desenvolvimento das finalidades públicas da atividade econômica que regulam. E, para isso, elaborar normas e resolver conflitos entre empresas e consumidores, tendo inclusive o poder de aplicar sanções. O consumidor brasileiro, portanto, em se tratando de serviços essenciais, tem mais de uma instância administrativa estatal da qual se pode valer para garantir seus direitos. Tem à sua disposição tanto o sistema do Procon (Programa de 110 EFING, Antônio Carlos (coord.). Agências reguladoras e a proteção do consumidor brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009, p. 30. 111 CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 53-4. 76 Proteção e Defesa do Consumidor) quanto as agências reguladoras. O Procon tem extrema relevância para evitar o assoberbamento dos juizados especiais cíveis com volumes descomunais de ações repetitivas. Não tem, porém, o poder de regular os ramos específicos das atividades econômicas que são as que mais dão ensejo a tal tipo de demanda. As agências reguladoras sim, e por isso é que ora delas se cuida. Das atribuições e capacidades das agências reguladoras, três parecem ser vitais para evitar o já mencionado “excesso de acesso” aos juizados especiais cíveis. A primeira delas é a produção normativa. Leila Cuéllar discorre sobre tal atribuição: Uma vez estabelecida a política pública do setor (seja por meio de lei, seja através de atos da Administração Central), cabe à autoridade reguladora implementá-la – e um dos meios a ela disponíveis é justamente a emanação de normas jurídicas regulamentares. Afinal, não se está diante de uma série de relacionamentos jurídicos peculiares e indevassáveis, sem uniformidade, que porventura exigissem um ato e um controle para cada caso. Ao contrário, o que existem são situações que, devido à sua configuração repetitiva e ao interesse social a elas atribuído, exigem a emanação de regras gerais que deverão ser seguidas por todos aqueles que as 112 concretizarem . É justamente nesse aspecto que a atividade das agências reguladoras parece ter maior relevância, em relação ao problema aqui tratado. As questões sobre direitos individuais homogêneos, portanto de configuração repetitiva e dotados de uniformidade entre si, são as que geram o problema do excesso de volume nos juizados especiais cíveis. No âmbito de sua competência normativa, cabe às agências reguladoras estarem atentas às atividades desenvolvidas pelas empresas do ramo regulado. Se surgem, por exemplo, novos tipos de serviço, novas formas de contratação, novos problemas decorrentes de recentes ou velhas práticas, é fundamental que as agências os normatizem de forma clara, técnica e materialmente correta, evitando ao máximo, com isso, os questionamentos judiciais sobra a matéria. A segunda atribuição relevante para a questão aqui tratada é a competência para dirimir conflitos. Lucas de Souza Lehfeld confere a ela a denominação de função quase-judicial: 112 CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 57. 77 Com fundamento na flexibilidade e imparcialidade que as agências reguladoras instituídas no país devem apresentar aos agentes dos setores econômicos de interesse público recém-privatizados, atribuiu-se a esses entes da Administração Pública, novamente por influência direta do modelo norte-americano, função quase-judicial, no intuito de dirimir conflitos de interesse entre empresas que prestam serviços públicos submetidos à 113 regulação, ou entre essas e seus usuários . A terceira é a capacidade sancionatória, pois “não basta deter a competência para regular e supervisionar o setor se porventura a agência não puder aplicar de forma independente as sanções aos ilícitos cometidos pelos agentes regulados” 114. Em tese, cada agência reguladora tem quadros técnicos especializados no ramo que regula. Essa realidade faz com que, tecnicamente, sejam os órgãos estatais com mais conhecimento para dirimir os conflitos específicos entre as empresas e os usuários dos serviços correspondentes. Entretanto, a procura dos usuários pelas agências reguladoras na tentativa de dirimir conflitos é bastante inferior à procura pelo Poder Judiciário. As razões para que assim ainda ocorra não são exatamente claras, mas entre elas está sem dúvida a dificuldade de acesso a essas instâncias administrativas. Lucas de Souza Lehfeld aponta: Pelo fato de, hodiernamente, as agências reguladoras não apresentarem efetivos canais de comunicação e representação dos grupos de interesses envolvidos na regulação, há grande dificuldade no processo de institucionalização das agências no Direito brasileiro. A falta de transparência de seus atos, bem como a pouca eficácia de suas decisões, que, embora às vezes estabeleçam responsabilização aos agentes regulados, são submetidas constantemente à revisão judicial e prejudicam a 115 própria legitimação do modelo regulatório implantado no país . Adriana Goulart de Sena Orsini e Luiza Berlini Dornas Ribeiro constatam, especificamente quanto à telefonia: Não obstante a atuação judicial, é importante destacar também a relevância da ANATEL como órgão responsável pela fiscalização e controle do serviço de telefonia, sendo competente inclusive para a penalização de condutas que estão em desacordo com as finalidades da Lei. Todavia, sua atuação no caso concreto ainda é insatisfatória para coibir atitudes anticoncorrenciais. Ou seja, apesar da competência legal da ANATEL para aplicação de sanções às empresas prestadoras do serviço, o que se observa é a 113 LEHFELD. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008, p. 268. CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 57. 115 LEHFELD. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008, p. 269. 114 78 maximização dos lucros dessas empresas diante da má prestação do 116 serviço de telefonia . Outro motivo pela baixa procura das agências pelos usuários parece ser de índole cultural. As agências reguladoras não fazem parte da tradição administrativa brasileira. Os brasileiros não estão habituados a procurar órgãos administrativos para a solução de seus conflitos, e sim diretamente o Poder Judiciário. Essa mentalidade, porém, vem gradual e lentamente mudando, até mesmo pela atuação do Judiciário, o qual, notadamente após o advento da Lei nº 9.099/95, vem incentivando os meios ditos alternativos de solução de conflitos. De todo modo, tendo as agências reguladoras, como se viu, conhecimento técnico do ramo regulado, poder normativo, capacidade sancionatória e competência para dirimir conflitos entre usuários e empresas, não existem, em tese, razões para que a busca dessa instância administrativa, previamente ao ajuizamento de demandas, não fosse até mesmo condição para este. A única razão que se pode imaginar diz respeito justamente ao amplo acesso à justiça. Contudo, repete-se à exaustão, acesso à justiça não se confunde com acesso ao Judiciário. É certo, contudo, que, existindo esse meio de solução de conflitos já disponível ao cidadão, a plena efetividade das agências reguladoras nas suas atribuições de produção normativa e de dirimir conflitos entre as empresas reguladas e seus usuários significará inevitável incremento na efetividade dos juizados especiais cíveis, pela consequente diminuição de conflitos em juízo. 2.9 SÍNTESE DO EXPOSTO De tudo quanto se procurou examinar neste capítulo, é possível ver que as ações repetitivas fundadas em interesses individuais homogêneos, que se avolumam nos juizados especiais cíveis, afetam o seu bom funcionamento e a garantia de amplo acesso à justiça que ensejaram sua criação. Entre outros fatores, constatou-se a inadequação do modelo processual da Lei nº 9.099/95 ao 116 ORSINI, Adriana Goulart de Sena; RIBEIRO, Luiza Berlini Dornas. A litigância habitual nos juizados especiais em telecomunicações: a questão do “excesso de acesso”. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, v. 55, n. 85, p. 21-46. Belo Horizonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, 2012, p. 43. 79 processamento de tais ações de massa. Embora existam mecanismos no atual Código de Processo Civil, a nova legislação também se preocupou com as ações de massa, prevendo expressamente mecanismos também para as que tramitem nos juizados especiais. O direito pressuposto correspondente ao direito posto, no tocante aos juizados especiais cíveis, continua existindo, porém o desvirtuamento da norma, com a recepção e o processamento das ações de massa no sistema especial, gera risco à sua própria legitimidade. É possível, acredita-se, evitar o risco de perda de legitimidade dos juizados especiais, pelo desvirtuamento da sua lei de regência, com pequena alteração no direito posto, para que contemple aquilo que já integrava o direito pressuposto que lhe corresponde desde sua criação, excluindo-se expressamente a competência dos juizados especiais cíveis para demandas individuais baseadas em interesses individuais homogêneos. Por fim, o papel das agências reguladoras é fundamental, pois sua plena efetividade, sobretudo nas atribuições de produção normativa e de dirimir conflitos entre as empresas reguladas e os usuários, implicará inafastável incremento da efetividade dos juizados especiais cíveis. 80 CAPÍTULO 3 3 3.1 O PROCESSO EUROPEU PARA AÇÕES DE PEQUENO MONTANTE CONSIDERAÇÕES INICIAIS Muito embora o problema que a pesquisa visou tenha sido trazido à preocupação do autor em razão do seu exercício da judicatura em juizado especial cível do Brasil e, pelo que se estudou, não seja um problema recorrente nem na União Europeia, nem no direito interno de Portugal, o âmbito em que realizada (Direito da União Europeia) levou à busca de alternativas de solução no direito comunitário europeu. A União Europeia dispõe de legislação comunitária, transfronteiriça pois, sobre pequenas causas, ou ações de pequeno montante, designação esta mais corrente em Portugal. Assim, no presente capítulo aborda-se de modo breve o contexto europeu de liberdades econômicas e cidadania para situá-lo nas razões da necessidade da garantia de acesso à justiça também em nível comunitário europeu. Examina-se, em seguida, no que útil para pesquisa, o Regulamento (CE) nº 861/2007, o qual estabelece o processo europeu para ações de pequeno montante. São explicitadas, quando possível e naquilo que interessa aos fins da presente dissertação, as similaridades e dessemelhanças com o processo brasileiro para ações de pequeno montante (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Lei nº 9.099/95). Ao fim, procura-se avaliar se há, no processo europeu para ações de pequeno montante, elementos que possam contribuir à solução do excesso de litigiosidade causado pelas ações repetitivas nos juizados especiais cíveis brasileiros. É necessário, porém, antes de prosseguir, ressaltar que a pesquisa, neste tópico, forçou-se à limitação das poucas fontes existentes. Com efeito, a literatura disponível sobre o tema, mesmo na Europa, especialmente no idioma português, não é farta. As fontes primárias também não forneceram dados sobejos para a avaliação precisa da adaptabilidade de elementos do processo europeu à realidade do problema brasileiro aqui tratado. 81 Da pesquisa realizada, restou claro que na Europa comunitária a importância dada às ações de pequeno montante pela população, de modo geral, e pela própria comunidade jurídica, é significativamente menor do que no Brasil, em que, contrariamente, como já visto, os juizados especiais são a face mais visível do Judiciário e ainda a mais confiável aos olhos do povo. Talvez a explicação para tal cenário seja a subutilização do procedimento pela população, constatada pela própria Comissão Europeia. Talvez a Europa, em âmbito comunitário, não necessite tanto desse instrumento processual quanto o Brasil em sede interna. Sobre a subutilização do processo europeu para ações de pequena monta, veja-se a seguinte passagem da proposta da Comissão Europeia para alteração do Regulamento (CE) nº 861/2007: No entanto, apesar dos benefícios em termos de redução de custos e duração da tramitação dos litígios transfronteiriços, o processo é ainda pouco conhecido e continua a ser subutilizado, vários anos após a entrada em vigor do regulamento. O Parlamento Europeu afirmou, numa resolução de 20114, que é necessário fazer mais em termos de segurança jurídica, barreiras linguísticas e transparência do processo, tendo convidado a Comissão a tomar as medidas necessárias para assegurar que os consumidores e as empresas conhecem melhor e utilizam efetivamente os instrumentos legislativos em vigor, nomeadamente o processo europeu para ações de pequeno montante. Os consumidores e as empresas consultadas consideram também que o regulamento deve ser aperfeiçoado em seu benefício, em especial das PME. Os Estados-Membros assinalaram igualmente algumas deficiências do atual regulamento, que devem ser corrigidas. Os problemas atuais resultam sobretudo de deficiências das normas em vigor, como o âmbito de aplicação limitado, devido ao limite reduzido e à definição restritiva dos litígios transfronteiriços, e do caráter complexo, dispendioso e moroso do processo, que não acompanha os progressos tecnológicos verificados nos sistemas judiciais dos EstadosMembros desde a adoção do regulamento. Mesmo quando os problemas se prendem com a aplicação incorreta das normas em vigor, à semelhança do que acontece, em certa medida, com o problema da falta de transparência, deve reconhecer-se que as disposições do regulamento nem sempre são claras. A fim de resolver o problema do desconhecimento da legislação em vigor, a Comissão Europeia já lançou várias ações, designadamente uma série de seminários temáticos nos Estados-Membros para informar as PME da existência deste processo, a publicação de um guia prático e a distribuição de módulos para ações de formação nesta matéria destinada a 117 empresários europeus . Quiçá possa até não ser o mais adequado tentar traçar paralelos entre um procedimento de direito interno e um transnacional, comunitário. De todo modo, ver-se-á que as razões inspiradoras tanto da legislação 117 Disponível em: <http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2013/PT/1-2013-794-PTF1-1.Pdf>. Acessado em: 27/06/2015. 82 comunitária europeia ora referida como da interna brasileira são muito similares, essencialmente as mesmas. Igualmente, a partir das semelhanças e diferenças pontuais – estas muitas vezes existentes justamente porque são cotejadas normas voltadas ao direito transnacional com normas de direito interno – poderão ser encontrados elementos novos, ou pelo menos não comuns à realidade dos juizados especiais brasileiros, que contribuam de algum modo para a solução do problema em foco. 3.2 O REGULAMENTO (CE) Nº 861/2007 Colhe-se do Artigo 3º do Tratado da União Europeia: Artigo 3.º (ex-artigo 2.º TUE) 1. A União tem por objectivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos. 2. A União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos na fronteira externa, de asilo e imigração, bem como de prevenção da criminalidade e combate a este fenómeno. 3. A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União fomenta o progresso científico e tecnológico. A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a justiça e a protecção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a protecção dos direitos da criança. A União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros. A União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística e vela pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do património cultural europeu. 4. A União estabelece uma união económica e monetária cuja moeda é o euro. 5. [...] 118 6. [...] . Já o Artigo 20º, n. 1, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, institui a cidadania europeia: Artigo 20º. (ex-artigo 17.o TCE) 1. É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União 119 acresce à cidadania nacional e não a substitui . Ainda do Tratado de Funcionamento da União Europeia, extrai-se: 118 119 Disponível em: <http://europa.eu/pol/pdf/consolidated-treaties_pt.pdf>. Acessado em: 27/06/2015. Disponível em: <http://europa.eu/pol/pdf/consolidated-treaties_pt.pdf>. Acessado em: 27/06/2015. 83 Artigo 26º. (ex-artigo 14.o TCE) 1. A União adopta as medidas destinadas a estabelecer o mercado interno ou a assegurar o seu funcionamento, em conformidade com as disposições pertinentes dos Tratados. 2. O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados. 3. O Conselho, sob proposta da Comissão, definirá as orientações e condições necessárias para assegurar um progresso equilibrado no 120 conjunto dos sectores abrangidos. . Do Artigo 67º, ainda do Tratado de Funcionamento da União Europeia, colhe-se: Artigo 67.º (ex-artigo 61.º TCE e ex-artigo 29.º TUE) 1. A União constitui um espaço de liberdade, segurança e justiça, no respeito dos direitos fundamentais e dos diferentes sistemas e tradições jurídicos dos Estados-Membros. 2. A União assegura a ausência de controlos de pessoas nas fronteiras internas e desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de imigração e de controlo das fronteiras externas que se baseia na solidariedade entre Estados-Membros e que é equitativa em relação aos nacionais de países terceiros. Para efeitos do presente título, os apátridas são equiparados aos nacionais de países terceiros. 3. [...] 4. A União facilita o acesso à justiça, nomeadamente através do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e extrajudiciais em matéria 121 civil. . Por fim, e novamente do Tratado de Funcionamento da União Europeia: CAPÍTULO 3 COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA CIVIL Artigo 81.º (ex-artigo 65.º TCE) 1. A União desenvolve uma cooperação judiciária nas matérias civis com incidência transfronteiriça, assente no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e extrajudiciais. Essa cooperação pode incluir a adopção de medidas de aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros. 2. Para efeitos do n.º 1, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adoptam, nomeadamente quando tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno, medidas destinadas a assegurar: a) O reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros das decisões judiciais e extrajudiciais e a respectiva execução; b) A citação e notificação transfronteiriça dos actos judiciais e extrajudiciais; c) A compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados-Membros em matéria de conflitos de leis e de jurisdição; d) A cooperação em matéria de obtenção de meios de prova; e) O acesso efectivo à justiça; f) A eliminação dos obstáculos à boa tramitação das acções cíveis, promovendo, se necessário, a compatibilidade das normas de processo civil aplicáveis nos Estados-Membros; 120 121 Disponível em: <http://europa.eu/pol/pdf/consolidated-treaties_pt.pdf>. Acessado em: 27/06/2015. Disponível em: <http://europa.eu/pol/pdf/consolidated-treaties_pt.pdf>. Acessado em: 27/06/2015. 84 g) O desenvolvimento de métodos alternativos de resolução dos litígios; h) O apoio à formação dos magistrados e dos funcionários e agentes de 122 justiça . Sem a pretensão de uma definição completa do que seja a União Europeia, pode-se concluir, das normas transcritas, que constitui um espaço de liberdade, segurança e justiça, com um mercado interno, livre circulação de pessoas, mercadorias, capitais e serviços, e garantia de efetivo acesso à justiça. Neste espaço de liberdade, segurança e justiça, os nacionais dos Estados-Membros gozam de um status de cidadania europeia acrescido. Todas essas características mostram-se relevantes na medida em que para a garantia e o pleno exercício das liberdades econômicas fundamentais (livre circulação de pessoas, mercadorias, capitais e serviços), no espaço transfronteiriço de mercado interno único, e as que delas derivam, como, v. g., a liberdade de estabelecimento e outras, exige-se o efetivo acesso à justiça. E para garantir-se o efetivo acesso à justiça, há necessidade, se não de um completo sistema judicial transfronteiriço, ao menos de procedimentos transfronteiriços que o facilitem. O pleno exercício da cidadania não exigiria menos. A noção de cidadania europeia foi bem delimitada pelo Advogado-Geral F. G. Jacobs: A noção de cidadania da união implica uma comunidade de direitos e obrigações que unem os cidadãos da união por um vínculo comum que transcende a nacionalidade de um Estado membro. A introdução deste conceito foi largamente inspirada pela preocupação de aproximar a União dos seus cidadãos e de exprimir a sua natureza como algo diverso de uma união puramente económica. Este intento encontra-se reflectido no abandono da expressão “económica” na denominação da Comunidade e pela progressiva introdução, no Tratado CE, de um amplo conjunto de 123 actividades e de políticas que extravasam do âmbito económico . A garantia de acesso à justiça está sem dúvida inserida na ampla gama de direitos que caracteriza o exercício da cidadania. Se de cidadania europeia se trata, a garantia há de ser nesse nível. A correlação é simples. Tome-se o exemplo de um cidadão português que resolve passar um dia em Espanha e lá adquire um eletrodoméstico, ou então o compra de uma loja britânica pela internet. Ao voltar à sua casa, ou, na segunda 122 Disponível em: <http://europa.eu/pol/pdf/consolidated-treaties_pt.pdf>. Acessado em: 27/06/2015. Acórdão G. Heylens, do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 15 de Outubro de 1987, Proc. 222/86. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/?uri=CELEX:61986CJ0222>. Acessado em: 29/06/2015. 123 85 hipótese, ao receber o bem, constata que é defeituoso. Entra em contato por e-mail e o comerciante, seja britânico ou espanhol, lhe diz que nada fará. É razoável que se exija deste cidadão português, ante o mercado interno estabelecido na União Europeia, as liberdades econômicas e a garantia de acesso efetivo à justiça que vá litigar em Espanha ou no Reino Unido, mediante procedimento que não conhece, em idioma que não é o seu, por este pequeno problema? Por outro lado, é justo que se lhe exija o abandono do seu direito, por pouco que represente, porque o incômodo de litigar em tais circunstâncias é maior do que o próprio defeito no aparelho? A resposta evidentemente é negativa a ambos os questionamentos. O direito de acesso à justiça a esse cidadão há de ser garantido em nível europeu, pois o problema que lhe foi posto, por menos importante que possa ser, decorreu do exercício de uma liberdade comunitária, ou, se assim se quiser, do exercício de sua condição de cidadão europeu. É, pois, em tal contexto que o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, em 11 de julho de 2007 e para vigência a partir de janeiro de 2009, emitiram o Regulamento (CE) 861/2007, estabelecendo o processo europeu para ações de pequeno montante. Entre as considerações constantes do diploma normativo, é possível encontrar aquelas que inspiram a implantação de procedimentos para pequenas causas no Brasil e em todo o mundo: (7) Muitos Estados-Membros criaram processos simplificados em matéria civil para as acções de pequeno montante, já que a complexidade, as despesas e os prazos associados aos litígios não diminuem necessariamente de modo proporcional ao valor do pedido. Nos casos transfronteiriços, são ainda maiores as dificuldades para se conseguir uma decisão judicial rápida e pouco dispendiosa. É, pois, necessário criar um processo europeu para acções de pequeno montante, cujo objectivo deverá ser o de facilitar o acesso à justiça. As distorções da concorrência no mercado interno decorrentes de desequilíbrios no funcionamento dos meios processuais facultados aos credores nos diferentes Estados-Membros carecem de legislação comunitária que garanta condições idênticas para os credores e os devedores em toda a União Europeia. A fixação das despesas de tratamento de uma acção ao abrigo do processo europeu para acções de pequeno montante deverá obedecer necessariamente aos princípios da simplicidade, celeridade e proporcionalidade. É conveniente que sejam publicadas informações sobre as despesas a imputar e que o processo de fixação destas seja transparente. (8) O processo europeu para acções de pequeno montante tem por objectivo simplificar e acelerar os processos judiciais em casos transfronteiriços, reduzindo simultaneamente as respectivas despesas, proporcionando um mecanismo facultativo para além das possibilidades existentes nas legislações dos Estados-Membros, as quais se mantêm inalteradas. O presente regulamento deverá também simplificar o 86 reconhecimento e a execução de decisões proferidas noutros EstadosMembros em processo europeu para acções de pequeno montante. (9) O presente regulamento pretende promover os direitos fundamentais e tem em conta os princípios reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O órgão jurisdicional deverá respeitar o direito a um julgamento equitativo e o princípio do contraditório, em especial ao decidir quanto à necessidade de uma audiência ou quanto 124 aos meios de prova e à medida em que a sua produção é necessária . O acesso à justiça, a celeridade (razoável duração do processo) e a efetividade da prestação jurisdicional, portanto, estão entre os principais fatores da criação do processo europeu de pequena monta, não diferindo, nesse aspecto, como já dito, da Lei nº 9.099/95, que instituiu os juizados especiais cíveis no Brasil. O Regulamento (CE) 861/2007 consagra tais valores não só nos considerandos, mas na própria norma: Artigo 1.º Objecto O presente regulamento estabelece um processo europeu para acções de pequeno montante, destinado a simplificar e a acelerar as acções de pequeno montante em casos transfronteiriços e reduzir as respectivas despesas. O processo europeu para acções de pequeno montante é, para os litigantes, uma alternativa aos processos existentes nos termos da lei dos Estados-Membros. O presente regulamento visa igualmente suprimir os processos intermédios necessários para permitir o reconhecimento e a execução, noutros Estados-Membros, de decisões proferidas num Estado125. Membro em processo europeu para acções de pequeno montante. Também a proposta formulada pela Comissão Europeia, em novembro de 2013, de alteração do Regulamento (CE) nº 861/2007, deixa bastante claros os motivos de sua criação: O Regulamento (CE) n.º 861/2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante, foi adotado em 11 de julho de 20071 com o objetivo de reforçar o acesso à justiça mediante a simplificação e aceleração da resolução de litígios transfronteiriços de pequeno montante e a redução dos respetivos custos. Além disso, o regulamento visava facilitar a execução das decisões, eliminando a necessidade de procedimentos intermédios (exequatur) para as fazer reconhecer e executar num EstadoMembro diferente daquele em que foram proferidas. O regulamento introduziu um processo alternativo aos previstos na lei dos EstadosMembros, para os litígios transfronteiriços cujo valor não exceda 2 000 EUR. O Regulamento é aplicado na UE (à exceção da Dinamarca) desde 1 de janeiro de 2009. Em princípio, o processo tem forma escrita, com base em formulários normalizados, e é regido por prazos rigorosos. A representação 124 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/anexos/regulamento-ce-n861/downloadFile/file/REG_861.2007_Accoes_de_pequeno_montante.pdf?nocache=120006 9108.35>. Acessado em: 27/06/2015. 125 Disponível em: <http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2013/PT/1-2013-794PT-F1-1.Pdf>. Acessado em: 27/06/2015. 87 por advogado não é obrigatória e a utilização de meios de comunicação eletrónica é estimulada. Além disso, a parte vencida só terá de suportar as custas da parte vencedora se forem proporcionais ao valor do pedido. O processo pode ser utilizado tanto pelos consumidores como pelas empresas que tiverem feito transações transfronteiriças na UE, como meio de 126 melhorar o acesso à justiça e o exercício dos seus direitos . O procedimento previsto no regulamento europeu é, portanto, facultativo, assim como o é o da Lei 9.099/95. À semelhança desta, estabelece, em seu Artigo 2º, uma alçada de valor (2.000 Euros) e limita a natureza das causas, excluindo de seu alcance matérias que elenca e prevendo-o apenas para as causas transfronteiriças. Naturalmente assim é em respeito às normas internas dos EstadosMembros da União Europeia, os quais possuem soberania (ainda que em parte mitigada pelo direito comunitário) e autonomia para decidir sobre os procedimentos aplicáveis no âmbito do seu direito interno. O limite é bastante baixo. Equivale, em 27 de junho de 2015, a aproximadamente R$ 6.900,00 (seis mil e novecentos reais). Está de fato muito aquém do limite das ações cíveis de pequeno montante brasileiras, cujo limite é de 40 salários mínimos, correspondentes, na mesma data, a R$ 31.520,00 (trinta e um mil, quinhentos e vinte reais). A Comissão Europeia considera esse baixo valor uma das razões da subutilização do procedimento, tanto que pretende sua elevação para 10.000 (dez mil) Euros, correspondentes, em 27 de junho de 2015, a R$ 34.500,00 (trinta e quatro mil e quinhentos reais), valor muito semelhante ao limite brasileiro. Veja-se passagem da proposta de alteração do Regulamento (CE) nº 861/2007 sobre tal tema: O limite de 2 000 EUR restringe o âmbito de aplicação do regulamento. Embora seja menos importante para os consumidores, uma vez que a maior parte dos seus pedidos não excedem 2 000 EUR, este limite reduz consideravelmente a possibilidade de utilização do processo pelas PME. Apenas 20 % dos pedidos são inferiores a 2 000 EUR, enquanto os pedidos entre 2 000 e 10 000 EUR representam cerca de 30 % de todos os litígios transfronteiriços das empresas. 45 % das empresas que têm um litígio transfronteiriço não recorrem aos tribunais porque as custas judiciais são desproporcionais ao valor dos pedidos, enquanto 27 % não recorrem aos tribunais devido à morosidade do processo. Abrindo o processo europeu simplificado aos pedidos transfronteiriços entre 2 000 e 10 000 EUR, as custas e a duração do processo seriam consideravelmente reduzidas nestes 126 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/anexos/regulamento-ce-n861/downloadFile/file/REG_861.2007_Accoes_de_pequeno_montante.pdf?nocache=120006 9108.35>. Acessado em: 27/06/2015. 88 casos. Nos últimos anos, alguns Estados-Membros alargaram o âmbito de aplicação dos processos simplificados nacionais, aumentando os limites previstos. Esta tendência atual revela a necessidade de modernizar os sistemas judiciais, tornando-os mais acessíveis aos cidadãos mediante o estabelecimento de um processo simplificado, pouco dispendioso e célere para os pedidos de pequeno valor. Neste contexto, o atual limite de 2 000 EUR do processo europeu para ações de pequeno montante deve também ser aumentado. Aumentar o limite atual permitirá que as partes recorram muito mais vezes aos tribunais utilizando o processo europeu simplificado. Devido à maior simplificação e à redução das custas e da duração do processo, é de esperar que as ações abandonadas e não prosseguidas sejam retomadas. O principal grupo a beneficiar com esta solução é o das PME, mas também os consumidores, visto que cerca de um quinto dos seus pedidos são superiores a 2 000 EUR. Tanto as empresas como os consumidores beneficiarão com a maior utilização do processo, uma vez que os juízes, funcionários judiciais e advogados ficarão mais familiarizados 127 com ele, passando a conduzi-lo melhor e com mais eficiência . Diferentemente do que prevê a Lei nº 9.099/95 em seu artigo 8º, o Regulamento (CE) 861/2007 não traz nenhuma limitação à aplicação do procedimento segundo a qualidade da parte. Contudo, obviamente cria limitações quanto à qualidade da parte ao circunscrever sua aplicação a causas cíveis e comerciais (artigo 2º) e ao excluir expressamente a apreciação de questões: fiscais, aduaneiras, administrativas e de responsabilidade do Estado; relacionadas com o estado ou a capacidade das pessoas singulares; de direitos patrimoniais decorrentes de regimes matrimoniais, de obrigações de alimentos, de testamentos e de sucessões; de falências e as concordatas em matéria de falência de sociedades ou outras pessoas coletivas, os acordos de credores ou outros procedimentos análogos; de segurança social; de arbitragem; de direito do trabalho; de arrendamento de imóveis, exceto em ações pecuniárias; ou de violações da vida privada e dos direitos da personalidade, incluindo a difamação128. O Artigo 3º do regulamento traz os critérios para definição do significado de casos fronteiriços. O procedimento propriamente dito está alocado no Capítulo II do Regulamento (CE) nº 861/2007. O processo se inicia mediante preenchimento de formulário e sua apresentação ao juízo competente, que pode ser inclusive por correio eletrônico. 127 Disponível em: <http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2013/PT/1-2013-794-PTF1-1.Pdf>. Acessado em: 27 de junho de 2015.. 128 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/anexos/regulamento-ce-n861/downloadFile/file/REG_861.2007_Accoes_de_pequeno_montante.pdf?nocache=120006 9108.35>. Acessado em: 27/06/2015. 89 Deve haver a descrição das provas e apresentação, desde já, de eventuais documentos (Artigo 4º, n. 1). O Artigo 5º, n. 1, traz conteúdo perfeitamente compreensível quando se rememora que sua aplicação é para casos transfronteiriços, que no entanto chocase com o previsto na Lei nº 9.099/95. Confira-se: Artigo 5.º Tramitação do processo 1. O processo europeu para acções de pequeno montante é escrito. O órgão jurisdicional pode efectuar uma audiência, se o considerar necessário ou se uma das partes o requerer. O órgão jurisdicional pode indeferir este pedido se, após apreciação das circunstâncias do caso, concluir que uma audiência é claramente desnecessária para assegurar um processo equitativo. O indeferimento deve ser justificado por escrito, e não pode ser 129 impugnado separadamente . Inicialmente, o que chama a atenção é a previsão expressa de que o processo é escrito, o que contraria o critério da oralidade imperante em boa parte das legislações sobre pequenas causas, inclusive a brasileira. Com efeito, entre os critérios que informam o procedimento dos juizados especiais cíveis no Brasil está expressamente o da oralidade (art. 2º, Lei nº 9.099/95), não raro considerado o mais importante deles. A respeito, veja-se o que sustenta Felipe Borring Rocha: A oralidade é, seguramente, o princípio mais importante da Lei nº 9.099/1995 e um dos mais importantes do sistema processual pátrio. Um de seus maiores defensores, no período moderno, foi o italiano Giuseppe Chiovenda, que sempre lutou por um processo oral, ou seja, com a predominância da palavra falada sobre a palavra escrita. É preciso lembrar, no entanto, que para um processo ser oral não é necessário, nem desejável, abolir a forma escrita. Com efeito, processo oral é aquele que oferece às partes meios eficazes para praticarem os atos processuais através da palavra falada, ainda que eles tenham que ser registrados por escrito. Em suma, o princípio da oralidade pressupõe a convivência harmônica da palavra escrita e da falada, servindo a primeira basicamente para registrar ou subsidiar a segunda. Nos Juizados Especiais, a oralidade, normalmente presente apenas na fase instrutória, se estende por todo o procedimento cognitivo: na petição inicial (art 14, § 3º), na resposta do réu (art. 30), na inspeção judicial (art. 35, parágrafo único), na perícia (art. 35, caput) etc. De fato, desde a petição inicial, até a prolação da sentença, praticamente todos os atos podem ser feitos oralmente. O déficit de oralidade, no entanto, está presente no procedimento do ‘recurso inominado’ (art. 42) e ao longo dos procedimentos executivos (arts. 52 e 53). Nessas etapas, a aplicação 130 subsidiária do CPC acaba por impor à maioria dos atos a forma escrita . 129 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/anexos/regulamento-ce-n861/downloadFile/file/REG_861.2007_Accoes_de_pequeno_montante.pdf?nocache=120006 9108.35>. Acessado em: 27/06/2015. 130 ROCHA, Felipe Borring. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 24-5. 90 Joel Dias Figueira Jr. também discorre sobre a oralidade: Assim sendo, o princípio da oralidade aparece como norteador geral do processo civil com maior ou menor intensidade, dependendo do tipo de lide, tal como posta pelo sistema à apreciação do Estado-Juiz. Todavia, no procedimento comum, pelas suas próprias características, a oralidade não consegue ser erigida a seu ponto máximo, enquanto no processo de rito mais especializado a possibilidade aumenta sobremaneira, como podemos verificar, por exemplo, nos seguintes dispositivos da Lei 9.099/1995: arts. 131 13, §§ 2º e 3º, 14, 17, 19, 21, 24, § 1º, 28, 29, 30 etc. . Outro aspecto diferencial de ambos os procedimentos é o fato de não se realizar, em regra, audiência no europeu, enquanto no procedimento brasileiro é obrigatória a sessão de conciliação, nos termos do art. 16 da Lei nº 9.099/95. E assim é porque a conciliação, segundo o art. 2º do mesmo diploma legal, deve ser sempre buscada pelo condutor do processo. A diferença, aqui, é bastante grande e compreensível. Numa legislação transfronteiriça, tudo aquilo que evitar o deslocamento das partes de um país a outro nitidamente atua em favor do acesso à justiça. Assim, dispensada, em regra, a realização de audiência, e com todos os atos por escrito, não se exige deslocamento físico das partes. Inclusive a constatação de subutilização do procedimento e da necessidade de algumas alterações, pela Comissão Europeia, leva em conta tal fator. De fato, entre novembro e dezembro de 2012 realizou-se um inquérito Eurobarómetro (Eurobarómetro Especial n. 395)132, pelo qual a Comissão Europeia pôde verificar que a desnecessidade de comparecimento a um tribunal estimularia a utilização do processo europeu para ações de pequena monta: Em novembro e dezembro de 2012, foi realizado um inquérito Eurobarómetro para avaliar a sensibilização, as expectativas e as experiências dos cidadãos europeus no que se refere à aplicação do regulamento. Segundo o inquérito, 71 % das reclamações dos consumidores referem-se a valores inferiores ao limite de 2 000 EUR estabelecido no regulamento. O montante mínimo médio pelo qual os consumidores estão dispostos a interpor um ação noutro Estado-Membro situa-se nos 786 EUR. 12 % dos inquiridos tinham conhecimento da existência do processo europeu para ações de pequeno montante e 1 % declarou já ter recorrido a ele. 69 % dos que já utilizaram este processo estão satisfeitos. 97 % dos inquiridos que intentaram a ação contra uma 131 FIGUEIRA JR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais estaduais cíveis e criminais: comentários à lei 9.099/95. 7ª ed. São Paulo: RT, p.77. 132 Disponível em: <http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_395_en.pdf>. Acessado em: 27/06/2015. 91 empresa e ganharam a causa (tanto a nível nacional como transfronteiriço) conseguiram executar devidamente as decisões proferidas. Os fatores mais importantes para incentivar os cidadãos a recorrerem aos tribunais são: possibilidade de tramitação escrita do processo, sem necessidade de comparecer em tribunal (33 %), possibilidade de não recorrer a um advogado (26 %), tramitação do processo em linha (20 %) e na sua própria 133 língua (24 %) . Na Europa, ademais, não raro se deslocará fisicamente pouco para se chegar a outro país. Porém, este outro país terá costumes jurídicos e leis internas diferentes e, normalmente, um idioma distinto. Portanto, justifica-se perfeitamente o procedimento todo escrito, não só deixando-se de exigir a presença da parte em juízo, mas até mesmo se a evitando. No Brasil a relevância que a Lei nº 9.099/95 dá à busca da conciliação faz com que se exija a presença da parte em juízo pelo menos – e preferencialmente não mais – uma vez no curso do processo. As consequências para o não comparecimento são graves, muito embora mitigadas por entendimentos jurisprudenciais de que a presença da parte pode ser suprida pela de advogado com poderes para transigir. Com efeito, caso o autor não compareça a qualquer das audiências do processo, este será extinto (art. 51, inc. I, da Lei nº 9.099/95). Caso o réu não compareça à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados na petição inicial, salvo se contrário resultar da convicção do juiz (art. 20 da Lei nº 9.099/95). Prosseguindo no exame dos dispositivos relevantes do Regulamento (CE) nº 861/2007, o seu Artigo 5º, n. 3, traz o prazo e forma da resposta do réu: Artigo 5.º [...] 3. O requerido deve apresentar a sua resposta no prazo de 30 dias a contar da notificação do formulário de requerimento e do formulário de resposta, mediante o preenchimento da parte II do formulário de resposta, modelo C, acompanhado, se for caso disso, dos documentos comprovativos pertinentes, e o respectivo envio ao órgão jurisdicional, ou mediante 134 qualquer outro meio adequado que não seja o formulário de resposta . Novamente se verifica a contraposição da opção europeia pelo processo 133 Disponível em: <http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2013/PT/1-2013-794-PTF1-1.Pdf>. Acessado em: 27/06/2015. 134 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/anexos/regulamento-ce-n861/downloadFile/file/REG_861.2007_Accoes_de_pequeno_montante.pdf?nocache=120006 9108.35>. Acessado em: 27/06/2015. 92 escrito à de oralidade adotada no Brasil. Porém, note-se que a simplicidade e a informalidade, critérios informadores do processo na Lei nº 9.099/95, também estão presentes na opção europeia, que igualmente pretende a ampliação do acesso à justiça, quando prevê que a resposta do réu não requer forma específica. Os números 5 a 7 do Artigo 5º do regulamento tratam do pedido reconvencional e o Artigo 6º a respeito do idioma empregado. Os Artigos 7º e 8º do Regulamento (CE) nº 861/2007 trazem a seguinte redação: Artigo 7.º Conclusão do processo 1. No prazo de 30 dias a contar da recepção da resposta do requerido ou do requerente, apresentadas nos prazos fixados nos n.ºs 3 ou 6 do artigo 5.º, o órgão jurisdicional deve proferir uma decisão ou: a) Solicitar às partes que, em prazo determinado não superior a 30 dias, prestem esclarecimentos suplementares relativos ao pedido; b) Solicitar a produção de prova nos termos do artigo 9.º; ou c) Notificar as partes para comparecerem numa audiência, a realizar no prazo de 30 dias a contar da notificação. 2. O órgão jurisdicional profere a decisão quer no prazo de 30 dias a contar da eventual audiência, quer após ter recebido todas as informações necessárias para o efeito. A decisão é notificada às partes nos termos do artigo 13.º 3. Se o órgão jurisdicional não receber resposta da parte relevante no prazo fixado no n.º 3 ou no n.º 6 do artigo 5.º, deve proferir decisão sobre a acção ou pedido reconvencional. Artigo 8.º Audiência O órgão jurisdicional pode realizar a audiência através de vídeo-conferência ou de outras tecnologias de comunicação se estiverem disponíveis os meios 135 técnicos necessários . A par da óbvia opção por um procedimento enxuto e com prazos exíguos, colimando a simplicidade e a celeridade do processo, o que também se constata na Lei nº 9.099/95, resta novamente patente a dispensabilidade de qualquer audiência. Porém, chama a atenção o contido no artigo 8º, na medida em que concede ao juiz, havendo a necessidade de realização de audiência, de realizá-la por teleconferência. Veja-se que o artigo confere uma possibilidade que no Brasil seria impensável no âmbito dos juizados especiais cíveis. No Brasil se a utiliza em outros procedimentos, como, por exemplo, interrogatórios criminais de réus presos, mas a 135 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/anexos/regulamento-ce-n861/downloadFile/file/REG_861.2007_Accoes_de_pequeno_montante.pdf?nocache=120006 9108.35>. Acessado em: 27/06/2015. 93 obrigatoriedade de comparecimento da parte prevista na Lei nº 9.099/95 torna juridicamente inviável a sua utilização, salvo talvez uma boa dose de criatividade do magistrado e a flexibilidade de interpretação quanto ao que signifique presença ou comparecimento. Note-se, contudo, que a norma europeia prevê apenas uma faculdade, a qual, segundo constatação da Comissão Europeia, não tem sido usada. Por isso mesmo propõe a alteração da norma para que se torne obrigatória. Confira-se: O processo europeu para ações de pequeno montante é essencialmente um processo escrito. No entanto, em circunstâncias excecionais, se uma audiência ou audição de perito ou testemunha forem necessárias para formar a decisão, o órgão jurisdicional pode marcar uma audiência. As audiências podem ser realizadas por videoconferência ou qualquer outro meio de comunicação à distância. No entanto, na prática, as audiências são realizadas da forma habitual, o que exige frequentemente a comparência das partes e implica maiores despesas de viagem e atrasos para as mesmas. Esta alteração do regulamento sublinhará mais acentuadamente, em primeiro lugar, a natureza excecional das audiências no contexto do procedimento simplificado. Em segundo, virá impor que os órgãos jurisdicionais utilizem sempre meios de comunicação à distância, como a videoconferência ou a teleconferência, durante as audiências. A fim de salvaguardar os direitos das partes, será aberta uma exceção para a parte que solicitar expressamente comparecer em tribunal. Esta alteração poderá obrigar os Estados-Membros a dotar os seus tribunais de tecnologias de comunicação adequadas, nos casos em que ainda não estejam instaladas. As possibilidades tecnológicas à disposição dos Estados-Membros são variadas e incluem recursos da Internet com uma boa relação custo-eficácia 136 . O Artigo 9º do Regulamento (CE) nº 861/2007 versa sobre a prova, e novamente traz elementos interessantes para cotejo com a Lei nº 9.099/95: Artigo 9.º Produção de prova 1. O órgão jurisdicional deve determinar os meios de produção de prova e quais as provas necessárias para a sua tomada de decisão de acordo com as regras aplicáveis à admissibilidade da prova. O órgão jurisdicional pode admitir a produção de prova através de depoimentos escritos de testemunhas, peritos ou partes. O órgão jurisdicional pode igualmente admitir a produção de prova através de vídeo-conferência ou outras tecnologias de comunicação se estiverem disponíveis os meios técnicos necessários. 2. O órgão jurisdicional só pode admitir a produção de provas periciais ou de depoimentos orais se estes forem indispensáveis para a decisão. Ao decidir nesse sentido, o órgão jurisdicional deve ter em conta as despesas respectivas. 3. O órgão jurisdicional deve escolher os métodos mais simples e mais 137 práticos para a produção de prova . 136 Disponível em: <http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2013/PT/1-2013-794-PTF1-1.Pdf>. Acessado em: 27/06/2015. 137 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/anexos/regulamento-ce-n- 94 Aqui encontra-se positivada mais uma vez na norma europeia a simplicidade de que também trata o art. 2º da Lei nº 9.099/95. O legislador europeu, de uma parte, impõe ao juiz a escolha dos métodos mais simples de produção de prova, ao mesmo tempo em que, novamente, incita o juízo a não colher qualquer tipo de prova pericial ou oral. Diferentemente do ordenamento jurídico brasileiro, que não permite a prestação de depoimentos de testemunhas e partes por escrito, o europeu, coerente à sua opção pelo afastamento da oralidade, o estimula, bem assim, em sua necessidade, o uso de meios não-presenciais, como a videoconferência. O Artigo 10 do regulamento dispensa a representação obrigatória por advogado, à semelhança do que ocorre nas causas brasileiras até 20 salários mínimos (art. 9º, caput, da Lei nº 9.099/95). Muito se discutiu, no caso brasileiro, considerando que a lei menciona o termo “assistência” por advogado, e não “representação”, sobre a diferença entre tais palavras e, pois, sobre o alcance da atuação do advogado. Contudo, na prática o que se observa é que a assistência de que trata a norma é correntemente tratada como representação. O Artigo 11º do Regulamento (CE) nº 861/2015 impõe aos Estados- Membros a prestação efetiva de assistência prática no preenchimento dos formulários. A correlação possível com a norma brasileira aqui é ao § 1º do art. 9º da Lei nº 9.099/95, o qual determina, em suma, que se deverá dispor de assistência judiciária à parte que o deseje. O Artigo 12º traz a seguinte redação: Artigo 12.º Conduta do órgão jurisdicional 1. O órgão jurisdicional não deve exigir que as partes procedam à apreciação jurídica do pedido. 2. Se necessário, o órgão jurisdicional informa as partes sobre questões processuais. 3. Se for caso disso, o órgão jurisdicional deve procurar obter um acordo 138 entre as partes. . Quanto ao n. 1, nada mais revela do que o decantado brocardo latino Da 861/downloadFile/file/REG_861.2007_Accoes_de_pequeno_montante.pdf?nocache=120006 9108.35>. Acessado em: 27/06/2015. 138 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/relacoesinternacionais/anexos/regulamento-ce-n861/downloadFile/file/REG_861.2007_Accoes_de_pequeno_montante.pdf?nocache=120006 9108.35>. Acessado em: 27/06/2015. 95 mihi factum dabo tibi jus ou o princípio jura novit curia. O n. 3 sim traz algo digno de nota para cotejo com a norma brasileira. A expressão “se for caso disso” é, em realidade, o que faz toda a diferença. Teoricamente, conforme acima já foi tratado, o juiz brasileiro está obrigado a conduzir o processo “...buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (art. 2º, parte final, da Lei nº 9.099/95). No entanto, considerando que o rito brasileiro prevê uma sessão de conciliação, a qual também serve de marco para a resposta do réu, caso não haja conciliação, a busca da conciliação é na verdade e em tese obrigatória, mesmo no casos em que ela materialmente não será possível. No rito europeu, a expressão “se for caso disso” deixa claramente a faculdade pela tentativa à percepção do juiz frente ao caso concreto, não havendo uma fase de conciliação obrigatória. Além disso, não existindo meio específico obrigatoriamente estabelecido nem fase conciliatória no rito, também fica a critério do juiz o uso do meio que for mais conveniente para aproximar as partes a um acordo, seja via videoconferência ou qualquer outra que lhe pareça mais prática e atenda melhor aos fins e à celeridade do processo. Embora o Regulamento (CE) nº 861/2007 seja relativamente recente, parece que seu Artigo 13º já nasceu algo superado, pois estabelece a notificação de documentos por meio de carta registrada com recepção datada. De fato, em tempos de internet, correio eletrônico e mensagens instantâneas, soa anacrônico que o meio principal de notificação seja unicamente a carta registrada. Não por outro motivo também sobre esse ponto a Comissão Europeia propõe alterações para que o meio eletrônico esteja em pé de igualdade com o meio postal. Veja-se: Várias comunicações entre as partes e os tribunais poderiam, em princípio, ser efetuadas por meios eletrónicos, o que permitiria poupar tempo e dinheiro nos processos transfronteiriços, especialmente nos casos em que as distâncias sejam muito longas. O requerimento inicial pode começar por ser apresentado por meios eletrónicos nos Estados-Membros que aceitam este método. No entanto, nos casos em que devem ser notificados documentos às partes durante o processo, o método principal de notificação previsto no regulamento é a carta registada com aviso de receção. Podem ser utilizados outros métodos de notificação se não for possível fazê-lo pelo correio. Não obstante, a notificação eletrónica já é praticada em diversos Estados-Membros. A proposta colocará a notificação postal e a notificação eletrónica em pé de igualdade, a fim de permitir que os Estados-Membros que já as utilizam disponibilizem os meios eletrónicos para utilização das partes no processo europeu para ações de pequeno montante. A simplificação e a economia de tempo e de custos só serão possíveis nos 96 processos que corram nos Estados-Membros que decidirem proceder à notificação eletrónica de documentos; no entanto, é de esperar que o número de Estados-Membros que tiram partido destes desenvolvimentos tecnológicos continue a aumentar. Para outro tipo de comunicações menos importantes entre as partes e os tribunais, a proposta fará da comunicação 139 eletrónica a regra, sob reserva apenas do acordo das partes . O Artigo 14º do regulamento trata de prazos, enquanto o Artigo 15º prevê que a decisão terá força executória independentemente de recursos e de prestação de caução. Nisso encontra simetria com o artigo 43 da Lei nº 9.099/95, o qual prevê ao recurso apenas efeito devolutivo, ressalvando a expressa concessão de efeito suspensivo pelo juiz, para evitar dano irreparável à parte. O Regulamento (CE) nº 861/2007, em seu Artigo 16º, prevê sobre o pagamento das despesas, atribuindo-as ao vencido e ressalvando as despesas desnecessárias e a desproporcionalidade do valor pedido. Nesse ponto há que se fazer uma distinção. No juízo comum, o direito processual brasileiro apenas contempla como despesas a serem suportadas pela parte os honorários de advogado sucumbenciais e custas processuais, como, por exemplo, as custas iniciais, de eventuais diligências, honorários de perito, taxas recursais etc. Porém, não considera as despesas pessoais da parte vencedora com, por exemplo, honorários advocatícios contratuais ou de deslocamento ao fórum. Portanto, no direito brasileiro não haveria necessidade de ressalvar as despesas desnecessárias ou a desproporcionalidade do valor pedido, pois o valor das despesas incluídos na condenação, no juízo comum, são apenas aqueles estabelecidos pelo próprio juízo, a exemplo de honorários periciais ou sucumbenciais, ou previamente pela Administração, como as taxas recursais. Nas ações da Lei nº 9.099/95, contudo, salvo a hipótese de má-fé, em que o juiz, em primeira instância, fixa condenação sucumbencial como sanção processual (art. 55 da Lei nº 9.099/95), “o acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas” (art. 54 da Lei nº 9.099/95). Os Artigos 17º e 18º do regulamento tratam dos meios de reforma das decisões proferidas no processo. O Artigo 17º prevê a possibilidade de recurso, ao 139 Disponível em: <http://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2013/PT/1-2013-794-PTF1-1.Pdf>. Acessado em: 27 jun. 2015. 97 abrigo do direito processual do Estado-Membro, enquanto o Artigo 18º estabelece regras mínimas para a revisão da decisão. O Artigo 19º versa sobre o direito processual aplicável, prevendo-o como o do Estado-Membro, sem prejuízo do estabelecido no regulamento. O Capítulo III, que se inicia no Artigo 20º do Regulamento (CE) 861/2007, diz respeito ao reconhecimento e execução da decisão em outro Estado-Membro da União Europeia. Já o Capítulo IV do regulamento, que se inicia no Artigo 24º e finda no 29º, traz as disposições finais, mormente regulando situações a serem cumpridas nas relações entre os Estados-Membros. Desse modo, os dois capítulos finais do regulamento sobre o processo europeu para ações de pequena monta não comportam interesse teórico ou prático ao problema proposto na pesquisa e posto no presente trabalho. Por isso, não serão aqui abordados. 3.3 PERSPECTIVAS DE APROVEITAMENTO DE ELEMENTOS DO PROCESSO EUROPEU PARA AÇÕES DE PEQUENA MONTA NO TRATAMENTO DAS AÇÕES REPETITIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS BRASILEIROS É certo que a pesquisa e a dissertação para obtenção de titulação em nível de mestrado não exigem ineditismo nem, necessariamente, a propositura de soluções ao problema, ou aos problemas, em que se concentraram e a que se propuseram. O autor, muito modestamente, nunca teve a pretensão sequer de formular soluções, menos ainda indiscutíveis e definitivas, ao problema do excesso de litigiosidade e do volume de ações repetitivas que assoberba e quase inviabiliza os juizados especiais brasileiros. Desejava, sim, pesquisar o tema em busca de ideias e eventuais soluções, mas nunca de as formular. Esclarecido isso, o que a pesquisa fez constatar foi, por um lado, a riqueza de material bibliográfico, tanto brasileiro quanto europeu, a respeito do acesso à justiça. Por outro, a aridez de fontes bibliográficas, no direito comunitário europeu, a respeito das ações de pequeno montante ou pequenas causas, muito embora a União Europeia disponha de um regulamento próprio, comunitário e 98 transnacional, para tal tipo de demanda. Em seara exclusivamente brasileira, o problema específico aqui tratado e suas possíveis soluções no âmbito jurídico já foram examinados anteriormente, inclusive com abundância de talento acadêmico e profusão de dados. Mencione-se, mais uma vez, o exaustivo trabalho de Ricardo Torres Hermann140. Contudo, e parece que justamente por não ser uma área da atuação judicial que cause muitos nem grandes problemas no âmbito da integração europeia, não se dá, muito compreensivelmente, a importância ao tema que se dá no Brasil. Ao contrário, o que se constatou, e a própria Comissão Europeia o fez, conforme acima já visto, foi a pouca utilização do processo europeu para ações de pequeno montante. Ou seja, se no Brasil o que preocupa é o excesso de manejo de ações nos juizados especiais cíveis, na Europa a preocupação, pelo menos da Comissão Europeia, é exatamente contrária, qual seja, a de subutilização do processo. Em tal contexto, é também compreensível que não haja fartura de material europeu a respeito do tema. Não é um problema nem para a população nem, pois, para a comunidade jurídica. Consequentemente, é natural que não desperte maiores preocupações também em âmbito acadêmico, o qual certamente se ocupa do trato teórico das questões jurídicas, mas muito sabiamente não o faz em questões que não tenham a menor destinação prática para a comunidade em que inserido. Afinal, se o direito é, segundo Miguel Reale141, norma, valor e fato, falta, neste tema, relevância ao fato para que as comunidades jurídica e acadêmica europeias, com muito mais razão preocupadas com o direito da integração, se interessem por algo que no Brasil, ao contrário, é relevante. Diante do que foi pesquisado para este capítulo da dissertação, ou seja, o processo europeu para ações de pequeno montante, o regulamento que dele trata e as demais poucas fontes disponíveis, é que se procurará formular algumas ideias, jamais soluções, para o problema essencialmente brasileiro em que o trabalho se concentra, a partir da perspectiva europeia. As soluções são mais complexas e 140 HERMANN, Ricardo Torres. O tratamento das demandas de massa nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2010. 141 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 99 envolvem fatores outros além do jurídico, como o econômico, o político, o cultural e assim por diante. É certo que o processo europeu para ações de pequena monta pode sim fornecer elementos cuja adoção traria benefícios em âmbito brasileiro. Afinal, tanto a Lei nº 9.099/95 como o Regulamento (CE) nº 861/2007 foram criados a partir de premissas muito semelhantes. Ambos surgiram da necessidade, ou pelo menos da vontade, de garantir ao jurisdicionado o amplo acesso à justiça, em todas as suas nuances, em especial a da razoável duração do processo e a de facilitação ao ajuizamento das demandas. Destacam-se, a seguir, os pontos em que elementos do processo europeu para ações de pequeno montante poderiam ter utilidade ao trato das ações repetitivas nos juizados especiais cíveis brasileiros. Considerar-se-á, para tanto, as modificações de alteração do Regulamento (CE) 861/2007 propostas pela Comissão Europeia, já que não faria muito sentido adotar ideias consideradas superadas ou ineficientes no contexto em que criadas. Já se defendeu, no Capítulo 2 desta dissertação, para a manutenção da correspondência entre direito posto e direito pressuposto e, pois, da legitimidade da norma e da própria viabilidade dos juizados especiais cíveis brasileiros, a necessidade de pequena alteração legislativa, vedando-se expressamente o ingresso no sistema especial das ações que versem sobre direitos individuais homogêneos. Contudo, essas ações repetitivas teriam outro destino e abarrotariam outro juízo. Ou seja, o fato é que elas existem e continuarão existindo, mesmo que se negue a elas a entrada nos juizados especiais. O que se pretende exatamente dizer é que, enquanto se continuar tratando o que é coletivo como individual, fracionadamente, o problema seguirá existindo e algum juiz terá que dar conta do volume invencível, esteja à frente de um juízo comum ou de um juizado especial. Se os juizados especiais cíveis continuarem tendo que fazer frente a essa demanda, forçosamente se necessitará de alguma flexibilização do rito e até mesmo de alguns dos princípios informadores dos juizados especiais. É nesse contexto que o processo europeu para ações de pequeno montante aparentemente pode contribuir. O primeiro elemento que se pode extrair do Regulamento (CE) nº 100 861/2007 que sem dúvida agilizaria muito o trâmite das ações repetitivas é a ausência de obrigatoriedade da tentativa de conciliação, deixando-se tal avaliação a critério do juiz. Não sem boas razões, vários entusiastas dos juizados especiais, muito embora o autor também o seja, certamente se postariam absolutamente contrários a isso. É que a conciliação está no cerne dos juizados especiais brasileiros. Porém, e conforme já se viu, a experiência tem demonstrado que os grandes demandados neste tipo de litígios não os tratam um a um, mas sim como um grande fenômeno em que, via de regra, não querem abrir nenhum precedente de conciliação com nenhum dos autores individualmente. Preferem arriscar-se pelo menos às primeiras decisões judiciais definitivas, porque o impacto econômico de conciliar em todos os feitos antes disso poderia ser expressivo. Sucede, não obstante, que não raro as primeiras decisões definitivas e irrecorríveis sobre tais questões podem demorar anos, chegando até o Supremo Tribunal Federal. Ora, podendo o juiz, conforme seu prudente critério, dispensar a tentativa de conciliação nesses casos, consegue imprimir-lhes uma tramitação muito mais rápida, pois também não raro a disponibilidade de conciliadores e até mesmo de salas de audiência é mínima e a necessidade de designação de milhares de audiências, como já constatado, pode comprometer em anos a pauta, pondo por terra o tão precioso direito de acesso à justiça. Na esteira desse elemento, há outro do processo europeu que poderia ser aproveitado com sucesso nos juizados especiais brasileiros. Novamente, a resistência seria grande, porque é um dos princípios mais caros aos juizados especiais. Acontece que, mitigando a oralidade, ou mesmo quase a dispensando, como faz o Regulamento (CE) nº 861/2007, pode-se dispensar a realização de sessão de conciliação. Nas ações repetitivas, que em regra não necessitam de audiência instrução e julgamento, e na ausência de previsão específica na Lei nº 9.099/95, bastaria respeitar um prazo de resposta de dez dias, que é o de antecedência mínima da audiência prevista no art. 277 do Código de Processo Civil para o rito sumário. Neste caso, o procedimento realmente acabaria muito semelhante ao europeu, pois, salvo alguma situação excepcional, ficaria reduzido, em primeiro grau, à petição inicial, resposta e sentença escritas. 101 O processo seria inegavelmente mais célere, não só pela tramitação enxuta e limitada ao necessário, mas, principalmente, pela desnecessidade de espaço físico e de pessoal para a realização de audiência. Sendo tais recursos limitados, mil ações ajuizadas num só dia levam, marcando-se audiência, a um prolongamento exagerado do tempo de duração de cada um deles, sobretudo daqueles cujas audiências sejam designadas para as datas posteriores. Mitigando-se a oralidade em casos tais, poder-se-ia dar trâmite temporalmente idêntico a todos, criando-se uma desejada uniformidade e privilegiando-se significativamente a celeridade. Mais importante do que tudo isso, assegurar-se-ia o acesso à justiça àquele autor que ajuizou uma causa típica de juizado especial (pedido de indenização por danos materiais em acidente de trânsito, por exemplo), o qual teria sua audiência muito mais próxima no tempo, com a presença de uma contraparte possivelmente aberta ao diálogo e à conciliação, considerada a natureza da causa. Um terceiro elemento constante do processo europeu e que poderia ser útil no rito dos juizados especiais, nem tanto em relação às ações repetitivas, é o uso da videoconferência. Embora haja alguns experimentos isolados nesse sentido no âmbito dos juizados especiais, a realidade é que, ante os efeitos legais já explicitados do não comparecimento em juízo tanto do autor quanto do réu, pouco se usa o recurso. A desnecessidade de comparecimento pessoal, contudo, privilegiaria o acesso à justiça, em especial para o litigante que não reside na comarca onde o processo tramita. Há que se ter em mente, outrossim, quanto a isso, que o Brasil é um país de território continental, cerca de noventa e duas vezes o território de Portugal. A distância, em linha reta, entre Florianópolis e Manaus, cerca de três mil quilômetros, é maior do que a distância de Braga ou Lisboa a Berlim. A possibilidade de apresentação de depoimentos escritos de testemunhas, partes e peritos seria também de utilidade à celeridade dos juizados especiais, muito embora contrária à tradição judicial brasileira. Com efeito, crê-se, sobretudo nas causas submetidas a limitação de valor (nos juizados especiais cíveis, embora seja regra, há causas, por sua natureza, em que a limitação não existe), que se pode abrir mão da segurança jurídica do depoimento prestado diretamente ao juiz em prol da celeridade. Os valores jurídicos que se visa proteger, nesses casos, deveriam ser sopesados com vistas à importância econômica da causa. 102 Por derradeiro, acredita-se que, tal qual no processo europeu para ações de pequena monta, embora não seja por óbvio exclusividade desse, deveria haver nos juizados especiais cíveis brasileiros a imposição do pagamento de despesas à parte vencida em primeira instância, ainda que com limitação. Muito embora a gratuidade esteja aparentemente em consonância com o amplo acesso à justiça, a verdade – e os quase vinte anos de existência dos juizados especiais assim mostram – é que ela permite um sem-número de aventuras jurídicas, pois, não havendo qualquer consequência em caso de insucesso, os juizados especiais acabam servindo frequentemente como “laboratório de testes” para teses e pedidos novos, às vezes muito pouco jurídicos, sobretudo no âmbito dos direitos individuais homogêneos. Isso acaba por tomar força de trabalho que poderia ao mesmo tempo estar sendo empregada em processos “reais”, por assim dizer. E com esse efeito nefasto, a gratuidade acaba em realidade por prejudicar o acesso à justiça em vez de servir à sua causa. Ressalta-se que a extinção da gratuidade automática nos juizados especiais não excluiria a possibilidade de se a requerer ao juiz, nos termos da lei de regência específica. 3.4 SÍNTESE DO EXPOSTO No presente capítulo abordou-se o contexto das liberdades econômicas do direito da integração europeu, no qual foi elaborado o Regulamento (CE) nº 861/2007, que estabelece o processo europeu para ações de pequeno. Fez-se o cotejo do referido regulamento com a Lei nº 9.099/95, naquilo que era útil à pesquisa e à questão central aqui trazida, apontando-se similaridades e diferenças. Ao final, destacaram-se os elementos do processo europeu de pequeno montante que se julga capazes de contribuir ao tratamento adequado das ações repetitivas nos juizados especiais cíveis brasileiros. 103 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho iniciou ocupando-se do acesso à justiça. Viu-se que existe uma concepção jurídica majoritária de que vai muito além da simples facilidade de ajuizar demandas e de provocar o Estado a solucionar conflitos. Segundo essa concepção atual, o acesso à justiça é o direito fundamental a uma ordem jurídica justa, a qual deve garantir o acesso materialmente igualitário de todos ao sistema jurídico e à obtenção de soluções adequadas, efetivas e em prazo razoável aos conflitos. Constatou-se como tal direito fundamental está positivado nas Constituições portuguesa e brasileira, assim como na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nas Convenções Europeia e Americana de Direitos Humanos. Investigou-se a distinção entre acesso à justiça e acesso ao Judiciário, tendo-se podido constatar que, embora de formas distintas, o acesso à justiça é uma preocupação existente desde que o ser humano se organizou social e politicamente. Viu-se que quando o Estado contemporâneo se consolida, nos primórdios do século XX, o acesso à justiça começa a tomar a feição que se desenvolveu até os dias de hoje, ocupando-se em buscar a igualdade real, e não meramente a formal. A partir dos anos 1960, amolda-se no conceito que passa a ter atualmente, que é o contemplado pelas Constituições portuguesa e brasileira. A partir da Constituição brasileira de 1988, surge a explosão de litigiosidade que se verifica até o momento atual e, em 1995, a Lei nº 9.099, que cria os juizados especiais cíveis e criminais. Visava-se, com isso, ampliar o acesso à justiça, facilitando-se o acesso às cortes e ao mesmo tempo buscando-se um procedimento rápido e eficiente. Elucidou-se, a partir dessa evolução histórica, como o acesso ao Judiciário e o acesso à justiça não se confundem. O trabalho prosseguiu com o exame da duração razoável do processo, vendo-se como seu conceito está atado ao caso concreto. Pôde-se, também, estabelecer que sua definição, de qualquer maneira, exclui qualquer dilação injustificada do processo, inclui a superação dos elementos textuais e não textuais transponíveis e exige, respeitada a reserva do possível, sua implementação pela 104 Administração quando da insuficiência de recursos e o aperfeiçoamento normativo quando da obsolescência das normas instrumentais. Perquiriu-se sobre a indissociabilidade entre o acesso à justiça e a razoável duração do processo, atestando-se como são direitos que interagem entre si e se complementam, pois compõem e se voltam à consecução do mesmo valor jurídico, que é o da efetividade da prestação jurisdicional. No segundo capítulo se investigou o fenômeno das ações repetitivas nos juizados especiais cíveis estaduais, vendo-se como a proliferação desse fenômeno comprometeu a efetividade de tais juizados a ponto de chegar-se à falta de correspondência entre o direito posto e o direito pressuposto, de forma a afetar sua própria legitimidade. Foi constatada, ademais, a importância da efetividade das agências reguladoras para a efetividade dos juizados especiais cíveis. Foram abrodadas técnicas processuais que auxiliam no julgamento de tais demandas. A pesquisa, realizada visando a titulação em mestrado tanto pela Universidade do Vale do Itajaí, de Itajaí-SC, Brasil, como pela Universidade do Minho, de Braga, Portugal, acabou conduzindo à busca de conhecimento sobre a União Europeia e o tratamento por esta dispensado às pequenas causas no âmbito da integração europeia. Com isso, estudou-se o Regulamento (CE) nº 861/2007, que estabelece o processo europeu para ações de pequeno montante, procurando-se cotejá-lo à Lei nº 9.099/95. Este foi o objeto do terceiro capítulo, Ao final, destacaram-se os elementos do processo europeu de pequeno montante que se julga capazes de contribuir ao tratamento adequado das ações repetitivas nos juizados especiais cíveis brasileiros. A pesquisa e o estudo foram significativamente úteis. Como já se afirmou anteriormente, a proposta ao se estudar o tema não era a de encontrar soluções que, como se sabe, não dependem apenas de fatores jurídicos. No entanto, colocar o problema à luz sobretudo das origens e da mens legis dos juizados especiais cíveis, bem como da práxis do direito europeu da integração a respeito das ações de pequeno montante, teve o condão de fazer pensar fora do trilho a que a prática judicial habitual acaba conduzindo. Esse deslocamento de uma forma de pensar tipicamente atrelada à prática judicial para a da investigação acadêmica, mais ainda feita em âmbitos 105 territoriais distintos, foi capaz de conduzir a ideias que, se não são definitivas nem traduzem soluções prontas ao problema posto, pelo menos fornecem a ponta da linha a quem está no labirinto. E foi em tal contexto que algumas ideias à reflexão surgiram da investigação, as quais se pode sinteticamente elencar da seguinte forma: a) Evitar-se a perda de legitimidade dos juizados especiais cíveis que se avizinha, pelo desvirtuamento da sua lei de regência, parece ser possível com pequena alteração no direito posto para que contemple aquilo que já integrava o direito pressuposto que lhe corresponde desde sua criação, excluindo-se expressamente a competência dos juizados especiais cíveis para demandas individuais baseadas em interesses individuais homogêneos. Os anseios do todo social no tocante aos interesses individuais homogêneos e à litigância de massa, assim, seriam contemplados pelo juízo ordinário, até a criação de direito posto que correspondesse a esse direito pressuposto, preservando-se os juizados especiais cíveis do risco de deslegitimação; b) É absolutamente essencial fazer com que as agências reguladoras tenham plena efetividade, pois isso aumentaria a efetividade dos juizados especiais cíveis; c) a mitigação da oralidade, a desnecessidade de presença física e a facultatividade, a critério do juiz, de se tentar conciliar as partes, conforme se dá no processo europeu para ações de pequeno montante, são elementos que, se empregados nos juizados especiais cíveis brasileiros, aparentemente facilitariam o tratamento adequado das ações repetitivas, pois privilegiariam a celeridade, em prol da razoável duração do processo e, portanto, o próprio acesso à justiça. Longe de se ter pretendido esgotar a investigação sobre o problema proposto, espera-se ter podido pelo menos assentar mais um tijolo à colossal obra de se erigir uma sociedade mais justa e mais fraterna, capaz de atender os anseios de justiça de quem dela necessita e hábil a contornar os problemas que o direito, fato imperfeito que é, mais talvez do que norma e valor, insiste em nos oferecer diariamente. 106 4 REFERÊNCIAS ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. ALVIM, José Eduardo Carreira. Juizados Especiais Cíveis Estaduais: Lei 9.099, de 26.09.1995. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2005. ______. Alterações do código de processo civil. 2. ed. rev. e atual. até a Lei nº 11.280/06. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. ANNONI, Danielle. Direitos humanos e acesso à justiça no direito internacional: responsabilidade internacional do estado. Curitiba: Juruá, 2003. 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